Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9375/22.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ALEGAÇÃO DE FACTOS
ALEGAÇÃO DE NOVOS FACTOS
FACTOS ESSENCIAIS
Nº do Documento: RP202412059375/22.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 12/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na decisão sobre a matéria de facto, em primeira linha, o tribunal deve ter em conta os factos alegados pelas partes nos seus articulados com interesse para a decisão da causa, sendo sobre eles que primordialmente vão incidir os meios de prova.
II - Os factos novos de que a parte não fez oportunamente uso no processo, não podem ser trazidos por ela aos autos apenas em sede de recurso.
III - Os factos que podem ser considerados pelo juiz no âmbito da decisão da matéria de facto são, para além daqueles que foram alegados pelas partes nos seus articulados, os factos instrumentais e complementares com interesse para a decisão, que resultem da discussão da causa desde que, relativamente a estes, tenha sido observado o contraditório
IV - Os factos essenciais que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções, continuam a ter que ser alegados pelas partes nos seus articulados, atento o disposto no nº1 do art.º 5.º do C.P.C.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 9375/22.0T8VNG.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia



Relator: Carlos Portela
Adjuntas: Isoleta Almeida Costa
Ana Vieira




Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto



I. Relatório:
AA, residente na Rua ..., ..., ... ..., V. N. de Gaia veio intentar a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra A... – Sociedade de Restauros e Construção Civil Lda., com sede na Rua ..., sala ...6, ... ..., ..., onde pediu a condenação desta última nos termos seguintes:
Na reparação de todos os defeitos verificados na obra acordada e pagamento dos custos da reparação;
Na eliminação dos defeitos existentes na obra;
No pagamento da quantia de 2.500,00€, a título de danos morais;
Subsidiariamente, no pagamento total da reparação levada a cabo por entidade terceira.
A acção foi contestada, tendo sido arguida a caducidade da acção.
Em sede de audiência prévia foi fixado o valor à acção e foram enunciados o objecto do litígio e os temas da prova.
Realizou-se a audiência do julgamento, no culminar da qual foi proferida sentença onde se julgou procedente a matéria de excepção da caducidade da acção e consequentemente se absolveu a ré do pedido.
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O autor veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas alegações.
A ré contra alegou.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como sendo o próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo autor/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
I. Em sede de declarações/depoimento de parte, o Recorrente confirmou que os primeiros sinais de humidade surgiram no inverno de 2015/2016 (vide trechos 05:25; 08:58; 20:04; 20:36).
II. O Recorrente se refere a tais sintomas como meros indícios/vestígios/sinais (vide trechos 05:25; 20:36), o que afasta uma ideia de percepção da existência de um defeito estrutural da obra.
III. Refere, também, que comunicou à Recorrida o surgimento dos referidos sintomas e que, nessa sequência, os responsáveis daquela se deslocaram ao local, explicaram-lhe o problema que estava em causa, rasparam a tinta e pintaram novamente e transmitiram que a questão ficara resolvida (vide trechos 05:25; 07:13; 08:58; 20:04; 20:45; 27:45; 27:57; 28:06).
IV. O Recorrente afirma que, embora não tivesse ficado esclarecido, mas por não ser perito na matéria, aceitara a explicação e a solução aplicada, ficando com a percepção de que a questão estaria totalmente sanada (vide trechos 05:25; 07:13; 08:58; 20:04; 20:45; 27:45; 27:57; 28:06).
V. O Recorrente não coloca em causa que se tenham verificado sinais de humidade naquele inverno de 2015/2016 e que tal circunstância haja conduzido à intervenção por parte dos responsáveis da Recorrida (raspagem e pintura);
VI. Advoga, isso sim, que tais sinais se apresentavam com relevância diminuta e que, na sequência da referida intervenção, ficou convicto de que a questão ficara resolvida, o que não é infirmado pelos depoimentos das testemunhas BB (pai do Recorrente) e CC (cônjuge do Recorrente).
VII. Ao deporem em audiência de julgamento, ambas as testemunhas se reportaram apenas ao momento em que surgiram os sintomas em causa (que situam no inverno de 2015/2016), mas em momento algum se referem à sua gravidade.
VIII. Aliás, se algo há a relevar nos depoimentos supra referidos, é o facto de a cônjuge do Recorrente confirmar a percepção de que depois da intervenção efectuada pelos responsáveis da Ré o problema ficara resolvido, quando responde: “ficou mais bonito”.
IX. A própria Recorrida, na Contestação, e o respectivo representante em audiência, assumem como momento relevante da manifestação dos defeitos o ano de 2019, aludindo, designadamente, a “infiltrações que surgiram em meados de 2019”.
