Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ALBERTO TAVEIRA | ||
| Descritores: | CAUSA DE PEDIR INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL | ||
| Nº do Documento: | RP202504294894/24.6T8VNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 04/29/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Os factos essenciais que constituem a causa de pedir são todos aqueles que permitem identificar ou individualizar o direito que os AA. pretendem fazer valer e exercer. Todos os restantes, ie, aqueles que não são imprescindíveis parta a procedência da acção, serão os denominados factos complementares, ainda que essências. II - Em caso de falta de factos essenciais (na acepção estrita), a petição inicial considera-se inepta e não há lugar a despacho de aperfeiçoamento para permitir que essa falta seja suprida, tendo como consequência processual a absolvição do réu da instância. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | PROC. N.º[1] 4894/24.6T8VNG.P1 * Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - ...
RELAÇÃO N.º 225 Relator: Alberto Taveira Adjuntos: Artur Dionísio Oliveira Alexandra Pelayo
* ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO * I - RELATÓRIO. AS PARTES AA.: CONDOMÍNIO DO PRÉDIO ..., AA e BB. RR.: A..., UNIPESSOAL, LDA. e B..., LDA.. * A[2] As AA. demandam as RR, formulando os seguintes pedidos: “Termos em que, deve a presente Acão ser julgada totalmente procedente, por provada, e as Rés solidariamente condenadas a reparar os defeitos elencados nesta petição inicial, nomeadamente os defeitos existentes na cobertura, assim como os problemas existentes nas habitações do segundo e terceiro Autor, a iniciar no prazo máximo de 30 dias, contados a partir da sentença a proferir. Para a eventualidade de este pedido não ser efetivado pelo empreiteiro e subempreiteiro, de forma voluntária, pode ser requerida a condenação no valor correspondente à reparação quer da cobertura, quer dos interiores das habitações, a executar por terceiro, devendo o valor ser calculado em sede de liquidação de sentença. Devem ainda as Rés ser condenadas solidariamente a pagar à Autora a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de €100,00 (cem euros) por cada dia de atraso até à integral cumprimento da sentença; bem como condenadas solidariamente a pagar aos Autores a quantia indemnizatória nunca inferior a 3.000,00€ (valor este a dividir pelos três Autores de forma equitativa).“ Em assembleia de condóminos da 1.ª A., foi decido levar a cabo obras na fracção da 2.ª A., tendo sido as obras adjudicadas à 1.ª R.. A 1.ª R. subcontratou tais obras à aqui 2.ª R.. Tais obras foram concluídas em Julho de 2023. Em meados de Outubro de 2023 começaram a ser reportadas situações de infiltrações na cobertura. Tais infiltrações afectaram as fracções da 2.ª e 3.º AA.. OS AA. alegam: “12. Em meados de Outubro, começaram a ser reportadas (novamente) situações de infiltrações na cobertura, 13. E que as mesmas estavam a causar danos nas frações por baixo da cobertura. 22. Para os devidos efeitos, juntamos as fotos que foram remetidas a ambos os Réus aquando da interpelação efetuada, 23. Onde não só os danos existentes nas habitações são visíveis, 24. Como é visível a entrada de água pela cobertura…. 25. Zona que tinha sido alvo de intervenção por parte dos Réus. 26. Onde evidentemente se demonstra que a intervenção efetuada pelos Réus não foi eficiente, 32. Após mais um reporte de problemas, quer ao primeiro Réu, quer ao segundo, 39. Imaginemos uma casa onde pelas paredes escorre literalmente água… 40. Era precisamente isto que acontecia nas habitações do segundo e do terceiro Réu. 46. A verdade é que continuam a existir problemas, e a cada chuvada estas pessoas vêm as suas casas cheias de água… 47. Os defeitos não foram eliminados, e nenhum dos dois Réus se responsabilizou pelos danos provocados dentro das habitações. 51. Os autores continuam a viver numa casa, cheia de água, onde a cada dia de chuva sofrem com água a escorrer pelas paredes. 84. Reportando-nos ao caso vertente, constata-se que apesar das diversas denuncias efetuadas pela Autora, resulta claro, não só pelas fotos juntas à petição, como pelo relatório junto efetuado por um Eng.º, que os Réus não lograram resolver nenhum dos defeitos agora elencados no mesmo. 85. Assim, a factualidade invocada pelos Autores não deixam dúvidas quanto à existência de vícios ou defeitos da obra resultantes da (deficiente) execução da empreitada (ou da qualidade dos produtos aplicada) por parte do empreiteiro“
