Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3099/20.0T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
ARREPENDIMENTO
CONTRATOS CELEBRADOS À DISTÂNCIA
Nº do Documento: RP202209123099/20.0T8STS.P1
Data do Acordão: 09/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de mediação imobiliária é um contrato de prestação de serviço que visa encontrar potenciais interessados em certos negócios que têm por objeto bens imóveis, não sendo um contrato que tem por objeto a compra e venda de bens imóveis.
II - Ao contrato de mediação imobiliária celebrado na residência dos clientes pessoas singulares é aplicável o regime jurídico dos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial.
III - O direito livre de resolução ou direito de arrependimento, segundo alguma doutrina, constitui uma condição legal e potestativa, suspensiva por estar em causa uma prestação de serviço.
IV - Na pendência de tal condição suspensiva o contrato de mediação imobiliária não produziu quaisquer efeitos, sendo temerário o começo de execução da sua prestação por parte da mediadora imobiliária sem que haja expirado o prazo para o exercício de livre resolução do contrato.
V - Para que se pudesse iniciar a prestação de serviço acordada dentro do prazo de livre resolução do contrato, a prestadora do serviço de mediação imobiliária deveria ter exigido que os réus apresentassem pedido expresso através de suporte duradouro, tal como previsto no nº 1 do artigo 15º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro.
VI - A atividade desenvolvida pela autora em execução do contrato de mediação imobiliária celebrado fora do seu estabelecimento comercial durante o prazo em que podia ser exercido o direito de livre resolução contratual não é passível de se repercutir na esfera jurídica dos réus, como claramente resulta do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 15º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro.
VII - Tendo os réus exercido o direito potestativo que lhes é conferido pela alínea a) do nº 1 do artigo 10º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro tempestivamente, extinguiram-se as obrigações de execução do contrato, como previsto no nº 6 do artigo 11º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro, pelo que após isso tinham o direito de celebrar outro contrato de mediação imobiliária com outra empresa, pois que a cláusula de exclusividade acordada com a autora não produziu efeitos por força do exercício pelos réus do referido direito potestativo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3099/20.0T8STS.P1


Sumário do acórdão proferido no processo nº 3099/20.0T8STS.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
Em 13 de novembro de 2020, no Juízo Local Cível de Santo Tirso, Comarca do Porto Este, H..., Unipessoal, Lda. instaurou a presente ação de processo comum contra AA e mulher BB pedindo que os réus sejam solidariamente condenados ao pagamento da remuneração devida à autora nos termos do contrato de mediação imobiliária celebrado em 18 de abril de 2020, no valor de €10.996,20 (€8.940,00 + IVA à taxa legal em vigor), acrescida dos juros vencidos desde a data da compra e venda (17-06-2020) até ao dia de hoje, no valor de €179,55 e dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento.
Para fundamentar as suas pretensões a autora alegou, em síntese, que em 18 de abril de 2020, autora e réus celebraram um contrato de mediação imobiliária com o prazo de 12 meses, com cláusula de exclusividade, visando a venda de um prédio dos mesmos pelo preço de €149.000,00 e prevendo que a remuneração da autora seria de 5% do preço de concretização do negócio[2], acrescido de IVA à taxa legal em vigor, a pagar aquando da celebração de contrato-promessa de compra e venda; nos dias seguintes, entrou em contacto com a autora uma pessoa que referiu estar interessada na aquisição do prédio urbano dos réus, tendo a autora, de imediato, informado os réus; uns dias mais tarde, sem que nada o fizesse prever, os réus informaram a autora que já não estavam interessados em vender o imóvel e que iriam optar pelo arrendamento; no seguimento desta conversa, que deixou a autora surpreendida, os réus enviaram à autora uma carta datada de 22 de abril de 2020, através da qual comunicavam a rescisão do contrato de mediação imobiliária; em maio/junho de 2020, os réus venderam o prédio a pessoas que tomaram conhecimento da intenção de venda dos réus graças às diligências de promoção realizadas pela autora, tendo os réus procedido à venda do imóvel com violação da cláusula de exclusividade.
Citados, AA e mulher BB contestaram, impugnando, designadamente, o invocado pela autora quanto à angariação de comprador para o prédio dos mesmos, referindo que ao invés foi a falsa informação por parte de uma colaboradora da autora quanto à existência de interessado na aquisição do imóvel, no dia anterior ao da celebração do contrato que precipitou a sua conclusão no dia seguinte; nesse momento transmitiram à autora a pretensão de não exposição do imóvel nas redes sociais, pretensão que a autora não respeitou; negaram que tenham comunicado à autora que pretendiam arrendar o seu imóvel; referiram que o contrato não foi celebrado nas instalações da autora mas sim no domicílio dos contestantes, não tendo então sido informados do direito de livre resolução do contrato; afirmaram que os contactos que mantiveram com a R... ocorreram em maio, já após a resolução do contrato celebrado com a autora; terminam pedindo a total improcedência da ação e a condenação da autora como litigante de má-fé ao pagamento aos réus de indemnização no montante de mil euros.
A autora ofereceu requerimento em que, a pretexto de agir ao abrigo do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, se pronunciou sobre toda a matéria de contestação, afirmando que a pretensão dos réus de que seja condenada como litigante de má-fé padece de falta de causa de pedir e que, ainda que assim não se entenda, sempre essa pretensão dos réus improcede necessariamente, sendo estes que litigam de má-fé, pedindo, em consequência, a condenação dos réus em multa por litigância de má-fé e em indemnização a fixar nos termos do artigo 543º do Código de Processo Civil.
Fixou-se o valor da causa no montante de €11.175,75, proferiu-se despacho saneador tabelar, apreciaram-se os requerimentos probatórios das partes, convidando-se autora e réus a discriminarem os factos sobre os quais pretendem depoimento e declarações de parte, sob pena de indeferimento e designou-se dia para realização da audiência final.
A autora veio indicar os factos sobre os quais pretendiam que recaísse o depoimento de parte dos réus e as suas declarações de parte, reiterando o requerimento probatório formulado em sede de petição inicial e referente à obtenção de documentos junto dos réus e de terceiros.
Foi proferido despacho admitindo o depoimento de parte dos réus e as declarações de parte da autora, tudo requerido por esta e deferiu-se o requerimento da autora formulado em sede de petição inicial referente à obtenção de documentos junto dos réus e de terceiros.
Foram obtidos os documentos requeridos pela autora.
A audiência final realizou-se numa sessão e em 14 de janeiro de 2022 foi proferida sentença[3] que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os réus do pedido e bem assim da pretensão da autora de que os mesmos fossem condenados como litigantes de má-fé.

