Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
169/20.8T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: TRABALHO TEMPORÁRIO
LEVANTAMENTO DA PERSONALIDADE COLETIVA
IRRENUNCIABILIDADE DO DIREITO AO SALÁRIO
Nº do Documento: RP20230712169/20.8T8MAI.P1
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE: REVOGADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - Para se aferir a situação laboral de um trabalhador, importa atender aquela que foi a realidade demonstrada nos autos.
II - Entende-se que o Trabalhador tem um vínculo de trabalho por tempo indeterminado com a mesma Entidade empregadora, se a situação laboral daquele, em nada se altere , desde o seu início - ainda que volvidos quase 10 anos desde o início do mesmo vínculo, assine documento em cujo teor conste “Venho por este meio solicitar a rescisão do meu contrato de trabalho” e do contratualizado em denominados contratos de trabalho temporário, nestes, tal como outras Entidades, figurando como parte -, continuando a executar exatamente as mesmas tarefas/funções, no mesmo posto e local de trabalho, no mesmo horário de trabalho, com as mesmas ferramentas de trabalho e sempre tendo em vista as necessidades da mesma Entidade.
III - “Quando a personalidade coletiva seja usada de modo ilícito ou abusivo, para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, é possível proceder ao levantamento da personalidade coletiva”
IV - “A mera celebração, entre o empregador e um terceiro, de um contrato de prestação de serviços com natureza temporária não justifica, por si só, que a contratação a termo do trabalhador vise satisfazer uma necessidade temporária do empregador.
V - “Na pendência da relação laboral, (…) vigora o princípio da irrenunciabilidade do direito ao salário, como decorre, nomeadamente, dos art.s 276º e 280º do CT/2009. Desse modo, é entendimento que não pode imputar-se negligência ao trabalhador quanto ao não exercício do direito, dada a situação de dependência económica em que se encontra na relação de que lhe advém o crédito. Porque, o trabalhador precisa do seu emprego para o seu sustento diário e da família, cria-lhe uma natural inibição e medo em confrontar o seu empregador faltoso, sendo essas as razões que determinam o regime especial do Código do Trabalho (…)”.
VI - A presunção prevista no nº 4 do artigo 366º do Código do Trabalho não tem aplicação estando em causa um despedimento ilícito e não qualquer despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho.
(sumário inclui parte da fundamentação de acórdãos referenciados e transcritos no texto)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 169/20.8T8MAI.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo do Trabalho da Maia – Juiz 1

Recorrente: AA
Recorridas: A..., S.A.,
B... – Empresa de Trabalho Temporário, Lda.,
C... – Empresa de Trabalho Temporário, Lda.

Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão
2 ª Adjunta: Desembargadora Paula Leal de Carvalho

4ª Secção



Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório (com base no relatório efetuado na sentença recorrida):
AA, intentou a presente ação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra A..., S.A.; B... – Empresa de Trabalho Temporário, Lda; C... – Empresa de Trabalho Temporário, Lda., pedindo que o Tribunal:
i) reconheça a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré;
ii) decrete a ilicitude do despedimento do Autor e; nesta sequência,
iii) condene a 1.ª Ré a pagar ao Autor o montante indemnizatório, em substituição da reintegração, em virtude do despedimento ilícito, a arbitrar pelo Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 389.º, n.º 1, alínea b) e 391.º do Código do Trabalho;
iv) condene as Rés no pagamento de € 50.892,42, respeitante às férias, subsídio de férias e subsídio de natal no ano de 2001 a 2013.
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OBJETO DO LITÍGIO.
O Autor alega que celebrou um contrato individual de trabalho por tempo indeterminado com a Ré A..., S.A. em 1989; contudo e, sem qualquer justificação o Autor passou a celebrar contratos de trabalho temporário com empresas de trabalho temporário desde 01/09/1999 a 05/2014, tudo de acordo com o determinado pelas Rés; data em que celebra um contrato de trabalho a termo incerto com a Ré A..., S.A. que terminou em dezembro de 2019 a iniciativa da entidade empregadora com fundamento na caducidade do contrato; todavia, desde 1989 a dezembro de 2019 o Autor executou exatamente as mesmas tarefas/funções, no mesmo posto e local de trabalho, no mesmo horário de trabalho e com as mesmas ferramentas de trabalho; razão pela qual, tem de se concluir que o Autor celebrou um contrato de trabalho sem termo com a Ré A..., S.A. desde 1989 e, como tal, o Autor foi despedido de forma ilícita em dezembro de 2019; ao que acresce que desde 2001 até 2013 o Autor nunca gozou férias, nem recebeu os subsídios de férias e de natal, o que reclama nestes autos.
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A Ré A..., S.A. alega que o contrato de trabalho celebrado com o Autor em 1989 cessou por iniciativa do Autor por ter arranjado condições mais favoráveis de trabalho, com efeitos a 31 de maio de 1990; invoca a exceção perentória de prescrição e de caducidade referente aos créditos laborais peticionados; findos os contratos de trabalho temporário que o Autor celebrou com as empresas de trabalho temporário que o Autor não impugnou e cujas justificações não pôs em causa oportunamente, pelo que, não cabe aqui discutir; o contrato a termo incerto celebrado com a Ré é válido cujo termo está legalmente justificado; atenta a cessação do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré A..., S.A. e a D..., o contrato de trabalho a termo incerto caducou; ao que acresce o facto do Autor ter aceite e não ter devolvido a compensação no montante de €4.128,05 paga pela Ré; sendo certo que o Autor age em abuso de direito e, impugna que o Autor não tenha gozado férias ou recebido os subsídios que peticiona nos autos.
Termina por pugnar pela procedência das exceções invocadas e sempre pela improcedência da ação.
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A Ré B... – Empresa de Trabalho Temporário, Lda. invocou a exceção perentória de prescrição, mais impugna os factos alegados pelo Autor.
Termina por pugnar pela improcedência da ação, com a consequente absolvição do pedido.
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A Ré C... – Empresa de Trabalho Temporário, S.A. invocou a prescrição dos créditos laborais peticionados pelo Autor; impugna os factos alegados pelo Autor e; alega que o Autor litiga de má-fé.
Termina por pugnar pela procedência da exceção perentória de prescrição e; sempre pela improcedência da ação; mais peticiona a condenação do Autor na qualidade de litigante de má-fé no pagamento da quantia de €5.000,00 a título de multa e indemnização.
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O Autor apresentou articulado a pedir a ampliação do pedido mais concretamente de decretação da nulidade dos contratos de trabalho temporário, da decretação da nulidade dos contrato de utilização de trabalho temporário e, da condenação das Rés no pagamento de juros de mora desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; impugna o documento que corporiza a declaração datada de maio de 1989 de cessação do contrato de trabalho; refuta que se verifique a prescrição dos créditos laborais; refuta que litigue de má endossando-a às Rés, cuja condenação como litigantes de má-fé peticiona.
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Foi proferido o despacho saneador de fls. 204 a fls. 215, que julgou verificada a exceção perentória de prescrição invocada pelas Rés/empresas de trabalho temporário com a consequente absolvição do pedido.
Foi decidido que até àquela fase não se verificava qualquer litigância de ma fé na presente causa.
Mais foi indeferido o pedido de ampliação do pedido.
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Sujeita a recurso esta última decisão, pelo Tribunal Superior foi ordenada a substituição pelo Tribunal de 1.ª instância da decisão que não admitiu a ampliação de pedidos por uma decisão a admitir o pedido de decretação da nulidade dos contratos de trabalho temporário celebrados e; ainda da condenação das Rés no pagamento de juros desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
A Decisão do Tribunal Superior foi cumprida por despacho datado de 10/06/2021.”

Foi proferida sentença, a qual findou com o seguinte dispositivo:
“Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar a presente ação improcedente e, nesta conformidade, absolver as Rés do pedido.
Julga os incidentes de litigância de má-fé deduzidos.
Custas a cargo do Autor nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil.”

O Autor, inconformado, interpôs recurso desta decisão, defendendo a revogação da sentença, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
“DAS NULIDADES DA SENTENÇA RECORRIDA: DO EXCESSO DE PRONÚNCIA
1. Da sentença recorrida resulta que o Tribunal a quo concluiu pela conversão dos CTT’s celebrados entre o Autor e as empresas de trabalho temporário, em contrato de trabalho por tempo indeterminado, por inobservância de forma escrita.
2. Tendo para o efeito consignado – sem qualquer alegação pelas partes nesse sentido, e sem justificação com base em qualquer meio probatório – que inexistia qualquer documento nos autos que titulasse a celebração dos contratos de trabalho temporário.
3. Atendendo ao princípio do dispositivo – art.º 5.º do CPC –, não se vislumbrando qualquer enquadramento fáctico que pudesse remeter para a questão da formalidade ad substantiam em apreço, então, não assistem poderes de cognição ao Tribunal a quo para dela conhecer e, nessa medida, se pronunciar a respeito.
4. Está o Tribunal impedido de tirar consequências de um facto – não redução a escrito – nunca invocado e que não foi levado à matéria dos factos dados como assentes.
5. Por assim ser, estamos perante um manifesto excesso de pronúncia, padece a sentença ora recorrida da nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, d), in fine do CPC, a qual desde já se argui para os devidos efeitos legais.
DAS NULIDADES DA SENTENÇA RECORRIDA: DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA DURAÇÃO MÁXIMA DOS CUTT’S E PROIBIÇÃO PREVISTAS NO ART.º 178.º, n.º 2 e 179.º, n.º 1 do CT
6. O Autor invocou, na esteira do plasmado no art.º 178.º, n.º 2 do CT, que a duração dos CUTT’s nunca poderia exceder o limite de 2 anos. (artigo 32.º da PI)
7. Invocando a proibição de contratos sucessivos contemplada no art.º 179.º, n.º 1 do CT, (artigo 52.º da PI), que se aplica quer aos CTT’s ininterruptos e consecutivos, celebrados entre 1999 e 2014, quer ao contrato a termo incerto celebrado em maio de 2014 e cessado em 2019. (artigos 54.º e 55.º da PI).
8. Não obstante ter o supra indicado, a verdade é que o Tribunal a quo se manteve alheio e inerte a respeito, inibindo-se de sobre ela se pronunciar – ainda que legalmente obrigado.
9. O que consubstancia uma completa omissão de pronúncia e, nessa medida, fere de nulidade a sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do vertido no art.º 615.º, n.º 1, d), 1.ª parte de CPC.
DA CONVERSÃO DO CONTRATO COM FUNDAMENTO NO ART.º 147., n.º 1, a) do CT
10. Na PI apresentada pelo Autor, veio este expressamente alegar que o motivo invocado “apenas serviu para iludir as disposições que regulam o contrato sem termo”. (artigos 48,º e 49.º da PI)
11. Alegando e logrando provar que se manteve ao serviço da mesma entidade – a 1.ª Ré –, executando as mesmas tarefas/funções (serralheiro-tubista), no mesmo posto e local de trabalho (refinaria D...), no mesmo horário de trabalho (08:30 às 17:30), e com as mesmas ferramentas de trabalho, e sempre tendo em vista as necessidades daquela, desde 1989. (artigos 16.º a 19.º, 24.º e 25.º da PI).
12. Sendo tal realidade de cariz permanente, não se vislumbrando como poderá verificar-se e justificar-se uma necessidade temporária da empresa que motive à admissibilidade da celebração deste contrato, em 2014. (artigo 29.º da PI)
13. O Autor, em momento algum, alega que os contratos não foram redigidos a escrito, antes revelando que a razão invocada para os sustentar não corresponde, de todo, à realidade sócio laboral vivida entre as partes. Em suma: o motivo justificativo é falso!
14. Por tudo o exposto, e por referência ao previsto no art.º 147.º, n.º 1, a) do CT, veio o Autor peticionar a conversão dos contratos celebrados, para um contrato por tempo indeterminado (artigo 31.º da PI).
15. Não obstante ter sido esta questão levantada, a verdade é que o Tribunal a quo se manteve alheio e inerte a respeito, inibindo-se de sobre ela se pronunciar, ainda que legalmente obrigado.
16. O que consubstancia uma completa omissão de pronúncia e, nessa medida, fere de nulidade a sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do vertido no art.º 615.º, n.º 1, d), 1.ª parte de CPC.
DA MATÉRIA DE FACTO:
17. Para concluir pela cessação do primeiro contrato outorgado pelo Autor a Meritíssima Juiz concluiu que quanto ao documento junto sob a alínea r) “O Autor limita-se a impugnar um documento que reconhece ter assinado, sem retirar qualquer consequência desta impugnação.”. Acrescenta “Autor não invocou a falsidade do documento, mas antes aceita que o documento existe e foi por si assinado.”
18. Ao faze-lo ignorou o teor do ponto II (arts. 27.º e 28.º) da resposta oferecida pelo Autor com a ref.ª citius n.º 35672948, no qual impugnou o conteúdo e alcance da missiva, precisamente porque este ERA FALSO!
19. Nesse mesmo sentido, demonstraram-se as declarações de parte prestadas pelo Autor, em sede de audiência de julgamento, constantes do [Ficheiro: 20210923095914_15634815_2871519, ao minuto [01:00:45] a [01:01:35] e ainda o depoimento prestado pela testemunha BB, e pela testemunha CC.
20. Dispõe o (doravante “CC”) que “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.”
21. Ora, sabendo-se que, em sede de resposta, foi efetivamente invocada a falsidade da dita “carta de rescisão”, e que em sede de audiência, foi notoriamente demonstrada essa mesma falsidade;
22. Nunca às declarações do Autor vertidas na missiva poderia ser atribuída força probatória plena, (art.º 376.º, n.º 1 do Código Civil)
23. Devendo esta ser livre – mas já não discricionariamente – apreciada pelo Tribunal, conjuntamente com a demais prova produzida e regras da experiência comum.
24. Conjugado tudo isto, cremos ser de afirmar que, independentemente de ter assinado a carta, certo é que o Autor apenas o fez porque a isso estava obrigado pela Ré – dado o “esquema” montado, e com vista a “camuflá-lo” em verdadeira violação do disposto no artigo 129 n.º 1 j) do CT –, e jamais porque efetivamente pretendia despedir-se.
25. Destarte, a par da factualidade dada como provada na alínea r), deveria o Tribunal a quo ter dado como provados, para serem lidos e analisados conjuntamente com aquele, os seguintes factos:
- “As Rés impunham ao Autor, ao longo de todos estes anos, que assinasse toda a documentação necessária, designadamente a carta referida em r) dos factos dados como provados, para justificar a transferência de umas empresas para as outras, cujo conteúdo não correspondia à realidade (Arts. 27.º e 28.º da resposta).”
- “A declaração corporizada no documento identificado em r) dos factos dados como provados é falsa, pois que o Autor não teve qualquer intenção de se despedir.”
DA MATÉRIA DE DIREITO:
26º O Recorrente entende que, sendo trabalhador por tempo indeterminado desde 1989 por não ter ocorrido qualquer cessação do contrato de trabalho – pois que a declaração corporizada em r) dos factos assentes é falsa – não é admissível a celebração de qualquer outro contrato.
27. Contudo, e caso assim se não entenda, decorrido 1 ano do primeiro contrato de trabalho temporário este se transformaria num contrato de trabalho sem termo, com todas as consequências jurídicas daí inerentes, por violação do preceituado nos sobreditos artigos 143.º e 179.º do CT (à data artigo 9 n.º 7 do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de outubro).
28. Porquanto, atendendo à sequência de sucessivos contratos temporários celebrados desde Junho de 1999 (conforme consta na alínea s) da matéria dada como provada), tem-se que o Autor, por imposição legal, ao tempo, já era trabalhador efetivo da Ré.
29. A “Duração de contrato de utilização de trabalho temporário” vem estabelecida no artigo 178.º, n.º 2, do CT.
30. Da factualidade provada resulta que a contratação em regime de trabalho temporário do autor durou quinze anos, ou seja, desde o dia 1 de Junho de 1999 a Maio de 2014, data em que foi celebrado o contrato de trabalho a termo incerto.
31. A “Proibição de contratos sucessivos” encontra-se regulada pelo artigo 179.º do CT
32. Ora, o artigo 53.º - Segurança no emprego - da Constituição da República Portuguesa consagra que: “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, …”.
33. É neste contexto sócio/jurídico que deve ser interpretado o disposto no artigo 179.º do CT/2009.
34. Interpretar a lei (artigo 9 do CC) consiste em fixar, de entre os sentidos possíveis, o seu sentido e alcance decisivos.
35. O legislador, ao introduzir o teor do artigo 24.º da Lei n.º 19/2007, de 22.05, no Código do Trabalho de 2009, sob o artigo 179.º, o qual proíbe “a sucessão no mesmo posto de trabalho de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a termo, antes de decorrer um período de tempo igual a um terço da duração do referido contrato”, está a associar duas modalidades de trabalho precário – o trabalho temporário e o trabalho a termo – com a finalidade de obstar a que os empregadores recorram a expedientes para a não aplicação do mencionado normativo e, assim, contornando as disposições que regulam o contrato sem termo.
36. No caso dos autos, está provado nos pontos o), d) q), s), t), u ) e v) que o Autor esteve ao serviço da Ré de 1989 a 8/10/1999 por contrato por tempo indeterminado, de 9/10/1999 a 7/5/2014 por sucessivos contratos de trabalho temporário e de 8/5/2014 a 6/12/2019 por contrato de trabalho a termo incerto, para exercer as mesmas funções que vinha exercendo desde o início. O autor exerceu, pois, as funções de “serralheiro-tubista”, ao serviço da ré, durante 30 anos ininterruptos,
37. Na verdade, para além dos 10 anos como trabalhador por tempo indeterminado, dos 15 anos sob o regime de trabalho temporário– ultrapassando o limite máximo fixado -, a ré manteve o autor ao seu serviço por mais 5 anos ininterruptos sob o regime de trabalho precário.
38. Neste contexto factual, qual a consequência jurídica para a violação do disposto no artigo 179.º do CT/2009?
39. Como decidiu o Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 15/11/2021, processo n.º 1225/19.0T8PNF.P1, 4ª Secção (Social): “Atendendo às regras de interpretação e integração supra expostas, é a consequência prevista no artigo 147.º, n.º 1, alínea a) do CT:
“1 - Considera-se sem termo o contrato de trabalho: Em que a estipulação de termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo;”.
Na verdade, só deste modo estará salvaguardada “a unidade do sistema jurídico” e “o pensamento legislativo” no que reporta às regras que regulam a articulação do trabalho temporário e da contratação a termo, no contexto legislativo do trabalho precário, independentemente da necessidade de recurso ao favor laboratoris.”
40. Ainda que se entendesse que o Autor foi trabalhador das empresas de trabalho temporário, o que não se admite, como supra exposto, não podemos concordar com a sentença proferida na parte que determina que “atento o elenco dos factos provados, verifica-se o cumprimento do disposto no artigo 140º, n.º 1, n.º 2, alínea h) e n.º 3 do Código do Trabalho. Sendo certo que de acordo com os factos provados k), l), m) e n), a 1ª Ré logrou cumprir o ónus que lhe é imposto no citado artigo 140 n.º 5.”
41. Olvidou a Meritíssima Juiz de 1º instância o facto provado na alínea p) e, ainda, na alínea u).
42. Conjugando estes dois factos facilmente concluímos que não estamos perante uma necessidade temporária da Ré, mas sim de uma necessidade duradoura/permanente que perdurou por 30 anos.
43. A execução de obra, projeto ou atividade definida e temporária não se verificam, in casu, pois que estamos perante uma atividade de cariz constante, necessário, permanente ou, no mínimo, reiterada e prolongada no tempo.
44. Na verdade o contrato com a D... sucedeu-se ao longo dos anos (mais precisamente de 1988 a 2019) período de tempo durante o qual o Autor prestou os seus serviços.
45. Pelo que o mesmo seria considerado sem termo por aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 147º do C.T.
DA FRAUDE À LEI
46. O legislador não delineou genericamente a figura da fraude à lei, que apenas tratou em sede de direito internacional privado e no âmbito da aplicação das normas de conflitos. Certo, porém, que esta figura pode – e deve – estender-se para além do direito internacional privado.
47. Assim, existirá fraude à lei quando se lança mão de uma norma de cobertura para lograr ultrapassar – ou incumprir – a norma defraudada, ou seja a que seria a aplicável à relação jurídica.
48. No elenco dos direitos, liberdades e garantias contam-se, desde a revisão de 1982, os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, consagrando-se no artigo 53.º, da garantia dos trabalhadores à segurança no emprego, com a proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
49. A Ré, ciente das imposições legais impostas, a Ré utilizou várias empresas de trabalho temporário, para as quais foi transitando o Autor, para assim poder beneficiar do seu trabalho, e por fim, ainda não satisfeita, reduz a escrito um contrato por tempo indeterminado (pelo que o cômputo total da precariedade o foi por 30 anos) sem que com o mesmo celebrasse qualquer contrato por tempo indeterminado.
50. Por assim ser, afirmamos que as sucessivas contratações feitas pela Ré, o foram em fraude à lei, sendo que a norma contornada (artigo 53.º da Constituição da Republica Portuguesa) é imperativa e geradora da nulidade do ato, o que o Tribunal pode declarar mesmo “ex officio” – artigos 280.º e 286.º do Código Civil.” (realce nosso)
Em remate, pede que seja concedido provimento ao presente recurso, condenando-se as Apeladas conforme o pedido.