X. Conforme decorre dos excertos da Contestação citados no presente plumitivo, a Recorrida nunca associou a ocorrência do inverno de 2015/2016 aos defeitos da obra denunciados pelo Recorrente em 2019;
XI. Precisamente porque os sintomas de 2015/2016 foram percepcionados como uma incidência de somenos, que teria ficado definitivamente resolvida e que não se relacionaria com qualquer defeito estrutural de execução da obra.
XII. Ao contrário do entendimento do tribunal a quo, que refere uma pretensa falta de espontaneidade, nada se deslinda no depoimento do Recorrente que merecesse desacreditá-lo; pelo contrário, a versão que apresenta dos factos é a mais verosímil à luz das regras da experiência comum.
XIII. Atento o exposto, entende-se que a prova produzida impunha ao tribunal a quo que desse como provados os seguintes factos
A) Os sintomas ocorridos no inverno de 2015/2016, referidos no facto provado 17) [da sentença recorrida], aparentavam não ser significativos nem corresponderem a um defeito estrutural da obra e o Autor não os percepcionou como tal.
B) Na sequência dos contactos referidos no facto provado 18) [da sentença recorrida], os responsáveis da Ré deslocaram-se ao local da obra, onde rasparam a tinta que se destacava das paredes, pintando-as de novo;
C) Na ocasião referida em B), os responsáveis da Ré transmitiram ao Autor que, com a intervenção efectuada, o problema ficara resolvido, informação em que este confiou.
No mais,
XIV. Resulta do depoimento do Recorrente, já atrás transcrito, que após aquela intervenção da Recorrida em 2016 (raspagem da tinta e nova pintura), as paredes na zona da obra não voltaram a apresentar problemas nos anos de 2017 e 2018 (que descreve como invernos menos rigorosos), sem prejuízo de pequenos sinais de humidade normais em alturas de inverno, e só no segundo semestre do ano de 2019 – pouco antes do momento em que enviou cartas à Ré denunciando as anomalias (a primeira das quais datada de 20/12/2019, conforme facto provado 21) da sentença recorrida) - as infiltrações se manifestaram acentuadamente, apresentando extrema gravidade (vide trechos 07:13; 09:29; 11:46; 28:25).
XV. Tais factos são, aliás, compatíveis com o alegado pela própria Recorrida na Contestação, na parte em que salienta que, no ano de 2016, a pluviosidade na região do Porto fora muito superior à média anual verificada nos anos seguintes
XVI. Assim, é verosímil a narrativa de que nos anos de 2017 e 2018 as paredes não apresentassem sinais relevantes de infiltrações e que tal só viesse a ocorrer no ano de 2019.
XVII. Se, por hipótese académica, as anomalias se houvessem manifestado com gravidade logo no inverno de 2015/2016 e se houvessem mantido e agravando ao longo dos anos seguintes, o que justificaria que o Recorrente houvesse, naquele primeiro inverno, denunciado prontamente a incidência verificada, e já nos anos seguintes se mantivesse inerte e só viesse a contactar novamente a Recorrida em Novembro de 2019? Não faz o menor sentido, à luz das regras da experiência comum.
XVIII. De facto, maior verosimilhança será de reconhecer à versão segundo a qual, depois da intervenção da Recorrida em 2016 (raspagem da tinta e nova pintura), os sinais de humidade houvessem sustado nos anos de 2017 e 2018 (por terem sido invernos menos rigorosos) e só em altura adiantada do ano de 2019 as infiltrações se tivesses manifestado acentuadamente, o que justifica que só em Novembro de 2019 o Recorrente voltasse ao contacto da Recorrida para lhe denunciar os defeitos, que, nessa altura sim, aparentavam ser graves.
XIX. Tal versão é, também, confirmada pela testemunha CC (vide trecho 04:36 do respectivo depoimento já transcrito).
XX. Em face do exposto entende-se que a prova produzida impunha ao tribunal a quo que desse como provado o seguinte facto:
D) Só em altura adiantada do ano de 2019 (antes de denunciar as anomalias à Recorrida por contacto telefónico nos termos referidos no facto provado 19) [da sentença recorrida]) surgiram sinais acentuados de humidade e infiltrações, com aparência de relevante gravidade.
XXI. Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
XXII. Ora, para que se desencadeie o prazo de um ano supra referido é indispensável que se apresentem ao consumidor indícios cuja relevância seja idónea a nele criar a convicção da existência de defeito, isto é, de falta de conformidade.
XXIII. Impõe-se, assim, que estejam em causa indícios que, pela sua gravidade, justifiquem o exercício do direito a pedir a eliminação do defeito.
XXIV. Ora, no caso vertente, e considerando os factos supra elencados como A), B), C) e D) (que o Recorrente pretende ver dados como provados), é manifesto que os sintomas verificados no inverno de 2015/2016, pela sua falta de relevância, nunca fariam desencadear o prazo de um ano previsto no n.º 2 do supra citado artigo 5.º- A, e menos ainda o prazo consagrado no n.º 3, pois que nenhuns motivos se apresentavam, à altura, ao Recorrente para exigir a eliminação de defeitos da obra cuja existência desconhecia e tão-pouco lhe era exigível que conhecesse (maxime por falta de conhecimentos técnicos).