Em 23 de fevereiro de 2022, inconformada com a sentença, H..., Unipessoal, Lda. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata[4], nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da ampliação da decisão da matéria de facto e da reapreciação dos pontos 2, 3, 4, 5, 6 e 8, dos factos provados;
2.2 Dos reflexos da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução do caso;
2.3 Da inaplicabilidade do regime jurídico dos contratos à distância ao contrato de mediação imobiliária, em virtude de incidir sobre imóveis e, em todo o caso, face à factualidade provada, da inaplicabilidade de tal regime ao caso em análise;
2.4 Do direito à remuneração da autora em virtude do contrato ter sido celebrado em regime de exclusividade e de o negócio visado apenas não se ter concretizado por causa imputável aos vendedores;
2.5 Do direito à remuneração da autora por força da resolução contratual dos réus ter sido exercida com abuso do direito e grave violação das regras da boa-fé.
3. Fundamentos
3.1 Da ampliação e reapreciação da decisão da matéria de facto
A recorrente requer a ampliação da decisão da matéria de facto e a reapreciação dos pontos 2, 3, 4, 5, 6 e 8, dos factos provados.
Assim, pretende que sejam aditados à factualidade provada os seguintes dois pontos de facto:
- Em 2019, a autora realizou uma ação de prospeção de mercado na área de residência dos réus, tendo abordado e perguntado aos réus se os mesmos estavam interessados em vender a sua casa, tendo os mesmos, nesta data, referido que não.
- Em abril de 2020, o réu AA entrou em contacto com a autora, tendo-a informado de que estava interessado em vender a sua casa.
Por outro lado, pretende que os pontos 2, 3, 4, 5, 6 e 8 dos factos provados passem a ter a seguinte redação:
- Na sequência do referenciado em 3 [segundo ponto da requerida ampliação da decisão da matéria de facto], em 18 de abril de 2020, a autora, como mediadora, e os réus AA e BB, como clientes, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Mediação Imobiliária – Contrato n.º ...”, no âmbito do qual a mediadora declarou obrigar-se a diligenciar no sentido de conseguir encontrar interessado na compra do prédio urbano composto de casa de habitação e logradouro sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo preço de €149.000,00, pelo prazo de 12 meses, em regime de exclusividade, consignando-se uma remuneração da mediadora de 6%, acrescida de IVA à taxa legal, de 23% (proposta do novo ponto 2 dos factos provados).
- Na sequência de uma deslocação do legal representante da Autora ao imóvel dos Réus para tirar fotografias ao imóvel, e por uma questão de comodidade e de conveniência dos próprios clientes, o escrito referenciado em 2) acabou por ser subscrito na residência dos Réus, sita, à data, na Rua ..., ... (proposta do novo ponto 3 dos factos provados).
- Na sequência do referenciado em 2) e no sobredito dia, a Autora desenvolveu uma série de ações de promoção do imóvel dos Réus, tendo, em concreto colocado um anúncio nas suas instalações e no seu sítio da internet, e distribuído “flyers”, consignando que o prédio indicado se apresentava à venda pelo preço de €149.000,00” (proposta do novo ponto 4 dos factos provados).
- Nos dias seguintes, e na sequência das ações de promoção desenvolvidas pela Autora, entrou em contacto com a Autora um senhor chamado CC, que referiu que pretendia agendar uma visita ao antedito prédio, por videochamada, e que pretendia fazer uma proposta para aquisição do imóvel pelo preço do anúncio da E... (€149.000,00), sendo que a mesma informou de imediato o Réu de que já havia um interessado na aquisição do imóvel e de que o mesmo queria agendar uma data para fazer uma visita ao imóvel (proposta do novo ponto 5 dos factos provados).
- Uns dias mais tarde, e após terem sido informados pela Autora de que já tinha sido angariado um cliente interessado na aquisição do imóvel, o Réu informou a Autora que já não estava interessado em vender o antedito prédio (proposta do novo ponto 6 dos factos provados).
- Apesar do referido em 6), em 9 de Maio de 2020, AA e BB, como primeiros outorgantes, e DD e EE, na qualidade de segundos outorgantes, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda”, no âmbito do qual os primeiros outorgantes declararam prometer vender aos segundos outorgantes, que declararam prometer comprar, o prédio urbano composto de casa de habitação e logradouro sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo preço de €147.000,00 (cento e quarenta e sete mil euros) (proposta do novo ponto 8 dos factos provados).
As provas que a recorrente indica para as pretendidas ampliação e reapreciação da matéria de facto por si requeridas são, em síntese, as seguintes:
- no que respeita aos dois pontos que pretende sejam aditados à factualidade provada e à alteração do ponto 2 dos factos provados, indica as declarações de parte do réu e o depoimento da testemunha FF, tudo nos segmentos que concretamente identifica e localiza;
- relativamente à alteração do ponto 3 dos factos provados indica o depoimento da testemunha FF nas partes que identifica e localiza;
- quanto à alteração do ponto 4 dos factos provados indica os depoimentos das testemunhas GG, FF e HH, tudo nos segmentos que concretamente identifica e localiza;
- no que tange as alterações do ponto 5 e 6 dos factos provados indica os depoimentos das testemunhas GG e HH, tudo nos segmentos que concretamente identifica e localiza;
- quanto à pretendida alteração do ponto 8 dos factos provados a recorrente invoca a prova produzida na audiência final, a prova documental junta aos autos e a matéria constante dos ponto 6 dos factos provados, na redação que propõem.
Os pontos de facto impugnados têm o seguinte conteúdo:
- Em 18 de abril de 2020, a autora, como mediadora, e os réus AA e BB, como clientes, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Mediação Imobiliária – Contrato n.º ...”, no âmbito do qual a mediadora declarou obrigar-se a diligenciar no sentido de conseguir encontrar interessado na compra do prédio urbano composto de casa de habitação e logradouro sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo preço de €149.000,00, pelo prazo de 12 meses, em regime de exclusividade, consignando-se uma remuneração da mediadora de 6%, acrescida de IVA à taxa legal, de 23% (ponto 2 dos factos provados);
- O escrito referenciado em 2) foi subscrito na residência dos réus, sita, à data, na Rua ..., ... (ponto 3 dos factos provados);
- Na sequência do referenciado em 2) e no sobredito dia, a autora colocou um anúncio nas suas instalações e no seu sítio [n]a internet, consignando que o prédio indicado se apresentava à venda pelo preço de €149.000,00) (ponto 4 dos factos provados);
- Nos dias seguintes, entrou em contacto com a autora um senhor chamado CC, que referiu que pretendia agendar uma visita ao antedito prédio, sendo que a mesma informou de imediato o réu de que já havia um interessado na aquisição do imóvel e de que o mesmo queria agendar uma data para fazer uma visita ao imóvel (ponto 5 dos factos provados);
- Uns dias mais tarde, o réu informou a autora que já não estava interessado em vender o antedito prédio (ponto 6 dos factos provados);
- Em 9 de maio de 2020, AA e BB, como primeiros outorgantes, e DD e EE, na qualidade de segundos outorgantes, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda”, no âmbito do qual os primeiros outorgantes declararam prometer vender aos segundos outorgantes, que declararam prometer comprar, o prédio urbano composto de casa de habitação e logradouro sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo preço de €147.000,00 (cento e quarenta e sete mil euros) (ponto 8 dos factos provados).