A 1ª Ré apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
“1. Sustenta o recorrente que a sentença recorrida enferma do vício de nulidade por existir um manifesto excesso de pronúncia no artigo 615.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil (CPC), ao ter-se pronunciado sobre a conversão dos Contratos de Trabalho Temporário (CTT´s) em contrato de trabalho sem termo celebrado entre o Autor e as empresas de trabalho temporário por inobservância da forma escrita.
2. O recorrente ao invocar a nulidade nos termos em que o fez, demonstra ter enormes dificuldades em saber o que deve entender-se por “questões”, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC.
3. A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as exceções invocadas pelas Rés, o que vale por dizer que questões serão apenas, as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter.
4. Logo, não deverão ser atendidos os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções.
5. Dito isto, o recorrente aduz como causa de pedir na petição inicial, terem sido celebrados entre a Ré A..., S.A. e as restantes Rés vários CCT´S, em resultado dos sucessivos contratos celebrados de CTT´s, porque o limite máximo de duração do trabalho temporário estará ultrapassado, é seu entendimento que os mesmos serão nulos e como tal existirá uma relação iniciada em 1999 entre o impetrante e a A..., S.A..
6. Aos CCT´s aplicam-se-lhes a regulamentação prevista no Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de outubro, alterado pelas Leis n.ºs 39/96, de 31 de agosto e 146/99 de 1 de setembro, pelo que, teriam de ser celebrados por escrito, constituindo essa realidade uma formalidade ad substantiam.
7. Inexiste qualquer documento nos autos que titule a celebração dos CCT´s.
8. A existência da nulidade dos CCT´s opera ipso jure e deverá ser conhecida oficiosamente, devendo ser declarada pelo tribunal, como emerge do artigo 286º do Código Civil.
9. Logo, a nulidade dos CTT´s celebrados entre o recorrente e as empresas de trabalho temporário, entre as quais, a Ré (C...), implica a «conversão» da situação de prestação de trabalho temporário em contrato de trabalho por tempo indeterminado em que a entidade empregadora é a empresa utilizadora, entenda-se a ora Ré C....
10. Sustenta o recorrente que a douta sentença recorrida não se terá pronunciado sobre a proibição de contratos sucessivos contemplada no artigo 179.º, n.º 1 do Código de Trabalho, facto que, no entender do recorrente constitui uma nulidade da sentença.
11. A omissão de pronúncia está contemplada no preceito do artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, segundo o qual é nula a sentença quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. Esta nulidade encontra-se intimamente ligada à regra estabelecida no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, de acordo com a qual o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
12. Constitui entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a noção de “questões” em torno das quais gravita a referida infração processual se reporta aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas exceções e, também, aos pedidos formulados.
13. Para que o tribunal estivesse em condições para se pronunciar sobre a sucessão de contratos teriam que os mesmos constar dos autos.
14. É impossível ao tribunal aferir sobre se a duração máxima dos CCT´s encontra-se ultrapassada, já que, nos termos do nº 1 do 364º do Código Civil, existindo uma formalidade ad substantiam, não implica a nulidade do contrato, mas sim, a conversão do mesmo passando o recorrente a ser trabalhador por tempo indeterminado para as empresas de trabalho temporário.
15. Sustenta o recorrente que a douta sentença recorrida não se pronunciou pelo pedido realizado de conversão dos contratos celebrados com as empresas de trabalho temporário, para um contrato por tempo indeterminado como colaborador da recorrida.
16. Foi entendimento do douto tribunal recorrido que: “Fazendo a síntese conclusiva do período de 01/06/1999 a maio de 2014: (i) neste período o Autor celebrou vários contratos de trabalho temporário com diversas empresas de trabalho temporário; (ii) atenta a inexistência de documento escrito, os contratos de trabalho temporário celebrados sucessivamente com as diversas empresas de trabalho temporário padecem de invalidade por inobservância da forma legal; (iii) invalidade esta que não conduz à nulidade dos contratos, mas à conversão do contrato de trabalho temporário em contrato sem termo em que o Autor fica vinculado às empresas de trabalho temporário sucessivamente; (iv) consequência jurídica irrelevante, atento o pedido e a pretensão formuladas pelo Autor – estar vinculado à 1.ª Ré por meio de contrato de trabalho sem termo.”.
17. Logo, nesse sentido, a douta sentença recorrida não nos merece qualquer observação ou reparo e improcede, já que, pronuncia-se sobre o pedido formulado pelo recorrente indeferindo o mesmo.
18. Sustenta o recorrente que o douto tribunal recorrido deveria ter dado como provado a alínea r) nos termos que se passam a indicar: “As Rés impunham ao Autor, ao longo de todos estes anos, que assinasse toda a documentação necessária, designadamente a carta referida em r) dos factos dados como provados, para justificar a transferência de umas empresas para as outras, cujo conteúdo não correspondia à realidade (Arts. 27.º e 28.º da resposta)”.
19. A motivação que foi apresentada pelo douto tribunal recorrido para considerar provada a alínea r) nos termos em que se encontra foi a seguinte: Quanto ao facto provado r), o Tribunal estribou-se no documento junto aos autos a fls. 166 que consubstancia a declaração de cessação do contrato em 31 de maio de 1999. Relativamente a este facto cumpre consignar que se encontra descrita a declaração assinada pelo Autor e cuja emissão lhe é imputada. A este propósito o Autor alega no artigo 27.º do articulado por si apresentado em Juízo em 01/06/2020 que as Rés lhe impunham que assinasse toda a documentação necessária designadamente o documento em apreço para justificar a transferência ilícita. Esta alegação é genérica, referindo-se a Rés no plural, sem a especificação de qual Ré apresentou o documento ao Autor e em que circunstâncias, o que redunda numa alegação inconsequente.
20. A Ré A..., S.A., ora recorrida, em sede de contestação invoca a cessação do contrato de trabalho sem termo celebrado entre as partes no ano de 1989 por iniciativa do Autor (artigo 2.º da contestação) e; junta aos autos o documento que corporiza tal declaração negocial.
21. A forma de “neutralizar” a exceção perentória alegada pela recorrida seria responder com uma outra exceção perentória: a declaração negocial a declarar a cessação do contrato de trabalho é inválida porque padece de um vício na formação da vontade e, como tal, assim tem de ser declarada a invalidade. Ou seja, excecionar com a anulabilidade da declaração negocial de cessação do contrato de trabalho.
22. Só que, o recorrente limita-se a impugnar um documento que reconhece ter assinado, sem retirar qualquer consequência desta impugnação.
23. O recorrente não invocou a falsidade do documento, antes aceita que o documento existe e foi por si assinado, logo as declarações que lhe são atribuídas – declaração de cessação do contrato de trabalho – estão provadas de forma plena (crf. artigos 373º a 376º do Código Civil).
24. Os factos compreendidos na declaração do recorrente – cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa – se mostram contrários aos interesses do recorrente e, como tal, se consideram provados.
25. Face ao alegado pelo recorrente em resposta à exceção alegada pela recorrida, parece que se verificaria erro na formação da vontade do recorrente qualificado por dolo nos termos do artigo 254.º do Código Civil, embora se reconheça a insipiência dos factos alegados.
26. Os factos alegados não chegam sequer para enquadrar o vício da vontade no âmbito da coação moral (meramente, na melhor das hipóteses, implícita), que de todo o modo nos termos do artigo 256.º do Código Civil importaria a anulabilidade da declaração.
27. Posto isto, afigura-se evidente que o douto tribunal recorrido esteve bem ao não declarar oficiosamente anulada a declaração emitida pelo recorrente de cessação do contrato de trabalho celebrado no ano de 1989, corporizada no documento identificado no facto provado r), atento o disposto no artigo 287.º do Código Civil.
28. Posto isto, está provado que: (i) as partes celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado no ano de 1989; (ii) este contrato cessou no dia 31 de maio de 1999 por iniciativa do recorrente, através de declaração negocial emitida no dia 31 de maio de 1999; (iii) declaração negocial esta corporizada num documento aceite pelo recorrente, incluindo a assinatura por si aposta; (iv) não tendo sido impugnada a declaração negocial com base na falta de vontade ou nos vícios da vontade capazes de a invalidarem; (v) pelo que, temos uma declaração válida e eficaz de cessação do contrato de trabalho e; (vi) como tal, o contrato de trabalho celebrado em 1989 cessou os seus efeitos no dia 31 de maio de 1999.
29. Não se alcança por que razão a alínea r) da matéria assente deveria ter outra redação, nomeadamente considerar que a declaração indicada seria falsa, inválida ou ineficaz, como pugna o recorrente.
30. O recorrente entende que, sendo trabalhador por tempo indeterminado desde 1989 por não ter ocorrido qualquer cessação do contrato de trabalho – pois que a declaração corporizada em r) dos factos assentes é falsa – não é admissível a celebração de qualquer outro contrato.
31. Só que, como se explicou não lhe assiste razão na medida em que a declaração de cessação do contrato de trabalho que emitiu é válida e eficaz, logo, este contrato cessou no dia 31 de maio de 1999 por iniciativa do recorrente.
32. Após essa data, como já se deixou escrito por inexistir nos autos os CCT´s, o contrato que este celebrou com as empresas de trabalho temporário ter-se-á convertido em contrato por tempo indeterminado, sendo por conseguinte, trabalhador destas.
33. Sustenta ainda o recorrente que não se aceitando a tese da nulidade da declaração, decorrido 1 ano do primeiro contrato de trabalho temporário este se transformaria num contrato de trabalho sem termo, com todas as consequências jurídicas daí inerentes, por violação do preceituado nos sobreditos artigos 143.º e 179.º do CT (à data artigo 9 n.º 7 do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de outubro).
34. Só que, mais uma vez não assiste razão ao recorrente, na verdade como já se deixou escrito, entre o período de 01.06.1999 a maio de 2014 o recorrente celebrou vários contratos de trabalho temporário com diversas empresas de trabalho temporário; atenta a inexistência de documento escrito, os contratos de trabalho temporário celebrados sucessivamente com as diversas empresas de trabalho temporário padecem de invalidade por inobservância da forma legal; a invalidade esta que não conduz à nulidade dos contratos, mas à conversão do contrato de trabalho temporário em contrato sem termo em que o recorrente fica vinculado às empresas de trabalho temporário sucessivamente.
35. Considera ainda o recorrente que caso se entenda que seja trabalhador das empresas de trabalho temporário, não pode concordar com a sentença proferida na parte que determina que “atento o elenco dos factos provados, verifica-se o cumprimento do disposto no artigo 140º, n.º 1, n.º 2, alínea h) e n.º 3 do Código do Trabalho. Sendo certo que de acordo com os factos provados k), l), m) e n), a 1ª Ré logrou cumprir o ónus que lhe é imposto no citado artigo 140 n.º 5.
36.O exercício de trabalho temporário depende da celebração pela empresa de trabalho temporário de dois contratos: um contrato de utilização de trabalho temporário (crf. artigo 175 e seguintes do Código de Trabalho), o qual é celebrado com a empresa cessionária (ou seja, com utilizador) e um contrato de trabalho temporário com o trabalhador (crf. artigo 180º e seguintes do Código de Trabalho) ou um contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária com o trabalhador (crf. artigo 183 e seguintes do Código de Trabalho). Dito isto, desta relação triangular, o trabalhador tem uma relação jurídica laboral com a empresa de trabalho temporário, embora desempenhe a sua atividade na empresa utilizadora.
37. Logo admitindo que não está demonstrado que não se verifica o disposto no artigo 140º, n.º 1, n.º 2, alínea h) e n.º 3 do Código do Trabalho, a contratação do recorrente pelas empresas de trabalho temporário implicaria naturalmente que o seu contrato de trabalho com estas passaria a ser um contrato sem termo, logo por tempo indeterminado, para as empresas de trabalho temporário e nunca com a recorrida.
38. Sustenta o recorrente, que a celebração de um contrato sem termo, seguida de vários contratos de trabalho temporário, finalizando com um contrato de trabalho a termo incerto assenta num comportamento concertado das Rés para evitar a subsistência de um contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré A..., S.A. sem termo e, como tal um comportamento fraudulento.
39. O recorrente em sede de ampliação ao pedido inicialmente formulado, peticiona a nulidade dos contratos de trabalho temporário e o pedido de nulidade dos contratos de utilização de trabalho temporário.
40. Como emerge do já alegado, o tribunal de primeira instância apreciou a validade dos contratos de trabalho temporário e decidiu-se pela sua invalidade e consequente conversão em contrato de trabalho sem termo.
41. Nesta conformidade, não se verifica o pressuposto base para o apuramento de uma conduta fraudulenta das Rés para obtenção de um resultado que a lei previu e proibiu, que é justamente a prática de vários atos lícitos, pois os contratos apreciados nos autos são inválidos.
42. No que concerne ao último contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida em maio de 2014, como muito bem foi decidido pela douta sentença recorrida, este, revela-se como um contrato válido.
43. Face à factualidade provada, não se verifica o nexo entre este ato lícito e o resultado proibido.
44. Por tudo exposto a douta sentença recorrida não nos merece qualquer observação ou reparo não se encontrado violadas as disposições contantes: artigo 53.º da CRP; artigo.º 615.º, n.º 1, d), 1.ª parte de CPC; artigo 615.º, n.º 1, d), in fine do CPC; artigo 5º do CPC; artigo 178º n.º 2 e 179 do CT; artigo 147 n.º 1 a) e b) do CT; artigo 376 n.º 1, in fine do CC; artigo 129 n.º 1 j) do CT; artigo 143º e 179 do CT (24 da Lei 19/2007 de 22.5 e 9 n.º 7 do DL 358/89 de 17.10); artigo 178º n.º 2 do CT; artigo 140º 1, 2, 3 e 5 do CT e artigo 381º c) do CT.” (realce nosso)
Em remate solicita que o recurso seja considerado improcedente.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos.
Na mesma data o Mm.º Juiz a quo proferiu os seguintes despachos:
Fls. 515 a fls. 533: Nos termos e para os efeitos do artigo 617.º, n.º 1 e n.º 5 do Código de Processo Civil ex vi artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, decide este Tribunal de 1.ª instância que não se verifica a nulidade da sentença com fundamento em excesso de pronúncia porquanto o Autor no articulado datado de 01/06/2020, deduziu ampliação do pedido “Ser decretada a nulidade dos CTT`s e dos CUTT`s celebrados”.
Esse articulado apenas fundamenta o pedido de nulidade dos CUTT`s, nada alega/fundamenta quanto aos CTT`s.
O Tribunal de 1.ª instância não admitiu a ampliação do pedido (todos eles), tendo sido objeto de recurso esta decisão foi alterada pelo Tribunal Superior que manteve a recusa da ampliação do pedido quanto à nulidade dos CUTT`s, apenas permitindo a ampliação do pedido quanto à nulidade dos CTT`s
E, como o Autor nada fundamentou para pedir a nulidade dos CTT`s no articulado de pedido de ampliação do pedido, teremos de nos cingir à petição inicial, desde logo, temos o artigo 32.º “se considerarmos válidos os contratos de trabalho temporário celebrados, sempre haveria extravasado em larga medida dois anos”, no artigo 41.º da petição inicial, o Autor repete “Se considerarmos válidos os contratos de trabalho temporários celebrados, mas extravasado”.
O que significa que o Autor pediu a apreciação da validade do contato com fundamento diverso do “sempre haveria extravasado em larga medida dois anos” e, nada mais é alegado.
Seguidamente desde o artigo 51.º ao artigo 54.º da petição inicial em sede de alegações de direito, o Autor invoca normas referentes aos CUTT`s e refere que se mostra extravasado o prazo de duração legalmente permitido pera os CUTT`s, todavia, não foi admitido pelo Tribunal Superior a ampliação do pedido no que toca à decretação da nulidade dos CUTT`s e, por isso, considera este Tribunal de 1.ª instância que lhe está vedada a apreciação deste pedido.
No mais, apreciou o pedido cuja ampliação foi admitida pelo Tribunal Superior e que o Autor fundamentou da forma supra exposta, “se consideramos válidos os contratos de trabalho temporários” que não consideramos porque desde logo, nos falta o documento que obrigatoriamente corporizaria o contrato com todas as menções legalmente exigidas.
*
Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
O Autor invocou os artigos 178.º, n.º 2 e 179.º do Código do Trabalho, que para além da questão da aplicação da lei no tempo referida na sentença recorrida, se trata de vícios relativamente aos CUTT`s que o Tribunal Superior não permite que se aprecie atenta a ausência de pedido na petição inicial e pela rejeição da ampliação do pedido.
Neste caso se este tribunal de 1.ª instância apreciasse a nulidade dos CUTT`s, restaria a desobedecer ao Douto Acórdão proferido em 19/04/2021, o que se mostra proibido e, pelo contrário, importa cumprir as decisões dos Tribunais Superiores tal como imposto no artigo 152.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
É que Autor o invoca o regime estatuído no artigo 179.º, n.º 1 do que se reporta ao contrato de utilização de trabalho temporário como se se reportasse ao contrato de trabalho temporário.
Acresce que de acordo com a apreciação sequencial das questões e respeitas consequências, o Tribunal pronunciou-se quanto aos contratos de trabalho temporário ininterruptos e consecutivos que era a do Autor se considerar trabalhador das empresas de trabalho temporário por contrato sem termo. Questão diversa é a do Autor não concordar com o regime aplicada que não redunda em nulidade.
Quanto à última nulidade invocada de ausência de pronúncia relativamente à conversão dos contratos celebrados com a Ré em 2014 mais uma vez a questão foi apreciada, todavia, o Autor legitimamente não concorda com a apreciação da questão, razão pela qual interpõe recurso da sentença.
Concluindo: em cumprimento do disposto no artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, decide este tribunal de 1.ª instância pela não verificação da nulidade da sentença.
Notifique.” (realce nosso)

