Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
431/19.2T8AND.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
BENS COMUNS
CONTA BANCÁRIA
RENDIMENTO DO TRABALHO
Nº do Documento: RP20240321431/19.2T8AND.P1
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do artigo 1789º do Código Civil, os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.
II - Resultando provado que os ex-cônjuges casaram sob o regime de comunhão de adquiridos, o montante depositado numa conta bancária, proveniente dos rendimentos do trabalho, é um bem comum.
III - Na partilha, devem ser relacionados não só os bens existentes no património colectivo do casal à data da propositura da acção de divórcio (se a momento anterior não deverem retrotrair os seus efeitos), mas também aqueles que a esse património cada cônjuge deve conferir, por lho dever.
IV - Deve ser conferido ao património colectivo do casal, para ulterior partilha, aquele bem ou direito de que um dos cônjuges se apropriou sem que a tal tivesse qualquer direito, e por via do que engrandeceu o seu património próprio à custa desse património colectivo.
V - Ainda que um dos cônjuges tenha levantado a quantia da conta bancária em momento anterior à propositura da ação de divórcio, tal quantia deverá ser relacionada no inventário como bem comum sob pena de haver um enriquecimento ilícito do ex-cônjuge.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1Processo nº 431/19.2T8AND.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro - JC Cível - Juiz 2


Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador Dr. João Maria Espinho Venade
2º Adjunto Juiz Desembargadora Dra. Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I - RELATÓRIO

AA, com domicílio profissional na Alameda ..., ... e habitualmente quando de passagem por Portugal na Rua ..., ..., ... ..., ..., Anadia, instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, na sequência da decisão proferida no processo de inventario para separação de meações que corre seus termos entre autor e ré (que se encontra suspenso) contra BB, residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., Anadia;
Peticionando que, na procedência da acção, e em consequência dela:
a) Seja declarado e reconhecido que as verbas em dinheiro descritas e relacionadas no artigo 11º da Petição Inicial (verbas n.ºs 1, 2, 3 e 4 da relação de bens) são bens próprios do Autor e devem continuar assim relacionadas, apenas e tão só para efeitos da sua futura adjudicação no Inventário nº 1120/17, do Cartório Notarial de Anadia.
b) Seja declarado que as verbas descritas e relacionadas no artigo 19º da Petição Inicial (verbas n.ºs 31, 32, 33, 34 e 35 da relação de bens) são bens próprios do Autor;
c) Seja declarado e reconhecido que as verbas descritas e relacionadas no artigo 19º da Petição Inicial (verbas n.ºs 5, 51 e 72 da relação de bens) são bens comuns do dissolvido casal e como tal continuar relacionadas no processo de inventário.
d) Seja declarado que a verba relacionada como dívida activa no inventário, melhor referida e identificada nos artigos 20º, 21º, 22º, 24º, 25º e 26º da Petição Inicial, seja mantida, apesar de reformulada a sua identificação como: «direito de crédito do património comum respeitante à benfeitoria designada como prédio urbano sito no lugar ..., freguesia ..., composta por casa de habitação, anexos constantes de piscina, armazém, estufas, garagem, sala de jogos, lavandaria, churrasqueira, salão de festas, salão de cabeleireiro construído a expensas de ambos os conjugues». devendo ser relacionada como direito de crédito comum do dissolvido casal, por integralmente realizadas nos prédios correspondentes aos artigos ...09º urbano e ...22º rústico, da freguesia ....
Alegou o autor os factos, segundos os quais, considera que os bens que identificou devem ser qualificados comos bens próprios e os que devem ser identificados como bens comuns.
Alegou ainda os factos relativos ao direito de crédito por benfeitorias que defende terem sido executadas nos dois imóveis que identifica: artigos ...09º (urbano) e ...22º (rústico).
Em relação às quantias monetárias mencionadas nas verbas 1 a 4º defende que resultam de rendimentos próprios e não da ré e não integram o património comum, ao contrário do que sucede com a quantia de 10.000,00 Euros, incluída na verba nº5 que é um bem comum e não um bem próprio da ré, o que também sucede com as verbas 51º e 72º que considera serem bens comuns.
A ré foi citada e apresentou contestação e reconvenção.
Em contestação impugnou a versão dos factos alegada pelo autor, defendendo que os bens que o mesmo alega serem próprios, nomeadamente as quantias monetárias identificadas nas verbas 1 a 4 da relação de bens, são bens do casal, porque os rendimentos de um dos cônjuges na constância do casamento são bens comuns e não próprios e os outros bens, que o autor alega serem comuns, são bens da ré, em concreto a quantia de 10.000,00 euros, automóvel e o prédio rústico identificado na verba 72º, por lhe terem sido doados pelo seu progenitor.
Impugna a matéria relacionada com as benfeitorias por defender que foram efectuadas em bens de terceiros, matéria que é alheia ao processo de inventário.
Em reconvenção alega que o autor nas vésperas da instauração da ação de divórcio procedeu ao levantamento de várias quantias monetárias de contas bancárias pertencentes ao ex-casal e movimentadas pelo mesmo, valores que o autor deve restituir ao acervo comum para ser partilhado.
Concluiu peticionando o seguinte:
a) Seja declarado que as verbas levantadas pelo autor de contas comuns do casal poucos dias antes da instauração do procedimento Cautelar de Arrolamento e da acção de divorcio no valor total de 293.700,00 euros, sejam reconhecidos como bens comuns do casal a partilhar;
b) A condenação do autor ao pagamento de metade da totalidade dos juros sobre as quantias levantadas das contas comuns à taxa legal em vigor e até ao definitivo reconhecimento de tais verbas como bens comuns, juros estes a contabilizar a final.

O autor apresentou articulado de réplica em que se pronunciou sobre o incidente de valor e sobre a reconvenção, concluindo como na PI.
Mais alegou que as quantias que levantou eram da sua propriedade e foram levantadas antes da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, porque ocorreram antes da entrada do processo de divórcio e não foi fixada, nem requerida, a data da separação de facto dos cônjuges, data que considera irrelevante para o caso em apreço.