XXV. Com efeito, e se “só em altura adiantada do ano de 2019 (antes de denunciar as anomalias à Recorrida por contacto telefónico nos termos referidos no facto provado 19) [da sentença recorrida]) surgiram sinais acentuados de humidade e infiltrações, com aparência de relevante gravidade (vide facto supra elencado como D), é a partir dessa altura que passa a ser exigível ao Recorrente que denuncie a situação dentro do prazo de um ano e que, após, exerça os seus direitos no prazo de três anos,
XXVI. E a verdade é que o Recorrente cumpriu tais prazos.
XXVII. Diante das anomalias verificadas no segundo semestre do ano de 2019, “em Novembro de 2019, através de contacto telefónico com o sócio da ré, em particular com o Eng. DD, o autor solicitou ao sócio da ré a visita à obra para averiguar a alegada degradação, a fim de proceder à reparação” (vide facto provado 19) da sentença recorrida).
XXVIII. Assim, o Recorrente denunciou o defeito dentro do prazo de um ano legalmente previsto.
XXIX. No dia 16/11/2022, o Recorrente deu entrada da acção que desencadeou os presentes autos.
XXX. Em virtude das medidas excepcionais adoptadas no contexto da pandemia Covid-19, o prazo de caducidade esteve suspenso de 9 de Março de 2020 a 2 de Junho de 2020 (86 dias) e de 22 de Janeiro de 2021 a 5 de Abril de 2021 (74 dias), perfazendo um total de 160 dias.
XXXI. Em face do exposto, é manifesto que no dia da propositura da presente acção, 16/11/2022, o prazo de caducidade de 3 anos não se havia esgotado.
XXXII. Em face do exposto, devia o tribunal a quo haver julgado improcedente a excepção da caducidade.
II. Do NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A OBRA E AS ANOMALIAS VERIFICADAS
XXXIII. Conforme julgado provado pelo tribunal a quo, foi após (e não antes!) a realização da obra pela Ré que começaram a aparecer “os problemas originados pelas infiltrações, em concreto o destacamento das tintas das paredes, manchas de humidade e manchas verdes nas paredes” (vide facto provado 17) da sentença recorrida).
XXXIV. O mesmo resulta do credível depoimento da testemunha BB, designadamente dos trechos 05:54, 06:06, 06:14, em que afirma que antes da obra executada pela Recorrida não existiam quaisquer sinais de humidade/infiltrações.
XXXV. Ora, à luz das regras da experiência comum e normalidade do acontecer, o facto de só começarem a manifestar-se anomalias depois da execução da obra constitui um sólido indício de uma relação de causalidade entre esta e aquelas.
XXXVI. A própria Recorrida, na sua Contestação, argumenta que caso existisse “alguma relação com trabalhos executados pela Ré (…) os alegados defeitos/danos ter-se-iam logo manifestado no inverno de 2015 e no máximo no de 2016 (…)” – o que foi precisamente o que sucedeu no caso vertente! (tudo sem prejuízo do atrás referido, no contexto da excepção da caducidade, quanto à tibieza dos sinais verificados no inverno de 2015/2016; a verdade é que – sabe-se agora – tais vestígios eram já uma manifestação das anomalias provocadas pela defeituosa execução da obra).
XXXVII. O relatório da perícia efectuada às anomalias em causa, junto na Petição Inicial como Doc. 10, comprova a existência de relação de causalidade entre a defeituosa execução da obra e as anomalias verificadas.
XXXVIII. A testemunha EE – técnica responsável pela perícia efectuada – afirma e reitera consistentemente que a causa das anomalias verificadas na propriedade do Recorrente é a deficiente impermeabilização do terraço e ineficácia do sistema de drenagem, aspectos da responsabilidade da Recorrida, que foram objecto da sua intervenção (vide trechos 08:55, 14:14, 24:16, 24:22, 24:29, 25:25, 28:50, 35:19, 35:45, 36:41)
XXXIX. A testemunha reporta-se, designadamente, a um defeito, em concreto, da obra: uma caleira com grelha que a Recorrida instalara no terraço e que seria insuficiente para escoar toda a água daquela área, tanto mais que o terraço não teria inclinação suficiente para que a água escoasse para a referida caleira (note-se que a Recorrida procedeu ao nivelamento do terraço!) - vide trecho 17:31.
XL. A testemunha EE afirma ter concluído que a causa das anomalias detectadas não estaria relacionada com problemas associados à propriedade do vizinho do Recorrente (vide trechos 07:22 e 08:05).