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Aí se lê:
“Tendo em consideração a factualidade dada como provada e os meios de prova – testemunhal e documental - que a sustaram, entendemos que a decisão recorrida se encontra muito bem fundamentada, de facto e de direito, não merecendo censura as questões a dirimir nos presentes autos, as quais foram adequadamente analisadas, tal como dela flui e a cuja tese se adere pelo rigor demonstrado.
Consequentemente, está prejudicada a verificação das invocadas nulidades, às quais com pertinência responderam a recorrida e a Mma. Juíza “a quo” no douto despacho de sustentação.
A sentença recorrida extraiu as devidas consequências jurídicas, sem reparo, no modo como absolveu a recorrida e demais co-rés quanto às questões controvertidas, tendo concluído, de acordo com os factos alegados e regras do ónus da prova que ao recorrente cabia, a atitude como este desenvolveu a sua relação jurídica laboral com a recorrida, no âmbito de um contrato de utilização de trabalho temporário, que foi cumprido numa sociedade beneficiária e, também, pela prescrição de créditos salariais.
Improcedem as conclusões formuladas.”

As partes foram ouvidas, quanto ao parecer do Ministério Público.
Apenas o Autor apresentou resposta, na qual, nomeadamente se lê:
“Em momento algum dos factos foi alegado pelas partes que os contratos de trabalho temporário não foram redigidos a escrito.
As partes estão de acordo que os contratos foram redigido a escrito (tendo a Ré alegado para justificar a sua não junção o lapso temporal pelo que já não os tem em arquivo).
Acresce que,
Da sentença não resulta da matéria de facto provada e não provada que os contratos tenham sido verbais ou que não foram redigidos a escrito. (nem o poderia fazer atento o alegado pelas partes)
Ora,
A decisão deve conter a enumeração concreta dos factos provados e não provados, com interesse e relevância para a decisão da causa, sob pena de nulidade, desde que tenham efetivo interesse para a decisão.
(…)
Usando factos sobre os quais não se pronunciou (não levados ao elenco factual da matéria provada e não provado pois que não articulada pelas partes) para fundamentar a sentença, leva a que esta fique inquinada de nulidade.
Percute-se,
Analisadas todas as peças processuais oferecidas pelas partes, facilmente se depreende que a questão da redução a escrito dos CTT’s, em momento algum foi levantada em juízo.
Por referência ao princípio do dispositivo – art.º 5.º do CPC –, não se vislumbrando qualquer enquadramento fáctico (alegado pelas partes) que pudesse remeter para a questão da formalidade ad substantiam em apreço, então, é certo que não assistem poderes de cognição ao Tribunal a quo para dela conhecer e, nessa medida, se pronunciar a respeito.
Aliás, veja-se que da matéria dada como provada e não provada não resulta qualquer facto relativamente à forma dos CTT’s, o que só comprova a inexistência de qualquer factualidade apresentada pelas partes que possa servir de fundamento para a questão de direito – invalidade por inobservância de forma – conhecida pelo Tribunal.
Por assim ser, e dado que estamos perante um manifesto excesso de pronúncia, padece a sentença ora recorrida da nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, d), in fine do CPC.
(…)”

Foi cumprido o disposto na primeira parte do nº2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06., aplicável “ex vi” artigo 87º, nº1, do Código de Processo do Trabalho.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da matéria de facto;
- Apurar da existência de um contrato de trabalho sem termo a vigorar desde 1989 até dezembro de 2019 e se nessa data em que a 1ª despediu ilicitamente o Autor;
- Nesse caso, quais as consequências;
- Créditos salariais.

2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
Na 1ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
“Da audiência final resultaram provados os seguintes:
a) A 1.ª Ré é uma sociedade anónima, NIPC ..., com sede em ..., e com o seguinte objeto social: “a) projeto e construção com incidência no domínio das instalações especiais, compreendendo todo o tipo de instalações elétricas e de produção de energia, obras de isolamento, instalação de canalizações e climatização e outras instalações não especificadas; b) projeto, produção, comercialização e reparação de estruturas metálicas, incluindo pontes e viadutos metálicos, quadros elétricos, instrumentação elétrica e automatismos, e outros acessórios metálicos eletrificados ou não; c) projeto e construção de vias-férreas, rodoviárias, oleodutos e gasodutos, aeroportos e instalações desportivas; d) engenharia hidráulica; e) produção e distribuição de eletricidade, de gás, de vapor e água quente; f) manutenção e gestão industrial, naval e de instalações e sistemas em geral; g) implementação e manutenção de redes estruturadas, redes wireless, equipamentos ativos de rede, sistemas de segurança informática, instalações de segurança eletrónica, sistemas de videovigilância, controlo de acessos e intrusão e telegestão; h) exportação de materiais e equipamentos; e i) vistoria, certificação e fiscalização de infraestruturas de telecomunicações.” (artigo 7.º da petição inicial).
b) Foi constituída em 1976 sob a firma E..., SA, (Insc. 1), tendo em 2004 fundido as firmas F..., SA, A..., S.A. e G..., SA. (Insc. 4) (artigo 8.º da petição inicial).
c) Tendo alterado a designação para a firma H..., SA em 2006 (Insc.8) (artigo 9.º da petição inicial).
d) No dia 8 de maio de 2014, o Autor e a 1.ª Ré – esta, na altura, designada “H..., S.A.”celebraram um contrato intitulado “contrato de trabalho a termo incerto” a iniciar no dia 16 de maio de 2014 (artigo 10.º da petição inicial).
e) Consta da Cláusula primeira do contrato de trabalho identificado em d) “1. A TS contrata o trabalhador com a categoria interna de Chefe de Equipa. 2. A caracterização e definição de funções da categoria profissional sobredita consistem em, executar as seguintes tarefas: Apoiar o Encarregado, ao nível da coordenação e controlo das Equipas adstritas à Obra ou Contratos de Manutenção, quer colaboradores da Empresa quer colaboradores de Subempreiteiros, bem como outros trabalhadores de análoga natureza ou temporalidade” (artigo 11.º da petição inicial).
f) Consta da Cláusula segunda do contrato de trabalho identificado em d) que “1. O trabalhador obriga-se a realizar a prestação de trabalho ora contratado no cliente D... – Refinaria de ..., sita em .... 2. O trabalhador obriga-se ainda a realizar todas as deslocações necessárias à execução das suas funções, sem prejuízo do direito ao reembolso de despesas eventualmente suportadas com a deslocação” (artigo12.º da petição inicial).
g) Consta da Cláusula terceira do contrato de trabalho identificado em d) que “1. O trabalhador executará as suas funções em regime de tempo completo, prestado 8 horas de trabalho diário, 40 horas de trabalho semanal, cumprindo o seguinte horário de trabalho de segunda a sexta-feira: das 08h30m às 17h30m, com 1 hora de intervalo para refeição. 2. O trabalhador dá expressamente o seu acordo à eventualidade do horário de trabalho, referido em 1., da presente cláusula vir a ser unilateralmente alterada pela TS em função das necessidades do serviço” (artigo 12.º da petição inicial).
h) Consta da Cláusula quinta do contrato de trabalho identificado em d) que “1. Como contrapartida do trabalho prestado nos termos do presente contrato, a TS pagará ao trabalhador a remuneração mensal ilíquida de retribuição de 1.057,00 (mil e cinquenta e sete euros), sobre a qual incidirão os descontos legais. O pagamento será efetuado até ao último dia útil de cada mês. 2. Além da remuneração mensal ilíquida referida no ponto 1. Da presente cláusula, o trabalhador terá direito a um subsídio de alimentação no valor de 6,83€ por cada dia de trabalho efetivamente prestado, bem como ao prémio de assiduidade no valor de 17€ que será atribuído mensalmente caso o colaborador não falte mais de duas horas em cada mês, além das faltas que não impliquem perda de vencimento (exemplos: férias de casamento, licença de óbito de familiar, entre outras previstas na lei), com exceção no caso da maternidade/paternidade que continua a ter direito ao prémio. 3. A TS não efetua qualquer subsídio ou suporta quaisquer despesas relacionadas com o transporte de ida e/ou regresso entre a residência do trabalhador e a sede da TS” (artigos 13.º e 14.º da petição inicial).
i) Consta do contrato identificado em d) que “CONSIDERANDO: 1. Que a TS exerce as seguintes atividades: a realização de projetos, de instalações, a manutenção e as instalações técnicas, nomeadamente nos seguintes domínios: ventilação, aquecimento e condicionamento de ar, eletricidade, mecânica, tubagens, telecomunicações, sistemas hidráulicos, estruturas metálicas, saneamento básico, impermeabilização e isolamento térmico, equipamento rodoviário e ferroviário, catenárias, vias férreas e aeródromos; 2. Que a TS se encontra obrigada, por contrato de empreitada de prestação de serviços de manutenção metalúrgica e metalomecânica das instalações, com o seu cliente D... – Refinaria de ...e que integra serviços de assistência e manutenção metalúrgica e metalomecânica, bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade. 3. Que o referido contrato tem por objeto uma atividade complementar à atividade de construção geral de edifícios e de engenharia civil e têm natureza e temporalidade em tudo idêntico ao de um contrato em regime de empreitada; 4. Que a execução do contrato de prestação de serviços de manutenção, referido no anterior Considerando 2. Não tem prevista uma data determinada para a sua conclusão. 5. O disposto no artigo 140.º, n.º 2, alínea h), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (doravante referido abreviadamente por “o Código do Trabalho”); 6. Que não é necessária a comunicação do teor do presente contrato, a que se refere o n.º 1 do artigo 144.º do Código do Trabalho, uma vez que não existem na TS comissão de trabalhadores e o trabalhador não se encontra filiado em associação sindical; 7. Que a TS pretende contratar um Chefe de Equipa para fazer face a esta tarefa temporária; 8. Que o trabalhador compreende e aceita o motivo pelo qual é contratado a termo incerto. É em conformidade com o disposto no artigo 140.º e seguintes do Código do Trabalho, livremente e de boa fé celebrado o presente contrato de trabalho a termo incerto que se rege pelas cláusulas seguintes e pelas disposições legais aplicáveis” (artigo 15.º da petição inicial).
j) Consta da Cláusula sexta do contrato de trabalho identificado em d) que “1. O presente contrato tem início no dia 16 de maio de 2014 e durará por todo o tempo necessário à conclusão dos trabalhos objeto do contrato de prestação de serviços referido no Considerando 2. E eventuais prorrogações e renovações, pois que a TS se encontra obrigada, através do referido contrato de prestação de serviços de manutenção metalúrgica e metalomecânica das instalações, com o seu cliente D... – Refinaria de ... – e que o mesmo integra serviços de assistência e manutenção metalúrgica e metalomecânica, bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade. O Referido contrato tem por objeto uma atividade complementar à atividade de construção geral de edifícios e de engenharia civil e têm natureza e temporalidade em tudo idêntico ao de um contrato em regime de empreitada. A execução do contrato de prestação de serviços de manutenção, referido no anterior Considerando 2. Não tem prevista uma data determinada para a sua conclusão, justificando-se assim a presente contratação a termo incerto para fazer face à tarefa temporária em causa, de acordo com a alínea e), do n.º 1 e n.º 3 do artigo 141.º do Código do Trabalho. 2. O presente contrato caducará quando, prevendo-se a conclusão dos trabalhos objeto do contrato de prestação de serviços referido no Considerando 2 e n.º anterior, ou das respetivas prorrogações ou renovações, a TS comunique ao trabalhador o termo do mesmo, com a antecedência mínima de 7, 30 ou 60 dias, conforme o contrato tenha durado até 6 meses a 2 anos ou por período superior. 3. A falta de comunicação a que se refere o n.º 2 da presente cláusula implica para a TS o pagamento da retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta. 4. O trabalhador pode rescindir unilateralmente o presente contrato de trabalho, sem justa causa, devendo avisar a TS com a antecedência mínima de quinze dias, trinta ou sessenta dias, consoante o contrato tenha durado menos de seis meses, entre seis meses e dois anos ou mais de dois anos” (artigo 15.º da petição inicial).
k) Na data de admissão do Autor, a Ré A..., S.A. mantinha com a D... um contrato de prestação de serviço de assistência e de manutenção metalúrgica e metalomecânica das suas instalações da refinaria de ..., sem duração definida, porque o que estava formalizado tinha caducado em 28/02/2014 (artigo 9.º da contestação).
l) As negociações com a D... arrastaram-se, só em dezembro de 2014 foram concluídas e acertado novo vínculo contratual, de 01/01/2015 até 31/12/2018 (artigo 12.º da contestação).
m) O contrato com a D... terminou a 31/12/2018 como negociado, contudo a prestação de serviço à D... manteve-se após aquela data, tendo decorrido negociações com vista à prorrogação do contrato (artigo 16.º da contestação).
n) As negociações frustraram-se tendo sido dadas por concluídas, terminando a prestação da 1.ª Ré à D... no dia 31/10/2019 (artigo 17.º da contestação).
o) Por carta datada de 08/10/2019. A 1.ª Ré comunicou ao Autor que “Exm.º Senhor, Reportamo-nos ao contrato de trabalho a termo incerto que o mantém vinculado a esta Empresa, desde 16 de maio desde 2014. Pela presente e de harmonia com o disposto no n.º 1, Art.º 345 do regime jurídico anexo à Lei n.º 07/2009, de 12 de fevereiro, vimos comunicar-lhe que tal contrato de trabalho caducará, deixando se vigorar a partir de 06 de dezembro de 2019” (artigo 34.º da petição inicial e artigo 18.º da contestação.)
p) Em 1989 a 1.ª Ré, na altura, designada “G...", havia celebrado um contrato de prestação de serviços no qual realizava a assistência e manutenção metalúrgica e metalomecânica das instalações do seu cliente D... - refinaria de ... - (prestação que manteve até 2019) (artigo 17.º da petição inicial).
q) A 1.ª Ré celebrou em 1989 com o Autor contrato de trabalho por tempo indeterminado para que este prestasse o seu trabalho no supra referido cliente D... - Refinaria de ... (artigo 18.º da petição inicial).
r) No documento datado de 31 de maio de 1999 dirigido à “G... S.A.” denominado “Rescisão de contrato de trabalho”, assinado pelo Autor, constam os seguintes dizeresExmos. Senhores, Venho por este meio solicitar a rescisão do meu contrato de trabalho assinado em 01 de Fevereiro de 1989, a partir do dia 31 de Maio de 1999. Esta minha decisão fica a dever-se ao facto de ter encontrado condições mais favoráveis noutro local. Agradeço ainda a dispensa da indemnização por falta de aviso prévio dado ter tido sempre um comportamento pessoal e profissional exemplar” (artigo 2.º da contestação).
s) Apesar de se manter inalterado o contexto em que o trabalho era prestado, de junho de 1999 até maio de 2014, o Autor foi parte de um conjunto de contratos de trabalho temporário sucessivos e consecutivos, tendo sido contratado pelas seguintes entidades durante os períodos que se seguem:
1) ▪ De 01/06/1999 a 06/2000 - C... – Empresa de Trabalho Temporário, S.A, NIPC ... (3.ª Ré)
2) ▪ De 01/07/2000 a 09/2000 - I... Lda., NIPC ... cuja matricula se encontra cancelada.
3) ▪ De 10/2000 a 09/2001 - C... – Empresa de Trabalho Temporário, S.A, NIPC ... cuja matricula se encontra cancelada.
4) ▪ De 10/2001 a 03/2002 – I... Lda., NIPC ..., ▪ De 04/2002 a 01/2005 - C... – Empresa de Trabalho Temporário, S.A, NIPC ...,
5) ▪ De 01/2005 a 11/2009 – J... - Trabalho Temporário, Lda., NIPC ... cuja matricula se encontra cancelada
6) ▪ De 12/2009 a 01/2013 – Tonus -Trabalho Temporário, Lda., NIPC ... cuja matricula se encontra cancelada
7) ▪ De 02/2013 a 05/2014 – B... - Empresa De Trabalho Temporário, Lda., NIPC ... (2.ª Ré ) (artigo 19.º da petição inicial).
t) A empresa utilizadora, a 1.ª Ré, manteve-se inalterada desde a primeira contratação (artigo 23.º da petição inicial).
u) Durante todos estes anos – de 1989 a 2014 – o Autor executou exatamente as mesmas tarefas/funções (serralheiro-Tubista), no mesmo posto e local de trabalho (refinaria D...), no mesmo horário de trabalho (8:30 as 17:30), com as mesmas ferramentas de trabalho (artigo 24.º da petição inicial).
v) E sempre tendo em vista as necessidades da mesma entidade, a 1.ª Ré
w) A retribuição mensal do Autor em 2001 era de € 1.114,53; a retribuição mensal do Autor em 2002 era de € 1.161,33; a retribuição mensal do Autor em 2003 era de € 1.196,00; a retribuição mensal do Autor em 2004 era de € 1.220,27; a retribuição mensal do Autor em 2005 era de € 1.265,33; a retribuição mensal do Autor em 2006 era de € 1.352,00; a retribuição mensal do Autor em 2007 era de € 1.4836,67; a retribuição mensal do Autor em 2008 era de € 1.525,33; a retribuição mensal do Autor em 2009 era de € 1.577,33; a retribuição mensal do Autor em 2010 era de € 1.594,67; a retribuição mensal do Autor em 2011 era de € 1.698,67; a retribuição mensal do Autor em 2012 era de € 1.698,67; a retribuição mensal do Autor em 2013 era de € 1.698,67 (artigo 40.º da petição inicial).
x) Durante o período de 2001 a 2014, embora o Autor recebesse um valor em função das horas de trabalho prestadas, na verdade o valor refletido no recibo de vencimento não correspondia ao efetivamente auferido (artigo 43.º da petição inicial).
y) Eram lançados valores aparentemente correspondentes a subsídios, prémios e/ou horas extras, quando, ao invés, tais valores correspondiam única e exclusivamente ao vencimento do Autor (artigo 44.º da petição inicial).
z) Esta prática foi usada com todos os trabalhadores que se encontravam na mesma situação que o Autor, a prestar serviços na refinaria D... (artigo 45.º da petição inicial).