A 2.ª R. contestou, tendo-se defendido por impugnação. A 1.ª R., contestou, por excepção de ineptidão da petição inicial “os autores não concretizam, em momento algum, a que habitações estão a referir-se, que danos é que efetivamente se verificam em cada uma das mesmas e em que medida é que os trabalhos não foram bem executados“ pelo que conclui por “A causa de pedir é, assim, inexistente”. No mais, defendeu-se por impugnação. ** * DA DECISÃO RECORRIDA Após ter sido dispensada a audiência prévia, foi proferida SENTENÇA, nos seguintes termos: “Em face do exposto, decide-se nos termos do disposto nos artigos 186.º, 2, a), 196.º, 200.º, 2, 278.º, 1, b) e 595.º, 1, a), todos do CPC, declarar que a petição inicial é inepta por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir e, em consequência, absolvem-se os réus da instância. “ * DAS ALEGAÇÕES Os AA., vêm desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte: “Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder, e em consequência, revogar-se totalmente a decisão recorrida, com todas as consequências. Julgando-se como se requer, farão V.Ex.as a habitual justiça!“. * Os apelantes, AA., apresentam as seguintes CONCLUSÕES: “I. Salvo melhor douto entendimento, a sentença recorrida padece de nulidade nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC, uma vez que o Meritíssimo Juiz omitiu a prática de um ato que lhe era legalmente imposto e que influenciou diretamente o exame da causa. II. Ora, como todos sabemos, as causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do artigo 615º do CPC. III. Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira, quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado, ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer ou não tratar de questões de que deveria conhecer. IV. São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada. V. Nos termos do citado preceito, a sentença é nula, além do mais, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)). VI. Como resulta do exposto, o legislador impõe ao tribunal o dever de, ao constatar insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto, proferir um despacho de aperfeiçoamento, conforme previsto no artigo 590.º, 2, b) e 4, do CPC. VII. Tal dever decorre do princípio da cooperação, que rege o processo civil. VIII. Assim, o juiz deve, oficiosamente, determinar que a parte autora aperfeiçoe a petição inicial, suprindo as omissões ou insuficiências identificadas, dentro de um prazo fixado. IX. Apenas após o decurso desse prazo, e na ausência de suprimento, é que poderá o Tribunal aplicar as devidas consequências jurídicas relacionadas com a omissão.“. * A 2.ª R, B..., Lda. apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência do recurso. * Após prolação da sentença e apresentação de alegações, na sequência da notificação oficiosa da secretaria de 10.03.2025 “Fica V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado, para juntar aos autos procuração da Autora AA, uma vez que, compulsados os autos a mesma consta.“, veio a Il Mandatária dos AA. declarar aos autos que a A. AA pediu apoio judiciário com nomeação de patrono e que não pretende que esta acção prossiga. Na sequência do qual é proferida decisão: “Requerimento de 18/03/2025: Visto. Considerando que a própria mandatária vem dizer que a ação deve prosseguir deixando AA de figurar como autora, julga-se que não fará sentido estar a notificar propositadamente nos termos do artigo 48.º, 1, do CPC. Em face disso, não tendo sido junta a procuração forense que atribuísse poderes para representação da autora AA, nos termos do artigo 48.º, 2, do CPC, fica sem efeito tudo o que foi praticado em seu nome. Assim, ainda no respeito por aquele normativo, a condenação em custas da autora AA na decisão de 19/11/2024 deve ser imputada à ilustre mandatária. Notifique.“ * Prosseguiram os autos com os AA. CONDOMÍNIO DO PRÉDIO ..., e BB. *** * II-FUNDAMENTAÇÃO. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte: Nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil – omissão de despacho de aperfeiçoamento quanto às “insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto“, nos termos do artigo 590.º, n.º 2, alínea b) e 4 do Código de Processo Civil. ** * OS FACTOS Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, designadamente a factualidade alegada pelos AA.. ** * DE DIREITO. Dispõe o artigo 186.º, n.º 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Civil, o seguinte: “1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. 2 - Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.“ “A ineptidão da petição inicial constitui um vício de tal modo grave que, acarretando a nulidade de todo o processo, origina a exceção dilatória prevista no art. 577º, al. b), e conduz à absolvição da instância (art. 278º, nº 1, al. b)).“, Código de Processo Civil Anotado, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS PIRES DE SOUSA, Vol I, 2019, pág. 218.