Foi proferido despacho de saneamento, considerada válida e regular a instância e conhecidos de forma tabelar os pressupostos processuais.
Foi ainda proferido despacho a identificar o objecto do litígio e a elencar os temas de prova.
O autor reclamou dos temas de prova, reclamação que foi indeferida.
Na audiência de julgamento as partes acordaram em relação a alguns dos factos controvertidos nos seguintes termos:« As partes aceitam, em relação á matéria de facto em litigio que, quanto ás benfeitorias, as mesmas correspondem às que estão identificadas no relatório pericial e esclarecimentos e mencionadas nas alíneas h), i) e j) dos temas de prova, pelo valor de, pelo menos 268.456,20 euros, constante da página 10 do relatório pericial, sem prejuízo de no processo de inventário procederem a nova avaliação.
Acordam ainda que relativamente à verba n.º 72 da relação de bens do inventário identificado na alínea d) dos temas de prova, que de acordo com os documentos que constam dos autos, é um bem próprio da requerida por lhe ter sido doado pelos seus pais.
Realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais.
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Na sentença recorrida consta como decisão o seguinte: «Decisão:
Por todo o exposto decide-se:
A) Julgar-se improcedente o pedido formulado pelo autor na alínea a) e considerar as verbas com os n.ºs 1 a 4 da relação de bens como bens comuns;
B) Julgar parcialmente procedente o pedido formulado na alínea b) e determinar que sejam considerados como bens próprios do autor duas telas com imagens africanas e que estão na posse da autora e relacionar como bem comum, paletes de meias canas de gesso. Todas os restantes móveis identificados nas verbas 31º a 34º devem ser eliminadas;
C) Em relação ao pedido formulado na alínea c) decide-se manter como bem comum a verba identificada sob o n.º 51 (veículo automóvel) e reduzir a verba n.º 5, como bem comum, para a quantia de E 961,63.
D) Em relação ao pedido formulado na alínea c), decide-se ainda qualificar como bem próprio da ré a quantia de € 10.000,00 relacionada na verba 5, excluindo tal valor que passará a ter o saldo identificado na alínea anterior. Qualificar o imóvel identificado na verba 72 como bem próprio da ré;
E) Julgar parcialmente procedente o pedido formulado na alínea d) e determinar que seja relacionado como direito de crédito a título de benfeitorias as obras identificadas nos pontos 28º e 29º dos factos provados e pelo valor aí indicado, obras realizadas no prédio urbano correspondente ao artigo ...09º;
F) Julgar procedente a reconvenção e determinar que seja relacionada como bem comum a quantia de € 293.700,00 (duzentos e noventa e três mil e setecentos euros) que o autor levantou das contas identificadas nos pontos 38º e 39º dos factos provados, acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal de 4 % desde a data dos seus levantamentos até à data da instauração da acção de divórcio.
G) As custas são a suportar por autor e ré/reconvinte na proporção do seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.... » (sic)
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Inconformado com o teor da referida sentença veio o autor interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito devolutivo, tendo apresentado as seguintes conclusões: « … CONCLUSÕES:
1ª - Salvo o devido e merecido respeito, e que é muito, é manifesta a ilegalidade da decisão decorrida, a qual incorreu em grave erro sobre a matéria de facto, como se conclui da sua reapreciação, como ainda sob a aplicação do Direito.
2ª – O pedido formulado na alínea a) da petição inicial deve, assim, ser parcialmente dado como provado tal como resulta dos depoimentos de parte do autor e das testemunhas CC e DD conjugados com os documentos juntos e depoimento da própria ré – depósito em dólares aí referidos, provindos de Angola que foram não só fruto do seu trabalho e dos seus negócios mas principalmente de doações, empréstimos e habilitações (muitos deles relacionados com as dívidas passivas dos autos) ver depoimento de parte do autor – gravação 11.22.52 a 13.0057 – testemunhas CC – gravação 142104 a 151919 e DD – gravação de 155607 a 161113 data de julgamento 17 de janeiro de 2023 e resulta da reprodução áudio ora junta aos autos.
3ª – Tal alegação foi mesmo expressa e complementarmente invocada no artigo 13º da réplica, o que foi totalmente desprezado na sentença recorrida, bem como aquela citada prova por depoimento de parte, testemunhal e documental junta, toda conjugada entre si,e atentas também as regras da experiência comum e sua livre apreciação.
4ª – A decisão recorrida deveria, assim, “ter expressamente considerado provado que a maior parte daquele dinheiro (dólares em notas americanas) foi fruto do seu trabalho, negócios, doações, empréstimos e doações atento que o produto do seu trabalho vulgo salário naquele país africano era mensalmente transferido pelo autor para conta própria e com cerca de 7.000,00 dólares mensais efetivamente comuns e mensalmente transferidas por transferência bancária própria .
5ª - Isso mesmo resulta inequívoco nos depoimentos do autor e da ré e das referidas testemunhas, sendo que a ré confirmou a sua ida a Angola e por diversas vezes com esse especial propósito e não tão só visitar aquele ,e muito menos nunca trazer consigo o produto daquele seu salário.
6ª – Aquela moeda assim obtida era depositada ora pelo autor ora pela ré, por estes efectivamente trazida de Angola e que por diversas vezes lhe foram assim entregues a esta também pelo seu cunhado CC ,que os ia buscar a Lisboa ou ao Porto por portadores da total confiança do casal, como se demonstrou(em dinheiro vivo) sendo a pasta com as fotocópias de todas e cada uma das notas depositadas, como era de lei, a prova manifesta da sua proveniência. E,
Honestamente aquele CC os entregava à aqui ré, sua cunhada, para que os depositasse e não sendo estranho a expressão supra referida “oh BB isto não é só autoestrada, há muitas dívidas para pagar, como sabes”-sic.
7ª – Ao não ter feito, incorreu em erro sob o julgamento, devendo nesse particular ser revogada e, nos limites dos poderes modificativos da decisão de facto deste tribunal “ad quem” ser alterada a decisão de facto e de fundo, tendo em conta o supra exposto.
8ª – E, assim sendo, entra em jogo a regra do disposto no artigo 1726º do código civil e ainda que supletivamente “os bens adquiridos em parte com dinheiro próprio de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das prestações”.
9ª – Ressalvados ficam os direitos do autor e ré com 80% de dinheiro próprio e 20% de dinheiro comum (atento o supra exposto), quantia esta que assim deve expressamente ser relacionada no inventário como se impõe
Acresce que,
10ª – O depósito daquele dinheiro próprio de um dos cônjuges (todos os dólares identificados nas contas 1 a 4 e arrolados) numa conta de que ambos são titulares não os transforma em bem comum, só se presumindo que o mesmo é de ambos, na ausência de prova sobre a sua proveniência. Cfr. o citado acórdão da Relação de Coimbra 2689/14 entre outros.
11ª – Por outro lado o tribunal julgou procedente o pedido reconvencional da ré – declaração de que as verbas em dinheiro levantadas poucos dias antes do procedimento de arrolamento e acção de divórcio no valor de 293.700,00€ fossem reconhecidas como bens comuns, ao arrepio de toda a prova constante dos autos e das de direito aplicáveis. Nesse sentido,
12ª – O ora recorrente em tempo e lugar oportunos reclamou do despacho-saneador, no particular da anunciação do Tema de Prova B, que, como consignado é também objecto do presente recurso, porque legal e tempestivo. Cfr – artigo 569 nº 2 do CPC que previamente deve assim e aqui ser apreciado.
13ª - Nesse sentido, dão-se por integralmente reproduzidos os motivos e razões aqui já oportunamente invocados – tornando-se desnecessária a sua exaustiva reprodução e para os quais se remete – e ainda assim objeto do corpo destas alegações. Cfr sumário do acórdão de 28/11/2018, processo 846/17.OT8FIG.C1., bem como toda a fundamentação na reclamação invocada e que se dá por reproduzida, pela desnecessidade da sua exaustiva repetição.
14ª – Tal enunciado Tema de Prova B, nos termos em que está formulado não pode nem deve sequer ser admitido, subscrevendo para o efeito, com a devida vénia, o resumo daquele acórdão da Relação de Coimbra supra identificado. In www.dgsi.pt
15ª - Assim, na total procedência do recurso do despacho-saneador, daquele despacho proferido contra a reclamação do mesmo, impõe-se a eliminação do aludido tema de prova B, isto porque tal redacção viola o entendimento supra exposto, e a data da separação dos cônjuges tão só pode ser decretada em sede de processo de divórcio e para a qual a questão deveria ser remetida se, eventualmente qualquer dos cônjuges o requeresse.
Consequentemente,
16ª – I - O cônjuge administrador só responde perante o outro cônjuge pelos prejuízos resultantes da sua atuação quando tenha agido com dolo.
II – A titularidade de uma conta relativa a um depósito bancário não equivale às titularidades das quantias nela depositadas, pelo que a simples transferência de uma quantia de uma conta conjunta para uma conta individual (ou o seu levantamento) do cônjuge administrador não é suficiente para se poder concluir que se verificou uma apropriação do dinheiro comum pelo cônjuge que efetuou esse movimento bancário.
III – Para que o cônjuge administrador possa ser responsabilizado pela sua administração pelo dinheiro comum do casal é necessário determinar em que é que foi gasto esse dinheiro. Cfr. o sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 13 de janeiro de 2015, in Coletânea de Jurisprudência nº 260 ano XL tomo 1/2015
17ª – Da letra da lei e sua interpretação e aplicação – artigos 1678º, 1681º, 1683º, 1689º todos do Código Civil- não pode o tribunal ”a quo” vir a ditar e exigir o que a letra e o espírito da Lei ou o pensamento jurídico aí consolidado não exigem, e ao fazê-lo, concluindo pelo dolo sem qualquer invocação fáctica, viola claramente o disposto nas invocadas normas legais.
18ª - A decisão recorrida, considerando como provados os pontos 11, 12, 14, 36, e 41 da matéria de facto provada, mas não considerou demonstrada quer a data da separação quer a proveniência exclusiva (ou parcial nos termos enunciados) dos dólares supra referidos e indevidamente arrolados, incorreu em manifesto erro do julgamento, excedendo os limites e a letra das normas e do pensamento consolidado sobre as mesmas, e consideram como pressupostos dessa excepção - dito dolo – pelo que foram frontalmente violados o disposto daquelas disposições legais e ainda do disposto nos artigos 487º, 1722º nº 2 alínea c), 1726 nº 1, 1729º e outros do Código Civil, devendo a mesma ser revogada nos termos peticionados.
Nestes termos, e nos melhores de Direito e, no mais, com o Douto e Sábio Suprimento deste Tribunal, deve ser dado provimento ao presente recurso Jurisdicional interposto – quer de facto quer de direito – e reapreciada a prova gravada conforme o infra descriminado, alteradas e modificadas as respostas dadas à matéria de facto e, no mais, com a aplicação do Direito nos termos supra referenciados, revogando-se em conformidade a decisão recorrida ,com todas as consequências legais.
Assim se fazendo VERDADEIRA JUSTIÇA!.,..».
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Após a junção das alegações, o apelante junta a 17/10/2023, requerimento com documentos alegando o seguinte: «AA, Autor/recorrente nos autos supra referenciados, vem muito respeitosamente, por estar em tempo, ter legitimidade, juntar aos autos e a título excepcional, os documentos que este acompanham, a saber:
-transferências bancária de Angola-Portugal
-extractos de conta depósito
-contratos de trabalho
-folhas de salário
-salários, tudo o que faz ao abrigo do disposto nos artºs 651º,662º,423,425º e outros do Código de Processo Civil, e sem qualquer multa , porquanto sempre os mesmos foram referidos, quer nos articulados, quer na audiência de julgamento (e sempre em suporte físico e de grandes dimensões(e, por isso ora protestados, ora dispensados nesses momentos),e que se tornam úteis não só pra a remoção dos meios de prova, mas também indispensáveis para a descoberta da verdade material.
Em si, e por força do antes alegado, são suficientes para destruir conclusões de prova em sentido contrario à que a decisão recorrida assentou.
Foi, assim, totalmente impossível a sua apresentação em momento anterior ao recurso (e em formato digital) e o julgamento da 1ª instância introduziu mesmo um novo elemento de prova, que torna absolutamente necessária a consideração desta prova documental adicional.
Porque decorre ainda o prazo legal de recurso e porque não puderam ser juntos com as alegações escritas, e sempre a título excepcional, requer a Vªs Exas a sua admissão, com junção aos autos, por legal e tempestiva…Junta:6 documentos..».
E junta outro requerimento com seguinte teor: «… AA, Autor/recorrente nos autos supra referenciados, vem muito respeitosamente, por estar em tempo, ter legitimidade, juntar aos autos e a título excepcional, os documentos que estes acompanham, a saber:
- transferências bancária de Angola-Portugal
- salários de 2017, e que não foram juntos no anterior requerimento, por excederem o volume máximo permitido pela plataforma Citius.
E.D. Junta:2 documentos…»-
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A recorrida juntou contra-alegações tendo concluído em resumo pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
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Foi proferido despacho saneador nos autos, sendo que quanto aos objecto do recurso, na parte atinente consta o seguinte: «…Nos termos do disposto nos artigos 596º, n.º 1 (593º, n.º 2, al. c)) procede-se à identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova nos seguintes termos:
Objecto do litígio:
Determinar qual a composição dos bens a partilhar e a identificação das dívidas a relacionar, no processo de inventário para separação de meações que corre seus termos pelo Cartório Notarial de Anadia, sob o n.º ...20/17, em concreto, se corresponde aos bens indicados pelo autor, na petição inicial, ou aos bens indicados pela ré/reconvinte no articulado de reconvenção.
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Temas da prova:
b) Apurar se as quantias levantadas pelo autor das contas bancárias identificadas nas verbas n.º 3 e 4, respectivamente existentes na Banco 1... e na Banco 2..., entre o dia 07-05-2015 e 2-06-2015, num total de € 293.700,00 ocorreram após a separação de facto do casal e quando é que essa separação ocorreu;..».
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O apelante notificado do despacho saneador veio deduzir reclamação no seguintes ternos: «AA, Autor na acção à margem referenciada, notificado do Douto despacho saneador de fls., vem reclamar do mesmo, nos termos seguintes:
1. No pedido formulado pelo Autor no seu articulado inicial sob as alíneas a) e b) reclama-se a declaração de serem bens próprios do Autor – máxime as quantias monetárias relacionadas sob os nos 1, 2, 3 e 4 na Relação de Bens no Inventário nº ..20/17, do Cartório Notarial de Anadia.
2. Como se referiu em sede própria, por aceite expressamente, fica assente que Autor e Ré e, provado nos autos:
-» Celebraram casamento em 27/Agosto/1994;
-» O casamento foi dissolvido por sentença de 16/Janeiro/2017 e foi decretado por mútuo consentimento;
-» A acção de divórcio deu entrada em Juízo em 09/Junho/2015;
Ora,
3. Salvo opinião em sentido contrário e que desde já se respeita, só nos divórcios sem o consentimento do outro cônjuge é que qualquer um dos cônjuges pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data da sua separação de facto, estando essa possibilidade vedada nos divórcios por mútuo consentimento.
Mais,
4. Os efeitos do divórcio produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da sentença. Porém, retrotraem-se à data da propositura da acção, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges e, se a separação de facto estiver provada no processo, qualquer um deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação começou.
Assim, para que esse pedido seja atendido, é sempre necessário que a data da cessação da coabitação tenha sido fixada na sentença (de divórcio), como facto provado.
5. E, tal requerimento a que alude o nº 2, do artigo 1.789º, do Cód. Civil, deve ser formulado no processo de divórcio antes da prolação da sentença que o decretou com fundamento na separação de facto, precludindo o exercício do direito de pedir a retroacção dos efeitos nele consagrado com o encerramento da discussão.
6. Assim sendo, não pode, como tema de prova, o expresso na al. b) aceite que está que tais levantamentos ocorreram a 07/05/2015 e 02/06/2015 e acção de divórcio deu entrada em 09/06/2015 e a separação de facto do casal apenas pode ser decretada no processo de divórcio e, naquele e nestes autos, não foi formulado sequer o pedido de retroacção dos efeitos do divórcio – pelo que não pode aquele tema de prova ter tal formulação - máxime parte final ... “tais levantamentos num total de € 293.000,00 ocorreram após a separação de facto do casal e quando é que essa separação ocorreu” – ?(sic).
7. O que significaria, subverter todas as regras processuais e jurisprudenciais invocadas e que liminarmente se rejeita, por violadores da lei, a prova porventura a efectuar nestes autos nesse sentido, que não pode ser feita, e que expressamente se invoca.
8. Não podem, assim, ser admitidos tais Temas de Prova, nos termos em que estão formulados, subscrevendo, com a devida vénia, o resumo do Ac. Rel. Coimbra de 28/11/2018:1
“1 – O requerimento da retroação dos efeitos do divórcio a que alude o nº 2, do artigo 1.789º CC tem de ser formulado no processo de divórcio antes da prolação da respectiva sentença, ficando precludida a possibilidade do exercício desse direito com o encerramento da discussão em 1ª instância.
2 – Admitir-se esse requerimento após o trânsito em julgado da sentença de divórcio levaria a que se admitisse que se pudesse pôr em causa o que já constituía caso julgado. É que, em função do disposto no nº 1, do artigo 1.789º CC, um dos efeitos do decretamento do divórcio é o de que a cessação dos efeitos patrimoniais do casamento entre os cônjuges se verifica, ipso jure, na data da propositura da acção de divórcio sem consentimento ou na da apresentação do requerimento no divórcio por mútuo consentimento. Não seria razoável que após o transito em julgado da sentença do divórcio e sobrevindo o seu registo, pudessem os terceiros vir a sofrer consequências, ainda que colaterais, daquela maior retroacção, por se admitir que, sem qualquer limite temporal, qualquer dos cônjuges pudesse ainda vir a obtê-la.
1 Processo 846/17.0T8FIG.C1, in www.dgsi.pt
3 – A situação em causa nada tem a ver com um pedido de reforma (rectificação, ou esclarecimento) do decidido em função do disposto nos artigo 614º e 716º, 2, CPC, pois o que falta é o pedido, e este não pode ser suprido por requerimentos de rectificação, esclarecimento ou reforma da sentença.
4 – A lei não configurou como possível o incidente autónomo de fixação do início da separação de facto e o intérprete não pode criar incidentes “autónomos” onde a lei não deu sinais da sua necessidade.
5. A circunstância do conceito de separação de facto poder não ser tão pacífico como à primeira vista poderá parecer, aconselhará que a fixação do momento da separação seja feita na sentença e não por via incidental após esta”.
A tal conclusão não obsta o facto de ter sido a própria Autora a referir tal data, porquanto, além de não revelar a confissão em acções relativas a direitos indisponíveis – reportamo-nos a um trânsito em julgado de 2015, sendo, pois, imprevisível o relevo, não só entre as partes, como sobretudo em relação a terceiros, da data da retroacção dos efeitos patrimoniais do divórcio.
Ou seja, evitar que “um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a proposição da acção sobre valores do património comum”2, encontra-se acautelado pela retroacção à data da propositura da acção de divórcio o que deve ser consignado.
9. Pretender outra data, está dependente de requerimento do cônjuge que nisso tivesse interesse, e que fosse fixada na sentença, constituindo condição para aquele requerimento e esta fixação, a circunstância de a cessação da coabitação/inicio
2 O citado Acórdão
da separação de facto entre os cônjuges se mostrar provada no processo, o que se pretende evitar.
10. Posto isto, não pode aceitar-se o Tema de Prova aludido sob a al. b), do Douto Despacho Saneador cuja eliminação/correcção se reclama e porque tal redacção viola o entendimento supra exposto e, a data da separação dos cônjuges tão só pode ser decretada em sede de processo de divórcio e para o qual tal questão deverá ser remetida se, eventualmente e qualquer dos cônjuges assim o vier a requerer.
Termos em que, junto o presente aos autos, se digne deferir a presente reclamação, nos termos expostos, seguindo-se os demais termos processuais adequados até final…».
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Quanto á reclamação foi proferido o seguinte despacho: «Reclamação de 13-05-2021:
Os temas de prova devem ser elaborados de forma a permitir a aplicação do direito, aos factos, de acordo com as várias soluções plausíveis em direito.
Basta ler a contestação/reconvenção para se perceber que a perspectiva jurídica da ré é diferente da alegada pelo autor, devendo o despacho previsto pelo artigo 596º do CPC abarcar as várias perspectivas jurídicas em discussão.
Acresce que não faz parte do objecto do litígio (nem o podia fazer) – objecto do litígio que está identificado no despacho de saneamento - fixar a data da separação de facto para os efeitos previstos pelo artigo 1789º, n.º 2 do C. Civil, motivo pelo qual não se entende a alegação do autor de que, neste processo, se estariam a subverter regras processuais.
Quer o autor, quer a ré, invocam jurisprudência na defesa das suas posições.
Não deve, nem se pode, por conseguinte, no despacho previsto pelo artigo 596º do CPC, decidir-se antecipadamente de mérito, quando essa decisão apenas deve ser proferida a final, por estar em causa matéria de facto controvertida.
A deferir-se a reclamação ora apresentada seria decidir, sem produção de prova, uma das questões invocadas pelo autor com esta acção e se assim o fosse, nem necessário seria que o processo de inventário, quando a essa questão, tivesse sido remetida para os meios comuns.
Pelo exposto e sem necessidade de outras considerações, indefere-se a reclamação apresentada.
Notifique…»
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, resulta que são os seguintes os pontos a analisar:

A- Reclamação á fixação da matéria de facto

B- Alteração da decisão de facto

C- Alteração da decisão de mérito (quanto aos saldos)

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QUESTÃO PRÉVIA

A recorrida suscita uma questão prévia quanto á admissibilidade da junção dos documentos.

Após as alegações de recurso o recorrente juntou vários documentos, nos ternos acima referidos, tendo referido em resumo: «… porquanto sempre os mesmos foram referidos, quer nos articulados, quer na audiência de julgamento (e sempre em suporte físico e de grandes dimensões(e, por isso ora protestados, ora dispensados nesses momentos),e que se tornam úteis não só pra a remoção dos meios de prova, mas também indispensáveis para a descoberta da verdade material. Em si, e por força do antes alegado, são suficientes para destruir conclusões de prova em sentido contrário à que a decisão recorrida assentou.
Foi, assim, totalmente impossível a sua apresentação em momento anterior ao recurso (e em formato digital) e o julgamento da 1ª instância introduziu mesmo um novo elemento de prova, que torna absolutamente necessária a consideração desta prova documental adicional.
Porque decorre ainda o prazo legal de recurso e porque não puderam ser juntos com as alegações escritas, e sempre a título excepcional, requer a Vªs Exas a sua admissão, com junção aos autos, por legal e tempestiva…».
Estabelece o nº 1 do art. 651º do n. C.P.Civil que «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».
Por sua vez, prescreve o antecedente art. 425º: «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento».
Conforme estabelecem os artigos. 425º e 651º, nº 1, 2ª parte do Cód. Processo Civil, com as suas alegações de recurso as partes só podem juntar documentos, subjectiva ou objectivamente, supervenientes – isto é, “cuja apresentação não tenha sido possível” até ao encerramento da discussão – ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Da conjugação do artigo 651º, nº 1 do n. C.P.Civil e dos artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; ou ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
A parte que pretenda, oferecer o documento deve, portanto, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, ou seja, alegando e demonstrando o carácter objetiva ou subjetivamente superveniente desse mesmo documento, atenta a data do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva,
No tocante à superveniência subjectiva não basta, porém, invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, impondo-se outrossim a demonstração da impossibilidade da sua junção até esse momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Quanto á superveniência objectiva ocorre quando o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância.
Verifica-se que estes documentos são de datas anteriores ao julgamento o que demonstra não existir nenhuma superveniência, e por outro lado a parte foi referindo-se aos mesmos mas nunca procedeu á sua junção.
Portanto, o apelante não demonstrou a não disponibilidade tempestiva dos documentos, quer da inimputabilidade a uma culpa própria do não acesso aos mesos, não estando demonstrada a impossibilidade de juntar previamente.
Portanto, a junção dos documentos, após as alegações de recurso, nesta instância de recurso é extemporânea à luz das invocadas disposições legais.
Nestes termos, impõe-se recusar a junção dos referidos documentos, devendo o recorrente ser condenada em multa, que se fixa em 1 (uma) UC , nos termos do art. 27º nos 1 e 4 do Regulamento das Custas Processuais e art. 443º nº 1 do n. C.P.Civil.
Notifique.
*


III - FUNDAMENTOS DE FACTO

A sentença recorrida foi proferida quanto á matéria de facto e motivação nos seguintes termos:
«.. Fundamentação de facto:
Factos provados:
1º Autor e Ré contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial em 27/Agosto/1994, tendo o mesmo sido dissolvido por sentença de divórcio decretada pelo Tribunal de Família e Menores de Oliveira do Bairro Processo nº 356/15.0T8OBR, de 16/Janeiro/2017, Acção de Divórcio sem Consentimento que deu entrada em Juízo em 09/Junho/2015 e sido transformado em Divórcio por Mútuo Consentimento nessa data (documentos de fls. 123-124, 129-132)
2º Na pendência do casamento o Autor exercia, como exerce hoje, a actividade profissional de industrial de construção civil, compra e venda e construções de propriedades e é emigrante em Angola, na mesma área de indústria/comércio e exercício profissional de engenheiro civil e suas actividades conexas.
3º Com data de 24/Fevereiro/2017 foi requerido pela ora Ré, no Cartório Notarial da Drª EE, em Anadia, um Processo de Inventário/Divórcio ao qual coube o nº 1120/17 e no qual o ora Autor foi nomeado Cabeça de Casal. (fls. 171 a 204)
4º Agindo nessa qualidade, apresentou o autor e cabeça de casal a relação de bens (verbas em dinheiro, móveis, imóveis, móveis, dívidas activas e passivas); (fls. 171 a 189)
5º Notificada da mesma, a ré apresentou reclamação à reação de bens; (fls. 190 a 198) 6º Sobre a qual o cabeça de casal respondeu;
7º Por despacho proferido n dia 9 de Janeiro de 2019 a Sr. Notária designou a realização de uma audiência prévia com tentativa de conciliação, diligência na qual não foi obtido acordo quanto à patilha dos bens; (fls. 199 e 201)
8º Por despacho proferido no dia 16/03/2019 a Sra. Notária determinou a suspensão do processo de inventario e relegou as partes para os meios comuns, nos termos previstos pelo artigo 36º, n.º 1 do RJPI, em vigor à data, com os fundamentos que parcialmente (e com interesse) se transcrevem:« 1-(…) veio a interessada BB apresentar uma reclamação
contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, na qual, resumidamente, diz:
Que as contas bancárias relacionadas sobre s verbas 1 a 4 são comuns;
Que parte da verba 5 é bem próprio da reclamante;
Que as verbas 32 a 34 devem ser eliminadas; Admite relacionar alguns bens móveis;
Que as verbas 51º e 72º são bens próprios da reclamante;
Que a verba 1, das Dividas (benfeitorias), deverá ser eliminada pois é um problema estranho ao presente processo.
Que não aceita relacionar nenhuma das dividas passivas;
Falta relacionar um imóvel comprado em Angola (fls. 200 a 204)
9.º Mais consta:
No presente incidente encontra-se em litígio, nomeadamente a questão de várias verbas relacionadas serem bens comuns do casal ou bens próprios de um dos cônjuges.
Também a questão das benfeitorias e a sua delimitação, por ser de grande especificidade técnica, implica a produção de prova que o processo de inventário não comporta.
Quanto à questão da realização ou não da escritura definitiva do imóvel sito em Angola, objecto do contrato promessa, também a mesma implica a produção de prova não consentânea com o processo de inventário.
Assim, atenta a complexidade da matéria de facto, que torna inconveniente a decisão incidental desta questão, por implicar redução das garantias das partes, remetem-se os interessados (..) para os meios comuns nos termos do artigo 36º nº1 do RJPI, sem produção de prova.
Sendo os bens em questão de importância fundamental para a definição da massa dos bens do património comum do ex- casal, determino a suspensão da tramitação do processo de inventário (fls. 200 a 204)
10º Na relação de bens que o autor, cabeça de casal, apresentou no processo de inventário, relacionou como verbas com os n.ºs 1 a 4 diversas quantias monetárias que identificou como sendo bens próprios, em concreto, as seguintes:
Verba 1 A quantia de 4.528,57 USD, existente no Banco 3..., conta nº ...69.
Verba 2 A quantia de 15,95 existente no Banco 3..., conta
...20.
Verba 3 a quantia de 152.532,17 existente na Banco 1... conta ...00
Verba 4 a quantia de 0,77 existente na Banco 2... de Anadia, conta nº ...49.
11º As verbas identificadas sob os n.ºs 1 a 3 resultam de rendimentos relacionados com a actividade profissional do autor, quantias depositadas essencialmente em moeda estrangeira (USD dólares americanos) provenientes de Angola, onde o autor era e é emigrante há vários anos e fruto do seu trabalho, depósitos efectuados por si e também pela ré, em concreto os depósitos efectuados nas contas existentes na Banco 1... e na Banco 2...;
12º A conta n.º ...49 da Banco 2... de Anadia, identificada na verba 4º, é uma conta de depósitos à ordem co-titulada pelo autor e pela ré, provisionada com dinheiro do casal, onde a ré procedia a pagamentos da via diária do agregado;
13.º Em Portugal a ré assegurava o pagamento das despesas da economia comum;
14.º As contas movimentadas em moeda estrangeira, nomeadamente as existentes na Banco 1... e identificadas na relação de bens, eram utilizadas pelo casal para gerar poupanças;
15.º A conta nº ...20 identificada na verba 2º do Banco 3... corresponde a uma conta solidária co-titulada pelo autor e pelo seu irmão, CC. Entre Maio de 2014 a 8 de Julho de 2015 não se verificaram movimentos em moeda estrangeira. (fls. 435 a 437 verso)
16.º A conta nº ...69 do Banco 3..., identificada na verba 1º corresponde a uma conta Depósitos a prazo aberta em 7-5-2014 e encerrada em 27-06-2017. Entre Maio de 2014 a 8 de Julho de 2015 verificou-se uma transferência em moeda estrangeira. (fls. 435 a 437 verso)
17.º Na Banco 1... S. A., autor e ré foram co-titulares em regime de solidariedade da conta de depósitos à ordem com o n.º ...57, aberta em 11-05-2007 e cancelada em 15-08-2016, movimentada em moeda USD e uma outra conta de depósitos a prazo com o n.º ...71, movimentada em moeda USD, aberta em 1-6-2009 e cancelada em 7-11-2015, contas conexas com a conta identificada na verba 3 (fls. 148 e 434)
18 ºComo verba 5, o autor relacionou a quantia de 10.961,63 resultante da liquidação da Poupança pela ré em 2/6/2015, conta, que qualificou como bem comum (fls. 171 a 189)
19.º A ré deslocava-se várias vezes a Angola e trazia dólares consigo que depositava nas contas do casal, movimenta e dava ordens de transferências, assim como efectuou a grande maioria dos depósitos nas contas tituladas pelo casal em Portugal e as geria;
20.º Na relação de bens o autor e cabeça de casal relacionou como verba n.º 51 e qualificou como bem comum o seguinte:
- um automóvel marca Mercedes com matricula ..-..-RD, no valor de 1000,00 euros
21.º Como verba n.º 72 o autor identificou como bem comum o seguinte imóvel: Pinhal sito em ..., a confrontar no norte com estrada, sul com vala, nascente com FF e GG e poente com HH, II e JJ, inscrito na freguesia ... com o artigo matricial rústico ...75, tendo dado origem ao artigo matricial rústico ...88 da União de Freguesias ... e ... e descrita na Conservatória do registo predial de Cantanhede sob o n ...42/200090209, com valor patrimonial de 154,76 ( fls. 171 a 189)
22.º O imóvel identificado na verba n.º 72, é um bem próprio da ré, tendo-lhe sido doado pelos progenitores;
23.º Como verbas com os n.ºs 31, 32, 33, 34 e 35, que qualificou como bens próprios, o autor relacionou os seguintes móveis:
31º
Coleção de quadros de imagens africanas no valor de 10,00
32º
Álbuns pessoais no valor de 5,00
33º
Prémios de ciclismo (vários trofeus, barco, etc.) no valor de 5,00
34º
Capas, livros CD.s, 2 discos rígidos de 1000G e 500G, câmara de filmar, referente à sua actividade de engenharia tido no valor de 50,00
35
Documentos de dívida ao seu pai, documentos da tropa, vários passaportes, várias cadernetas e cartões do Banco de Portugal e de Angola, chave do carro ..., palete de meias canas de gesso, chave do cofre onde se encontram documentos, pratas, ouro, 40000usd e 18.000,00 euros, pessoais, capas com todos os projectos e documentos referentes a dois prédios de ....»