XLI. O depoimento da testemunha merece inequívoca credibilidade, em face da sua coerência, espontaneidade, rigor e, ainda, atentos os insuspeitos conhecimentos técnicos daquela.
XLII. Também a testemunha FF - mais um técnico, membro da empresa que realizou a perícia, que subscreveu o relatório - secunda as conclusões do relatório da perícia e os esclarecimentos de EE, associando as anomalias detectadas à deficiente impermeabilização do terraço (aspecto da responsabilidade da Recorrida, que foi objecto da sua intervenção) e salientando o facto de os vestígios surgirem predominantemente por baixo da zona intervencionada por aquela (vide trechos 04:53 06:14 06:54 21:53 23:58).
XLIII. Também exclui reiteradamente a possibilidade - apresentada como causa alternativa das anomalias verificadas - de os problemas verificados estarem relacionados com a propriedade do vizinho do Recorrente, salientando o facto de as anomalias se verificarem em zonas distantes da parede do vizinho (vide trechos 04:53 06:14 06:54 21:53 23:58)
Flui do exposto o seguinte,
XLIV. Ao contrário do referido pelo tribunal a quo (que refere, na sentença recorrida, que “não foram feitas perfurações e não foram encetadas todas as diligências para cabal avaliação das causas”), a testemunha EE – especialista na matéria, saliente-se – não apresentou hesitações em afirmar que, através das diligências efectuadas, era possível concluir que as anomalias detectadas são consequência da deficiente impermeabilização do terraço e ineficácia do sistema de drenagem.
XLV. Acresce que tais conclusões são as que mais se compaginam com as regras da experiência comum, das quais decorre ser de presumir como consequência da execução defeituosa da obra um conjunto de anomalias que se manifestam pouco depois dessa execução e que não haviam surgido anteriormente.
XLVI. Em face do exposto entende-se que a prova produzida impunha ao tribunal a quo que desse como provado o seguinte facto:
E) As anomalias referidas no facto provado 17) [da sentença recorrida] são consequência da deficiente impermeabilização do terraço e ineficácia do sistema de drenagem; aspectos da responsabilidade da Recorrida, que foram objecto da sua intervenção.
XLVII. Já o facto V. do elenco de factos dados como não provados na sentença recorrida (“Acresce ainda que, atento o lapso temporal decorrido entre a visita do sócio da ré e o envio da comunicação que resulta do documento n.º 4 da petição inicial, o autor consultou técnicos da especialidade, Itecon-Construção, Energia, Ambiente e Sustentabilidade, os quais, após análise dos estragos, concluíram que tais estragos tinham estreita relação com a obra realizada”) deve ser subtraído do referido catálogo e incluído no dos factos julgados provados.
XLVIII. Consequentemente, teria o tribunal a quo de haver julgado procedente, por provada, a acção e condenado a Recorrida nos pedidos deduzidos pelo Recorrente na Petição Inicial.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que V/Exas. doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser objecto de revogação e substituída por outra que:
I. Altere, nos termos ora propugnados, o juízo formulado pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, designadamente, fazendo acrescer ao elenco de factos julgados provados os sinalizados nos artigos 40.º, 50.º e 93.º da presente motivação como A), B), C), D) e E), bem como subtraindo do elenco de factos dados como não provados na sentença recorrida o aí indicado como V., e incluindo-o no catálogo de factos julgados provados;
II. Julgue totalmente improcedente, por não provada, a excepção da caducidade;
III. Julgue totalmente procedente, por provada, a acção e condene a Recorrida nos pedidos deduzidos pelo Recorrente na Petição Inicial.
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Por seu turno a ré/apelada, conclui as suas contra alegações pugnado pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão proferida.
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Perante ao acabado de expor, resulta claro serem as seguintes as questões objecto do presente recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A improcedência da excepção peremptória da caducidade;
3ª) A revogação da decisão proferida com a condenação da ré nos pedidos formulados pelo autor.
Vejamos pois, começando por considerar o que ficou decidido no q7ue toca à matéria de facto.