A decisão objecto de recurso fundamentou do seguinte modo, na parte relevante: “A presente ação é instaurada pelo Condomínio do Prédio ... e por AA e BB, sendo peticionado, no que para aqui importa, o seguinte: (…) alegando os autores que foi decidido em assembleia de condóminos do prédio autor proceder a obras nesse prédio, que foram adjudicados ao primeiro réu, que subcontratou o segundo para as realizar e que não foram eficientes. Todavia, conforme refere a ré A..., Unipessoal, Lda., na petição inicial os autores não referem os trabalhos que foram adjudicados à primeira ré e executados pela segunda ré que terão sido mal-executados e que consequências concretas daí resultaram, aludindo a defeitos e danos de forma praticamente apenas conclusiva que impedem uma apreciação pelo tribunal. Veja-se que sendo peticionado a reparação dos defeitos existentes na cobertura, verifica-se que a petição inicial apenas menciona que por ela se infiltra água, desconhecendo-se se por toda a cobertura do edifício e/ou se apenas em parte dela, assim como o motivo dessa infiltração e de que forma poderá estar relacionado com os trabalhos contratados à primeira ré e executados pela segunda. E sendo igualmente peticionado a reparação dos problemas existentes nas habitações do segundo e terceiro autor, temos que a petição inicial nada sobre estes descreve, não identificando sequer quais são as frações autónomas que estão em causa, limitando-se a referências à entrada de água nas habitações pelos tetos e paredes, mas sem o precisar minimamente, não se sabendo quais e que “problemas” causaram, o que impede que o tribunal possa apreciar e decidir a sua reparação e/ou condenação no valor correspondente à reparação. Os autores foram notificados do teor da contestação apresentada pela ré A..., Unipessoal, Lda., e responderam conforme termos do articulado de 02/10/2024 dizendo que “os inúmeros defeitos foram denunciados através da presente ação, como nas comunicações efetuadas ao réu, considerando que os factos essenciais estão bem concretizados”, com o que se discorda e faz ainda que não pareça que se justifique convite ao aperfeiçoamento.“ Nos termos o artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. “
Para além da factualidade alegada pelas partes nos articulados, há factos não alegados pelas partes que podem ser considerados pelo juiz. Esses factos, são os factos instrumentais que resultarem da instrução da causa (n.º 2 alínea a) do artigo 5.º do Código de Processo Civil); e os que sejam complementares ou concretizadores dos que as partes alegaram, quando resultarem da instrução causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar - (alínea b) do citado normativo). Quanto à questão suscitada neste recurso, subscrevendo o constante no Acórdão Tribunal da Relação do Porto, 3755/15.4T8LRA.C2, de 25.09.2018, relatado pela Des MARIA JOÃO AREIAS, podemos afirmar: “O Código de 2013 continua a consagrar o princípio do dispositivo que implica que os factos que constituem a causa de pedir e as exceções têm de ser alegados por estas – nº1 do artigo 5º do atual CPC –, sendo que o artigo 615º, nº1, als. d) e