Os recorridos contra-alegaram referindo que os factos que a recorrente pretende sejam aditados à factualidade provada não têm suporte na prova produzida na audiência final, sendo, além disso, irrelevantes e impertinentes, nunca tendo por isso sido discutidos nos articulados; quanto à alteração ao ponto 3 dos factos provados, os recorridos assinalam a mudança de posição da autora relativamente ao local em que foi assinado o contrato de mediação, pois que no artigo 46º da petição inicial a autora alegou que tal contrato foi assinado nas suas instalações e, em todo o caso, referem que a pretendida alteração a este ponto de facto não tem qualquer apoio na prova produzida; quanto ao ponto 4 dos factos provados os recorridos alegam que a haver alguma alteração neste ponto de facto seria no sentido de constar do mesmo o incumprimento por parte da autora da exigência dos recorridos de que o pretendido negócio não fosse publicitado nas redes sociais, inadimplemento que motivou a resolução do contrato de mediação; no que tange a pretendida alteração do ponto 5 dos factos provados, os recorridos afirmam que a mesma é desnecessária e sem sentido; no que respeita à pretendida alteração do ponto 6 dos factos provados sustentam que a mesma é inócua e, em todo o caso, não tem suporte probatório; finalmente, quanto à alteração do ponto 8 dos factos provados, os recorridos afirmam que o mesmo não merece qualquer reparo.
A motivação do tribunal recorrido dos pontos de facto impugnados foi a seguinte:
A formação da convicção do tribunal estribou-se na análise crítica e conjugada do depoimento do Réu AA e das declarações das testemunhas FF, GG, HH, DD, EE, II e JJ, em concatenação com valoração dos escritos contratuais, da certidão permanente, da certidão registal e da missiva e aviso de receção, sopesados à luz das regras probatórias legalmente tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objetivamente cognoscitivo e
dialeticamente valorativo.
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No que se refere ao Réu AA, num primeiro plano de análise, aflorou o quadro circunstancial em que foi contactado pela testemunha FF em 2019 e que, em abril de 2020, assinou o contrato de mediação imobiliária na habitação do depoente, matéria que se compagina substantivamente com o declarado pela mesma.
Ademais, numa segunda vertente de aferição, quanto às ocorrências subsequentes, dimanou uma tese linearmente claudicante, advogando que, nos dias seguintes, “não lhes mandaram documentos, desapareceram” e que sentiu que estava a ser alvo de uma burla, pelo que enviou a “carta de rescisão”, explanação que se antolhou marcadamente pré-fabricada e, consequentemente, desguarnecida de plausibilidade.
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No que se atem à testemunha FF, emanou declarações objetivamente consistentes e subjetivamente fiáveis, referenciando que, em 2019/2020, fez um estágio na Autora, e concretizando com entorno fundamentante que, em 2019, no âmbito de uma prospeção “no terreno” na freguesia ..., deixou o seu número de telemóvel junto dos Réus e que, em 2020, foi contactado pelos mesmos, os quais lhe disseram que estavam interessados na venda de um prédio, explicitando encadeadamente que se deslocou juntamente com o Sr. KK (gerente da Autora) a casa dos Réus, onde foi assinado o contrato de mediação imobiliária.
Concomitantemente, a testemunha enunciou de forma escorreita que colocaram um anuncio na internet e igualmente publicitaram a venda na agência, sendo que, quanto à obtenção de interessados, limitou-se a aflorar que tal lhe foi reportado nos dias seguintes, afigurando-se incapaz de concretizar o respetivo circunstancialismo.
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No que concerne às testemunhas GG e HH, funcionárias da Autora em 2020, efetivaram depoimentos eivados de arrimo fático e lastro subjacente, enunciando fluentemente que o contrato com os Réus foi realizado em abril de 2020, referente a uma moradia sita em ..., e abordando de forma escorreita a publicitação do imóvel no site e na montra da Autora e nas redes sociais das mesmas (v.g., facebook), o que se antolhou linearmente plausível.
Ademais, a testemunha GG referiu com verosimilhança que foi contactado por um interessado chamado CC, residente em Inglaterra, o qual se mostrou interessado em comprar o imóvel, mencionando que contactaram o Réu para lhe comunicar a existência de um interessado e agendar uma conversa por videochamada e que o mesmo disse que já não estava interessado, explanação que se prefigurou imanentemente sustentável, sendo que não foram produzidas contraprovas minimamente fundadas.
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As testemunhas DD e EE explanaram com inerente naturalidade enfoque objetivo a contextura em que, em maio/junho de 2020, comprou o prédio descrito nos autos, pelo preço de 147.000,00€, explicitando que o negócio se realizou com a intermediação da R... de Famalicão, o que se coaduna com o contrato-promessa carreado para o processo.
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Relativamente às testemunhas II e JJ, respetivamente, filho dos Réus e vizinha dos mesmos, cingiram-se ao afloramento do entorno em que os mesmos foram contactados por uma funcionária da Autora e celebraram contrato com a mesma.
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Em decorrência do supra acervo probatório, no que se atem aos factos 1) a 3) e 8) a 10), valoraram-se os escritos contratuais de “mediação imobiliária”, “contrato-promessa” e “contrato de compra e venda” e a certidão permanente da Autora, curando-se de matéria admitida/reconhecida pelos Réus.
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No que concerne aos factos 4) a 6), aferiram-se as declarações credíveis das testemunhas FF, GG, HH, inexistindo contraprovas minimamente sustentadas.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto na alínea c), do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, além do mais, a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão da primeira instância, quando não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida, quando considere indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto.
Assim, a ampliação da decisão da matéria de facto só deve ter lugar quando se conclua que a matéria dela objeto é indispensável para o conhecimento das diversas questões suscitadas pelas partes e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito em aberto.
No caso dos autos, parte da matéria que a recorrente pretende ver aditada à factualidade provada não foi por si alegada na petição inicial, tendo sido, em parte, referida pelos recorridos no artigo 5º da contestação, mas com um sentido e alcance bastante distinto daquele que a recorrente lhe pretende agora imprimir.
Ora, como é sabido, além dos factos articulados pelas partes, o juiz deve tomar em consideração os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, factos estes com mero relevo probatório de factos essenciais alegados pelas partes e os factos que sejam complemento ou concretização dos factos essenciais que as partes hajam alegado, desde que resultem da instrução da causa e sobre os mesmos as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar (artigo 5º, nº 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil).
Com estes factos que a recorrente pretende ver incluída na factualidade provada, a recorrente quer demonstrar que a iniciativa na celebração do contrato de mediação partiu dos réus, depois de um contacto infrutífero por parte da autora no ano anterior ao da celebração do contrato de mediação.
O contacto alegadamente ocorrido no ano de 2019, tal como foi agora alegado pela ora recorrente, não constitui um facto complementar ou concretizador de qualquer facto essencial que tenha alegado na petição inicial e, por outro lado, por si só, não se vê para que facto essencial alegado pela autora tenha aptidão probatória.