Factos Não Provados.
Da audiência final não resultaram provados os seguintes factos:
1) Desde 2001 até 2013 o Autor gozou férias e recebeu os montantes correspondentes aos subsídios de férias e de Natal.

Convicção do Tribunal.
Para julgar os factos nos termos sobreditos o Tribunal procedeu à apreciação conjunta e crítica da prova produzida em sede de audiência final, nomeadamente, as declarações de parte prestadas pelo Autor; os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas e; os documentos que se encontram juntos aos autos.
Concretizando.
No que tange aos factos provados a), b) e c) o Tribunal estribou-se no documento que se encontra junto aos autos de fls. 11/verso a fls. 21 que consubstancia a certidão do assento de matrícula da 1.ª Ré.
No que se reporta aos factos provados d), e), f), g), h), i) e j), o Tribunal ancorou-se no documento que se encontra junto aos autos a fls. 22/23 que consubstancia o contrato de trabalho em causa.
Relativamente aos factos provados k), l), m) e n), o Tribunal estribou-se nos documentos juntos aos autos de fls. 166/verso a fls. 167/verso, através dos quais se extraem os factos ora em apreciação, desde o acordo/serviço junto aos autos a fls. 166/verso a vigorar entre 01/03/2010 a 28/02/2014; a declaração de adjudicação da D... para um novo período a iniciar-se em 1 de janeiro por mais 3 anos, com a cessação definitiva em 01/10/2019, conforme documento de fls. 167/verso, com negociações de 9 meses.
No que toca ao facto provado o) o Tribunal estribou-se no documento que se encontra junto aos autos a fls. 150 que consubstancia a declaração de cessação do contrato de trabalho a termo incerto com fundamento na caducidade.
Quanto ao facto provado r), o Tribunal estribou-se no documento junto aos autos a fls. 166 que consubstancia a declaração de cessação do contrato em 31 de maio de 1999.
Relativamente a este facto cumpre consignar que se encontra descrita a declaração assinada pelo Autor e cuja emissão lhe é imputada. A este propósito o Autor alega no artigo 27.º do articulado por si apresentado em Juízo em 01/06/2020 que as Rés lhe impunham que assinasse toda a documentação necessária designadamente o documento em apreço para justificar a transferência ilícita.
Esta alegação é genérica, referindo-se a Rés no plural, sem a especificação de qual Ré apresentou o documento ao Autor e em que circunstâncias, o que redunda numa alegação inconsequente.
No que se reporta aos factos provados p), q), s), t), u), w), x) y) e z) o Tribunal teve em consideração as declarações de parte prestadas pelo Autor que confirmou a celebração do contrato em maio de 2014, na qual assumiu a categoria de chefe de equipa para fazer a manutenção da refinaria e que o seu horário de trabalho era das 8h 30m às 17h 30m, mais explicou a retribuição fixada. Refere que começou a trabalhar para A..., S.A. em 1989 (contrato que não se encontra junto aos autos, mas que as partes aceitam a celebração do mesmo) sempre a prestar o trabalho na D.... Referiu que 99% do trabalho prestado foi na D... e 1% noutros sítios, como o caso da refinaria de .... Refere que desde 1989 até dezembro de 2019 exerceu as mesmas funções, no mesmo sítio, com as mesmas ferramentas por conta da A..., S.A., cujas ordens lhe eram dadas por engenheiros ao serviço da A..., S.A.. Refere que desde 2001 até 2013 não teve férias, nem lhe foram pagas.
As declarações de parte prestadas pelo Autor mereceram a credibilidade do Tribunal pois foram prestadas de forma franca e objetiva, acresce que se mostram corroboradas por documento e prova testemunhal como infra se verá.
O Tribunal também teve em consideração o depoimento prestado pela testemunha CC, que na qualidade de cônjuge de um colega de trabalho do Autor, esclareceu o Tribunal que o seu marido trabalhou para a A..., S.A. desde dezembro de 1999 a outubro de 2019 e trabalhou sempre na K.... Apenas foram duas vezes à refinaria de ..., de resto trabalharam sempre na K... em ... e o horário era das 8h 30m às 17h 30m, ou das 8h às 17h, contudo era sempre o mesmo horário. Refere que só ouvia falar do pessoal da A..., S.A. mas os recibos de vencimento eram emitidos pelas empresas de trabalho temporário. Refere que o seu marido trabalhava com tudo na refinaria com o pessoal da A..., S.A., apenas mudava era o recibo que vinha das diferentes empresas de trabalho temporário, o resto era tudo igual. Saía de uma empresa e entrava noutra. Os recibos não correspondiam ao montante a receber que se justificavam com prémios e ajudas de custo. Nunca foram pagos subsídios de férias, nem de alimentação.
O depoimento desta testemunha mereceu a credibilidade do Tribunal pois foi prestado de forma objetiva e franca.
O Tribunal também teve em consideração o depoimento prestado pela testemunha BB que na qualidade de serralheiro que já trabalhou para a 1.ª Ré, esclareceu o Tribunal que trabalhou para a A..., S.A. desde dezembro de 99 a outubro de 2019, sempre trabalhou na refinaria em ..., exceto as duas ou três vezes que foram a ... resolver um problema. Esclareceu que a refinaria para e tem 2 ou 3 meses para fazer a manutenção. Refere que o encarregado era da A..., S.A., as ferramentas que utilizam para trabalhar era da A..., S.A., tudo era da A..., S.A., só o cartão era da D.... Repete que era a A..., S.A. que tratava de tudo, quem falava com os trabalhadores, mas depois vinham as empresas de trabalho temporário com o contrato feito para assinarem. Era tudo tratado na refinaria, no escritório que a A..., S.A. tinha na refinaria. Refere que não sabiam o que assinavam e se não assinassem mandavam-nos embora, por isso para eles era uma coisa normal assinar aqueles papéis. Refere que nos recibos de vencimento o salário aparecia como férias e subsídio de natal, mas nunca teve folgas, nem férias. Se precisasse de féria ia duas semanas de férias mas não recebia.
O depoimento desta testemunha mereceu a credibilidade do Tribunal pois foi prestado de forma circunstanciada próprio de quem tem conhecimento dos factos por os presenciar e vivenciar.
O Tribunal também teve em consideração o depoimento da testemunha AA, que na qualidade de trabalhador da 1.ª Ré, esclareceu o Tribunal que foi trabalhar para a A..., S.A. em 1988, foi para lá trabalhar e depois de um ano ou quê iam para a siderurgia; o trabalho era prestado na refinaria e quem dava as ordens era o DD, era o chefe. Refere que o Autor foi para lá em 1989 e nunca saiu, trabalhou sempre na A..., S.A.. Esclareceu que a A..., S.A. perdeu o contrato com a D... em 2019. Refere que o Autor trabalhava para a A..., S.A., mas também refere as empresas de trabalho temporário, esclarecendo que era tudo tratado na refinaria e, mais esclareceu que o mapa das horas de trabalho era feito na refinaria.
Esta testemunha mereceu a credibilidade do Tribunal pelas mesmas razões que a anterior testemunha.
O Tribunal também teve em consideração o depoimento da testemunha EE, que na qualidade de colega de trabalho do Autor, esclareceu o Tribunal que trabalhou para a A..., S.A. desde 1991 até 2019. Na A..., S.A. era administrativo. Refere que a A..., S.A. tinha os supervisores na refinaria que eram quem diziam aos trabalhadores o que tinham de fazer. Refere que a A..., S.A. adotou este tipo de sistema de utilizar as empresas de trabalho temporário. Refere que as empresas de trabalho temporário levavam os papéis e eles assinavam e que os trabalhadores quando assinavam os contratos a consciência que tinham é que iam manter o posto de trabalho. Refere que os trabalhadores não tinham férias, nem subsídios, não tinham nada disto. Só recebiam as horas que trabalhavam. Refere que o Autor trabalhou 30 anos e que a testemunha foi colega do Autor durante 30 anos.
O depoimento desta testemunha mereceu a credibilidade do Tribunal pelas mesmas razões que a anteriores testemunhas.
O Tribunal também teve em consideração o depoimento da testemunha FF. Que na qualidade de colega de trabalho do Autor agora reformado, esclareceu o Tribunal que foi trabalhador da A..., S.A. e saiu reformado. Foi trabalhador da A..., S.A. durante 35 anos, começando quando a empresa se chamava G... e saiu a 31 de dezembro de 2019. Durante o tempo que trabalhou era na refinaria, era técnico de higiene e segurança. Refere que os encarregados na refinaria eram funcionários da A..., S.A., refere que nunca teve contrato de trabalho temporário, foi sempre efetivo da empresa. Refere que os colegas passavam de umas empresas para as outras, mas era tudo a mesma coisa, as mesmas ferramentas.
O depoimento desta testemunha mereceu a credibilidade do Tribunal pelas mesmas razões que a anteriores testemunhas.
O Tribunal também teve em consideração o depoimento prestado pela testemunha GG, que na qualidade funcionário da Ré, explicou os concursos que a D... lançava para adjudicar a prestação dos serviços na refinaria. Esta parte do depoimento da testemunha mereceu a credibilidade do Tribunal por se encontrar corroborado com a restante prova testemunhal e documental junta aos autos.
A parte do depoimento prestado quanto à celebração do contrato a termo incerto a vigorar desde 16 de maio de 2016 não mereceu a credibilidade do Tribunal, desde logo, por se tratar de uma versão que a testemunha não presenciou, acresce que esta versão confrontada com as regras da experiência comum e da normalidade padece de clara inverosimilhança afrontado o mais elementar senso comum.
A testemunha HH veio a Juízo declarar que se estivesse no lugar do Autor não teria celebrado o contrato de trabalho a termo incerto em maio de 2014 pois o Autor tinha de se considerar trabalhador da A..., S.A. e sem termo.
Relativamente a todos estes factos o Tribunal também teve em consideração os documentos que se encontram juntos aos autos de fls. 81 a fls. 101, de fls. 106 a fls. 138 e, de fls. 273 a fls. 311 que consubstanciam os recibos de vencimento do Autor, através dos quais se extrai a retribuição e os períodos de tempo em que recebeu o seu vencimento das empresas de trabalho temporário, conseguindo-se, pelo menos, delimitar o período das empresas de trabalho temporário já que os contratos de trabalho temporário não foram juntos aos autos.
No que tange ao facto não provado 1) para além das declarações de parte prestadas pelo Autor em Juízo e demais testemunhas ouvidas, tudo pessoas sérias e honestas que declararam que o Autor não gozou férias, aliás os temporários não gozavam férias e se as gozassem não recebiam, tal como decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 17/01/2020, com o n.º de processo 46/19.5T8CTB.C1, com o n.º convencional JTRC, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Felizardo Paiva, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jtrc que “Como se pode ver do extrato transcrito entendeu a 1.ª instância que competia ao autor fazer prova do não gozo de férias. Como o autor não logrou provar esse não gozo, julgou improcedente o respetivo pedido.
Não é este o nosso entendimento.
O autor provou, como lhe competia, os factos constitutivos do direito ao gozo de férias e à sua retribuição, quais sejam a existência e a execução de um contrato de trabalho que perdurou entre 27.09.2017 e 26.09.2018.
Cabia à Ré provar os factos extintivos do direito do autor: que este gozou as férias a que tinha direito e recebeu o respetivo pagamento, aliás conforme já decidido no AC. R. Évora de 09.06.2016, proc.º 377/13.8TTFAR.E1, onde se lê: “Em relação aos períodos de férias não gozadas, considerando que se mostra provada a existência do contrato de trabalho (como facto jurídico genético de direitos e obrigações para as partes) e, por via dele, o direito a férias da trabalhadora (cfr. artigos 237.º, 238.º, 240.º e 264.º, n.º 1, do CT/2009), à empregadora, como facto extintivo do direito daquela, competia provar que a Autora gozou as férias que alegou não ter gozado (artigo 342.º, n.º 2, e 769.º do Código Civil). Isto é, tendo a trabalhadora/recorrente alegado o não gozo de determinados dias de férias, sobre a empregadora/recorrida recaía o ónus de provar esse gozo de férias por parte daquela.
Ora, da matéria de facto não se extrai que a recorrida tenha feito essa prova, pelo que não poderá deixar de ser condenada no pagamento das férias em causa.
Assim, para apurar as férias em falta terá que se partir do direito da Autora a 22 dias anuais de férias e abater aqueles que a Autora alegou ter gozado”.
Deste modo, tendo o autor trabalhado durante um ano, não se provando que tenha gozado alguns dias de férias, tem direito, por inteiro, à retribuição correspondente a esse não gozo”.
A Ré não provou que o Autor tivesse gozado férias, ónus que lhe pertencia pois se não era entidade empregadora era certamente entidade utilizadora do trabalho temporário e, como tal, sabia se trabalhador temporário estava a prestar trabalho ou estava ausente.” (realce nosso)