e), continuam a fulminar com a nulidade a sentença que conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ou condene em pedido diverso do deduzido Maria França Gouveia, “O Princípio Dispositivo e a Alegação de Factos em Processo Civil: a incessante procura da flexibilidade processual”, p.604, estudo disponível in http://www.oa.pt/upl/%7Bede93150-b3ab-4e3d-baa3-34dd7e85a6ef%7D.pdf. Recaindo sobre as partes o ónus da alegação dos factos essenciais Segundo Paulo Pimenta a formulação do artigo 5º do CPC assenta na dicotomia de duas categorias de factos: os essenciais, isto é, aqueles de cuja verificação depende a procedência das pretensões deduzidas, e os instrumentais, ou seja, aqueles que permitem a prova indiciária dos factos essenciais – “Ónus de Alegação e de Impugnação das Partes e Poderes de Cognição do Tribunal”, in II Colóquio de Processo Civil de Santo Tirso”, Coord. Paulo Pimenta, p. 93. Dentro dos factos essenciais, a doutrina distingue ainda os que, identificando ou individualizando o direito em causa, constituem a causa de pedir (os factos essenciais nucleares) e aqueles que, não desempenhando tal função, se revelam, contudo, imprescindíveis para que a ação proceda, por também serem constitutivos do direito invocado (factos essenciais complementares) – António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 27. que constituem a causa ou causas de pedir ou que se baseiam as exceções invocadas – nº1 do artigo 5º CPC – para além destes, poderão ser considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa (também estes essenciais), desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar. Mantendo-se o efeito preclusivo quanto aos factos principais que integrem a causa de pedir (factos essenciais nucleares), que tem de ser alegados nos articulados – a sua não alegação inicial impede a posterior alegação –, momento da fixação do objeto do processo, com a consequente inadmissibilidade da sua alteração. Os factos principais (ou essenciais) que não alterem o objeto do processo – factos complementares ou concretizadores – podem também ser alegados até ao fim do julgamento Segundo Paulo Pimenta o teor da al. b), do nº2 do artigo 5º revela que não há preclusão quanto a factos que sejam complementares ou concretizadores de outros inicialmente alegados, factos que, embora necessários para a procedência das pretensões deduzidas (daí serem, também eles, essenciais), não cumprem uma função individualizadora do tipo legal – “Ónus de Alegação e Impugnação (…)”, local citado, p. 93., podendo, inclusivamente vir a ser apreciados oficiosamente pelo juiz, desde que, relativamente aos mesmos seja cumprido o contraditório Paulo Pimenta, artigo e local citados, p.94.. Para Mariana França Gouveia Artigo citado, p. 616., não há alteração da causa de pedir sempre que estes factos principais tenham com os factos principais inicialmente alegados pelo menos uma identidade parcial, o que significa que os factos principais alegados na petição inicial e na contestação têm uma função não de preclusão absoluta de alteração, mas de delimitação do âmbito possível da posterior alteração. “.