Sublinhe-se que a alegada negativa dos réus à abordagem da autora no ano de 2019 não constitui, caso se prove, um facto instrumental relevante para a prova de quem partiu a iniciativa do contrato de mediação no ano seguinte, sendo pelo contrário compatível com uma pluralidade de realidades no que a tal iniciativa respeita, não tendo assim qualquer relevo instrumental para prova do facto essencial da autoria da iniciativa na celebração do contrato de mediação.
Se porventura essa factualidade tivesse o aludido relevo instrumental, ainda assim nunca seria caso de ampliação da decisão da matéria de facto mas sim e apenas da sua consideração na prova do facto essencial para que tem a referida função probatória.
Por isso, não deve admitir-se a ampliação da decisão da matéria de facto no que respeita o primeiro facto proposto pela recorrente.
Debrucemo-nos agora sobre o segundo facto que a recorrente pretende seja aditado à factualidade provada.
O tribunal recorrido não se pronunciou sobre a alegada iniciativa dos réus na celebração do contrato de mediação seja em sede de factos provados, seja em sede de factos não provados, ao menos de forma discriminada[5] (vejam-se os artigos 2º e 3º da petição inicial).
Assim, no circunstancialismo que se acaba de enunciar, afigura-se-nos que a pretensão da recorrente de ampliação da decisão da matéria de facto relativamente ao segundo facto proposto é fundada, tratando-se de matéria indispensável, pelo menos à luz da afirmada conduta dos réus contrária às regras da boa-fé.
No que respeita aos pontos de facto cuja reapreciação foi requerida pela recorrente, esta observa minimamente os ónus que impendem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto relativamente aos pontos 2, 3, 4, 5 e 6 dos factos provados.
No que respeita ao ponto 8 dos factos provados, não se pode considerar cumprido o ónus de indicação das concretas provas que impõem a pretendida alteração. Porém, tendo em conta que a alteração pretendida é meramente consequencial da resultante da reapreciação do ponto 6 dos factos provados, entende-se que também relativamente a este ponto de facto se acham reunidos os pressupostos legais necessários a requerida reapreciação da decisão da matéria de facto.
Procedeu-se ao exame da prova documental junta aos autos, destacando-se a que especialmente se mostra pertinente para a ampliação e alteração da decisão da matéria de facto.
Assim, releva-se a cópia do documento particular autenticado relativo à venda por AA e BB a DD e EE, no dia 15 de junho de 2020, pelo preço de cento e quarenta e sete mil euros, do prédio urbano composto de casa de habitação de cave, rés-do-chão e andar, denominado de lote ..., sito na Rua ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ... de ... e ... de ... e inscrito na matriz predial urbana de freguesia ... sob o artigo ..., referindo-se quanto ao pagamento do preço que o mesmo foi já recebido na totalidade, sendo €14.700,00, a título de sinal e princípio de pagamento, mediante cheque sacado sobre a Banco 1..., com o nº ..., emitido e entregue em 09 de maio de 2020 e o restante, no montante de €132.300,00, mediante cheque bancário da Banco 1..., S.A. com o nº ..., emitido entregue na data da compra e venda, referindo-se no termo de autenticação do referido instrumento, além do mais, que no presente negócio as partes recorreram à mediação imobiliária levada a cabo pela sociedade “D..., Lda.”; a cópia do contrato-promessa de compra e venda referente à compra e venda que se acaba de referir, data de 09 de maio de 2020, realçando-se deste contrato, relativamente ao pagamento do preço, que no momento da assinatura do contrato foi entregue cheque sacado sobre a Banco 1..., com o nº ..., emitido e entregue em 09 de maio de 2020, no montante de €14.700,00, ficando a “D..., Lda.” fiel depositária do sinal entregue, referindo-se na cláusula nona do mesmo contrato que o contrato foi objeto de intervenção de mediação imobiliária da sociedade “D... Unipessoal, Lda.”; a cópia do contrato de mediação imobiliária datado de 12 de maio de 2020, referente à venda do imóvel antes identificado, celebrado entre “D..., Lda.”, na qualidade de mediadora imobiliária e o réu, na qualidade de vendedor, pelo preço de cento e quarenta e nove mil euros, sendo a remuneração ajustada de 5% do preço, acrescido de IVA à taxa de 23%, não podendo a remuneração ser inferior a seis mil euros.
Procedeu-se à audição da totalidade da prova pessoal produzida na audiência final.
A testemunha FF, viúva, desempregada, declarou ter sido estagiária da autora nos anos de 2019 e 2020 e que nessas funções, em 2019, abordou os réus no sentido de saber se estavam interessados em vender a sua casa, tendo os mesmos respondido que podiam estar interessados na venda da casa, tendo deixado o seu contacto junto dos réus; em março ou abril de 2020 o “casal” ligou-lhe a dizer que estava interessado na venda da casa sita em ...; na sequência de tal contacto dirigiu-se à casa dos réus em ... acompanhada do dono da agência, o Sr. KK; aí chegados, explicou aos réus qual era o procedimento a seguir, tendo o casal assinado o contrato de mediação na sua presença e o Sr. KK tirou fotografias à casa; após a assinatura do contrato de mediação, foi feita a promoção da venda do imóvel, com fotografia na montra da agência, publicitação no site da E... e “flyers”; mais tarde ouviu dizer que os réus deram sem efeito o negócio; instada pelo Sr. Advogado dos réus, no sentido de esclarecer se tinha havido alguma restrição da publicidade do negócio, declarou não se recordar; foi feita a publicitação normal do negócio e ouviu colegas a dizer que tinham muitos contactos por causa desse negócio.
GG, solteira, agente imobiliária por conta da R... e antes empregada da autora de agosto de 2018 a março de 2021, declarou que a FF foi a angariadora do negócio, tendo-a ouvido falar do réu que era cliente da loja; declarou ter feito a publicidade da venda, tendo arranjado um comprador, de nome CC, morador em Inglaterra, mas entretanto o cliente desistiu dizendo que a casa já não era para venda mas sim para arrendar; referiu que o valor da venda era de cento e quarenta e nove mil euros, tendo partilhado o imóvel nas redes sociais, tendo o mesmo sido publicitado no site da E..., na montra da agência e mediante “flyers”; contactou a testemunha FF dizendo-lhe que tinha um interessado no negócio e para marcar uma videochamada; referiu que a proposta de CC foi antes da carta de rescisão do contrato pois passadas uma ou duas semanas já tinha angariado o referido CC; confrontada pelo Sr. Advogado dos réus com a circunstância do contrato de mediação ter sido alegadamente celebrado num sábado, declarou que trabalhava de domingo a domingo e que fez a sua parte da publicidade do negócio no próprio dia, referindo que o cliente por si angariado já tinha crédito aprovado; declarou que o réu não impôs qualquer restrição de publicidade da venda do imóvel e que, se assim fosse, isso constaria de um aditamento ao contrato de mediação.