2.1.1. Impugnação sobre a matéria de facto
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. A) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;».
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”.
Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora):
«Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).».
Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (Relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”».
Ainda com fundamentação da mesma Desembargadora Paula Leal de Carvalho (aqui 2ª Adjunta):
“Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que:
“Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e/ou dos articulados e não por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde.
E, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende.
[Cfr. Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorretamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”.].
Por outro lado, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada [ou a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos] de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o Recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2, e de 19.12.2018, Proc. 271/14.5TTMTS.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt, constando do sumário deste último o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.
Assim também os Acórdãos do STJ de 21.09.2022, Proc. 1996/18.1T8LRA.C1.S1, constando do respetivo sumário: “I- A impugnação da matéria de facto “em bloco” viola o disposto no artigo 640.º do CPC, mormente quando não está em causa um pequeno número de factos ligados entre si e um número reduzido de meios de prova (por exemplo, o mesmo depoimento), mas um amplíssimo conjunto de factos (ou, melhor, dois amplos blocos de factos) e numerosos meios de prova” e de 12.10.2022. Proc. 14565/18.7T8PRT.P1.S1, constando do respetivo sumário: “I – Para poder validamente impugnar a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus imposto pelo art.º 640º do CPC. II – Em princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. III - E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto.”, ambos in www.dgsi.pt].]
Quanto à fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.”, (realce e sublinhado nossos).
Vejamos:
É este o teor da alínea r) dos factos provados:
r) No documento datado de 31 de maio de 1999 dirigido à “G... S.A.” denominado “Rescisão de contrato de trabalho”, assinado pelo Autor, constam os seguintes dizeres “Exmos. Senhores, Venho por este meio solicitar a rescisão do meu contrato de trabalho assinado em 01 de Fevereiro de 1989, a partir do dia 31 de Maio de 1999. Esta minha decisão fica a dever-se ao facto de ter encontrado condições mais favoráveis noutro local. Agradeço ainda a dispensa da indemnização por falta de aviso prévio dado ter tido sempre um comportamento pessoal e profissional exemplar” (artigo 2.º da contestação).
Foi esta a motivação do Mm.º Juiz a quo quanto a tal matéria:
“Quanto ao facto provado r), o Tribunal estribou-se no documento junto aos autos a fls. 166 que consubstancia a declaração de cessação do contrato em 31 de maio de 1999.
Relativamente a este facto cumpre consignar que se encontra descrita a declaração assinada pelo Autor e cuja emissão lhe é imputada. A este propósito o Autor alega no artigo 27.º do articulado por si apresentado em Juízo em 01/06/2020 que as Rés lhe impunham que assinasse toda a documentação necessária designadamente o documento em apreço para justificar a transferência ilícita.
Esta alegação é genérica, referindo-se a Rés no plural, sem a especificação de qual Ré apresentou o documento ao Autor e em que circunstâncias, o que redunda numa alegação inconsequente.”, (sublinhado nosso)
Conclui, nesta sede, em suma, o Autor/apelante que a par da factualidade dada como provada na alínea r), deveria o Tribunal a quo ter dado como provados, para serem lidos e analisados conjuntamente com aquele, os seguintes factos:
- “As Rés impunham ao Autor, ao longo de todos estes anos, que assinasse toda a documentação necessária, designadamente a carta referida em r) dos factos dados como provados, para justificar a transferência de umas empresas para as outras, cujo conteúdo não correspondia à realidade
Indica o alegado nos artigos 27º e 28º da resposta.
- “A declaração corporizada no documento identificado em r) dos factos dados como provados é falsa, pois que o Autor não teve qualquer intenção de se despedir.”
Quanto a esta matéria, não indica o articulado e do teor da resposta resulta que a mesma não foi alegada.
Conclui por seu turno, em suma, a 1ª Ré:
- Face ao alegado pelo recorrente em resposta à exceção alegada pela recorrida, parece que se verificaria erro na formação da vontade do recorrente qualificado por dolo nos termos do artigo 254º do Código Civil, embora se reconheça a insipiência dos factos alegados.
- Os factos alegados não chegam sequer para enquadrar o vício da vontade no âmbito da coação moral (meramente, na melhor das hipóteses, implícita), que de todo o modo nos termos do artigo 256º do Código Civil importaria a anulabilidade da declaração.
Cumpre decidir.
Começamos por salientar ter resultado assente, tão só, os dizeres que constam no documento, assinado pelo Autor, datado de 31 de maio de 1999, dirigido à “G... S.A.” denominado “Rescisão de contrato de trabalho”.
Ora, a matéria que o Apelante pretende seja aditada é manifestamente conclusiva.
Com efeito, importava que tivessem sido alegadas as circunstâncias em que a documentação em causa foi assinada, nomeadamente, quem a redigiu, a apresentou, como chegou a mesma às mãos do Autor e posteriormente à “G... S.A.”, o que foi transmitido pelo Autor a seu respeito e o que lhe foi dito.
Isto sem prejuízo do que em sede de direito se venha a aferir da realidade retratada nos factos provados, efetuando-se nessa sede a apreciação, um juízo jurídico, do procedimento das partes envolvidas nessa mesma realidade.
Se o mesmo documento não corresponde à realidade, esse juízo valorativo, apenas em sede de fundamentação de direito, pode ser aferido da factualidade provada.
Tratando-se de matéria conclusiva, a mesma não deve ser incluída na decisão de facto.
Conforme vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.
Daí que só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova.
Lê-se no acórdão do STJ de 12.03.2014 (Processo nº 590/12.5TTLRA.C1.S1) que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”.
Ainda a propósito desta questão da delimitação entre factos, juízos de valor sobre factos, e valorações jurídicas de factos, lê-se no acórdão do STJ de 28.01.2016 (Proc. Nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1), “Conforme se considerou no acórdão desta Secção de 24 de novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2, «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”» e «atento a que só os factos podem ser objeto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, “não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» - acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.”»”.
Mais se lendo: “Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado, (…)”.
Concluindo: “Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”.
Resulta do que se deixa referido que o tribunal ad quem não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum.
Improcede a pretensão do Autor.

2.2. Fundamentação de direito:
2.2.1. Nulidade da sentença.
A) Começa o Apelante por arguir a nulidade por excesso de pronúncia, nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, d), in fine do CPC concluindo para tal, em suma:
EXCESSO DE PRONÚNCIA
- Da sentença recorrida resulta que o Tribunal a quo concluiu pela conversão dos CTT’s celebrados entre o Autor e as empresas de trabalho temporário, em contrato de trabalho por tempo indeterminado, por inobservância de forma escrita.
- Tendo consignado – sem qualquer alegação pelas partes nesse sentido, e sem justificação com base em qualquer meio probatório – que inexistia qualquer documento nos autos que titulasse a celebração dos contratos de trabalho temporário.
- Atendendo ao princípio do dispositivo – artigo 5º do CPC –, não se vislumbrando qualquer enquadramento fáctico que pudesse remeter para a questão da formalidade ad substantiam em apreço, então, não assistem poderes de cognição ao Tribunal a quo para dela conhecer e, nessa medida, se pronunciar a respeito.
- Está o Tribunal impedido de tirar consequências de um facto – não redução a escrito – nunca invocado e que não foi levado à matéria dos factos dados como assentes.
A este respeito, concluiu, em suma, a 1ª Ré:
- O recorrente aduz como causa de pedir, terem sido celebrados entre a Ré A..., S.A. e as restantes Rés vários CCT´S, em resultado dos sucessivos contratos celebrados de CTT´s, porque o limite máximo de duração do trabalho temporário estará ultrapassado, é seu entendimento que os mesmos serão nulos e como tal existirá uma relação iniciada em 1999 entre o impetrante e a A..., S.A..
- Aos CTT´s aplicam-se-lhes a regulamentação prevista no Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de outubro, alterado pelas Leis n.ºs 39/96, de 31 de agosto e 146/99 de 1 de setembro, pelo que, teriam de ser celebrados por escrito, constituindo essa realidade uma formalidade ad substantiam.
- Inexiste qualquer documento nos autos que titule a celebração dos CTT´s.
- A existência da nulidade dos CTT´s opera ipso jure e deverá ser conhecida oficiosamente, devendo ser declarada pelo tribunal, como emerge do artigo 286º do Código Civil.
- Logo, a nulidade dos CTT´s celebrados entre o recorrente e as empresas de trabalho temporário, entre as quais, a Ré (C...), implica a «conversão» da situação de prestação de trabalho temporário em contrato de trabalho por tempo indeterminado em que a entidade empregadora é a empresa utilizadora, entenda-se a ora Ré C....
No despacho proferido aquando da admissão do recurso, o Mm.º Juiz, pronunciou-se nestes termos:
“Nos termos e para os efeitos do artigo 617.º, n.º 1 e n.º 5 do Código de Processo Civil ex vi artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, decide este Tribunal de 1.ª instância que não se verifica a nulidade da sentença com fundamento em excesso de pronúncia porquanto o Autor no articulado datado de 01/06/2020, deduziu ampliação do pedido “Ser decretada a nulidade dos CTT`s e dos CUTT`s celebrados”.
Esse articulado apenas fundamenta o pedido de nulidade dos CUTT`s, nada alega/fundamenta quanto aos CTT`s.
O Tribunal de 1.ª instância não admitiu a ampliação do pedido (todos eles), tendo sido objeto de recurso esta decisão foi alterada pelo Tribunal Superior que manteve a recusa da ampliação do pedido quanto à nulidade dos CUTT`s, apenas permitindo a ampliação do pedido quanto à nulidade dos CTT`s
E, como o Autor nada fundamentou para pedir a nulidade dos CTT`s no articulado de pedido de ampliação do pedido, teremos de nos cingir à petição inicial, desde logo, temos o artigo 32.º “se considerarmos válidos os contratos de trabalho temporário celebrados, sempre haveria extravasado em larga medida dois anos”, no artigo 41.º da petição inicial, o Autor repete “Se considerarmos válidos os contratos de trabalho temporários celebrados, mas extravasado”.
O que significa que o Autor pediu a apreciação da validade do contato com fundamento diverso do “sempre haveria extravasado em larga medida dois anos” e, nada mais é alegado.
Seguidamente desde o artigo 51.º ao artigo 54.º da petição inicial em sede de alegações de direito, o Autor invoca normas referentes aos CUTT`s e refere que se mostra extravasado o prazo de duração legalmente permitido pera os CUTT`s, todavia, não foi admitido pelo Tribunal Superior a ampliação do pedido no que toca à decretação da nulidade dos CUTT`s e, por isso, considera este Tribunal de 1.ª instância que lhe está vedada a apreciação deste pedido.
No mais, apreciou o pedido cuja ampliação foi admitida pelo Tribunal Superior e que o Autor fundamentou da forma supra exposta, “se consideramos válidos os contratos de trabalho temporários” que não consideramos porque desde logo, nos falta o documento que obrigatoriamente corporizaria o contrato com todas as menções legalmente exigidas.
Vejamos:
O artigo 615º, nº1, al. d), do Código de Processo Civil, prevê a nulidade caso “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”.
Temos como pertinente a fundamentação do Acórdão desta secção de 15.11.2021, proferido no processo 1225/19.OT8PNF.P1 (Relator Conselheiro Domingos Morais, com intervenção da aqui 2ª Adjunta, in www.dgsi.pt): “a nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º está diretamente relacionada com o estabelecido no segundo segmento do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual “O juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.
Esta norma sempre suscitou o problema de saber qual o sentido exato da expressão “questões” nela empregue. E tem sido resolvido com base no ensinamento do Professor Alberto dos Reis, Cód. Proc. Civil, Anotado, V, pág. 54, que escreve: “… assim como uma ação só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objeto e causa de pedir) (…), também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objeto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.
No âmbito deste raciocínio, a doutrina e a jurisprudência distinguem, por um lado, “questões”, e, por outro, “razões” ou “argumentos”, e concluem que só a falta de apreciação ou a ocupação das primeiras – das “questões” – integram a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera discussão das “razões” ou “argumentos” aduzidos pelo juiz para se pronunciar sobre as questões suscitadas.
[cfr., entre outros, Alberto dos Reis, ob. e vol. cits, pág. 143; Acs. STJ, de 02.07.1974, de 06.01.1977, de 05.06.1985 e de 24.02.1999, este último publicado no BMJ, 484.º-371, bem como os acórdãos do TRP, de 24.09.2020, proferidos nos processos n.º 18604/18.3T8PRT.P1 e n.º 256/19.5T8VFR.P1].
Sobre tal normativo, José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil, Anotado, escreve que “o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado.
Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções na exclusiva disponibilidade das partes, é nula a sentença em que o faça.
É também nula a sentença que, violando o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância, não observe os limites impostos pelo artigo 609.º-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido.”.
Por sua vez, no acórdão do STJ de 23.04.2008, proc. 07S3905, in www.djsi.pt., pode ler-se:
“Sobre o problema dos limites da condenação, em processo laboral, teve este Supremo Tribunal ensejo de se pronunciar, no Acórdão de 6 de Fevereiro de 2008 (em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200802060028984), onde se pode ler: [...]
A causa de pedir é, no dizer do Professor Manuel R. Domingues de Andrade, “o ato ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer (art. 498.º, n.º 4)” (*). Ao invocar determinado direito, ao autor compete especificar a respetiva causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, os factos donde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação lógico-jurídica, o pedido deduzido.
Ensina aquele Professor que, segundo a nossa lei, independentemente, da natureza do direito deduzido em juízo, “tem de declarar-se qual o ato ou facto jurídico donde provenha, e a sentença apenas tomará em conta tal ato ou facto”, o que significa que “vale entre nós a chamada teoria da substanciação, que exige sempre a indicação do título (ato ou facto jurídico) em que se funda o direito afirmado pelo Autor”, e conclui que “o objeto da ação – e com ele o objeto da decisão e a extensão objetiva da autoridade do caso julgado que lhe corresponde – se identifica através do pedido e da causa de pedir (arts. 497.º e 498.º)” (*).
A causa de pedir exerce uma função individualizadora do objeto do processo, conformando-o. Por isso, o tribunal tem de a considerar ao apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença – artigos 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Por isso, também, a sentença de mérito que vem a ser proferida só vincula no âmbito objetivamente definido pelo pedido e pela causa de pedir (artigo 498.º, n.º 1, do CPC).
Mesmo a regra emergente do disposto no artigo 664.º do CPC, segundo o qual “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º” tem como pressuposto que tal livre atuação do julgador se encontra balizada pela causa de pedir enunciada na petição inicial (*).
É certo que, no âmbito do processo laboral, são reconhecidos ao juiz especiais poderes inquisitórios atribuindo-lhe a lei o poder-dever de diligenciar pelo apuramento da verdade material, relegando para um plano mais secundário a denominada “justiça formal”, atenta a natureza dos interesses conflituantes.
Mas, mesmo neste domínio, a enunciação da causa de pedir continua submetida a um rigoroso princípio dispositivo, constituindo terreno reservado à parte que recorre ao tribunal e formula a sua pretensão de tutela jurisdicional.
É ao autor que cabe delinear a causa de pedir da sua pretensão. Assim, os poderes inquisitórios emergentes do artigo 72.º do CPT – que incluem os emergentes da regra geral do artigo 264.º do CPC e permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados –, estão sujeitos a limitações, sendo uma delas, precisamente, a de que tais factos só poderão fundar a decisão se não implicarem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais (*).
Como se referiu no Acórdão de 7 de Maio de 2003 (*), em processo laboral o juiz pode ampliar a base instrutória, aditando-lhe quesitos com matéria não alegada ou, não havendo base instrutória, levar em consideração factos não articulados pelas partes; mas tal só pode ocorrer se esses factos surgirem no decurso da produção de prova, se não alterarem a causa de pedir, se sobre eles tiver incidido discussão e se os mesmos se afigurarem relevantes para a boa decisão da causa.
Igualmente o uso do poder de condenação extra vel ultra petitum, consagrado no artigo 74.º do CPT, que constitui uma das mais significativas limitações ao princípio do dispositivo, ao impor ao juiz o dever de condenar para além ou em objeto diferente do pedido, quando isso resulte de aplicação, à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se, de preceitos inderrogáveis, como decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade de determinados direitos subjetivos do trabalhador, está limitado pela causa de pedir.
O legislador estabeleceu aqui uma verdadeira especialidade face ao processo civil comum [no âmbito do qual a sentença não pode condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que se pedir, sendo nula se o fizer – artigo 661.º, n.º 1 e 668, n.º 1, alínea e), ambos do CPC] ao impor ao juiz a obrigação de definir o direito material fora ou para além dos limites constantes do pedido formulado, mas não estabeleceu igual especialidade no que diz respeito à causa de pedir.
O juiz laboral pode condenar ultra petitum, mas, sempre, no âmbito da causa de pedir delineada pelo autor. É esta que traça os limites da atividade cognitiva do tribunal, funcionando aqui em pleno o princípio do dispositivo.
Apenas podem, eventualmente, ser considerados na ação laboral factos que extrapolam a causa de pedir enunciada na petição inicial se, no momento próprio (cfr. os artigos 60.º, n.º 2 e 28.º do CPT), o autor cumular uma nova causa de pedir, provocando uma decisão do juiz a admiti-la e cumprindo-se o contraditório.”.” (sublinhado nosso)
Em concreto, desde logo importa dizer que se trata de questões distintas:
- Uma a apreciação da validade dos contratos de trabalho temporário (CTT’s);
- Outra se consta da matéria de facto provada a forma dada à celebração dos mesmos contratos (CTT’s), e se assim não sucedendo, tal pode ser considerado em sede de subsunção dos factos ao direito.
Ainda que em momento algum, o Autor e as Rés tenham alegado que os contratos não foram redigidos a escrito, não se nos suscitam dúvidas de que foi questionada pelo Autor a validade dos contratos de trabalho temporário, ainda que por um fundamento diferente.
Por ser apreciada a validade dos contratos de trabalho temporário, não ocorre a nulidade invocada, já que como justificado pelo Mm. º Juiz a quo, o Autor no articulado datado de 01/06/2020, deduziu ampliação do pedido para “Ser decretada a nulidade dos CTT`s e dos CUTT`s celebrados”.
Em sede de motivação da decisão de facto, a Mm.ª Juiz refere que “os contrato de trabalho temporário não foram juntos aos autos”.
Consignou, ainda assim e a este respeito, o que foi referido nos depoimentos de testemunhas que valorou como credíveis, de que destacamos:
“O Tribunal também teve em consideração o depoimento prestado pela testemunha BB (…) Repete que era a A..., S.A. que tratava de tudo, quem falava com os trabalhadores, mas depois vinham as empresas de trabalho temporário com o contrato feito para assinarem. Era tudo tratado na refinaria, no escritório que a A..., S.A. tinha na refinaria. Refere que não sabiam o que assinavam e se não assinassem mandavam-nos embora, por isso para eles era uma coisa normal assinar aqueles papéis.
(…)
O depoimento desta testemunha mereceu a credibilidade do Tribunal pois foi prestado de forma circunstanciada próprio de quem tem conhecimento dos factos por os presenciar e vivenciar.”
“O Tribunal também teve em consideração o depoimento da testemunha - testemunha EE (…) Refere que as empresas de trabalho temporário levavam os papéis e eles assinavam e que os trabalhadores quando assinavam os contratos a consciência que tinham é que iam manter o posto de trabalho.
(…)
O depoimento desta testemunha mereceu a credibilidade do Tribunal pelas mesmas razões que a anteriores testemunhas.”
Uma coisa é os CTT’s não terem sido juntos aos autos, outra não terem sido celebrados por escrito.
Nada resulta da matéria de facto provada e da matéria de facto não provada sobre a forma observada nos CTT’s.
Assim, tendo o Tribunal a quo se pronunciado, afirmando a inobservância de forma escrita nos CTT’s – o que aliás temos como contraditório com a motivação da decisão de facto, no que da mesma se deixou transcrito, já que nos depoimentos das testemunhas estas afirmam a respetiva subscrição - afigura-se-nos na verdade que foi considerado um pressuposto que não resultada da factualidade provada, o que importa erro de julgamento, tal como em sede de fundamentação de direito, melhor se explicitará.