Assim:
FACTOS PROVADOS:
1) A ré é uma sociedade por quotas cujo objecto social se prende com trabalho de restauro em casas, fachadas e construção civil em geral, elaboração de projectos, sendo detentora do Alvará n.º ...01;
2) O autor é dono e legítimo possuidor do prédio urbano com uma área total de 239,0000 m2, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., Concelho ..., registado na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ...45 e inscrito na matriz sob o artigo ...99;
3) No início do ano de 2015, em data que o autor não conseguiu precisar, mas seguramente em meados desse mesmo ano, o autor contactou a ré, a fim de esta elaborar um orçamento, cujo objecto era a ampliação do logradouro no imóvel de propriedade do autor;
4) A obra em causa tinha por objecto a alteração à rampa exterior de acesso à casa para criação, ao nível da cave, de uma galeria exterior, zona de churrasqueira, e de um terraço ao nível do primeiro piso;
5) O referido orçamento foi enviado ao autor no dia 07/04/2015, sendo que o valor global da obra, se cifrava em 20.517,41€, já com I.V.A. incluído;
6) O valor do orçamento incluía todos os materiais a fornecer, bem como transportes, mão-de-obra, execução, todos os custos directos e indirectos, incluindo salários, seguros e encargos sociais;
7) Os trabalhos necessários para a realização desta obra incluíam a montagem, manutenção e desmontagem de estaleiro, no valor de 625,00€;
8) A demolição e movimentos de terras, em concreto, abate de árvores, remoção das suas raízes, remoção do pavimento exterior, em ladrilhos situado no logradouro, demolição do massame de assentamento das lajetas em betão, demolição de muros posterior e lateral direito em alvenaria, remoção de terreno de qualquer natureza no logradouro para obtenção de cotas de implantação da obra a construir e implantação de pavimentos e demolição de paramentos, pavimentos e tectos da casa da lenha, sob a rampa, incluindo o transporte a vazadouro licenciado, no montante de 2.350,00€;
9) O fornecimento e execução da estrutura em betão armado em fundações, muros de suporte, pilares vigas e lajes, incluindo vigotas, abobadilhas e aço, entre outros, pela quantia de 10.383,00€;
10) O fornecimento e assentamento de impermeabilização com duas camadas de telas asfálticas na cobertura do anexo, incluindo a impermeabilização até ao remate da cobertura já existente e a dobragem para as platibandas do anexo, bem como o fornecimento e assentamento de placas de roofmatt com três centímetros de espessura na cobertura do anexo, pelo valor de 421,00€;
11) Os acabamentos ao nível dos pavimentos, paredes, tectos, serralharias, na quantia de 5.041,00 €;
12) E o assentamento de churrasqueira e fornecimento e assentamento de pio lava louça em aço inox, actividades que, no orçamento, se inserem na categoria de “Diversos”, no montante de 250,00 €;
13) O autor forneceu a Churrasqueira e esta era necessária a sua colocação pela ré;
14) Assim com base nos termos oferecidos pela ré, o autor decidiu contratar os seus serviços;
15) A obra iniciou-se em 2015 e foi entregue ao autor como finalizada no mesmo ano;
16) O autor procedeu ao pagamento do preço acordado, através de dois cheques bancários;
17) Pouco após a realização das obras levadas a cabo pela ré, deram início os problemas originados pelas infiltrações, em concreto o destacamento das tintas das paredes, manchas de humidade e manchas verdes nas paredes;
18) O que fez com que o autor comunicasse tais factos à ré via telefone por diversas vezes;
19) Até que em Novembro de 2019, através de contacto telefónico com o sócio da ré, em particular com o Eng. DD, o autor solicitou ao sócio da ré a visita à obra para averiguar a alegada degradação, a fim de proceder à reparação;
20) Não tendo obtido qualquer resposta por parte da ré, o autor viu-se compelido a comunicar por escrito, os factos que havia relatado por contacto telefónico;
21) Enviando uma missiva datada de 20/12/2019, à qual anexou as fotografias do estado da alegada deterioração da obra;
22) O sócio da ré deslocou-se ao local, tendo referido que era necessário agendar uma data para a realização de testes à obra, para efeitos de apuramento da causa da deterioração;
23) O autor não veio a ser contactado pela ré como havia ficado combinado, tendo enviado, no dia 17/09/2020, nova carta, por meio da qual insistiu no agendamento dos testes à obra;
24) Nessa comunicação, o autor reiterou o seu pedido de reparação da obra, assim como sempre fez em todos os contactos estabelecidos com a ré, quer por carta, quer por contacto telefónico;
25) Por ser da vontade da ré, o autor sempre insistiu pelo agendamento de testes ao local por parte desta;
26) O Eng. DD, sócio da ré, voltou ao imóvel em data que o autor não consegue precisar, mas seguramente após a 2.ª missiva acima mencionada, desta vez acompanhado por GG, tendo informado o autora de que era necessário realizar quatro perfurações para fazer os testes;
27) O autor reiterou o pedido de realização de testes e consequente reparação, através da missiva enviada a 14/03/ 2021;
28) Por carta datada de 22/03/2021, a ré informou o autor que antes de proceder às reparações teria de realizar testes no local, tendo ainda referido que previam agendar uma data com o autor no início de Abril do ano corrente;