24º Relacionou também o autor e cabeça de casal, identificando como divida activa:« benfeitorias constituídas por piscina, armazém, estufas, garagens, sala de jogos, lavandaria, ginásio, churrasqueira, salão de festas, escritório e salão de cabeleireiro, efectuadas no prédio rústico inscrito sob o artigo ...22º, da freguesia ... (fls. 174 a 189).
25.º Encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o n.º ...09º, freguesia ..., concelho de Anadia, um imóvel identificado como sendo composto por casa de habitação de r/c com 4 divisões e 3 vãos, inscrito no ano de 1937, imóvel descrito na CR Predial sob o n.º ...61 (fls. 36 e fls. 396-396 verso);
26.º Por escritura de doação outorgada no dia 17 de Setembro de 2002, KK e marido LL, na qualidade de primeiros outorgantes, declararam, com relevo para o caso em apreço, doar aos seus netos solteiros, menores, com eles residentes, filhos do seu filho AA, MM e NN, um prédio urbano composto de casa de habitação e aido, dependência de pátio, sito no lugar ..., freguesia ..., descrito na CR Predial de Anadia sob o n.º ...61, onde também se encontra inscrito em favor dos doadores pela inscrição ..., inscrito na matriz sob o artigo ...09 (..)(fls 40 a 42).
27.º O imóvel identificado no artigo anterior foi a casa de morada de família constituído pelo autor e ré e dois filhos;
28.º Ao longo dos anos foram realizadas pelo casal constituído pelo autor e ré diversas obras, nomeadamente as obras mencionadas no artigo 25º da PI, nomeadamente: a casa de habitação, casa velha, foi totalmente remodelada e ampliada com: aquecimento central, ar condicionado, pisos flutuantes em toda a habitação, pinturas, isolamentos, alteração de janelas e fachadas, portas, muros exteriores, iluminação, mobílias várias de cozinha, jantar, roupeiros, após a obtenção do licenciamento camarário na Câmara Municipal de Anadia Proc. nº ...95 de 21/Março/1995 em nome da mãe do Autor;
29.º Assim como a construção de uma piscina, de um armazém, de estufas, de garagens, de salas de jogos, de lavandaria, de ginásio, de um salão de festas, de um escritório, de um salão de cabeleireiro, cujo valor, incluindo o valor das obras referidas no ponto anterior e neste, correspondente a pelo menos 268.456,20 (duzentos e sessenta e oito mil, quatrocentos e cinquenta e seis euros e vinte cêntimos);
30º As obras foram realizadas no imóvel correspondente ao artigo ...09º identificado no ponto 22º;
31.º É nessa casa que a ré reside com os filhos do dissolvido casamento, sita na Rua ..., ..., ...;
32.º Como preliminar da acção de divórcio a ré instaurou um procedimento cautelar de arrolamento que correu seus termos pelo Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, da Comarca de Aveiro, processo n.º 356/15.T8OBR-A (fls. 84 a 90)
33.º Por sentença proferida no procedimento cautelar em 8-7-2015 foi determinado o arrolamento de diversos bens imóveis, bens móveis e saldos de contas bancárias, melhor identificados na decisão junta aos autos de fls. 90 verso a 95 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
34.º No âmbito desse procedimento realizou-se no dia 9 de Novembro de 2015 um auto de Recebimento, constante de fls. 96, mediante o qual a ré procedeu à entrega ao autor de diversos bens móveis bens pessoais do autor - melhor identificados no auto de fls. 96 cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
35.º O autor quando saiu de casa de morada de família levou consigo pastas com documentos onde estavam documentos e extractos bancários e plantas e documentos relacionados com as obras realizadas na casa de morada de família;
36º Em relação á quantia de 10.000,00 Euros que integra parte da verba relacionada pelo autor como verba n.º 5, depositada na conta conjunta existente na Banco 2..., trata-se de uma verba doada pelo pai da ré a esta, como prenda, quantia que a ré depositou nessa conta e aplicou no mesmo dia num produto de aforro e que mais tarde levantou, no dia 2 de Junho de 2015;
37º. Para além dos bens identificados no auto de recebimento de fls. 96, a ré tem na sua posse duas telas de quadros com imagens africanas, que pertencem ao autor e paletes de meias canas de gesso.
Não estão na sua posse os restantes bens identificados pelo autor nas verbas relacionadas no processo de inventário sob os n.ºs 31º a 35º.
38º. No dia 25-05-2015 o autor retirou, através de transferência bancária, a quantia de €50.000,00 da conta solidária do ex - casal existente na Banco 2...;
39º.º Na conta da Banco 1... o autor fez os seguintes movimentos:
a) Em 7-5- 3025 levantou a quantia de €50.000,00
b) Em 19-05-2015 o autor levantou a quantia de €25.000,00
c) Em 21-05- 2015 o autor levantou a quantia de €50.000,00
d) Em 25-05-2015 o autor levantou a quantia de 22.300,00;
e) Em 29-05- 2015 o autor levantou a quantia de 50.000,00
f) Em 2-6- 2015 o autor levantou a quantia de 46.400,00, tudo num total de 293.700,00 (duzentos e noventa e três mil e setecentos euros);

40.º Na sequência da providência de arrolamento o saldo da conta da Banco 1... ficou com um saldo de 52.523,17, valor indicado pelo autor na relação de bens como verba n.º 3;
41.º Quando os levantamentos referidos em 38º e 39º foram efectuados autor e ré já não viviam juntos;
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Factos não provados
(para além dos factos que estão em directa contradição com a factualidade provada, não se provaram os a seguir indicados e com relevo para a decisão da causa)
Petição inicial
Artigo 24º: não provado que as obras (benfeitorias) foram também realizadas no prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...22º;
Artigo 25.º Não provado que as obras tivessem sido realizadas apenas pelo autor,