B) O Apelante veio ainda arguir a nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do vertido no artigo 615º, nº 1, d), 1ª parte do CPC, sobre a duração máxima dos CUTT’S, proibição prevista nos artigos 178º, nº 2 e 179º, nº 1 do Código do Trabalho.
Aduzindo para tal:
- alegou, na esteira do plasmado no artigo 178º, nº 2 do CT, que a duração dos CUTT’s nunca poderia exceder o limite de 2 anos (artigo 32.º da PI)
- invocou a proibição de contratos sucessivos contemplada no artigo 179º, nº 1 do CT, (artigo 52º da PI), que se aplica quer aos CTT’s ininterruptos e consecutivos, celebrados entre 1999 e 2014, quer ao contrato a termo incerto celebrado em maio de 2014 e cessado em 2019. (artigos 54º e 55º da PI).
Mais aduziu:
- Na PI alegou que o motivo invocado “apenas serviu para iludir as disposições que regulam o contrato sem termo” (artigos 48,º e 49.º da PI) sendo falso o motivo justificativo.
- Alegou e logrou provar que se manteve ao serviço da mesma entidade – a 1ª Ré –, executando as mesmas tarefas/funções (serralheiro-tubista), no mesmo posto e local de trabalho (refinaria D...), no mesmo horário de trabalho (08:30 às 17:30), e com as mesmas ferramentas de trabalho, e sempre tendo em vista as necessidades daquela, desde 1989 (artigos 16º a 19º, 24º e 25º da PI).
- Não se vislumbra como poderá verificar-se e justificar-se uma necessidade temporária da empresa que motive a admissibilidade da celebração deste contrato, em 2014 (artigo 29º da PI)
- Por referência ao previsto no artigo 147º, nº 1, a) do CT, peticionou a conversão dos contratos celebrados, para um contrato por tempo indeterminado (artigo 31.º da PI) e o Tribunal a quo inibiu-se de sobre ela se pronunciar, o que consubstancia uma completa omissão de pronúncia e, nessa medida, fere de nulidade a sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do vertido no art.º 615.º, n.º 1, d), 1.ª parte de CPC.
A este respeito, concluiu, em suma, a 1ª Ré:
- Constitui entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a noção de “questões” em torno das quais gravita a referida infração processual se reporta aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas exceções e, também, aos pedidos formulados.
- Para que o tribunal estivesse em condições para se pronunciar sobre a sucessão de contratos teriam que os mesmos constar dos autos.
- É impossível ao tribunal aferir sobre se a duração máxima dos CTT´s encontra-se ultrapassada, já que, nos termos do nº 1 do 364º do Código Civil, existindo uma formalidade ad substantiam, não implica a nulidade do contrato, mas sim, a conversão do mesmo passando o recorrente a ser trabalhador por tempo indeterminado para as empresas de trabalho temporário.
- A sentença recorrida pronuncia-se sobre o pedido formulado pelo recorrente indeferindo o mesmo.
No despacho proferido aquando da admissão do recurso, o Mm.º Juiz a quo, pronunciou-se nestes termos:
“O Autor invocou os artigos 178.º, n.º 2 e 179.º do Código do Trabalho, que para além da questão da aplicação da lei no tempo referida na sentença recorrida, se trata de vícios relativamente aos CUTT`s que o Tribunal Superior não permite que se aprecie atenta a ausência de pedido na petição inicial e pela rejeição da ampliação do pedido.
Neste caso se este tribunal de 1.ª instância apreciasse a nulidade dos CUTT`s, restaria a desobedecer ao Douto Acórdão proferido em 19/04/2021, o que se mostra proibido e, pelo contrário, importa cumprir as decisões dos Tribunais Superiores tal como imposto no artigo 152.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
É que Autor o invoca o regime estatuído no artigo 179.º, n.º 1 do que se reporta ao contrato de utilização de trabalho temporário como se se reportasse ao contrato de trabalho temporário.
Acresce que de acordo com a apreciação sequencial das questões e respeitas consequências, o Tribunal pronunciou-se quanto aos contratos de trabalho temporário ininterruptos e consecutivos que era a do Autor se considerar trabalhador das empresas de trabalho temporário por contrato sem termo. Questão diversa é a do Autor não concordar com o regime aplicada que não redunda em nulidade.
Quanto à última nulidade invocada de ausência de pronúncia relativamente à conversão dos contratos celebrados com a Ré em 2014 mais uma vez a questão foi apreciada, todavia, o Autor legitimamente não concorda com a apreciação da questão, razão pela qual interpõe recurso da sentença.”
Vejamos:
O conhecimento da nulidade dos Contratos de Utilização de Trabalho Temporário -CUTT`s-, não era permitido face ao decidido no Acórdão proferido em 19/04/2021, nos autos apensos.
O Tribunal a quo começou por decidir que o contrato de trabalho por tempo indeterminado, celebrado no ano de 1989 cessou no dia 31/05/1999 por iniciativa do Autor, através de declaração negocial emitida no dia 31 de maio de 1999.
Sequencialmente, o Tribunal pronunciou-se quanto aos contratos de trabalho temporário ininterruptos e consecutivos. Em síntese conclusiva decidiu:
“(…) do período de 01/06/1999 a maio de 2014:
- neste período o Autor celebrou vários contratos de trabalho temporário com diversas empresas de trabalho temporário;
- atenta a inexistência de documento escrito, os contratos de trabalho temporário celebrados sucessivamente com as diversas empresas de trabalho temporário padecem de invalidade por inobservância da forma legal;
- invalidade esta que não conduz à nulidade dos contratos, mas à conversão do contrato de trabalho temporário em contrato sem termo em que o Autor fica vinculado às empresas de trabalho temporário sucessivamente;
- consequência jurídica irrelevante, atento o pedido e a pretensão formuladas pelo Autor – estar vinculado à 1.ª Ré por meio de contrato de trabalho sem termo.”
Por outro lado, foi apreciada a validade do “Do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré a termo incerto com início no dia 16 de maio de 2014 e cessação no dia 06/12/2019”, ou seja, como bem justificado pela Mm.ª Juiz a quo, foi apreciada a conversão do contrato celebrado com a Ré em 2014.
Concluímos assim que não enferma a sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia, a que alude o artigo 615º, nº 1, d), 1ª parte do CPC, isto independentemente do eventual erro de julgamento, que não cabe no conteúdo desta norma.