29) Testes com a finalidade de averiguar se a impermeabilização da laje e o funcionamento do tubo e grelhas de águas pluviais estavam em boas condições;
30) Mais alegando que, se outras causas existirem, a ré exonera-se da responsabilidade de proceder à respectiva reparação;
31) Nada tendo sido transmitido ao autor, este enviou nova carta à ré no dia 22/04/2022, referindo que a obra realizada iria mais além do que a colocação de uma laje, de um tubo de queda e de uma grelha de drenagem de águas pluviais;
32) Foi proposto pelo autor que a realização dos testes fosse realizada por uma das seguintes sociedades: B..., Lda.; C... (Universidade ...); D...);
33) Tendo ainda sugerido, inclusivamente, o pagamento deste valor por ambas as partes, na proporção de metade cada uma;
34) A ré, através de carta enviada a 07/05/2021, informou o autor que a confiança que este depositaria nos testes realizados a cargo da ré era irrelevante;
35) Da carta recepcionada pelo autor consta que “Assim sendo, pretendemos garantir que quer as impermeabilizações realizadas, quer o referido tubo colector e grelha estão em bom estado de funcionamento e não são responsáveis pelos defeitos que alega. Se tem ou não confiança nos testes que pretendemos realizar, é irrelevante na nossa perfectiva, pois o nosso objectivo é o de aferirmos da nossa responsabilidade, e em função disso procedermos em conformidade, isto é, na verificação da existência da mesma proceder à reparação”;
36) Os especialistas deslocaram-se ao imóvel identificado no dia 20/05/2021, às 10H00;
37) Os testes foram realizados com recurso à inspecção visual e termográfica dos elementos construtivos, com recurso a equipamentos ligeiros, nomeadamente uma câmara termográfica;
38) A entidade que levou a cabo a elaboração do relatório constatou a deterioração das paredes e do tecto;
39) As zonas interiores da cave estão também degradadas, em virtude do destacamento de tinta e das manchas de humidade;
40) O cheiro que a humidade acarreta acaba por se tornar insuportável;
41) O acima descrito tem causado muitos incómodos ao autor;
42) Terminada a obra, a mesma foi colocada à carga e testada previamente a ser entregue nesse mesmo ano;
43) Verificando-se antes da entrega a ausência de escoamento de águas;
44) A acção foi instaurada no dia 16/11/2022 e a ré citada a 28/11/2022.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
I. Em Fevereiro/Março do ano de 2019, a obra começou a apresentar indícios de degradação, designadamente a tinta das paredes da lavandaria e da cave que começou a ganhar “bolhas” e, em partes, a descolar;
II. Na sequência de 17) e 18), apenas tendo o autor comunicado o facto em Setembro do ano de 2019;
III. São causas prováveis as seguintes situações: Deficiente estanquidade/selagem na ligação da caleira de drenagem pluvial (localizada no logradouro) com o respectivo tubo de queda; Rotura das telas impermeabilizantes das estruturas (lavandaria, churrasqueira e anexo), por algum movimento/assentamento do pavimento ou das próprias estruturas;
IV. Só existem deteriorações provocadas por infiltrações na zona em que a ré realizou a obra, não existindo mais danos em parte alguma da restante moradia;
V. Acresce ainda que, atento o lapso temporal decorrido entre a visita do sócio da ré e o envio da comunicação que resulta do documento n.º 4 da petição inicial, o autor consultou técnicos da especialidade, Itecon-Construção, Energia, Ambiente e Sustentabilidade, os quais, após análise dos estragos, concluíram que tais estragos tinham estreita relação com a obra realizada;
VI. A lavandaria perdeu o seu destino primário, isto é local de lavagem e secagem de roupa em geral;
VII. O cheiro é de tal forma intenso que penetra na roupa, durante a secagem.
As restantes alegações consubstanciam conclusões e matéria de direito.
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O tribunal “a quo” fundamentou do seguinte modo a decisão proferida:
“A Convicção do Tribunal assentou na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, assim como na ponderação dos documentos, nos termos que se expõem.
A factualidade elencada de 1) a 16) dos factos provados está assente por acordo e tem em linha de conta os documentos 1 e 2 da petição inicial – caderneta predial e lista de quantidades. Igualmente assente se mostra, quanto a nós, a factualidade descrita de 19) a 22) e carta de 20/12/2019 – documento 4 da petição inicial.
No que respeita aos factos provados descritos em 17) e 18), importa ponderar que os mesmos estão alegados na petição inicial e foram confirmados pelo autor, em depoimento de parte do autor, e pela testemunha BB que relatou de formas espontânea que as obras tiveram lugar no ano de 2015, foram entregues em Outubro de 2015 e que nesse mesmo ano e Inverno apareceram os primeiros sinais de humidade. Afirmou que era visível. Quer o autor, quer a sua mulher, ouvida em declarações, falaram efectivamente nas raspagens e intervenção levada a cabo na sequência desses primeiros sinais.
Prosseguindo, a factualidade enumerada de 23) a 35) dos factos provados resulta dos depoimentos de parte e das cartas juntas pelo autor, sejam as por si enviadas, sejam as que recebeu da ré – documentos 4 a 9.Pese embora não assinadas algumas delas, considerando a aceitação do teor do documento 4, o teor das cartas enviadas pela ré e os depoimentos de parte mencionados, logra-se um juízo favorável.