HH, casada, empregada da R..., trabalhou por conta da autora desde 2017 a 2020, como coordenadora de equipa, tendo declarado que ouviu falar do réu à colega FF, mas não tendo chegado a ver o contrato celebrado; declarou que, pelo que sabe, o contrato foi assinado em casa dos réus; após a publicitação do negócio, apareceram muitos interessados; nunca foi comunicada qualquer limitação à publicitação do negócio e no próprio dia da angariação foi feita fotoreportagem à casa; declarou não ser capaz de precisar quantos dias depois surgiram interessados no negócio; tentou marcar visitas à casa mas não o conseguiram; não sabe quando foi recebida a carta de rescisão do contrato mas terá sido alguns dias depois.
DD, casado, empregado de balcão, comprou a casa que era dos réus através da R..., em maio, há cerca de um ano atrás, sendo a escritura de compra e venda celebrada em 15 de junho; declarou desconhecer quando assinou o contrato de mediação com a R...; uma semana ou duas antes da celebração do contrato-promessa do imóvel dos réus foi à agência da R... em ..., Vila Nova de Famalicão, aí tendo conhecimento de que a casa dos réus estava à venda; declarou não ter tido conhecimento do negócio por intermédio da E... e só em Maio se apercebeu que o negócio também estava na E...; fez uma ou duas visitas à casa e que talvez na semana seguinte tenha outorgado o contrato-promessa.
EE, casada, empregada de balcão declarou que há já algum tempo andavam à procura de casa naquela zona e que tiveram conhecimento de que a casa dos réus estava à venda através da R...; souberam da venda da casa em meados de maio de 2020, não tendo sabido do negócio por meio de outra agência imobiliária, tendo a conclusão do negócio sido rápida, no espaço de cerca de uma semana, no máximo duas semanas; visitam a casa oito dias antes do contrato-promessa, tendo depois disso pedido o empréstimo.
II, estudante[6], filho dos réus declarou que se apercebeu da ida de duas pessoas a casa de seus pais por causa da venda da mesma casa; induzido pelo Sr. Advogado dos réus declarou que sabia que essas pessoas eram da E....
JJ, casada, vizinha dos réus em ..., declarou que os réus lhe disseram que estavam a pensar vender a casa de ambos e que num sábado viu um casal a sair da casa dos réus e que nessa altura viu uma pasta que dizia “E...”; mais tarde perguntou à ré se essas pessoas eram da E..., tendo a ré confirmado isso.
AA, casado, vigilante, declarou que há cerca de um ano e meio decidiu vender a sua casa em ..., tendo então sido abordado pela testemunha FF que perguntou aos réus se queriam vender a casa e que tinha uma pessoa para a comprar; nessa altura estavam à espera de outro negócio; mais tarde fez-se o contrato de mediação, tendo estado presente a testemunha FF e outra pessoa; nos dias seguintes não receberam qualquer “mail” da autora até à quinta-feira seguinte, como tinha ficado combinado, tendo começado a achar que estava a ser vítima de uma burla ou que estava a ser enganado; referiu que fez questão de exigir que não fosse colocado qualquer cartaz na casa a publicitar a venda, nem publicidade nas redes sociais, tendo a Dona FF dito que não havia problema porque já tinha um comprador; entretanto apercebeu-se que havia publicidade da venda da casa no “Facebook”; nessa sequência decidiu rescindir o contrato de mediação, continuado, no entanto, interessado em vender a casa; declarou que celebrou contrato de mediação com a R..., por volta do dia 05 ou por volta da segunda semana de maio; na altura em que celebrou o contrato de mediação com a autora entregou documentação da casa à Dona FF, tendo ido à loja da autora para a recuperar, o que não conseguiu, tendo sido encaminhado para a Dona FF que tinha em seu poder essa documentação; instado pelo Sr. Advogado da autora referiu que a E... não colocou qualquer placa na sua casa e que mandou a carta de rescisão do contrato de mediação na semana a seguir à sua assinatura; referiu que aquando da celebração do contrato-promessa a R... já teve intervenção e que dois ou três dias antes da sua celebração havia informado que já tinha um comprador para a casa.
Enunciados os traços fundamentais dos depoimentos produzidos na audiência final, importa vincar que a razão de ciência das testemunhas oferecidas pela autora e que foram suas colaboradoras não foi suficientemente escalpelizada, no sentido de determinar se alguma delas ou várias podem ter algum benefício com a procedência da ação, em virtude de terem comissões por regularizar e a pagar apenas depois do recebimento da comissão ajustada com a mediadora imobiliária.
Independentemente disto, debrucemo-nos sobre a pretendida ampliação da decisão da matéria de facto, mais propriamente sobre a alegada decisão dos réus de celebrarem o contrato de mediação imobiliária com a autora.
Sobre esta matéria apenas foi produzido o depoimento da testemunha FF, depoimento que contudo não se nos afigura credível, na medida em que não é verosímil que um “casal” estabeleça contacto telefónico com uma mediadora imobiliária, manifestando a vontade de vender a casa. O que é normal é que um dos membros do casal estabeleça um tal contacto, ainda que com o acordo do outro membro do casal.
A simples deslocação da testemunha FF e do legal representante da autora, Sr. KK a casa dos réus a fim de aí outorgarem o contrato de mediação imobiliária é compatível quer com a determinação dos agentes da autora em convencerem os réus a celebrarem o aludido contrato, quer com o pedido dos réus da outorga desse contrato para a prestação de serviços de mediação imobiliária
Por isso, nesse circunstancialismo probatório, não se pode dar como provado o ponto 2 da pretendida ampliação da matéria de facto, devendo passar a constar dos factos não provados o seguinte:
- Em abril de 2020, o réu AA entrou em contacto com a autora, tendo-a informado de que estava interessado em vender a sua casa.
Reapreciamos agora o ponto 2 dos factos provados e relativamente ao qual a recorrente pretende que se adite ao mesmo que o contrato foi celebrado na sequência do contacto que constituía o objeto da ampliação da decisão da matéria de facto que se acaba de julgar improcedente.
Neste contexto, é ostensivo que o pretendido aditamento não tem qualquer suporte probatório, pelo que se deve manter intocado o ponto 2 dos factos provados.
Analisemos agora a pretensão de reapreciação do ponto 3 dos factos provados e ao qual a recorrente pretende que seja aditado que a subscrição do contrato na residência dos réus surgiu na sequência de uma deslocação do legal representante da Autora ao imóvel dos réus para tirar fotografias ao imóvel, e por uma questão de comodidade e de conveniência dos próprios clientes.
No que respeita esta factualidade não foi produzida qualquer prova que a suporte, apenas havendo prova com base nos depoimentos das testemunhas FF, do filho dos réus, da vizinha dos réus e das declarações do réu de que a testemunha FF e o legal representante da autora se deslocaram a casa dos réus e aí foi subscrito o contrato de mediação, tendo então sido tiradas fotografias ao imóvel. Porém, esta matéria que se logrou provar com base na aludida prova pessoal é inócua para a boa decisão da causa, não se justificando por isso qualquer alteração do ponto 3 dos factos provados.