2.2.2. Entende o Autor ser trabalhador da 1ª Ré, por tempo indeterminado, desde 1989.
Sem mais, refere-se que importa atender aquela que foi a realidade demonstrada nos autos, independentemente da nomenclatura dada aos contratos celebrados.
Começou por ser decidido na sentença recorrida:
“- as partes celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado no ano de 1989;
- este contrato cessou no dia 31/05/1999 por iniciativa do Autor, através de declaração negocial emitida no dia 31 de maio de 1999;
- declaração negocial esta corporizada num documento aceite pelo Autor, incluindo a assinatura por si aposta;
- não tendo sido impugnada a declaração negocial com base na falta de vontade ou nos vícios da vontade capazes de a invalidarem;
- pelo que, temos uma declaração válida e eficaz de cessação do contrato de trabalho e; - como tal, o contrato de trabalho celebrado em 1989 cessou os seus efeitos no dia 31 de maio de 1999.”
Conclui o Apelante, num primeiro segmento, não ter ocorrido qualquer cessação do contrato de trabalho a declaração corporizada em r) dos factos assentes é falsa.
Importa atender aquela que foi a factualidade provada, isto é, e como se adiantou, aquela que foi a realidade demonstrada nos autos:
- No documento datado de 31 de maio de 1999 dirigido à “G... S.A.” denominado “Rescisão de contrato de trabalho”, assinado pelo Autor, constam os seguintes dizeresExmos. Senhores, Venho por este meio solicitar a rescisão do meu contrato de trabalho assinado em 01 de Fevereiro de 1989, a partir do dia 31 de Maio de 1999. Esta minha decisão fica a dever-se ao facto de ter encontrado condições mais favoráveis noutro local. Agradeço ainda a dispensa da indemnização por falta de aviso prévio dado ter tido sempre um comportamento pessoal e profissional exemplar” (alínea r) dos factos provados)
- de junho de 1999 até maio de 2014, manteve-se inalterado o contexto em que o trabalho era prestado;
- nesse período - de junho de 1999 até maio de 2014 - o Autor foi parte de um conjunto de contratos de trabalho temporário sucessivos e consecutivos, tendo sido contratado por diversas entidades:
▪ De 01/06/1999 a 06/2000 - C... – Empresa de Trabalho Temporário, S.A, NIPC ... (3.ª Ré)
▪ De 01/07/2000 a 09/2000 - I... Lda., NIPC ... cuja matricula se encontra cancelada.
▪ De 10/2000 a 09/2001 - C... – Empresa de Trabalho Temporário, S.A, NIPC ... cuja matricula se encontra cancelada.
▪ De 10/2001 a 03/2002 – I... Lda., NIPC ..., ▪ De 04/2002 a 01/2005 - C... – Empresa de Trabalho Temporário, S.A, NIPC ...,
▪ De 01/2005 a 11/2009 – J... - Trabalho Temporário, Lda., NIPC ... cuja matricula se encontra cancelada
▪ De 12/2009 a 01/2013 – Tonus -Trabalho Temporário, Lda., NIPC ... cuja matricula se encontra cancelada
▪ De 02/2013 a 05/2014 – B... - Empresa De Trabalho Temporário, Lda., NIPC ... (2.ª Ré ) (alínea s) dos factos provados)
- A empresa utilizadora, a 1.ª Ré, manteve-se inalterada desde a primeira contratação (alínea t) dos factos provados)
- Durante todos estes anos – de 1989 a 2014 – o Autor executou exatamente as mesmas tarefas/funções (serralheiro-Tubista), no mesmo posto e local de trabalho (refinaria D...), no mesmo horário de trabalho (8:30 as 17:30), com as mesmas ferramentas de trabalho (alínea u) dos factos provados)
- E sempre tendo em vista as necessidades da mesma entidade, a 1.ª Ré (alínea v) dos factos provados)
O que aferimos desta matéria é que independentemente do documento datado de 31 de maio de 1999 que o Autor assinou – em circunstâncias que não foram objeto da decisão de facto, ainda que relatadas pelas testemunhas, credíveis, segundo a convicção da Mm.ª Juiz a quo - desde 1989 até maio de 2014, a situação laboral do Autor se manteve (o que entendemos bastante para a decisão a proferir, não sendo necessário ampliar a matéria de facto).
Consideramos como enquadramento legal:
Sob a epígrafe «Forma e conteúdo de contrato de trabalho temporário», dispõe o artigo 181º do Código do Trabalho:
«1 - O contrato de trabalho temporário está sujeito a forma escrita (…) e deve conter:
(…)
b) Motivo que justifica a celebração do contrato, com menção concreta dos factos que o integram, tendo por base o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador indicado no contrato de utilização de trabalho temporário, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
(…)
h) Data da celebração.
2 - Na falta de documento escrito ou em caso de omissão ou insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º
(…)».
O regime do contrato do trabalho temporário, no que se reporta aos seus aspetos fundamentais, encontra-se regulamentado nos artigos 172º e seguintes do Código do Trabalho.
Nos termos do disposto no artigo 172º do Código do Trabalho, considera-se:
«a) Contrato de trabalho temporário o contrato de trabalho a termo celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar a sua atividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário;
b) Contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua atividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário;
c) Contrato de utilização de trabalho temporário o contrato de prestação de serviço a termo resolutivo entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder àquele um ou mais trabalhadores temporários», (realce e sublinhado nossos).
O contrato de trabalho temporário é o que é celebrado a termo entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar a sua atividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário.
Por sua vez, os utilizadores celebram com a empresa de trabalho temporário contratos de utilização de trabalho temporário, consistindo estes últimos contratos de prestação de serviços pelos quais aquela se obriga, mediante retribuição, a colocar à disposição daqueles um ou mais trabalhadores temporários.
Estamos, pois, perante verdadeiras relações laborais «triangulares» em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário - que contrata, remunera e exerce poder disciplinar- e o utilizador -que recebe nas suas instalações um trabalhador que não integra os seus quadros e exerce, em relação a ele, por delegação da empresa de trabalho temporário, os poderes de autoridade e de direção próprios da entidade empregadora.
Neste sentido, lê-se no Acórdão do STJ de 28.05.2014, in www.dgsi.pt, «O regime do trabalho temporário caracteriza-se pelo desdobramento do estatuto da entidade empregadora entre a empresa de trabalho temporário e o utilizador, mantendo o trabalhador um vínculo com a empresa de trabalho temporário, mas ficando a prestação de trabalho sujeita ao poder de direção do utilizador, ou seja, do destinatário da prestação de trabalho. », (sublinhado nosso).
Lê-se ainda no Acórdão do STJ de 04.05.2011, in www.dgsi.pt, «O contrato de trabalho temporário (também denominado de locação de mão de obra) traduz-se na cedência de uma empresa a outra, a título oneroso e por tempo limitado, da disponibilidade da força de trabalho de um ou mais trabalhadores, sendo remunerados pela empresa cedente, mas integrando-se na empresa utilizadora a cujas ordens e disciplina ficam sujeitos.», (sublinhado nosso).
Como escreve Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, 1991, página 602, (também citado naquele último acórdão do STJ, «(…), o trabalho temporário tem a particularidade de ser um contrato de trabalho triangular em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora, empresa esta que exerce em relação aos trabalhadores temporários e dentro de certos limites, os poderes de autoridade e de direção, próprios da entidade empregadora, em relação àqueles trabalhadores.», (sublinhado nosso).
Esta figura contratual constitui um instrumento de gestão empresarial para a satisfação de necessidades de mão-de-obra pontuais, imprevistas ou de curta duração.
Ainda assim, lê-se no citado Acórdão do STJ de 28.05.2014, «A natureza precária da relação de trabalho temporário e a necessidade de compatibilizar essa precaridade com a salvaguarda do direito à estabilidade no emprego está presente nos traços fundamentais do regime desta forma de prestação de trabalho e enforma todo o regime consagrado», (sublinhado nosso).
Lê-se igualmente no Acórdão do STJ de 13.01.2016, in www.dgsi.pt, que «Esta muito específica tipologia contratual, que tem conhecido uma forte expensão no nosso país, não somente pelas restrições que juridicamente vigoram no nosso país no que concerne ao recurso ao contrato de trabalho a termo, como ainda porque constitui uma muito mais maleável ferramenta de gestão interna na organização e funcionamento do nosso tecido empresarial, está sujeita, contudo, a regras apertadas quanto à sua forma e substância, de maneira a não se disseminar de forma incontrolada e em violação , designadamente, dos princípios e normas de cariz constitucional, na área do direito do trabalho.
Nessa medida, não apenas as empresas que pretendam se dedicar à atividade de fornecimento de trabalho temporário tem que se mostrar devidamente constituídas e licenciadas como os contratos de utilização da força de trabalho temporário e do seu recrutamento para esse efeito só podem ser firmados por escrito, dentro de determinadas condições formais e materiais e com prazos limite de duração, em função do tipo negocial acordado e dos fundamentos invocados para o recurso ao dito trabalho temporário, derivando o legislador laboral sanções jurídicas diversas para a violação de tais imposições e restrições legais.», (sublinhado nosso).
Do que acabamos de expor resulta de forma clara que o contrato de trabalho temporário constitui um contrato especial que se encontra tipificado e regulado na lei, não implicando a existência de qualquer vínculo contratual direto entre a empresa utilizadora e o trabalhador.
Ao invés, assenta em dois contratos interligados, mas perfeitamente autónomos e distintos: o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a empresa de trabalho temporário e o utilizador e o contrato de trabalho temporário entre a empresa de trabalho temporário e o trabalhador que verte uma verdadeira relação contratual laboral.
Ambos os referidos contratos, para serem válidos, devem não só ser celebrados para prover apenas a qualquer das situações taxativamente previstas na lei (comuns a ambos os contratos como resulta dos artigos 175º e 180º nº 1, ambos do Código do Trabalho) como obedecer a um determinado formalismo e conter diversas menções, especificadas na lei (artigos 177º e 181º do Código do Trabalho), e ainda conter uma duração que não pode exceder limites máximos igualmente estabelecidos na lei de forma imperativa (artigos 175º, nº3, 178º, nº 2 do Código do Trabalho).
Neste sentido também o supracitado Acórdão do STJ de 28.05.2014.
Refere Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 1996, páginas 275-276, a propósito da situação juslaboral do trabalhador temporário «O princípio geral nesta matéria é o da integração do trabalhador na empresa utilizadora, pelo tempo que durar a sua permanência nessa empresa. (…).
Não obstante esta integração, continuam a caber à empresa de trabalho temporário o dever de pagar a retribuição (…) e demais prestações remuneratórias (…), e o dever de contribuir para o sistema da segurança social e de custear o seguro de acidentes de trabalho (…), sendo ainda desta empresa a titularidade do poder disciplinar sobre o trabalhador (…).
A situação juslaboral do trabalhador temporário é, assim, uma situação típica de desdobramento dos poderes laborais (…), na medida em que o poder diretivo cabe ao utilizador, mas o poder disciplinar se mantém na titularidade da empresa de trabalho temporário.
(…)
Se atentarmos ao elemento da subordinação jurídica, como critério delimitativo fundamental do contrato de trabalho, (…)A chave para a resolução do problema é pois, como se preconizou para as situações de dúvida de qualificação, atender à titularidade do poder disciplinar, que cabe, neste contrato, à empresa de trabalho temporário (…). É pois esta a entidade empregadora.», (sublinhado nosso).
No caso concreto, os contratos de trabalho temporários não podem ser valorizados nos termos em que foram na decisão recorrida. Aí se lê:
“- neste período o Autor celebrou vários contratos de trabalho temporário com diversas empresas de trabalho temporário;
- atenta a inexistência de documento escrito, os contratos de trabalho temporário celebrados sucessivamente com as diversas empresas de trabalho temporário padecem de invalidade por inobservância da forma legal;
- invalidade esta que não conduz à nulidade dos contratos, mas à conversão do contrato de trabalho temporário em contrato sem termo em que o Autor fica vinculado às empresas de trabalho temporário sucessivamente;
- consequência jurídica irrelevante, atento o pedido e a pretensão formuladas pelo Autor – estar vinculado à 1.ª Ré por meio de contrato de trabalho sem termo.”
Conclui, o Autor/Apelante:
- Da factualidade provada resulta que a contratação em regime de trabalho temporário do Autor durou quinze anos, ou seja, desde o dia 1 de Junho de 1999 a Maio de 2014, data em que foi celebrado o contrato de trabalho a termo incerto.
- Decorrido 1 ano do primeiro contrato de trabalho temporário este transformar-se-ia num contrato de trabalho sem termo, com todas as consequências jurídicas daí inerentes.
Concluiu, a 1ª Ré/Apelada:
- O tribunal de primeira instância apreciou a validade dos contratos de trabalho temporário e decidiu-se pela sua invalidade e consequente conversão em contrato de trabalho sem termo.
Resolvendo:
Ficou dito na decisão recorrida que o Autor ficou vinculado às empresas de trabalho temporário sucessivamente.
Entendemos que da matéria de facto provada, perante aquela que foi desde 1989 até maio de 2014, a situação laboral do Autor, resulta o contrário.
Dito de outro modo, independentemente do documento datado de 31 de maio de 1999 e do contratualizado posteriormente nos denominados contratos de trabalho temporário – nada mais se tendo provado para além da assinatura do primeiro pelo Autor, deste figurar com parte naqueles últimos, mas já nada a propósito da subordinação jurídica às Entidades (ETT’s) neles referidas - e atenta a restante factualidade provada - o Autor continuou a executar exatamente as mesmas tarefas/funções (serralheiro-Tubista), no mesmo posto e local de trabalho (refinaria D...), no mesmo horário de trabalho (8:30 as 17:30), com as mesmas ferramentas de trabalho e sempre tendo em vista as necessidades da mesma entidade, a 1.ª Ré - a situação laboral do Autor, desde o seu início, em nada se alterou e só a esta última, à 1ª Ré, o Autor esteve na realidade vinculado.
Porém, como referido nas considerações supra efetuadas, o contrato de trabalho temporário constitui um contrato especial que se encontra tipificado e regulado na lei, não implicando a existência de qualquer vínculo contratual direto entre a empresa utilizadora e o trabalhador.
Ora, no período de 1999 a maio de 2014, ocorreu em nosso entender fraude à lei, impondo-se a desconsideração das Empresas de Trabalho Temporário bem como que não se considere que os contratos de trabalho temporários se tenham como convertidos em contrato sem termo com as Rés ETT’s, antes sim a consequente contagem da antiguidade em relação a esse período, no vínculo entre o Autor e a 1ª Ré.
Dúvidas se não nos suscitam que as referidas ETT’s foram utilizadas “para mascarar uma situação; servindo de véu para encobrir uma realidade” – nas palavras de Pedro Cordeiro, “A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais”, pág. 73, nota 75.
O Código Civil, no artigo 980º, contempla a noção do contrato de sociedade como sendo “(…) aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade”.
No Código das Sociedades, o artigo 5º estabelece que “As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras”.
Pertinente é aqui a fundamentação incluída no Acórdão da Relação do Porto de 25.10.2005, (Relator Conselheiro Henrique Araújo, in www.dgsi.pt):
“Como é sabido, as pessoas coletivas são centros autónomos de relações jurídicas, autónomos mesmo em relação aos seus membros ou às pessoas que atuam como seus órgãos. Por isso, o art. 5º do Código das Sociedades Comerciais explicita que as sociedades gozam de personalidade jurídica.
(…).
Quando a personalidade coletiva seja usada de modo ilícito ou abusivo, para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, é possível proceder ao levantamento da personalidade coletiva: é o que a doutrina designa pela desconsideração ou superação da personalidade jurídica coletiva – cfr. Menezes Cordeiro, “O Levantamento da Personalidade Colectiva”, Almedina, 2000, pág. 122 e segs; Pedro Cordeiro, “A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais”, pág. 77.” (sublinhado e realce nossos).
E bem assim a fundamentação incluída no Acórdão da Relação de Coimbra de 03.07.2013, (Relator Desembargador Felizardo Paiva, in www.dgsi.pt):
Este instituto não se encontra regulamentado na lei portuguesa, mas isso não significa que o nosso direito civil não disponha, na sua positividade, de regras fundamentais que o permitem acolher particularmente, no que ao caso em análise interessa, o artº 334º do Cód. Civil (abuso de direito).
A desconsideração ou levantamento da personalidade coletiva surgiu na doutrina e, posteriormente, na jurisprudência como meio de cercear formas abusivas de atuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema.
No fundamental, ele traduz-se numa delimitação negativa da personalidade coletiva por exigência do sistema ou, se se quiser, “ele exprime situações nas quais, mercê dos vetores sistemáticos concretamente mais poderosos, as normas que firmam a personalidade coletiva são substituídas por outras normas" - cfr. Menezes Cordeiro, Manual do Direito Das Sociedades, I vol., 2004. pag. 381.
O recurso a esse instituto é possível quando ocorram situações de responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas de proteção, nomeadamente dos credores, ou em situações de abuso de direito e não exista outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar, ou seja, a desconsideração tem carácter subsidiário.
(…)
Em todas estas situações verifica-se que a personalidade coletiva é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios.
A desconsideração tem de envolver sempre um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, ou seja, envolve sempre a formulação de um juízo de censura e deve revelar-se ilícita, havendo que verificar se ocorre uma postura de fraude à lei ou de abuso de direito”, (sublinhado nosso)
Em concreto, a realidade encoberta era mesmo a do Autor estar a prestar o seu trabalho para a 1ª Ré, ainda que formalmente o vínculo contratual tivesse sido, durante um período de 1999 a maio de 2014 com as ETT’s.
Isto independentemente das ETT’s terem ou não sido criadas somente com tal desiderato.
Na verdade, considerando a factualidade evidenciada, a existência e funcionamento das ETT’s relativamente ao vínculo laboral do Autor, encerra abuso de personalidade coletiva, não sendo mais que um embuste para permitir, de forma aparentemente legal, evitar o cumprimento de obrigações da responsabilidade da 1ªRé – por responsabilidades relativas aquele vínculo - ocorrendo abuso de personalidade coletiva e verificando-se atuação com abuso do direito.
Dispõe o artigo 334º do Código Civil que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Como escreveu o Professor Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estudo das questões e perspetivas”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2005 – Estudos em Honra do Professor Doutor António Castanheira Neves, (citação incluída na dissertação para obtenção do Grau de Mestre de Rui Manuel Ataíde de Araújo, página 26) trata-se de “uma disposição legal que (…) remete para o sistema e para a Ciência do Direito, confiando, ao intérprete aplicador, a tarefa do seu adensamento”. No fundo, o “abuso do direito é uma expressão consagrada para traduzir, hoje, um instituto multifacetado, internamente complexo e que prossegue, in concreto, os objetivos últimos do sistema”.
Ainda segundo o Professor Menezes Cordeiro (in “O Levantamento da Personalidade Coletiva no Direito Civil e Comercial”, Almedina, 2000, página 123, citado também no acórdão desta secção relatado por Fernanda Soares, de 14.04.2012, in www.dgsi.pt), “O abuso do instituto da personalidade coletiva é uma situação de abuso do direito ou de exercício inadmissível de posições jurídicas, verificada a propósito da atuação do visado, através duma pessoa coletiva. No fundo, o comportamento que suscita a penetração vai caracterizar-se por atentar contra a confiança legítima (venire contra factum proprium, supressio ou surrectio) ou por defrontar a regra da primazia da materialidade subjacente (tu quoque ou exercício em desequilíbrio)”.
Note-se, como se lê no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.04.2008, (in Coletânea de Jurisprudência, Ano 2008, tomo II página 130 e seguintes, igualmente citado no referido acórdão desta secção relatado pela Desembargadora Fernanda Soares, de 14.04.2012), “(…) o abuso do instituto da personalidade coletiva tanto ocorrerá nos casos em que o agente atue com intenção específica de ludibriar o credor social, como ainda nos casos em que atue, independentemente da sua intencionalidade, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, como regra de conduta, pelos bons costumes, em particular pela ética dos negócios, ou pelo fim social e económico do direito ou instituto habilitante”.
Desde já se adianta que em face da factualidade provada, se conclui de forma diversa do que sucedeu na sentença, também no que respeita à situação laboral posterior do Autor, ou seja, também pelo que se irá consignar a respeito do contrato a termo incerto celebrado em 2014, verifica-se a ocorrência de violação da segurança no emprego, direito fundamental dos trabalhadores (artigo 53º da Constituição da República Portuguesa CRP).
“O direito à segurança no emprego pressupõe assim que, em princípio, a relação de trabalho é temporalmente indeterminada, só podendo ficar sujeita a prazo quando houver razões que o exijam, designadamente para ocorrer a necessidades temporárias de trabalho ou a aumentos anormais e conjunturalmente determinados das necessidades da empresa.” – J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in ‘Constituição da República Portuguesa Anotada’, 2ª edição, pág. 292.
Sob a epígrafe «Admissibilidade de contrato de trabalho a termo resolutivo», o artigo 140º, nº1 do Código do Trabalho estabelece que «O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade».
O nº2, alínea h) do mesmo artigo 140º do Código do Trabalho estipula que «Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:
(…)
h) Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento.»
Lê-se na sentença:
“Do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré a termo incerto com início no dia 16 de maio de 2014 e cessação no dia 06/12/2019.
Alega o Autor que o termo é ilegal, por não se mostrar juridicamente fundamentado. Atento o elenco dos factos provados verifica-se o cumprimento do disposto no artigo 140.º, n.º 1, n.º 2, alínea h) e n.º 3 do Código do Trabalho.
Sendo certo que de acordo com os factos provados k), l), m) e n), a 1.ª Ré logrou cumprir o ónus que lhe é imposto no citado artigo 140.º, n.º 5.
Por outro lado, a invalidade dos contratos de trabalho temporário com o consequente vínculo do Autor à empresa de trabalho temporário em cada momento considerado sem qualquer termo não permite concluir pela invalidade do contrato celebrado em maio de 2014 ora em apreciação.”
Concluiu o Autor/Apelante:
- Para além dos 10 anos como trabalhador por tempo indeterminado, dos 15 anos sob o regime de trabalho temporário, a Ré manteve o Autor ao seu serviço por mais 5 anos ininterruptos sob o regime de trabalho precário.
- Está provado que o Autor esteve ao serviço da Ré de 8/5/2014 a 6/12/2019 por contrato de trabalho a termo incerto, para exercer as mesmas funções que vinha exercendo desde o início.
- Não estamos perante uma necessidade temporária da Ré, mas sim de uma necessidade duradoura/permanente que perdurou por 30 anos.
- A execução de obra, projeto ou atividade definida e temporária não se verificam, in casu, pois que estamos perante uma atividade de cariz constante, necessário, permanente ou, no mínimo, reiterada e prolongada no tempo.
- O contrato com a D... sucedeu-se ao longo dos anos (mais precisamente de 1988 a 2019) período de tempo durante o qual o Autor prestou os seus serviços.
- Pelo que o mesmo seria considerado sem termo por aplicação da alínea b) do nº 1 do artigo 147º do C.T.
Concluiu, em suma, a este respeito a 1ª Ré:
- O último contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida em maio de 2014, revela-se como um contrato válido.
- Face à factualidade provada, não se verifica o nexo entre este ato lícito e o resultado proibido.
Ficou provado que:
- No dia 8 de maio de 2014, o Autor e a 1.ª Ré celebraram um contrato intitulado “contrato de trabalho a termo incerto” a iniciar no dia 16 de maio de 2014 (alínea d) dos factos provados)
- Consta da Cláusula primeira do contrato de trabalho identificado em d) “1. A TS contrata o trabalhador com a categoria interna de Chefe de Equipa. 2. A caracterização e definição de funções da categoria profissional sobredita consistem em, executar as seguintes tarefas: Apoiar o Encarregado, ao nível da coordenação e controlo das Equipas adstritas à Obra ou Contratos de Manutenção, quer colaboradores da Empresa quer colaboradores de Subempreiteiros, bem como outros trabalhadores de análoga natureza ou temporalidade” (alínea e) dos factos provados)
- Consta da Cláusula segunda do contrato de trabalho identificado em d) que “1. O trabalhador obriga-se a realizar a prestação de trabalho ora contratado no cliente D... – Refinaria de ..., sita em .... 2. O trabalhador obriga-se ainda a realizar todas as deslocações necessárias à execução das suas funções, sem prejuízo do direito ao reembolso de despesas eventualmente suportadas com a deslocação” (alínea f) dos factos provados)
- Consta da Cláusula terceira do contrato de trabalho identificado em d) que “1. O trabalhador executará as suas funções em regime de tempo completo, prestado 8 horas de trabalho diário, 40 horas de trabalho semanal, cumprindo o seguinte horário de trabalho de segunda a sexta-feira: das 08h30m às 17h30m, com 1 hora de intervalo para refeição. 2. O trabalhador dá expressamente o seu acordo à eventualidade do horário de trabalho, referido em 1., da presente cláusula vir a ser unilateralmente alterada pela TS em função das necessidades do serviço” (alínea g) dos factos provados)
- Consta da Cláusula quinta do contrato de trabalho identificado em d) que “1. Como contrapartida do trabalho prestado nos termos do presente contrato, a TS pagará ao trabalhador a remuneração mensal ilíquida de retribuição de 1.057,00 (mil e cinquenta e sete euros), sobre a qual incidirão os descontos legais. O pagamento será efetuado até ao último dia útil de cada mês. 2. Além da remuneração mensal ilíquida referida no ponto 1. Da presente cláusula, o trabalhador terá direito a um subsídio de alimentação no valor de 6,83 € por cada dia de trabalho efetivamente prestado, bem como ao prémio de assiduidade no valor de 17 € que será atribuído mensalmente caso o colaborador não falte mais de duas horas em cada mês, além das faltas que não impliquem perda de vencimento (exemplos: férias de casamento, licença de óbito de familiar, entre outras previstas na lei), com exceção no caso da maternidade/paternidade que continua a ter direito ao prémio. 3. A TS não efetua qualquer subsídio ou suporta quaisquer despesas relacionadas com o transporte de ida e/ou regresso entre a residência do trabalhador e a sede da TS” (alínea h) dos factos provados).
- Consta do contrato identificado em d) que “CONSIDERANDO: 1. Que a TS exerce as seguintes atividades: a realização de projetos, de instalações, a manutenção e as instalações técnicas, nomeadamente nos seguintes domínios: ventilação, aquecimento e condicionamento de ar, eletricidade, mecânica, tubagens, telecomunicações, sistemas hidráulicos, estruturas metálicas, saneamento básico, impermeabilização e isolamento térmico, equipamento rodoviário e ferroviário, catenárias, vias férreas e aeródromos; 2. Que a TS se encontra obrigada, por contrato de empreitada de prestação de serviços de manutenção metalúrgica e metalomecânica das instalações, com o seu cliente D... – Refinaria de ...e que integra serviços de assistência e manutenção metalúrgica e metalomecânica, bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade. 3. Que o referido contrato tem por objeto uma atividade complementar à atividade de construção geral de edifícios e de engenharia civil e têm natureza e temporalidade em tudo idêntico ao de um contrato em regime de empreitada; 4. Que a execução do contrato de prestação de serviços de manutenção, referido no anterior Considerando 2. Não tem prevista uma data determinada para a sua conclusão. 5. O disposto no artigo 140.º, n.º 2, alínea h), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (doravante referido abreviadamente por “o Código do Trabalho”); 6. Que não é necessária a comunicação do teor do presente contrato, a que se refere o n.º 1 do artigo 144.º do Código do Trabalho, uma vez que não existem na TS comissão de trabalhadores e o trabalhador não se encontra filiado em associação sindical; 7. Que a TS pretende contratar um Chefe de Equipa para fazer face a esta tarefa temporária; 8. Que o trabalhador compreende e aceita o motivo pelo qual é contratado a termo incerto. É em conformidade com o disposto no artigo 140.º e seguintes do Código do Trabalho, livremente e de boa fé celebrado o presente contrato de trabalho a termo incerto que se rege pelas cláusulas seguintes e pelas disposições legais aplicáveis” (alínea i) dos factos provados).
- Consta da Cláusula sexta do contrato de trabalho identificado em d) que “1. O presente contrato tem início no dia 16 de maio de 2014 e durará por todo o tempo necessário à conclusão dos trabalhos objeto do contrato de prestação de serviços referido no Considerando 2. E eventuais prorrogações e renovações, pois que a TS se encontra obrigada, através do referido contrato de prestação de serviços de manutenção metalúrgica e metalomecânica das instalações, com o seu cliente D... – Refinaria de ... – e que o mesmo integra serviços de assistência e manutenção metalúrgica e metalomecânica, bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade. O Referido contrato tem por objeto uma atividade complementar à atividade de construção geral de edifícios e de engenharia civil e têm natureza e temporalidade em tudo idêntico ao de um contrato em regime de empreitada. A execução do contrato de prestação de serviços de manutenção, referido no anterior Considerando 2. Não tem prevista uma data determinada para a sua conclusão, justificando-se assim a presente contratação a termo incerto para fazer face à tarefa temporária em causa, de acordo com a alínea e), do n.º 1 e n.º 3 do artigo 141.º do Código do Trabalho. 2. O presente contrato caducará quando, prevendo-se a conclusão dos trabalhos objeto do contrato de prestação de serviços referido no Considerando 2 e n.º anterior, ou das respetivas prorrogações ou renovações, a TS comunique ao trabalhador o termo do mesmo, com a antecedência mínima de 7, 30 ou 60 dias, conforme o contrato tenha durado até 6 meses a 2 anos ou por período superior. 3. A falta de comunicação a que se refere o n.º 2 da presente cláusula implica para a TS o pagamento da retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta. 4. O trabalhador pode rescindir unilateralmente o presente contrato de trabalho, sem justa causa, devendo avisar a TS com a antecedência mínima de quinze dias, trinta ou sessenta dias, consoante o contrato tenha durado menos de seis meses, entre seis meses e dois anos ou mais de dois anos” (alínea j) dos factos provados)
- Na data de admissão do Autor, a Ré A..., S.A. mantinha com a D... um contrato de prestação de serviço de assistência e de manutenção metalúrgica e metalomecânica das suas instalações da refinaria de ..., sem duração definida, porque o que estava formalizado tinha caducado em 28/02/2014 (alínea K) dos factos provados)
Da factualidade assente constata-se que similarmente neste caso “A Ré não contratou com o A. qualquer tarefa ocasional ou serviço determinado, precisamente definido e não duradouro, mas sim uma atividade, constituída por um conjunto de tarefas que visam a execução daquilo que é a atividade normal da Ré.” (Acórdão do STJ de 06-02-2013 in www.dgsi.pt)
Com respaldo na fundamentação do mesmo Acórdão do STJ: “(…) a mera celebração, entre o empregador e um terceiro, de um contrato de prestação de serviço/s com natureza temporária (…) não justifica, por si só, que a contratação a termo do trabalhador vise satisfazer uma necessidade temporária do empregador. (Estranho/enganoso seria, também a nosso ver, que a celebração de contratos de prestação de serviço/s (temporários), no contexto de uma empresa que se dedica à prestação de serviços a terceiros, (…que por natureza sempre serão mais ou menos temporários), dispensasse o empregador de demonstrar por que razão, no âmbito dessa sua atividade, aquela concreta prestação de serviços representa uma necessidade ocasional, temporária, da sua atividade, e assim viabilizasse, sem mais, o recurso à sistemática vinculação precária).”
Foi assim também entendido mais recentemente, nesta secção, no Acórdão 03.10.2022, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, com intervenção como Adjuntos da aqui relatora e 1º Adjunto), “I - A mera celebração, entre o empregador e um terceiro, de um contrato de prestação de serviços com natureza temporária não justifica, por si só, que a contratação a termo do trabalhador vise satisfazer uma necessidade temporária do empregador.”
Impõe-se assim revogar a sentença recorrida, procedendo o primeiro pedido do Autor no sentido de ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré, desde 01.02.1989 a 06.12.2019.
Em conformidade, em nosso entender terá de se considerar verificado o despedimento ilícito por parte da 1ª Ré.
Na verdade, a comunicação da 1ª Ré, realizada a 31.10.2019, constitui um despedimento ilícito, porque não precedido de qualquer procedimento legal – artigo 381º, alínea c) do Código do Trabalho.
Impõe-se também, nessa parte revogar a sentença recorrida, procedendo o segundo pedido do Autor no sentido de ser decretada a ilicitude do despedimento do Autor.
***