Ora da factualidade alegada pelos AA. – agora só Condomínio do Prédio ... e BB – e que se deu como reproduzido no relatório, efectivamente os AA. não alegam qual o facto causador e os factos consequência. Isto é, os AA. não alegam qual foi a obra concreta levada a cabo pelas RR., mormente a 2.ª R.. De igual modo, os AA. não alegam quais sejam os danos que ocorreram em consequência das obras defeituosas levadas acabo pela 2.ª R., em que local ou fracção e quais as suas características. Alegam os AA. a existência de “problemas”, “defeitos”, uma casa com água a escorrer, sem identificar qual e onde. Tudo falta para se poder concluir como fazem os AA., pela “existência de vícios ou defeitos da obra resultantes da (deficiente) execução da empreitada (ou da qualidade dos produtos aplicada) por parte do empreiteiro” Com efeito, a realidade fáctica atinente às obras levadas a cabo pela 2.ª R-., que não se sabe quais foram, pois nada foi alegado, e quais os danos decorrentes das obras deficientes, consubstancia factos nucleares e essenciais. Os factos essenciais que constituem a causa de pedir são todos aqueles que permitem identificar ou individualizar o direito que os AA. pretendem fazer valer e exercer. Todos os restantes, ie, aqueles que não são imprescindíveis parta a procedência da acção, serão os denominados factos complementares, ainda que essências. E faltando estes, é caso de exercício do poder dever de convite ao aperfeiçoamento pois que se está perante uma petição inicial deficiente – artigo 590.º, n.º 4 do Código de Processo Civil. Não tendo alegado tal factualidade, em momento posterior, não podem os mesmos ser alegados e ponderados para decisão final, ainda que por via de convite a aperfeiçoamento. Neste sentido Acórdão Tribunal da Relação do Porto 2670/18.4T8PRD.P1, de 03.12.2020, relatado pela Des JUDITE PIRES, onde se pode ler: “Segundo o artigo 552.º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil, “Na petição, com que propõe a acção, deve o autor […] expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir”, ou seja, o conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer (os que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido). Os factos a que se refere a norma em causa são os factos principais, na concepção ampla dos factos essenciais a que alude o n.º 1 do artigo 5.º da lei processual civil, que, integrando a causa de pedir, têm função fundamentadora do pedido deduzido. A falta de alegação de algum deles compromete a procedência do pedido deduzido, por insuficiência de fundamentação de facto do mesmo, isto é, da respectiva causa de pedir, conduzindo à absolvição do demandado do pedido contra ele formulado Alguns desses factos principais são, todavia, factos essenciais, mas agora numa acepção estrita: tratam-se de factos que cumprem a função individualizadora da causa de pedir, são eles que individualizam a pretensão do autor (a causa de pedir é, enquanto cumpre a sua função individualizadora, o núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido)[1 Lebre de Freitas, A acção declarativa, pág. 41; Introdução ao processo civil…, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, págs. 64/72.]. Estando esses factos essenciais alegados, a causa de pedir mostra-se identificada, não podendo considerar.se inepta a petição inicial por falta de causa de pedir, embora possa estar incompleta se faltarem alguns dos outros factos principais. Faltando factos essenciais (na acepção estrita), a petição inicial considera-se inepta, não há lugar a despacho de aperfeiçoamento para permitir que essa falta seja suprida, tendo como consequência processual a absolvição do réu da instância[2 Artigos 186.º, n.º 2, 278.º, n.º 1, b), 577.º, b), 595.º, n.º 1, a, todos do Código de Processo Civil.]. Omitidos outros factos principais, a petição inicial não será de considerar inepta, mas a causa de pedir acha-se incompleta ou está insuficientemente concretizada. Nesta hipótese deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento, que actualmente tem natureza vinculativa, convidando o juiz a parte a suprir as irregularidades do articulado, ou a suprir as deficiências de alegação ou exposição dos factos, designadamente completando a causa de pedir através de alegação de factos que complementem ou concretizem os factos antes alegados[3 Artigo 590.º, n.ºs 2, b) e 4 do Código de Processo Civil.], podendo a parte ainda manifestar a vontade de se aproveitar desses factos que venham a surgir durante a instrução do processo[4 Artigo 5.º, n.