Reavaliemos agora o ponto 4 dos factos provados e no qual a recorrente pretende que se adite a distribuição de “flyers” no próprio dia da assinatura do contrato.
Sublinhe-se que esta forma de publicitação do negócio não foi alegada na petição inicial.
O contrato de mediação foi celebrado num sábado, não tendo sido produzida prova se isso ocorreu na parte da manhã ou na parte da tarde desse dia.
Apenas as testemunhas FF e GG se referiram à publicitação da pretendida venda mediante “flyers”, assumindo esta última testemunha a responsabilidade pela publicitação do negócio. Confrontada com a circunstância do negócio se ter celebrado num sábado, a testemunha GG referiu que trabalhava de domingo a domingo, declaração que parece algo excessiva.
Na verdade, se se entende e se admite, como admitiu o tribunal recorrido, que a publicitação do negócio mediante aposição de fotografia na montra da loja da autora e no seu “site” na internet se possa ter realizado no próprio dia em que foi outorgado o contrato de mediação, já não parece plausível que nesse mesmo dia sejam impressos e, sobretudo, distribuídos os folhetos publicitando o aludido negócio.
Assim, pelo exposto, deve manter-se intocado o ponto 4 dos factos não provados, não passando a constar dos factos não provados a impressão e distribuição de folhetos no próprio dia da outorga do contrato de mediação em virtude de isso não ter sido alegado pela autora.
Ajuizemos agora da pretendida alteração ao ponto 5 dos factos provados em que de relevante a recorrente pretende que se adite a este ponto que o contacto de um interessado na compra do imóvel dos réus ocorreu na sequência das ações de promoção da autora.
A nosso ver, não foi produzida prova na audiência final que suporte a alteração pretendida pela recorrente, desde logo uma prova proveniente do aludido interessado, que pudesse firmar a conclusão de que o contacto estabelecido com a autora resultou das ações de promoção da autora. Repare-se que nem sequer foi junta aos autos uma mensagem deste interessado donde se pudesse inferir a sua fonte de conhecimento.
Assim, tudo sopesado, deve manter-se inalterado o ponto 5 dos factos provados.
Debrucemo-nos agora sobre a reapreciação do ponto 6 dos factos provados.
Neste caso, a recorrente pretende que seja aditado a este ponto de facto que a manifestação de desinteresse dos réus na celebração do negócio se verificou após terem sido informados pela autora de que já tinha sido angariado um cliente interessado na aquisição do imóvel.
A única prova direta produzida sobre esta matéria, se assim podemos dizer, resultou do depoimento da testemunha GG. Porém, esta testemunha foi algo insegura na localização temporal do contacto do interessado CC, na medida em que referiu que passada uma ou duas semanas após a celebração do contrato de mediação já tinha um interessado no negócio.
Ora, a carta a comunicar a resolução do contrato de mediação está datada de 22 de abril de 2020 e foi recebida pela ré em 27 de abril de 2020[7], ou seja, uma semana e dois dias após a celebração do contrato de mediação.
A testemunha HH não tem qualquer conhecimento direto dos factos, limitando-se a dar conta do que lhe era transmitido pelos elementos da equipa que coordenava.
Assim, face ao exposto, deve manter-se intocado o ponto 6 dos factos provados.
Finalmente, resta reapreciar o ponto 8 dos factos provados.
Uma vez que a reapreciação pretendida dependia, como já se viu anteriormente, da procedência da alteração ao ponto 6, tendo esta alteração improcedido, improcede também, necessariamente, a alteração do ponto 8 dos factos provados.
Em conclusão, indefere-se a ampliação da decisão da matéria de facto no que respeita ao primeiro ponto proposto, julga-se improcedente a mesma ampliação no que tange ao proposto ponto dois e bem assim se julgam improcedentes as alterações aos pontos 2, 3, 4, 5, 6 e 8 dos factos provados, incluindo-se nos factos não provados a matéria antes identificada.

3.2 Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida e que se mantêm face à decisão que precede, salvo no que respeita aos factos não provados

3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
A autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de mediação imobiliária.
3.2.1.2
Em 18 de abril de 2020, a autora, como mediadora, e os réus AA e BB, como clientes, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Mediação Imobiliária – Contrato n.º ...”, no âmbito do qual a mediadora declarou obrigar-se a diligenciar no sentido de conseguir encontrar interessado na compra do prédio urbano composto de casa de habitação e logradouro sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo preço de €149.000,00, pelo prazo de 12 meses, em regime de exclusividade, consignando-se uma remuneração da mediadora de 6%, acrescida de IVA à taxa legal, de 23%.
3.2.1.3
O escrito referenciado em 2) [3.2.1.2] foi subscrito na residência dos réus, sita, à data, na Rua ..., ....
3.2.1.4
Na sequência do referenciado em 2) [3.2.1.2] e no sobredito dia, a autora colocou um anúncio nas suas instalações e no seu sítio [n]a internet, consignando que o prédio indicado se apresentava à venda pelo preço de €149.000,00.
3.2.1.5
Nos dias seguintes, entrou em contacto com a autora um senhor chamado CC, que referiu que pretendia agendar uma visita ao antedito prédio, sendo que a mesma informou de imediato o réu de que já havia um interessado na aquisição do imóvel e de que o mesmo queria agendar uma data para fazer uma visita ao imóvel.
3.2.1.6
Uns dias mais tarde, o réu informou a autora que já não estava interessado em vender o antedito prédio.
3.2.1.7
Em 22 de abril de 2020, os réus remeteram uma missiva para a autora, rececionada pela mesma em 27 de abril de 2020, consignando:
“Assunto: Rescisão do Contrato de Mediação Imobiliária
Ex.mos Senhores,
Vimos por este meio comunicar a V. Exas. a nossa intenção de exercer o nosso direito de livre resolução relativo ao contrato de mediação imobiliária celebrado com a vossa empresa em 18/04/2020, o que fazemos ao abrigo e nos termos do art. 10º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, segundo o qual o consumidor tem direito a resolver o contrato, e sem necessidade de indicar o motivo, no prazo de 14 dias a contar:
a) Do dia da celebração do contrato, no caso dos contratos de prestação de serviços;
Nesses termos e do art. 11º, n.º 6 o exercício do direito de livre resolução extingue as obrigações de execução do contrato e toda a eficácia da proposta contratual, quando o consumidor tenha feito tal proposta, pelo que damos como sem efeito, sem mais consequências, esse mesmo contrato que assinamos em 18/04/2020, pelo que esta resolução é feita em tempo útil, prescindindo assim de todos os vossos serviços. Sem outro assunto, subscrevemo-nos. (…)”.
3.2.1.8
Em 9 de maio de 2020, AA e BB, como primeiros outorgantes, e DD e EE, na qualidade de segundos outorgantes, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda”, no âmbito do qual os primeiros outorgantes declararam prometer vender aos segundos outorgantes, que declararam prometer comprar, o prédio urbano prédio urbano composto de casa de habitação e logradouro sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo preço de € 147.000,00 (cento e quarenta e sete mil euros).