Artigo 28º: Na realidade, aquela doação de 16/09/2002 de seus pais KK e marido LL ao filho CC (artigo urbano ...78, freguesia ...) e aos netos MM e NN, à data menores, únicos filhos de Autor e Ré (artigo urbano ...09) mais não representa ou significa uma doação ao filho AA, por conta/antecipação da herança dos seus pais, como resulta linear, que nele efectuou todas as invocadas obras de ampliação, construção, beneficiação, com vista à construção daquela casa que hoje existe no local.
Artigo 29.º: Na verdade, em consequência da atitude da Ré, o Autor viu-se e vê-se impedido de dispor, usufruir, utilizar, pisar aquela casa que construiu com o seu imenso trabalho e suor e que esta agora diz que lhe não pertence, e bem assim as demais benfeitorias (anexos) igualmente integradas no artigo rústico supra identificado, que todas compõem o prédio urbano aqui identificado.
Contestação/reconvenção:
Artigos 23.º e 24º: Não provado que todo o dinheiro necessário para gerir a vida familiar, saía de contas apenas tituladas pela ré;
Artigo 31: Não provado que o autor tenha levado consigo o passaporte da ré e dos filhos.
Artigo 45.º: não provado que o veículo tivesse sido doado à ré pelo seu pai. Artigo 79º.º não provada a data em que o casal de separou.
Réplica:
Artigo 9º.: não provado que a ré ficou com a ré os objectos e dinheiro aqui mencionados.
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Não existem outros factos a considerar como provados ou não provados com interesse para a decisão a proferir.
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Motivação Factos provados
Os factos identificados nos artigos: 1, 3, 4, 5º, 7º, 8º, 9º, 10º, 15º, 16º, 18º, 20º, 21º, 23º, 24º, 25º, 26º, 32º, 33º, foram considerados como provados com base nos documentos expressamente mencionados em cada um desses artigos.
Os factos identificados nos artigos: 2º, 6º, 17º (quanto à conexão), 22º, 27º, 28º e 29º, 31º, 38º e 39º, 40º resultaram do acordo expresso ou tácito das partes (tácito por ausência de impugnação), sendo que: em relação ao artigo 17º valoramos igualmente os documentos de fls. 148º e 434; em relação aos artigos 28º e 29º, matéria acordada pelas partes em audiência foi também valorado o processo de obras de fls. 292 e seguintes e o relatório pericial de fls. 445-451 e 461-464, relatório que foi a base do acordo das partes quanto aos factos em causa e valores indicados; os levantamentos referidos nos artigos 38º e 39º foram aceites pelo réu, nomeadamente no artigo 28º da Réplica e um dos movimentos também consta do documento de fls. 77-78.
Artigo 11º: sobre esta matéria valoramos a própria alegação vertida pelo autor na PI que o afirma, os extractos bancários que demonstram que os depósitos em causa eram feitos em moeda estrangeira.
O facto de os depósitos serem feitos pelo autor e ré foi mencionado por ambos nos seus depoimentos e corroborado pela testemunha CC, irmão do autor e que referiu que entregava várias quantias à ré para que esta as depositasse nessas contas, contas onde a testemunha não procedia a depósitos. Mesmo em relação às contas identificadas nas verbas 1 e 2 do Banco 3... que estavam também em nome desta testemunha, o autor referiu que provinham de rendimentos seus o que não foi posto em causa pela testemunha.
A testemunha referiu que também depositava dinheiro seu (apesar de não clarificar de que actividade, uma vez que sendo Agente da PSP não esclareceu que actividades paralelas alegadamente exercia), mas não provou que o fazia nas contas identificadas pelo autor e resulta dos documentos juntos com a PI que o autor e testemunha eram titulares de outras contas.
As deslocações da ré a Angola foram mencionadas pela própria e também pelo autor e o seu irmão, assim como pelas testemunhas arrolas pela autora, nomeadamente a companheira da testemunha CC, a testemunha OO. Esses depoimentos são credibilizados pela prova documental, nomeadamente de fls. 76, 76 verso que se reportam a deslocações da ré a Angola.
Em sede de audiência o autor tentou alterar a versão que o próprio alegou na PI, referindo que as quantias depositadas provinham de empréstimos alegadamente efectuados ao autor assim como de doações, versão que o autor defendeu, assim como o se irmão e as testemunhas PP, também irmão do autor, QQ e DD. Contudo nenhum dos referidos depoimentos mereceu qualquer credibilidade.
Para além de ser matéria contraditória com a alegada na PI, nem o autor nem as referidas testemunhas conseguiram explicar a que empréstimos se estavam a referir.
Não existe qualquer suporte documental. Não souberam concretizar quem emprestou, quando, para o quê, datas, destino, finalidade.
São depoimentos evasivos e sem qualquer sustentação e que não mereceram credibilidade, contrariando o que o próprio autor alegou, quer nesta ação, quer no processo de inventário.
Artigos 12.º e 13º e 19º: os depoimentos de autora e ré não foram divergentes sobre estes factos, resultando da análise do extracto bancário fls. 77 e 78 pagamentos à MEO, aos serviços Municipais, vários pagamentos à EDP, ou seja, pagamentos de água, luz e telefone, pagamentos normais num agregado familiar.
Por outro lado, estando a ré a viver com os filhos em Portugal é coerente e resulta das regras da experiência comum que fosse a ré quem gerisse a casa e as despesas correntes.
Também os depoimentos dos irmãos do autor e as testemunhas da ré foram convergentes sobre estes factos.
Artigo 14.º: tivemos em consideração os extractos bancários de fls. 208 a 212, apesar das dificuldades de leitura é possível perceber que são aplicações efectuadas nas contas do casal existentes na Banco 1...; também valoramos os levantamentos que foram feitos em datas próximas e anteriores à entrada do arrolamento e acção do divórcio pelo autor e que estão identificadas como liquidações de poupanças como por exemplo o extrato de fls. 77-77 em que em 25-5-2015 há um liquidação de um depósito a prazo transferido na mesma data para uma outra conta;
Artigo 30.º: a realização das obras no artigo 209º e não em qualquer outro, resulta: da prova pericial e seus esclarecimentos que apenas identificam este imóvel e de forma inequívoca; os documentos de fls. 418 a 428 apenas identificam esse imóvel; dos documentos camarários relativos ao projecto de construção e ampliação da moradia, todos relacionados com artigo 209º; da análise da certidão matricial do artigo rústico ...22º de fls. 126 que não permite identificar pelas suas confrontações que seja sequer contíguo ao artigo ..09º, situando- se em lugares diferentes: o artigo ..09º do lugar ... e o artigo …22º do lugar de ...; da escritura de justificação notarial feita pelos pais do autor sobre tal artigo (..22º) e constante de fls. 168 verso a 169 verso, escritura feita apenas em 2016, em que identifica o imóvel em causa como sendo uma vinha e com destino agrícola, composição e utilização que não corresponde às obras efectuadas, nem à identificação do imóvel onde as obras foram feitas e mencionado pelo relatório pericial.
Artigo 35º: valoramos o depoimento da ré que é consistente com os documentos que o autor juntou com a Petição inicial, nomeadamente os extractos bancários de fls. 208 a 215, que comprovam que o autor tinha na sua posse os documentos bancários, nomeadamente o extracto da Banco 1... com as aplicações efectuadas, assim como os documentos de fls. 43 a 53 verso, relacionados com as obras efectuadas na moradia.
Artigo 36º: a quantia em causa, apesar de depositada numa conta do casal a ré conseguiu provar a sua proveniência, nomeadamente da conjugação entre o documento de fls.161, que comprova o levantamento pelo pai da ré da quantia de 10.000,00 em 4-12-2014, e o documento de fls. 162 a 164 extracto bancário -, que comprovam o depósito dessa quantia na conta da Banco 2... do então casal no dia 9-12-2014, poucos dias depois, data em que também foi feita pela ré uma aplicação em poupança e que liquidou em 2-6-2015, apesar de ter transferido mais do que esse valor.
Os documentos credibilizaram os depoimentos da ré e das testemunhas por si arroladas que referiram que era habitual o pai da autora presentear os filhos com dinheiro, referindo a testemunha OO que assistiu a conversas sobre esse presente dado pelo pai da ré.
O próprio autor no seu depoimento e o seu irmão CC referiram que era usual o pai da autora dar presentes em dinheiro aos filhos, apesar de não aceitar que essa quantia tivesse sido um desses presentes.
A convicção formada pela prova apresentada pela ré e que foi consistente e sustentada em prova documental não foi afastada por qualquer outro meio de prova credível, nomeadamente o depoimento do autor, ou das testemunhas por si indicadas que não tinham qualquer conhecimento directo sobre estes factos.
Artigo 37º: a autora admitiu no seu depoimento ter a posse de duas telas e das paletes. O autor no seu depoimento admitiu que recebeu os álbuns pessoais, os prémios de ciclismo, referindo não ter recebido o barco, mas não logrou provar por qualquer meio que a ré o tenha na sua posse, em face do auto de entrega de fls. 96.
Em relação à verba 34º admitiu ter recebido tudo menos a câmara de filmar, mas mais uma vez não logrou provar por qualquer meio que a ré o tenha na sua posse, em face do auto de entrega de fls. 96.
Sobre os bens e documentos identificados na verba 35º, para além da palete de meias canas de gesso, que a ré admitiu, mas referiu que era um bem comum adquirido na constância do casamento, nenhuma prova foi produzida pelo autor.
O autor limitou-se a dizer que achava que todos os documentos estariam no cofre, mas nenhuma diligência fez ou requereu para tentar saber, referindo a ré, por sua vez, que desconhece todos os documentos e dinheiro mencionados pelo autor nessa verba.
As testemunhas inquiridas não tinham qualquer conhecimento directo sobre esses factos.
Artigo 41.º: é o que resulta dos depoimentos das duas partes e da conjugação entre o alegado pela ré no artigo 79º da contestação e pelo autor no artigo 27º da PI, ao referir que teve que sair de casa na sequência de um afastamento progressivo do casal.
No seu depoimento o autor e a propósito das chaves do cofre refere que não sabe delas desde 2014, depoimento que indicia que já nesse ano o casal poderia estar desavindo.
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Factos não provados Petição Inicial:
Artigo 24º: não provado que as obras (benfeitorias) foram também realizadas no prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...22º;
Não provado pela prova já mencionada na motivação do ponto 3º dos factos provados para a qual remetemos.
Artigo 25.º Não provado que as obras tivessem sido realizadas apenas pelo autor,
Não provado na medida em que resulta do processo camarário e relatório pericial que as obras foram feitas ao longo dos anos, incluindo os anos em que o autor já estava em Angola (o que sucedeu a partir de 2007) e resultou dos depoimentos que a ré era quem procedia pelo menos nesse período, aos pagamentos, o que resulta dos documentos de fls. 418 a 428, nomeadamente, os recibos eram passados em nome da ré e os pagamentos efectuados de contas solidárias de autor e ré da Banco 1... S.A. e da Banco 2... e assinados pela ré.
Artigo 28º:
Não provado por ausência de qualquer meio de prova. Artigo 29.º:
Não provado por ausência de qualquer meio de prova, a que acresce o facto de o autor residir em Angola.
Contestação/reconvenção:
Artigos 23.º e 24º: Não provado que todo o dinheiro necessário para gerir a vida familiar, saía de contas apenas tituladas pela ré;
Não provado por ausência de prova, resultando dos factos provados que a conta da Banco 2... utilizada para a gestão da vida comum era titulada pelo autor e pela ré.
Artigo 31: Não provado que o autor tenha levado consigo o passaporte da ré e dos filhos.
Não foi apresentado qualquer meio de prova credível sobre esses factos. Artigo 45.º: não provado que o veículo tivesse sido doado à ré pelo seu pai.
A prova foi contraditória apresentando cada uma das partes a sua versão, mas sem que, quer o autor, quer a ré, estivessem suportados em documentos, como por exemplo o documento de transmissão.
Por conseguinte e perante a presunção de comunicabilidade prevista pelo artigo 1725º do C. Civil e que à ré competia afastar, consideramos tal facto como não provado.
Artigo 79º.º não provada a data em que o casal de separou. Ausência de prova sobre a data alegada.
Réplica
Artigo 9º.: não provado que a ré ficou com a ré os objectos e dinheiro aqui mencionados.
Não foi apresentado pelo autor qualquer prova quer em relação à existência desses objectos e dinheiro quer à posse pela ré dos mesmos.
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Não existem outros factos a considerar como provados ou não provados com interesse para a decisão de mérito.».



IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO


A
O apelante invoca liminarmente recorrer do despacho que indeferiu a sua reclamação quanto ao saneador que fixou os temas de prova e simultaneamente impugna a matéria de facto fixada na sentença recorrida quanto a esses pontos.
Neste segmento refere que foi proferido Despacho Saneador que nos temas da prova estabeleceu no ponto b) o seguinte: «..
b) Apurar se as quantias levantadas pelo autor das contas bancárias identificadas nas verbas n~3 e 4, respetivamente existentes na Banco 1... e na Banco 2..., entre o dia 07-05-2015 e 02-06-2015, num total de 293.700,00€ ocorreram após a separação de facto do casal e quando é que essa separação ocorreu;..»
O apelante veio apresentar reclamação quanto a este segmento despacho saneador o qual foi indeferido por considerar em resumo estar a decidir-se a acção sem produção de prova.
Refere que o tribunal recorrido deu como provados os factos constantes nos números 38º e 39º da sentença, ou seja, que entre 07 de maio de 2015 e 02 de junho de 2015 o autor levantou essa quantia.
E que face aos temas da prova (B) que foi impugnado considerou o tribunal dever discutir e apurar se as quantias levantadas nas contas bancárias identificadas, entre os dias 07 de maio de 2015 e 02 de Junho de 2015, num total de 2293.700,00€ ocorreram após a separação de facto do casal e quando essa separação ocorreu.
E fixou n matéria de facto que “- Quando os levantamentos foram efetuados autor e a ré já não viviam juntos.”
Considera o apelante que o tribunal não poderia dar resposta a tal questão.
Refere que por lado, não se provando a data ou momento da separação, nunca se poderia dar como provado que tais levantamentos ocorreram após a separação de facto e principalmente quando é que essa separação ocorreu.
Alega o apelante considera que essa factualidade era indispensável para a procedência (ou não) do pedido reconvencional ora em apreço e que o tribunal deu uma motivação inadequada e incorrecta porque não assenta em qualquer factualidade provada (apenas está demonstrado que as partes celebraram casamento em 27 de agosto de 1994; o casamento foi dissolvido por sentença de 16 de janeiro de 2017 e foi decretado por mútuo consentimento; e que a acção de divórcio deu entrada em Juízo em 09 de junho de 2015).
Considera que esse tema de prova não poderia ser fixado porque só nos divórcios sem o consentimento do outro cônjuge é que qualquer um dos cônjuges pode requerer que os efeitos dos divórcio retroajam à data da sua separação de facto, estando essa possibilidade vedada nos divórcios por mútuo consentimento-como é o caso. Maus refere que os efeitos do divórcio produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da acção, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges e, se a separação de facto estiver provada no processo, qualquer um deles pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação começou.
Alega que, para que esse pedido seja atendido, é sempre necessário que a data da cessação da coabitação tenha sido fixada na sentença (de divórcio), como facto provado. E, tal requerimento a que alude o nº 2, do artigo 1.789º, do Código Civil, dever ser formulado no processo de divórcio antes da prolação da sentença que o decretou com fundamento na separação de facto, precludindo o exercício do direito de pedir a retroacção dos efeitos nele consagrado com o encerramento da discussão.
Conclui que, não se pode considerar, como tema de prova, o expresso na al b) aceite que está que tais levantamentos ocorreram a 06/05/2015 e 02/06/2015 e acção de divórcio deu entrada em 09/06/2015 e” a separação de facto do casal apenas pode ser decretada no processo de divórcio e, naquele e nestes autos, não foi formulado sequer o pedido de retroacção dos efeitos do divórcio “– pelo que não pode aquele tema de prova ter tal formulação – maxime parte final…”tais levantamentos num total de 293.000,00€ ocorreram após a separação de facto do casal e quando é que essa separação ocorreu” -?.
Conclui, assim que não se pode admitir tal tema de prova e que eliminado tal tema de prova, como se reclama por esta via, prejudicada fica a apreciação da questão em apreço (se já viviam ou não juntos) e que a resposta dada na matéria de facto deve ser eliminada.