º 2, b) do Código de Processo Civil.]. Explica Lebre de Freitas[5 Introdução, 2013, págs. 70, 71.] que a função individualizadora da causa de pedir permite verificar se a petição é apta (ou inepta) para suportar o pedido formulado e se há ou não repetição da causa para efeito de caso julgado. Mas não é suficiente para que se tenha por realizada uma outra função da causa de pedir, que é a de fundar o pedido, possibilitando a procedência da acção.“ Entre outras decisões judiciais no mesmo sentido: Acórdão Supremo Tribunal de Justiça 3786/16.7T8BRG.L1.S3, de 07.06.2022, relatado pelo Cons MANUEL CAPELO, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 4024/20.3T8VNG.P1, de 28.01.2021, relatado pelo Des JOAQUIM CORREIA GOMES, Acórdão Tribunal da Relação do Porto 388/23.5T8AND.P1, de 14.01.2025, relatado pelo Des PINTO DOS SANTOS, Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães 2983/22.0T8BRG.G1, de 01.02.2024, relatado pela Des MARIA AMÁLIA SANTOS e Acórdão Tribunal da Relação de Évora 3464/22.8T8STR.E1, de 26.01.2023, relatado pela Des ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO. Assim também, JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, Vol 2º,3ª ed., pág 634: “Constitui articulado deficiente aquele que encerra insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (n. 4). O preceito reporta-se, fundamentalmente, aos factos principais da causa, isto é, aos que integram a causa de pedir e àqueles em que se baseiam as exceções (art. 5-1), pois só esses são suscetíveis de comprometer o êxito da ação ou da defesa; quanto aos factos instrumentais (art. 5-2-a), o aperfeiçoamento só faz sentido quando o facto principal que deles se retira não tenha sido diretamente alegado (ver o n.º 4 da anotação ao art. 574). Trata-se, portanto, de completar ou retificar a causa de pedir ou uma exceção, considerado o conjunto dos articulados apresentados pela parte. O aperfeiçoamento é, pois, o remédio para casos em que os factos alegados por autor ou réu (os que integram a causa de pedir e os que fundam as exceções) são insuficientes ou não se apresentam suficientemente concretizados No primeiro caso, está em causa a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou duma exceção, por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica expressa ou implicitamente invocada. No segundo caso, estão em causa afirmações feitas, relativamente a alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo (abstrato ou jurídico) ou equívoco. Ver os exemplos dados por LEBRE DE FREITAS, A ação declarativa cit., n.° 9 (7) (8), por ABRANTES GERALDES, Temas cit., I, p. 57, e por PAULA COSTA E SILVA, Saneamento e condensação cit., p. 229. Fora da previsão do preceito estão os casos em que a causa de pedir ou a exceção não se apresentem identificadas, mediante a alegação de elementos de facto suficientes para o efeito, casos esses que são de ineptidão da petição inicial (ver o n.º 2 da anotação ao art. 186) ou de nulidade da exceção, nomeadamente por exclusiva utilização de expressões de conteúdo técnico-jurídico (para desenvolvimentos, ver LEBRE DE FREITAS, A confissão cit., n.º 4.2.3, Introdução cit., n.º II.5 (3), e A ação declarativa cit., n.º 9 (9) e 13.2.2, bem como os autores e acórdãos citados nesses locais).“ No caso em apreço, a factualidade em falta, ie, não alegada pelos AA., consideramos estar perante factos essenciais, que pertencem ao núcleo essencial, pelo que não será caso de convite ao aperfeiçoamento. Os factos que estão em falta não são eles complemento ou concretizadores do já alegados. Com efeito, como resulta da alegação dos AA., ao longo da sua petição inicial, não se encontram alegados factos que permitissem aqueloutros de os complementar ou concretizar. A título de apreciação a latere, será significativo para esta apreciação a “saída” da demanda da 2.ª A.. Pela sua ausência de toda a alegação não se retira qual seja a factualidade que apenas a si diz respeito. Tanto basta para se concluir por à petição inicial faltar a causa de pedir por ausência de alegação dos factos essências. Tudo visto e por esta via, soçobra o recurso. *** * III DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela R. (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil). * Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil. …………………………………………. …………………………………………. ………………………………………….
Porto, 29 de Abril de 2025 Alberto Taveira Artur Dionísio Oliveira Alexandra Pelayo
_________________________ [1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria. |