3.2.1.9
Em 12 de maio de 2020, a D..., Lda, como mediadora, e os réus AA e BB, como clientes, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Mediação Imobiliária – Contrato n.º ...”, no âmbito do qual a mediadora declarou obrigar-se a diligenciar no sentido de conseguir encontrar interessado na compra do prédio urbano sito na Rua ..., ..., preço de €149.000,00, pelo prazo de 6 meses, em regime de exclusividade, consignando-se uma remuneração da mediadora de 5%, acrescida de IVA à taxa legal, de 23%, nunca inferior a €6.000,00
3.2.1.10
Em 15 de junho de 2020, AA e BB, como primeiros outorgantes, e DD e EE, na qualidade de segundos outorgantes, subscreveram um escrito com a epígrafe “Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, no âmbito do qual os primeiros outorgantes declararam vender aos segundos outorgantes, que declararam comprar, o prédio urbano composto de casa de habitação e logradouro sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ..., pelo preço de €147.000,00 (cento e quarenta e sete mil euros).

3.2.2 Factos não provados
3.2.2.1
Em abril de 2020, o réu AA entrou em contacto com a autora, tendo-a informado de que estava interessado em vender a sua casa.

4. Fundamentos de direito

4.1 Dos reflexos da eventual alteração da decisão da matéria de facto na solução do caso
A recorrente pugnou pela revogação da decisão recorrida e pela integral procedência da ação, em função da alteração da factualidade provada por que pugnou.
Cumpre apreciar e decidir.
Uma vez que a pretensão da recorrente de ampliação e alteração da decisão da matéria improcedeu, improcede necessariamente esta pretensão da recorrente de revogação da decisão recorrida com base nessa almejada ampliação e alteração da decisão da matéria de facto.

4.2 Da inaplicabilidade do regime jurídico dos contratos à distância ao contrato de mediação imobiliária, em virtude de incidir sobre imóveis e, em todo o caso, face à factualidade provada, da inaplicabilidade de tal regime ao caso em análise
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida porque, na sua perspetiva, o regime jurídico dos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial não é aplicável ao contrato de mediação imobiliária, por força do disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 2º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro e ainda por força das ampliações e alterações da decisão da matéria de facto por que pugnou e que, como vimos anteriormente, improcederam.
Na decisão recorrida, não obstante esta problemática já ter sido suscitada em sede de petição inicial, nada se discorreu sobre esta problemática.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 2º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro, os artigos 4º a 21º do referido diploma legal não se aplicam aos contratos relativos à construção, à reconversão substancial, à compra e venda ou a outros direitos respeitantes a imóveis, incluindo o arrendamento.
Ora, o contrato celebrado entre a autora e os réus foi um contrato de mediação imobiliária e, como se define no artigo 2º, nº 1, da Lei nº 15/2013 de 08 de fevereiro, a “atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou cessão de posição em contratos que tenham por objeto bens imóveis.”
Assim, o contrato de mediação imobiliária é um contrato de prestação de serviço que visa encontrar potenciais interessados em certos negócios que têm por objeto bens imóveis, não sendo um contrato que tem por objeto a compra e venda de bens imóveis[8].
Por isso, ao contrário do que afirma a recorrente, é inaplicável esta exclusão da aplicação de parte do regime jurídico dos contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento comercial e nomeadamente o direito de livre resolução dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, como se verificou no caso dos autos, direito previsto no artigo 10º do aludido decreto-lei.
Assim, face ao exposto, improcede esta questão recursória.

4.3 Do direito à remuneração da autora em virtude do contrato ter sido celebrado em regime de exclusividade e de o negócio visado apenas não se ter concretizado por causa imputável aos vendedores
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida em virtude do contrato ter sido celebrado em regime de exclusividade e de o negócio visado apenas não se ter concretizado por causa imputável aos réus vendedores.
Com alguma conexão com esta questão, também suscitada em sede de petição inicial, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
Em decorrência, infere-se que os Réus titulavam o direito de livre resolução do contrato, nos termos consignados no art.º 10.º/1, al. a), do antedito diploma, i.e., o contrato indexou-se a uma condição suspensiva de facto negativo, sendo que a missiva enunciada em 7) consubstancia o exercício tempestivo do direito de arrependimento titulado pelos Réus, pelo que o contrato não produziu efeitos e, em consequências, as vicissitudes elencadas em 8) a 10) são inócuas, porquanto, à data das mesmas, os Réus não se antolhavam adstritos a obrigações contratuais com referência à Autora, i.e., a remuneração brandida pela mesma é infundamentada.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o disposto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro, o consumidor tem o direito de resolver o contrato sem incorrer em quaisquer custos, para além dos estabelecidos no nº 3 do artigo 12º e no artigo 13º quando for caso disso, e sem necessidade de indicar o motivo, no prazo de 14 dias a contar do dia da celebração do contrato, no caso de prestação de serviços.
No caso de o prestador de serviços não informar o consumidor do direito de livre resolução que lhe assiste, seu prazo e procedimento e não entregar o respetivo formulário, o prazo para o exercício do direito de livre resolução é de doze meses a contar da data do termo do prazo de 14 dias a contar do dia da celebração do contrato (artigo 10º, nº 2, do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro).
Para que este direito potestativo do consumidor se considere tempestivamente exercido basta a prova do envio da declaração em causa dentro do prazo em que tal direito pode ser exercido (artigo 11º, nº 3 do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro).
No caso dos autos este direito livre de resolução ou direito de arrependimento, segundo alguma doutrina, constitui uma condição legal e potestativa, suspensiva por estar em causa uma prestação de serviço[9].
Por isso, na pendência de tal condição suspensiva o contrato de mediação imobiliária não produziu quaisquer efeitos, sendo temerário o começo de execução da sua prestação por parte da mediadora imobiliária sem que haja expirado o prazo para o exercício de livre resolução do contrato.
Para que se pudesse iniciar a prestação de serviço acordada dentro do prazo de livre resolução do contrato, a prestadora do serviço de mediação imobiliária deveria ter exigido que os réus apresentassem pedido expresso através de suporte duradouro, tal como previsto no nº 1 do artigo 15º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro.
Ora, os réus exerceram o direito que lhes é conferido pela alínea a) do nº 1 do artigo 10º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro tempestivamente, pelo que se extinguiram as obrigações de execução do contrato, como previsto no nº 6 do artigo 11º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro.
Assim sendo, os réus tinham o direito potestativo de livremente se desvincularem do contrato celebrado com a autora e de, após isso, celebrar outro contrato de mediação imobiliária com outra empresa, pois que a cláusula de exclusividade acordada com a autora não produziu efeitos por força do exercício pelos réus do referido direito potestativo.
Pelo exposto, improcede esta questão recursória.

4.4 Do direito à remuneração da autora por força da resolução contratual dos réus ter sido exercida com abuso do direito e grave violação das regras da boa-fé
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida em virtude do direito de livre resolução contratual ter sido exercido pelos réus com abuso do direito e grave violação das regras da boa-fé.