Consideramos que este segmento do recurso é procedente devendo excluir-se a parte final da alínea b) dos temas de prova (não podendo ser discutido nestes autos esse aspecto sobre a data da separação), porque o requerimento da retroacção dos efeitos do divórcio a que alude o nº 2 do art 1789º CC tem de ser formulado no processo de divórcio antes da prolação da respectiva sentença, ficando precludida a possibilidade do exercício desse direito com o encerramento da discussão em 1ª instancia.
E nessa medida terá de se excluir da matéria de facto dada por provada o ponto 41º «Quando os levantamentos referidos em 38 e 39 foram efectuados já autor e ré não viviam juntos».
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B- Impugnação da matéria de facto

Neste segmento o apelante alega que o tribunal incorreu em erro quanto ao julgamento da matéria de facto quanto a vários pontos que enuncia.
Desde logo e face ao acima referido fica excluído da matéria de facto o ponto 41 da matéria tida como provada pela sentença (sem prejuízo de se referir que tal facto igualmente não se pode considerar provado dado que nenhum meio de prova confirmou essa matéria, não tendo sido referido por testemunhas ou resultar de qualquer documento.
Invoca o apelante ainda em sede de impugnação de facto quanto á (improcedência do pedido formulado pelo autor na alínea a) da sua p.i. (reconhecimento de que as verbas 1,,2 e 4 da relação de bens são bens próprios do Autor), que o tribunal deu como provado o facto 11: que as verbas identificadas sob os nºs 1 e 3 resultam de rendimentos relacionados com a actividade profissional do autor, quantias depositadas essencialmente em moeda estrangeira (U.S.A.) provenientes de Angola, onde o autor era emigrante há vários anos e fruto do seu trabalho, depósitos efetuados por si e também pela ré, em concreto depósitos efetuados nas contas existentes na Banco 1.... e Banco 2....
Refere que esse facto 11 não é correcto e impugna igualmente os factos referidos em 12, 13º, 14º, 16º e 17º, e 36 da mesma sentença.
Alega que invocou na replica – v.j. artigo 13º de tal articulado “v.j. deslocações da ré a Angola com vista a trazer consigo quantias em dólares – propriedade do autor – dos seus negócios, habilitações, doações e empréstimos. Refere que o tribunal deveria ter considerado que todo aquele dinheiro (dólares por si trazidos, por seu irmão CC) provinha efectivamente dos seus negócios, habilitações (a dita capacidade, perícia, destreza, doações, idoneidade) e empréstimos.
Invoca que tal resultou do depoimento da testemunha CC e que este depoimento não pode ser analisado apenas como válido em parte, mas na sua totalidade. Questiona porque não se teve em conta o depoimento do autor e do seu colega de profissão DD e do seu irmão CC.
Alega que esta testemunha CC era o seu braço direito, ia buscar os dólares a vários pontos do país e aí chegados, vindos de Angola (obviamente, diremos que não correspondiam ao salário do autor naquele país), que os entregava honestamente à ré que procedia ao seu depósito. E referia existirem dividas para pagar e que o autor fazia empréstimos e doações.
Alega que tendo o autor um salário de um salário de 7.000,00 dólares mensais, o autor e ré faziam depósitos de 225.000.00 dólares (arrolados) e ainda mais de 800.000,00 na totalidade e que não é pelo facto de ser a esposa BB que os depositava (em conta solidária com o marido) que os transformava automática de próprios, em comuns.
Conclui que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento quando, tendo dado como provados os pontos acima referidos da matéria de facto referida na sentença, quando ficou demonstrada a propriedade exclusiva do autor (ou maioritariamente própria) e parcialmente comum do casal.
Concretiza que essa factualidade teria resultado do depoimento do autor e da testemunha CC que refere saber de «empréstimos e doações, a BB ia lá buscar os dólares, o ordenado era transferido…”.
Alega por outro lado que a testemunha DD refere que «eu emprestei-lhe dinheiro e sei de outros que também lhe emprestaram”.
Mais refere que essa mesma conclusão resulta do teor dos documentos juntos e da pasta com cópias das notas (dólares americanos), seus depósitos e montantes, sendo que questiona para quê tal pasta se o salário era transferido.
Conclui que esses valores não eram depósitos do salário mensal e feito por transferência bancária, era dinheiro (vivo) trazido pela ora recorrida, seu marido e cunhado, nos termos que aí ficaram consignados.
Refere que deveria ter sido dado como provado, que “as verbas 1, 3 resultam da actividade profissional do autor, dos seus negócios, doações, habilitações e empréstimos, quantias depositadas em moeda estrangeira (dólares americanos) provenientes de Angola, onde o autor era e é emigrante há vários anos, depósitos efetuados por si e também pela ré, em concreto os depósitos efectuados nas contas existentes na Banco 1... e Banco 2....
E que se deveria aditar num novo ponto (11-A) com a seguinte redacção:
“As quantias referidas nos autos ids. Em 1 e 3 revestem a natureza de 20% de fruto do trabalho do Autor em Angola e 80%. fruto de doações, habilitações e empréstimos naquele país”.
Por fim, refere complementarmente quanto ao pedido em c) da ré (verba- 10.000,00) que é bem comum (fls 171 e 189). nº 18º da sentença – o tribunal no que decidiu pela forma constante no nº 36º …”trata-se de uma verba doado pelo pai da ré a esta, como prenda, que a ré depositou e aplicou no mesmo dia num produto de aforro e que mais tarde levantou, no dia 2 de junho de 2015” sic.
Refere que se teve em conta o depoimento da ré que referiu ter recebido um cheque de 10.000,00 em 4.12.2014 aplicou uma poupança de 10.000,00 – no dia 9.
Por outro lado, e tal como acima referido, quanto á improcedência do pedido formulado pelo autor na alínea a) da sua p.s. (reconhecimento de que as verbas 1, 2 e 4 da relação de bens são bens próprios do Autor. Refere que entendeu o tribunal recorrido – v. Factos Provados: 11º da sentença que as verbas identificadas sob os nºs 1 e 3 resultam de rendimentos relacionados com a actividade profissional do autor, quantias depositadas essencialmente em moeda estrangeira (U.S.A.) provenientes de Angola, onde o autor era emigrante há vários anos e fruto do seu trabalho, depósitos efetuados por si e também pela ré, em concreto depósitos efetuados nas contas existentes na Banco 1.... e Banco 2.... Mas que tal não é correcto e igualmente se deve considerar não provada o referido em 13º, 14º, 16º e 17º da mesma sentença.
Verifica-se que improcede a impugnação da matéria de facto dado que do depoimento da testemunha CC (irmão do Autor) não demonstra que o dinheiro dessas contas era proveniente de outra origem diferente do trabalho, dado que prestou um depoimento vago, sem objetividade e sem indicar a natureza desses alegados investimentos ou empréstimos (referindo-se em geral a que o autor estava a realizar investimentos porque era favorável e que «estava a aproveitar um bocadinho as amizades e a arranjar dinheiro») nem valores nem a identidade concreta das pessoas que alegadamente fizeram empréstimos e os valores. O mesmo ocorre com a testemunha DD que teve um depoimento vago citando apenas alegados empréstimos e nomes mas sem concretizar a identidade concreta das pessoas ou valores nem m datas nem finalidades.
Por outro lado não há prova documental que haja demonstrado a factualidade alegada pelo autor no recurso e nessa medida improcede a totalidade da impugnação da matéria de facto á excepção da exclusão do ponto aclima referido.
Quanto ao ponto 36 improcede a sua impugnação porque o tribunal não teve só em conta o depoimento da ré para considerar esse facto como provado. O mesmo ficou demonstrado também da conjugação desse depoimento com o da testemunha OO que demonstrou ter conhecimento directo desse facto e com a prova documental de fls 161 que demonstra o levantamento pelo pai da ré dessa quantia em 4-12-2014 e o extrato de fls. 162 a 164 que comprova o depósito no dia 9-12-2014 na conta do casal, tendo a ré feito uma aplicação em poupança.
Pelo exposto, e considerando os meios de prova que foram produzidos relativamente á factualidade objecto da impugnação versada nas alegações, não existe nenhuma razão para se realizar qualquer alteração á matéria de facto fixada na sentença recorrida, á excepção de se excluir do elenco dos factos provados o ponto 41 da matéria tida como provada.

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C- Alteração da decisão de Mérito.


Neste segmento o apelante refere estar em causa apenas o segmento atinente á titularidade do dinheiro em dólares e euros existentes nas contas bancárias identificadas na relação de bens.
Alega que o casamento dos interessados foi dissolvido pelo divórcio e que cada cônjuge receberá na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que deve a esse património – artigo 1689º do C.Civil.
E que a lei faz retroagir os efeitos do divórcio, nas relações patrimoniais entre os cônjuges, à data da proposição da acção de divórcio ou mesmo a data da cessação da coabitação entre ambos, embora neste último caso, só a requerimento de qualquer dos cônjuges - artigo 1789º n. 1 e 2 do C. Civil – o que não ocorreu no presente caso.

Esta retroacção significa que a composição da comunhão se deve considerar fixada no dia da preposição da acção, e não no dia do trânsito em julgado da decisão, e que a partilha deve ser feita como se a comunhão tivesse sido dissolvida no dia da instauração da acção.
Refere que a composição do património comum é, portanto, aquela que existia na data da proposição da acção e não em momento anterior, e só os bens existentes nesse momento devem ser objecto de partilha.
Conclui, assim que, seja qual for o destino que o ora recorrente tenha dado ao dinheiro da conta bancária em data anterior à propositura da acção de divórcio, o respectivo valor não deve ser mencionado no inventário para separação de meações.
Considera que o levantamento do dinheiro de uma conta bancaria do casal e a sua destinação em data anterior ao referido momento integra um acto de administração de bem comum, constituindo uma violação desses deveres patrimoniais a má administração de bens do casal – artigo 1678º n. 1, 2 e 3 1ª parte do C.Civil - , ou em inobservância da regra da administração conjunta dos bens comuns - artigo 1678º n. 3 2ª parte do C.Civil. O cônjuge que administra bens comuns está, em regra, isento de prestar contas, mas responde pelos danos – artigo 1681 n. 1 do C.Civil. Os actos praticados com dolo, em prejuízo do património comum ou do outro cônjuge, ou com inobservância das regras de administração desses bens – artigo 1681 do referido diploma.
Conclui, assim que à ré assistiria eventualmente o direito de fazer declarar e valer contra o recorrente o seu direito a ser ressarcida dos danos que possa ser suportado por força do referido acto do último - artigo 483º n.1 do C. Civil. Mas deveria fazer declarar e valer tal direito indemnizatório nos meios judiciais comuns e não num processo de inventário para separação de meações, através da inclusão nos bens a partilhar do saldo de uma conta que já não existia à data em que cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges. E que só após ver reconhecida esse direito indemnizatório é que poderia então fazer valer o respectivo direito de crédito, em sede de partilha do património conjugal, de acordo com o estatuído no artigo 1689 do C. Civil.