O documento 10 da petição inicial – “Análise e diagnóstico de anomalias existentes relacionadas com a presença de humidade” – atesta a factualidade mencionada de 36) a 39).
Os factos 40) a 41) têm por referência o já mencionado testemunho escorreito de BB.
Quanto aos factos 42) e 43), têm-se em linha de conta os testemunhos de DD e de HH que estiveram no local na altura da realização dos testes de carga.
O facto 44) decorre dos elementos constantes dos autos.
Os factos não provados não obtiveram prova certa.
O que se menciona nos pontos I. e II. dos factos não provados é contrariado pelo autor, quer na petição inicial, quer no depoimento de parte. Tentou minimizar no seu discurso os sinais de humidade, de modo a certamente fazer valer a comunicação dos alegados defeitos no ano de 2019, mas não convence, sobretudo por falta de espontaneidade. Acresce que o testemunho do seu pai confirma o sentido da factualidade dada como provada.
No que concerne aos factos não provados – III. a V. -, com o sentido dado pelo autor, importa registar que o documento 10 não prima por conclusões certas, destacando-se passagens que o ilustram: 1) “sendo que para isso seria necessária a realização de ensaios destrutivos com recurso a equipamentos pesados”; 2) “imagens registadas suscitam dúvidas quanto à correcta execução e impermeabilização, nomeadamente, foi possível detectar possíveis remates da tela de impermeabilização na zona da base. Não é visível qualquer indício da sua existência, mas refira-se novamente que não foi feita uma inspecção intrusiva para a sua verificação”; 3) “Pressupõe-se”; 4) “Pressupõe-se também que não terá sido aplicada qualquer camada de”; e 5) “caso esta camada tenha sido aplicada, esta não terá sido aplicada correctamente”.
II evidencia um discurso genérico e conclusivo.
O testemunho de EE é ponderado em conjunto com o documento 10 da petição inicial para se concluir que, respeitando-se pese embora a sua convicção pessoal e profissional, do seu relato não podem retirar-se com certeza as conclusões a que se propõe. Não foram feitas perfurações e não foram encetadas todas as diligências para cabal avaliação das causas. Assim também quanto ao testemunho de FF que assinou o documento 10.
Do testemunho de JJ nada resulta com relevo para a factualidade em discussão.
GG é administrativa da ré, não esteve em obra. Deslocou-se ao local depois das obras. Não tem conhecimento directo dos factos essenciais em discussão.
A testemunha KK explicou o projecto, não tendo tido intervenção directa na obra, nem nos factos posteriores, não assume se mostra relevante.
Nada mais assume relevo que mereça palavra em particular.”
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Como antes já vimos, neste seu recurso o autor ora apelante AA, requer desde logo a alteração do que ficou então decidido tendo em vista provar a improcedência da excepção peremptória da caducidade, propondo o seguinte:
- Que seja dada como provada a seguinte matéria:
“A) Os sintomas ocorridos no inverno de 2015/2016, referidos no facto provado 17) [da sentença recorrida], aparentavam não ser significativos nem corresponderem a um defeito estrutural da obra e o Autor não os percepcionou como tal.
B) Na sequência dos contactos referidos no facto provado 18) [da sentença recorrida], os responsáveis da Ré deslocaram-se ao local da obra, onde rasparam a tinta que se destacava das paredes, pintando-as de novo;
C) Na ocasião referida em B), os responsáveis da Ré transmitiram ao Autor que, com a intervenção efectuada, o problema ficara resolvido, informação em que este confiou.
D) Só em altura adiantada do ano de 2019 (antes de denunciar as anomalias à Recorrida por contacto telefónico nos termos referidos no facto provado 19) [da sentença recorrida]) surgiram sinais acentuados de humidade e infiltrações, com aparência de relevante gravidade.”
Perante tal pretensão e dado o seu evidente interesse para a resposta a dar à mesma, temos como relevante transcrever aqui o que foi feito constar no acórdão desta Relação do Porto de 21.03.2019, relatado pela Desembargadora Inês Moura, no processo nº2450/16.1T8PRT-A.P1., em www.dgsi.pt. e que foi o seguinte:
“Constata-se que estes factos que o Recorrente pretende que sejam aditados à decisão de facto não correspondem a factos por si alegados, nem na petição inicial, nem em qualquer articulado superveniente a que o tribunal deva responder, à luz do disposto no art.º 607.º n.º 4 do C.P.C.
Na decisão sobre a matéria de facto, em primeira linha, o tribunal deve ter em conta os factos alegados pelas partes nos seus articulados com interesse para a decisão da causa, sendo sobre eles que primordialmente vão incidir os meios de prova. Os factos novos de que a parte não fez oportunamente uso no processo, não podem ser trazidos por ela aos autos apenas em sede de recurso.