Na decisão recorrida, não obstante esta problemática já ter sido suscitada em sede de petição inicial, nada se discorreu sobre esta problemática.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 762º do Código Civil, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé.
No caso dos autos é assaz surpreendente que a autora venha invocar a violação das regras da boa-fé pelos réus quando não se coibiu de falsamente, na petição inicial (vejam-se os artigos 44 a 46 dessa articulado), alegar que o contrato havia sido celebrado nas suas instalações, em ordem a afastar o direito de livre de resolução contratual exercido pelos réus.
Não obstante o direito potestativo exercido pelos réus que pôs termo ao contrato de mediação imobiliária que os vinculava à autora seja livremente exercido, isto é, independente da indicação de qualquer motivação ou fundamento, isso não exclui que nalgumas raras hipóteses tal exercício possa integrar um abuso do direito.
No caso dos autos, existem alguns indícios de que o exercício desse direito potestativo por partes dos réus poderá ter tido como causa a intervenção de uma terceira entidade, no caso, uma empresa concorrente da autora.
Na verdade, embora o contrato de mediação celebrado com a mediadora que veio a ter intervenção na compra e venda da casa dos réus tenha data posterior ao contrato-promessa de compra e venda da mesma casa, é inequívoco que já na data da outorga deste contrato preliminar aquele contrato de mediação imobiliária existiria ainda que não tivesse sido formalizado, pois que logo no contrato-promessa ficou acordado que essa mediadora ficaria constituída como fiel depositária do sinal prestado.
O preço ajustado para a mediação no segundo contrato de mediação é inferior num ponto percentual, ao que havia sido ajustado no contrato celebrado com a autora e a compra e venda veio a ser celebrada com um preço declarado inferior em dois mil euros ao que havia sido acordado em ambos os contratos de mediação imobiliária.
Finalmente, tudo indica que os réus não foram informados do direito de livre resolução do contrato de mediação celebrado com a autora, não havendo indicações de que tenham formação para por si terem essa informação.
Porém, não obstante estes indícios, não há elementos que seguramente localizem temporalmente a intervenção da mediadora concorrente da autora em momento anterior ao do exercício do direito de livre resolução pelos réus e, por outro lado, na sociedade de informação atual e tendo os réus um filho jovem, não é de excluir que através da internet os réus tenham tomado conhecimento do direito que lhes assistia.
Sublinhe-se ainda que, a nosso ver, atento o fundamento da concessão legal do direito de livre resolução nos casos de contratos celebrados fora do estabelecimento comercial[10], o exercício desse direito pelo consumidor por ter entretanto obtido uma melhor oportunidade de negócio, não bastará para integrar um exercício abusivo.
Assim, tudo sopesado e salvo melhor opinião, a factualidade provada não permite concluir que o exercício pelos réus do direito potestativo de livre resolução contratual excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Na verdade, o direito foi exercido cinco dias após a celebração do contrato, incluindo-se nestes cinco dias um domingo, desconhecendo-se as razões dos réus para tal conduta, sendo certo que o exercício desse direito é livre, no sentido de ao contrário do que sucede no direito de resolução do contrato não carecer de motivação.
A conduta dos réus poderia ser questionável à luz das regras da boa-fé se resultasse da factualidade provada que se tinham aproveitado da atividade desenvolvida pela autora celebrando o contrato de compra e venda diretamente com o comprador angariado pela autora e depois da resolução do contrato de mediação.
Porém, o que resulta da factualidade provada é uma conduta temerária da autora que iniciou a sua prestação contratual sem que se mostrasse expirado o prazo para o exercício do referido direito potestativo e também sem que os réus tenham exigido expressamente o início da prestação de serviço durante tal prazo, tal como previsto no nº 1 do artigo 15º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro.
Neste contexto, a atividade desenvolvida pela autora em execução do contrato de mediação imobiliária celebrado fora do seu estabelecimento comercial durante o prazo em que podia ser exercido o direito de livre resolução contratual não é passível de se repercutir na esfera jurídica dos réus, como claramente resulta do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 15º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro.
Pelo exposto, também improcede esta questão recursória, improcedendo totalmente o recurso de apelação.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente pois que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por H..., Unipessoal, Lda. e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 14 de janeiro de 2022, nos segmentos impugnados.

Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de quarenta páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 12 de setembro de 2022
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
________________________
[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Na realidade, no contrato oferecido pela autora a remuneração ajustada terá sido de 6%, sendo que €8.940,00 correspondem precisamente a 6% do preço da venda almejada.
[3] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 19 de janeiro de 2022.
[4] Uma vez que no atual regime de recursos em processo civil não há recursos com subida diferida, não se compreende que se afirme que o recurso sobre imediatamente, já que todos os recursos de apelação sobem imediatamente.
[5] Na realidade, o tribunal recorrido limitou-se à seguinte fórmula genérica para justificar a restrição da decisão da matéria de facto aos factos dados como provados: “Relativamente aos demais enunciados consubstanciados na petição inicial e na contestação, os mesmos prefiguraram-se como meros juízos de inferência ou apreciações jurídicas, ou factos instrumentais, inidóneos para integrarem a supra matéria fáctica. Esta “fórmula” pela sua falta de concretização pode ser indiferentemente usada para qualquer decisão sobre a matéria de facto, sem que os seus destinatários tenham uma precisa perceção do que nesta sede foi concretamente decidido pelo tribunal a quo, pois que se fica sem saber quais são os juízos de inferência, as apreciações jurídicas ou os factos instrumentais que o tribunal recorrido entendeu serem inidóneos para integrar a matéria de facto.
[6] Ao ser inquirida sobre o seu estado civil, esta testemunha referiu “solteiro casado”, não tendo sido esclarecido qual era afinal o seu estado civil.
[7] Anote-se que o registo postal desta carta foi feito em 23 de abril de 2020, como de forma inequívoca resulta do documento nº 1 oferecido pelos réus com a sua contestação.
[8] No sentido da exclusão da alínea d) do nº 2 do artigo 2º do decreto-lei nº 24/2014 de 14 de fevereiro ser inaplicável aos contratos de mediação imobiliária veja-se Contratos Celebrados à Distância e Fora do Estabelecimento Comercial, da autoria de Jorge Morais Carvalho e João Pedro Pinto-Ferreira, Almedina 2014, último parágrafo da anotação 8 ao artigo 2º.
[9] Sobre esta problemática veja-se Contratos Celebrados à Distância e Fora do Estabelecimento Comercial, da autoria de Jorge Morais Carvalho e João Pedro Pinto-Ferreira, Almedina 2014, antepenúltimo parágrafo da anotação 4 ao artigo 10º.
[10] Jorge Morais Carvalho e João Pedro Pinto-Ferreira na obra que se tem vindo a citar referem que nestes casos o principal fundamento tem a ver com o facto de se tratarem de métodos muito agressivos de comercialização em que o consumidor é surpreendido e persuadido à celebração de contrato.