Alega, assim que apesar de no presente caso estarmos perante uma acção com processo comum, na sequência da remissão para este meio em incidente de reclamação contra a falta e excesso de relacionamento de bens, designadamente do referido saldo da conta bancária inexistente à data do pedido de divórcio, não se discutiu nesta acção, nem se apurou, a existência de um eventual direito de indeminização por administração danosa ou indevida de bens comuns ( o qual a existir não correspondia necessariamente a metade do valor do saldo), mas antes se conclui que existia o direito a tal saldo integrar cegamente a relação de bens comuns a partilhar no inventário, tendo-se bastado, para isso, com o simples facto de o recorrente, na constância do matrimónio e em data anterior à propositura da acção de divórcio, ter levantado o dinheiro que existia naquelas contas bancárias do casal.
Considera, assim que aquela quantia de 293.700 euros pedida em reconvenção - tem que obrigatoriamente ser julgada improcedente - revogando-se par tal, nesse sentido , a sentença recorrida-tudo sem prejuízo de ré(ora recorrida)caso assim o entenda, vir a reclamar, em acção própria, o direito a indemnização previsto no artº 1681 do C.Civil, e pode então fazer valer o correspondente direito de crédito que porventura lhe assista - artº 1689º do mesmo diploma.
Portanto, quanto ao pedido reconvencional de 293.700,00€ como bem comum, entende que o autor enquanto cônjuge administrador de bens não tinha aqui ou no processo de partilha que alegar e provar qualquer motivo para o efeito daquele levantamento.
Era a ré, eventualmente prejudicada, que o teria de invocar e provar em acção própria, demonstrando que o autor levantou determinadas quantias em dinheiro, porventura alguns dias antes daquela ter instaurado o processo de divórcio, tendo um comportamento doloso ou enriquecimento injustificado.
Por outro lado, alega que quanto á questão dos dólares depositados (1 e 3) e que o tribunal a quo definiu tratar-se de comuns, considera o recorrente que é um bem próprio, se bem que na proporção indicativa no artigo 1726º do código civil. A esse propósito enuncia-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (2698/14.3 TBVNG.c1).” O depósito de dinheiro próprio de um dos cônjuges de uma conta que ambos são titulares não transforma em bem comum, só se presumindo que o dinheiro é de ambos na ausência da prova da sua proveniência”. Logo provada a proveniência dos dólares cai por terra a tese defendida na decisão recorrida.
E alega por fim que, a quantia de 10.000,00€ definido na douta sentença como bem próprio pelas vagas e imprecisas razões aí apontadas, deve ser considerado um bem comum.
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No que diz respeito á quantia de 10.000,00 euros, face á improcedência da impugnação da matéria de facto, adere-se á fundamentação jurídica da sentença e considera-se que em relação à verba n.º 5 a ré provou que se trata de uma quantia que lhe foi doada pelo progenitor, sendo, por aplicação do disposto no artigo 1722º, n.º1, al. b) do C. Civil, considerado como um bem próprio da ré e a restante quantia que excede esse valor de €10.000,00 como está depositado numa conta solidária do ex-casal á data do divorcio é um bem comum nos termos do artigo 1724 do CCivil.
Assim, a verba nº5 deve constar a quanta de 961,63 euros da conta bancária n.º ...69 da Banco 2....
Por outro lado, face á improcedência da alteração á matéria de facto resulta que os valores referidos quanto aos saldos bancários são comuns.
A questão nuclear a analisar traduz-se na determinação sobre se os saldos bancários no total de 293.700,00 euros se são bens comuns ou próprios.
Neste segmento a sentença recorrida considerou em resumo o seguinte: «.. As contas existentes na Banco 2... e na Banco 1... são contas solidárias tituladas pelo autor e pela ré, devendo ser, em princípio, considerados bens comuns porque existentes à data da entrada da acção de divórcio, data em que cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges, de acordo com o disposto nos artigos 1688º e 1789º do C. Civil.
Alegou o autor que os saldos das contas que relacionou eram bens próprios provindos de rendimentos exclusivamente seus, quer do trabalho, quer dos seus negócios.
De acordo com a própria alegação do autor e que se provou, sendo os rendimentos provindos, na constância do casamento do seu trabalho (não sendo relevante se é por conta de outrem ou por conta própria) esses rendimentos são bens comuns, nos termos previstos pelo artigo 1724º, conjugado com o disposto no artigo 1730º do C. Civil. Não provou (nem sequer alegou, apenas o referiu na audiência de julgamento, mas sem qualquer sustentação) que tais rendimentos provinham de doações ou de empréstimos de terceiros que lhe foram feitos apenas e exclusivamente a si.
Assim os saldos relacionados pelo autor nas contas bancárias identificadas nas verbas n.ºs 3 e 4 (da Banco 1... e da Banco 2...) devem ser relacionados como bens comuns e não como bens próprios
Em relação às duas contas existentes do Banco 3..., apurou-se que também provinham dos rendimentos da actividade do autor, apesar de tituladas também nome do seu irmão.
Assim não se aplica aqui a regra da solidariedade prevista pelo artigo 516º do C. Civil, sendo também os saldos relacionados nessas contas bens comuns.
A reconvinte pretende, no entanto, que sejam ainda relacionadas todas as verbas que o autor levantou das contas solidárias existentes na Banco 1... S. A. e na Banco 2..., no mês anterior à data da entrada da acção de divórcio.
Esta acção foi instaurada no dia 9 de Junho de 2015 e os levantamento foram efectuados pelo autor no decurso do mês de Maio de 2015, levantamentos identificados nos pontos 38º e 39º dos factos provados (o último levantamento ocorreu no dia 6 de Junho, a escassos dias da entrada da acção de divorcio, no dia 9) num total de 293.700,00 Euros.
O autor contrapôs a pretensão da autora com a cessação dos efeitos patrimoniais entre o casal e que se verificam na data da entrada da acção de divórcio, não tendo, nem autor, nem a ré, requerido que fosse fixada a data da separação de facto (1789º, n.º 2 do C. Civil).
Vejamos:

Estabelece o artigo 1689º, do C. Civil (Partilha do casal. Pagamento de dívidas)

1. Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.
2. Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes.
3. Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor.

Do texto desta norma decorre que o património comum a partilhar deve ser definido não só pelo que nele existir no momento da dissolução do matrimónio, mas também por aquilo que cada um dos cônjuges lhe deve conferir, por lho dever.
Consequentemente, a partilha a realizar por dissolução do casamento não se limita aos bens identificados no património colectivo do casal, ao tempo da propositura da acção de divórcio; nela também se há-de levar em conta aquilo que cada um dos cônjuges dever a esse património. Essa é a letra da norma constante do art. 1689º, nº 1 do CC.- Neste sentido também o Acórdão do T. Rel. Porto de 16 /4/2013, proc. nº 133/08.5TBMGD-C.P1, Relator. Rui Manuel Correia Moreira disponível em www.dgsi.pt.
No caso em apreço, tendo-se apurado que apenas um mês antes (e o último levantamento dias antes) da instauração da acção de divórcio o autor, sem que tenha alegado ou provado qualquer motivo para o efeito, levantou e fez suas avultadas quantias de contas solidárias do casal, esse comportamento deve considerar-se como doloso e um enriquecimento injustificado à custa do património dos dois membros do ex-casal, empobrecendo a ré.
O autor deve repor o valor que retirou ao património comum para que seja partilhado nos termos do artigo 1689º, n.º 1.
Citando novamente o já referido Acórdão do TRP de 16-04-2013 (Acórdão que identifica as duas diferentes interpretações sobre o tema, mas adere à que por nós é também defendida):
- Deve ser conferido ao património colectivo do casal, para ulterior partilha, aquele bem ou direito de que um dos cônjuges se apropriou sem que a tal tivesse qualquer direito, e por via do que engrandeceu o seu património á custa do património colectivo».
E deve ser-lhe dada a possibilidade de o fazer no processo de inventário se o processo estiver pendente, sem necessidade de instaurar uma acção para o efeito.
Com efeito e continuando a citar o Acórdão do TRP de 2013 (e que cita também o Acórdão, no mesmo sentido, proferido pelo TRC de 8-11-2001, ao qual já nos referimos): solução defendida parte do texto da norma prevista pelo artigo 1689, n.º 1 do C. Civil (…) devem operar-se compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro; e a relativa à consequência deste princípio, segundo a qual o cônjuge que utilizou bens ou valores comuns deverá, no momento da partilha, compensar o património comum pelo valor actualizado correspondente; esses bens ou valores devem ser objecto de relacionação de modo a permitir aquela compensação…»
Ora, tal como o que sucedeu na situação em análise no Acórdão citado, o autor no mês que antecedeu a instauração da acção de divórcio, praticamente esvaziou o saldo das contas do casal, alegando nestes autos que o dinheiro era apenas seu, o que não provou, não tendo justificado os levantamentos para além do facto de achar que são seus, o que não se provou. Apropriou-se de mais de 290 mil euros, sendo facto notório e porque resulta da própria alegação do autor, segundo a qual a ré o tinha «expulsado de casa», que as relações entre o casal não eram boas.
A única intenção do autor foi (e que manteve ao considerar todo o dinheiro como seu) impedir a partilha desses valores.
Ter por certos estes factos e sujeitar o outro cônjuge a ir responsabilizar civilmente o respectivo agente, seu ex-cônjuge, por tal actuação claramente censurável, numa acção autónoma, é uma solução que a ordem jurídica não deve admitir. E não o deve admitir por duas ordens de razões: a primeira, porque assim estaria a acolher, pelo menos no imediato, como irrelevante uma conduta claramente culposa, isto é, passível de censura segundo o juízo da consciência ético-jurídica da comunidade, onerando a vítima dessa conduta com o ónus de intentar uma outra acção para ali ter de invocar e demonstrar novamente o seu direito; a segunda por razões de economia processual: não deve remeter-se para decisão em outra acção, a decorrer entre as mesmas partes, um litígio cujos elementos, após adequada discussão, estão todos presentes numa causa onde, por definição, deve ser dirimido (Acórdão do TRP citado)
Os ex-cônjuges já têm um processo de inventário instaurado e pendente/suspenso a aguardar pela decisão a proferir nestes autos, processo onde devem dirimir todas as questões relacionadas com os bens a partilhar e a sua repartição entre os dois interessados.
Tendo-se apurado que o autor a escassos dias da instauração da acção de divórcio fez sua quantia superior a €290.000,00, deve tal quantia ser relacionada como bem comum e não o dispondo, operar-se na partilha a igualação dos direitos dos dois cônjuges, impondo-se que restitua a esse património (mais a correspondente actualização), a fim de que aí possa ser partilhado. O que, obviamente, implica a necessidade da sua relacionação no acto processual próprio para esse efeito.
Improcede pelo exposto o pedido formulado pelo autor na alínea d) da Petição Inicial e procede o pedido reconvencional deduzido pela reconvinte na alínea a), assim como da alínea b), juros de mora devidos desde a data dos levantamentos efectuados, mas apenas até à data da entrada da acção de divórcio na medida em que a partir desse momento o autor não estaria em mora se tivesse relacionado os valores levantados, porque teria cumprido com a sua obrigação, juros calculados à taxa legal de 4% (artigos 804º, 805º e 806º do C. Civil)…» (sic).
*

Aderimos á fundamentação jurídica da sentença acompanhando o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo:947/17.5T8CVL-C.C1.S1, Relator: JORGE ARCANJO, de 20-09-2023, disponível na base de dados da DGSI (local de origem de toda a jurisprudência citada) «Sumário : I - Do art. 1689.º do CC extrai-se um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento de outro, repondo-se, assim, o reequilíbrio patrimonial.
II - Fazem parte do património comum do (ex)casal, com vista à partilha subsequente ao divórcio, não apenas os bens existentes à data da propositura da acção, mas também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos ex-cônjuges.».
Conforme se refere no citado acórdão que estamos a acompanhar dado o paralelismo com o caso presente: «… Sobre esta questão existem duas correntes jurisprudenciais:
A) Uma no sentido de que apenas deve ser partilhado o património comum do casal integrado pelos bens e direitos existentes à data da propositura da acção.
Os tópicos de argumentação são os seguintes:
Os efeitos patrimoniais do divórcio retrotraem-se ao momento da propositura da acção, ou àquele em que for expressamente requerido a momento anterior (art.1789 nº1 e 2 CC);
A lei não prevê a retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio para momento anterior, ressalvando-se a situação do art.1789 nº2 CC;
Se no exercício dos poderes de administração de bens comuns um dos cônjuges alienou bens pertencentes ao património comum, os mesmos deixam de fazer parte de tal acervo e como tal não podem ser partilhados, restando ao outro cônjuge prejudicado exigir indemnização, a coberto do art.1681 nº1 CC, que pressupõe a demonstração da intenção de causar prejuízo.
No Supremo Tribunal de Justiça perfilharam esta orientação, os seguintes arestos:
Ac STJ de 17/11/1994 (proc n.º 86146) Relator -Miranda Gusmão, publicado na Colectânea de Jurisprudência- Acórdãos do STJ, ano II, tomo III, 1994, págs. 148 a 150), com o seguinte sumário:…
Ac STJ de 2/5/2012 (Agravo n.º 238/06.7TCGMR-B.G1.S1 - 6.ª Secção), relator Azevedo Ramos, com o seguinte sumário:
Ac STJ de 26/11/2014 (Revista n.º 2009/06.1TBAMD-B.L1.S1 - 2.ª Secção), relator -Tavares de Paiva ( disponível em www dgsi.), sumariando-se
Na jurisprudência das Relações, cf., por ex., Ac RP de 16/2/1995 (proc. nº 9420158), Ac RE de 21/2/2002 ( proc nº 2708/01), Ac RC de 29/4/2008 ( proc nº 598/04), disponíveis em www dgsi