Há que ter em conta o art.º 5.º do C.P.C. que a respeito do ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal, dispõe:
“1. Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3. O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”
O legislador veio no Novo Código de Processo Civil e com o teor deste art.º 5.º mitigar de alguma forma o princípio do dispositivo anteriormente contemplado no art.º 264.º do C.P.C., ampliando os poderes oficiosos de cognição do tribunal relativamente aos factos instrumentais e complementares que resultem da discussão da causa, desde que relativamente a estes seja observado o princípio do contraditório, numa orientação que pretende uma prevalência da verdade material sobre o formalismo processual.
Importa no entanto ter em conta, tal como nos diz o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/09/2015, no proc. 819/11.7TBPRD.P1.S1 in. www.dgsi.pt.: “Atribui-se ao juiz um poder mais interventor, sem que tal signifique, porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório. Na verdade, continua a caber às partes a definição do objecto do litígio, através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa (art.º 264º/1 do ACPC- 5º do NCPC). Certo é, porém, que - para além da atendibilidade dos factos notórios e daqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art.º 514º ACPC 412º NCPC), - o juiz tem agora a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. Esta simples afirmação logo aponta para uma evidente conclusão: a de que, relativamente aos factos instrumentais - ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais (à procedência da pretensão do autor e à procedência da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu), relativamente aos quais funciona o princípio da auto-responsabilidade das partes - o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova.”
Os factos essenciais que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções, continuam a ter que ser alegados pelas partes nos seus articulados, nos termos do n.º 1 do referido art.º 5.º do C.P.C.
Apenas os factos instrumentais e complementares que resultem da discussão da causa podem ser adquiridos pelo juiz para os autos, desde que, relativamente a estes, tenha sido observado o contraditório, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
Os factos instrumentais são aqueles que indirectamente podem vir a revelar os factos essenciais ou constitutivos do direito, servindo para os demonstrar. No dizer do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/06/2007 no proc. 2647/2007-6 in www.dgsi.pt “Facto meramente instrumental é aquele que só indirectamente pode interessar à solução do pleito por servir para demonstrar a verdade ou a falsidade dos factos pertinentes, não sendo essencial à procedência da pretensão do Requerente, inserindo-se na categoria dos factos que não pertencendo à norma fundamentadora do direito apenas serve para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito – factos constitutivos.”
Já os factos complementares, como o próprio nome indica são aqueles que representam um complemento ou concretização dos factos essenciais que as partes alegaram.
Neste sentido, os factos que podem ser considerados pelo juiz no âmbito da decisão da matéria de facto são, para além daqueles que foram alegados pelas partes nos seus articulados, os factos instrumentais e complementares com interesse para a decisão, que resultem da discussão da causa desde que, relativamente a estes, tenha sido observado o contraditório.
O facto que o Recorrente pretende ver aditado com respeito ao agora invocado pagamento de uma parte do valor da dívida pela H..., corresponde a um facto essencial face à pretensão por ele deduzida, que não foi por si alegado.
É certo que o tribunal não está limitado aos factos que as partes alegam nos seus articulados, como se referiu, podendo socorrer-se ainda dos factos instrumentais que são aqueles que servem para revelar outros factos essenciais, bem como dos factos que resultem da instrução da causa que sejam factos complementares dos factos alegados, mas desde que dê às partes a possibilidade de sobre eles se pronunciarem, antes do tribunal proferir decisão que os contemple.
Na situação em presença, não estando em causa o aditamento de factos instrumentais dos quais o tribunal é livre de se socorrer e não tendo sido os mesmos invocados pelo Embargante, nem tão pouco foram expressamente introduzidos pelo tribunal ou pelas partes durante a instrução da causa, com vista ao exercício do contraditório, não pode agora em sede de recurso este tribunal proceder ao seu aditamento à matéria de facto provada.
Por tudo o que fica exposto, improcede na totalidade a impugnação e o aditamento da matéria de facto.”
Perante o exposto e mostrando-se que os factos cujo aditamento se requer são factos em que se sustenta a oposição do autor/apelante relativamente à defesa por excepção deduzida pela ré/apelada, não pode pois ser concedido provimento à impugnação da decisão de facto deduzida nos autos pelo autor AA.
Mantendo-se como se mantém a decisão de facto anteriormente proferida, tal circunstância leva, necessariamente, à procedência da excepção peremptória de caducidade suscitada pela ré/apelada.
Sendo assim e confirmando-se como se confirma o que quanto a esta matéria ficou decidido, mostra-se prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas no recurso.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, sem mais, confirma-se a decisão proferida.
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Custas a cargo do autor/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.









Porto, 5 de Dezembro de 2024
Carlos Portela
Isoleta de Almeida Costa
Ana Vieira