B). Outra corrente sustenta, com base no nº1 do art.1689 CC, que os bens a partilhar são não apenas os que existam à data da propositura da acção, mas também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos cônjuges.
Neste sentido, o Ac STJ de 14/7/2022 (Revista n.º 4106/20.1T8VNG-B.P1.S1 - 1.ª Secção, Relatora -Maria Clara Sottomayor) ( não publicado na base de dados )no qual também estava em causa a questão de saber se devem integrar a relação de bens comuns, e ser objecto de partilha na sequência do divórcio, o valor de um automóvel que integrava o património comum do casal, alienado por um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, bem como o valor do saldo bancário que um dos cônjuges levantou da conta do casal, em ambos os casos em data anterior à instauração da acção de divórcio, nele se concluindo o seguinte:
“I - Sem prejuízo de uma eventual ação de responsabilização do cônjuge administrador, nos termos do n.º 1 do art. 1681.º do CC, o processo de inventário, por ocasião do divórcio, com vista à partilha das meações, é o meio adequado para aferir das eventuais compensações devidas entre os patrimónios. II - O regime definido no art.1689.º do CC, ao determinar como se apura o património comum e a meação de cada cônjuge (“conferindo o que cada um deles dever a este património”), consagra um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges, e entre estes e o património comum, sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento de outro. III - Devem, assim, ser relacionados no processo de inventário, para integrar os bens objeto de partilha, a quantia depositada em conta bancária e levantada exclusivamente pelo cônjuge administrador em proveito próprio, antes da proposição da ação de divórcio, bem como o valor dos automóveis comuns alienados em momento anterior ao da proposição da ação. IV - É ao cônjuge que fez o levantamento do dinheiro e que alienou bens móveis comuns que cabe o ónus da prova de demonstrar que os valores levantados da conta bancária e o produto da venda dos bens foi utilizado em proveito do casal e da família”.
Argumenta-se que:
Por força do “princípio geral de compensação, em associação ao princípio geral de proibição do enriquecimento, na fase da liquidação da comunhão, cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve. O cônjuge devedor deverá, assim, compensar nesse momento o património comum pelos benefícios obtidos no seu património próprio com sacrifício dos bens comuns.
(…)
Em virtude de a alienação do automóvel e de o levantamento do dinheiro terem sido feitos, na constância do casamento, cerca de cinco meses antes de a ação de divórcio ser proposta, sem o consentimento do outro cônjuge, surgiu no património comum do casal um crédito correspondente ao valor atualizado do automóvel e do dinheiro.
O cônjuge cabeça de casal (também cônjuge administrador no caso do dinheiro: artigo 1678.º, n.º 2, al. a), do Código Civil) terá, assim, que compensar, no momento da partilha, no processo de inventário, o património comum, integrando no ativo da comunhão o valor do levantamento de 22.500, 00 euros, a não ser que demonstre, mas é a ele que cabe o ónus da prova, que o dinheiro foi utilizado em proveito comum do casal.
Idêntico regime vale para os automóveis.
(…)
Remeter o cônjuge lesado para um processo comum, como entendeu o tribunal de 1.ª instância, em que aquele tem de provar, segundo as regras gerais de direito, nos termos do artigo 1681.º, n.º 1, do Código Civil, a intenção de prejudicar os direitos do outro cônjuge sobre a comunhão (ou seja, o dolo), praticamente inviabilizaria, ou dificultaria de forma excessiva e contrária à razão de ser da lei, a compensação de patrimónios e a igualação entre ambos na partilha (artigo 1730.º do Código Civil), permitindo que o mais afoito e menos respeitador da comunhão de vida fosse beneficiado.”
Conclui-se nesse aresto que “a aplicação de um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro, permite evitar esta situação de desigualdade. Senão fosse assim, verificar-se-ia um enriquecimento injusto de um dos cônjuges à custa do património comum, resultado avesso à vontade do legislador e incoerente com o regime jurídico global da partilha, centrado no respeito pela regra da metade consagrada no artigo 1730.º do Código Civil, norma inderrogável conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-02-2022 (proc. n.º 322/13.0TVLSB.E1.S1) e num princípio geral de compensação de patrimónios, também aceite pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 21-04-2022 (proc. n.º 463/13). (…).
Os bens em litígio – o dinheiro levantado pelo cônjuge cabeça de casal e os dois automóveis – devem ser relacionados e objeto de partilha, a fim de se proceder às compensações entre patrimónios, executando-se a regra da metade, sem enriquecimento do património próprio de nenhum dos cônjuges à custa do património comum.”
Esta orientação foi também já assumida nos seguintes arestos das Relações - Ac RL de 14/1/1997 ( proc nº 0013831, Ac RC de 8/11/2001 ( proc nº 493/10) , Ac RL de 28/6/2007 ( proc nº970/2007), Ac RP de 16/4/2013 ( proc nº 133/08), Ac RC de 18/10/2016 ( proc nº 638/15), disponíveis em dgsi.pt ).
A solução adoptada:

Na situação dos autos, resulta dos factos provados que a transmissão da quota de que o réu era titular na sociedade D..., Lda., bem como a transferência do montante de € 71.000,00 realizada pelo réu para uma conta sua, tiveram lugar antes da instauração da acção de divórcio pela Autora, respectivamente, em Abril e em Maio de 2017, tendo a acção de divórcio sido proposta em Junho de 2018.
Verifica-se que nenhuma das partes pediu no processo principal de divórcio, a retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio à data da cessação da coabitação, nos termos previstos no art. 1789.º, n.º 2, do CC, sendo certo que na factualidade provada na presente acção também não consta a data em que tal ocorreu.
Tanto a sentença da 1ª instância, como o acórdão recorrido seguiram a tese da primeira corrente jurisprudencial , citando expressamente os acórdãos do STJ nos quais se apreciaram situações similares à dos presentes autos, em que um dos cônjuges procedeu, sem o consentimento do outro, ao levantamento de dinheiro ou de aplicações financeiras antes da data da propositura da acção de divórcio e sem que algum dos cônjuges tenha pedido a retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio à data da cessação da coabitação. Neles se decidiu que tais valores monetários não têm de ser incluídos na partilha no âmbito do processo de inventário e o cônjuge que se sentir prejudicado terá que reagir através da propositura de uma ação de indemnização de perdas e danos conforme decorre do art. 1681.º, n.º 1, do CC.
No balanceamento dos interesses em jogo, crê-se que a melhor solução é a seguida pela corrente jurisprudencial segundo a qual os bens a partilhar são não apenas os que existam à data da propositura da acção, mas também aqueles bens que ao património comum devem ser conferidos por um dos cônjuges, ancorada no princípio geral da compensação e no princípio da proibição do enriquecimento sem causa, como se decidiu no citado Ac STJ de 14/7/2022 (desta Secção ).
Implicando a plena comunhão de vida na constância do matrimónio uma osmose entre as diferentes massas patrimoniais, o princípio da equidade nas relações patrimoniais entre os cônjuges impõe a reintegração do equilíbrio patrimonial inicial. Muito embora não haja uma norma legal específica, o princípio geral da compensação deduz-se claramente do art.1689 CC.
A doutrina civilista considera ser esta a melhor solução, porque baseada no princípio geral de compensação e da proibição do enriquecimento indevido.
Para a Prof. Rita Lobo Xavier – “(…) deve entender-se que o património empobrecido tem um direito a uma compensação no momento da dissolução do regime, em qualquer situação em que se verifique o enriquecimento de uma das massas patrimoniais à custa da outra, mesmo que não exista uma norma legal específica a ressalvar expressamente a correspondente compensação.
A não ser assim, verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custas do património de cada um dos cônjuges ou de um destes à custas daquela.
Estas compensações entre as várias massas patrimoniais existentes nos regimes de comunhão visam, ao fim e ao cabo, a reintegração do equilíbrio patrimonial quebrado pelo fluxo de valores entre as massas, através das correcção das situações em que uma delas se enriqueceu em detrimento da outra. O mecanismo das compensações é, assim, mais uma das manifestações do princípio da equidade que rege as relações patrimoniais entre os cônjuges (“Limites à Autonomia Privada na Disciplina das Relações Patrimoniais entre os Cônjuges” (pág.396 a 398).
Também a Prof. Cristina Dias justifica a premência de um princípio geral da compensação entre as diferentes massas patrimoniais com vista a salvaguardar o equilíbrio patrimonial, ao escrever o seguinte:
“Ao contrário de outros preceitos legais (cf., por ex., o art.1697, em matéria de dívidas) não há uma disposição que expressamente contemple esta situação.
Mas deverá admitir-se um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e o comum sempre que um deles, no final do regime, se encontre enriquecido em detrimento do outro. A não ser assim, verificar-se ia um enriquecimento injusto da comunhão à custas do património de um dos cônjuges, ou de um destes à custas daquele” (Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, ano 1, nº2, 2004, pág. 121).
Além disso, importa acentuar que a natureza de bem comum, e consequentemente como integrando o património comum do casal, não está condicionada pelo facto de os actos de disposição terem sido praticados antes da acção de divórcio, pois que existindo em plena constância do casamento o estatuto patrimonial é definido pelo regime de bens (no caso, de comunhão de adquiridos).
Posto isto, destinando-se a presente acção a declarar o património comum do casal, com vista à partilha subsequente ao divórcio, deve abranger os bens ( comuns)) existentes antes da propositura da acção de divórcio e as respectivas compensações, o que implica averiguar do crédito do património comum sobre o património próprio do Réu, independentemente da acção de responsabilidade civil contra este, a coberto do art. 1681CC….»(sic).

Assim, resulta que no caso dos autos estamos perante contas bancárias colectivas solidárias (cada titular tem legitimidade para as movimentar de forma autónoma), sendo que os valores depositados são bens comuns porque pertencem a ambos os cônjuges.
Nos termos do artigo 1689 nº1 e 3 do CCivil a partilha do casal não se limita à partilha do património comum, devendo proceder-se á entrega dos bens próprios; liquidação da comunhão, na qual se inclui o apuramento e o pagamento das dívidas; avaliação e cálculo das compensações e, por fim, a partilha dos bens comuns.
Na fase da liquidação da comunhão cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve, sob pena de ocorrer um enriquecimento sem causa de um dos cônjuges á custa do património comum. O cônjuge devedor deverá compensar nesse momento o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum (artigos 1682 nº4 do CCivil e 1687 nº2 do CCivil).
Assim, neste caso aderimos á fundamentação da sentença, sendo que ocorreram levantamentos de valores comuns pelo cônjuge administrador de contas solidárias, e deve incluir-se na relação de bens comuns esses valores por forma a existir essa compensação.
Acresce que não releva para a decisão da causa a questão da exclusão do ponto 41 da matéria de facto (relativa á questão de saber se as partes viviam ou não juntas á data dos levantamentos).
Igualmente neste sentido e para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC Processo: 638/15.1T8CTB.C1 Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO Data do Acórdão: 18-10-2016, Sumário: I – Resultando provado que A. e R. casaram em 12 de Março de 1983, sem convenção antenupcial, face ao preceituado no art.º 1717º do C.C. o casamento entre A. e R. considera-se celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos.
II – Assim sendo, uma vez que o montante depositado na conta n.º ... da C..., era proveniente dos rendimentos do trabalho de ambos ele é um bem comum, face ao preceituado no art.º 1724º do mesmo diploma, ou seja faz parte, ainda que levantado pelo A., da massa patrimonial de A. e R., pelo que tal quantia faz parte dos bens comuns dos cônjuges, objecto duma propriedade colectiva.
E vide o Ac da RP Processo: 133/08.5TBMGD-C.P1 Relator: RUI MOREIRA, 16-04-2013 :«..III- O cabeça-de-casal, em inventário para partilha do património colectivo do matrimónio dissolvido por divórcio, está obrigado a relacionar como bem comum, nesse inventário o capital que obteve e foi creditado em conta bancária comum a ambos os cônjuges, por via da venda de acções e do resgate de certificados de aforro, ainda que estas operações tenham sido feitas dias antes da propositura da acção de divórcio.
IV- Na partilha, devem ser relacionados não só os bens existentes no património colectivo do casal à data da propositura da acção de divórcio (se a momento anterior não deverem retrotrair os seus efeitos), mas também aqueles que a esse património cada cônjuge deve conferir, por lho dever.
V- Deve ser conferido ao património colectivo do casal, para ulterior partilha, aquele bem ou direito de que um dos cônjuges se apropriou sem que a tal tivesse qualquer direito, e por via do que engrandeceu o seu património próprio à custa desse património colectivo…»
E, vide o Ac da RP Processo: 86/17.9T8PRD.P1 Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA, Data do Acórdão: 24-01-2018: Sumário: O património comum a partilhar deve ser definido não só pelo que nele existir no momento da dissolução do matrimónio, mas também por aquilo que cada um dos cônjuges lhe deve conferir, por lho dever.

Assim, e nessa medida e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder.

***


III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).





Porto, 21/3/2024.
Ana Vieira
João Venade
Francisca da Mota Vieira