Importa ainda e em consequência, analisar o demais peticionado pelo Autor:
Começando pelo pedido de condenação da 1ª Ré a pagar ao Autor o montante indemnizatório, em substituição da reintegração, em virtude do despedimento ilícito, a arbitrar pelo Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 389º, nº 1, alínea b) e 391º do Código do Trabalho.
De acordo com o disposto no artigo 389º, nº 1 do Código do Trabalho, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado: a) a indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados; b) a reintegrá-lo no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos artigos 391º e 392º (indemnização em substituição da reintegração a pedido do trabalhador ou do empregador, respetivamente).
Uma vez que o trabalhador optou pela indemnização (prescindindo da respetiva reintegração) será a mesma fixada nos termos previstos pelo artigo 391º do Código do Trabalho.
Segundo o nº 1 desta última norma, «Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º»
Já segundo o nº 2, dever-se-á atender ao «tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial».
Por fim, a indemnização nunca poderá ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades (nº 3).
Considerando que, no caso em análise, o trabalhador esteve ao serviço da entidade empregadora durante um período bastante longo (entre 01 de Fevereiro de 1989 e 06 de Dezembro de 2019), resultou demonstrada factualidade que permite considerar muito elevado o grau da ilicitude do despedimento, associado este ao contexto de precaridade que conforme apurado foi desde o início imposto pela Ré, julga-se adequado e justo fixar a indemnização em 40 dias de retribuição.
Para o cômputo da indemnização a atribuir ter-se-á de ter subjacente a retribuição auferida pelo mesmo a título de salário base, ou seja, 1.057,00 € mensais, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data do trânsito em julgado da decisão judicial.
Concretizando, apenas até ao momento em que é proferido este acórdão, a indemnização devida atinge,.
Consequentemente, a título de indemnização, tem o mesmo direito a receber por referência ao valor mensal de 1409.33€ (1057,00: 30 x 40), um total de 42.280,00€ (1409,33x30), sem prejuízo do montante que resultar à data do trânsito em julgado.
A tal quantia, acrescem juros de mora, desde a data do trânsito em julgado do acórdão.
“- Os juros de mora, porque ilíquida até esta data, sem que a ré estivesse na posse de elementos que lhe permitissem efetuar tal liquidação – desde logo por não ter condições de saber qual o n.º de dias por referência aos quais seria contabilizada (“...entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade”) –, são contabilizados apenas a partir do momento do trânsito em julgado deste acórdão que fixou a indemnização.”, sumário do Acórdão desta secção de 16.01.2017 (Relator Desembargador Nélson Fernandes, in www.dgsi.pt)
Foi ainda peticionado pelo Autor, o pagamento de € 50.892,42, respeitante às férias, subsídio de férias e subsídio de natal no ano de 2001 a 2013.
A este respeito, na sentença foi considerado:
“Do pedido de condenação das Rés no pagamento da quantia de € 50.892,42 a título de férias não gozadas pelo Autor, subsídio de férias e subsídio de natal referentes ao período de 2001 a 2013.
As Rés (Empresas de trabalho temporário) alegaram a exceção perentória de prescrição deste direito de crédito exigido pelo Autor nestes autos.
Em sede de despacho saneador proferido nestes autos de fls. 204 a fls. 215, foi decidido julgar procedente a exceção perentória de prescrição invocada pelas Rés (Empresas de trabalho temporário) e, nesta conformidade, absolver as Rés do pedido.
A Ré A..., S.A. também invoca a exceção de prescrição deste direito exercido pelo Autor.
Improcedendo o pedido de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho sem termo entre o Autor e a Ré A..., S.A. desde 1989 até dezembro de 2019, a única forma de responsabilizar a Ré A..., S.A. pelos créditos laborais exigidos pelo Autor desde 2001 até 2013 no que tange a férias não gozadas e subsídio de férias e de natal não pagos, será pelo regime da responsabilização da empresa utilizadora a acrescer à responsabilidade da entidade empregadora que é a empresa de trabalho temporário.”
Resulta do que acima ficou decidido a existência de um contrato de trabalho sem termo entre o Autor e a Ré A..., S.A. desde 1989 até dezembro de 2019.
Relativamente ao período, em causa (ano de 2001 a 2013), resultou assente:
- A retribuição mensal do Autor em 2001 era de €1.114,53; a retribuição mensal do Autor em 2002 era de €1.161,33; a retribuição mensal do Autor em 2003 era de €1.196,00; a retribuição mensal do Autor em 2004 era de €1.220,27; a retribuição mensal do Autor em 2005 era de €1.265,33; a retribuição mensal do Autor em 2006 era de €1.352,00; a retribuição mensal do Autor em 2007 era de €1.483,67; a retribuição mensal do Autor em 2008 era de €1.525,33; a retribuição mensal do Autor em 2009 era de €1.577,33; a retribuição mensal do Autor em 2010 era de €1.594,67; a retribuição mensal do Autor em 2011 era de €1.698,67; a retribuição mensal do Autor em 2012 era de €1.698,67; a retribuição mensal do Autor em 2013 era de €1.698,67 (alínea w dos factos assentes)
- Durante o período de 2001 a 2014, embora o Autor recebesse um valor em função das horas de trabalho prestadas, o valor refletido no recibo de vencimento não correspondia ao efetivamente auferido (alínea x dos factos assentes)
- Eram lançados valores aparentemente correspondentes a subsídios, prémios e/ou horas extras, quando, ao invés, tais valores correspondiam única e exclusivamente ao vencimento do Autor (alínea y dos factos assentes).
Consignamos o entendimento que seguimos quanto à prescrição, com recurso à fundamentação do Acórdão desta secção de 19.04.2021 (Relatora Desembargadora Rita Romeira, com intervenção da aqui relatora e do aqui 1º Adjunto, in www.dgsi.pt):
“Decorre dos art.s 298º, nº 1 e 304º do CC, que a prescrição implica a extinção de determinado direito em virtude do seu não exercício durante certo lapso de tempo. Dispondo aquele art. 298º que, “estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.
(…) Assenta a prescrição na negligência do titular quanto ao exercício do direito, a que se unem razões de segurança e certeza que determinam, que situações que se prolonguem inalteradas no tempo, sobre elas assentando os sujeitos as suas decisões e organizando a sua vida, se mantenham inalteradas em respeito das expectativas criadas. Surgindo, ainda, como fundamento do regime a proteção do devedor relativamente a, eventuais, dificuldades de prova quanto a pagamentos efetuados há muito tempo.
Ora, havendo um regime próprio, também ele de curto prazo, mas com um termo inicial diverso por razões próprias, em situações, como é o caso, as razões determinantes da prescrição de curto prazo do Código Civil não têm aqui aplicação.
Na pendência da relação laboral, como vem sendo entendido, unanimemente, vigora o princípio da irrenunciabilidade do direito ao salário, como decorre, nomeadamente, dos art.s 276º e 280º do CT/2009. Desse modo, é entendimento que não pode imputar-se negligência ao trabalhador quanto ao não exercício do direito, dada a situação de dependência económica em que se encontra na relação de que lhe advém o crédito. Porque, o trabalhador precisa do seu emprego para o seu sustento diário e da família, cria-lhe uma natural inibição e medo em confrontar o seu empregador faltoso, sendo essas as razões que determinam o regime especial do Código do Trabalho, que tem plena aplicação ao caso dos juros.
(…)
(…) como tal prazo só começa a correr a partir da data da cessação do contrato, não se lhes aplica o regime geral do art. 310.º, alínea d), do Código Civil.”
Fica assim também revogada a sentença no segmento em que na mesma se declarou procedente a prescrição invocada pela 1ª Ré “deste direito exercido pelo trabalhador”.
Estão em causa os anos de 2001 à entrada em vigor do Código de Trabalho de 2009 (atualmente em vigor), pelo que importa atender também à legislação anterior: Decreto-lei 88/96, de 3 de Julho e Código de Trabalho de 2003.
A propósito da evolução legislativa e daquela que foi sendo a doutrina e jurisprudência, temos como bastante transcrever a fundamentação do recente Acórdão desta secção, de 14.12.2022, proferido no processo nº 3002/19.0T8MAI.P1 (Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho, aqui 2ª Adjunta, in www.dgsi.pt): ”No âmbito da LCT, vinha, então, a jurisprudência interpretando, de forma uniforme, o conceito de retribuição para efeitos do subsídio de Natal, fazendo-o coincidir não apenas com o de retribuição-base, mas sim com o de retribuição, em sentido amplo, a que se reporta o art. 82º da LCT, ou seja, como integrando, também, todas as parcelas ou componentes de natureza retributiva pagas com regularidade e periodicidade, interpretação esta que estava subjacente à que vinha sendo feita das cláusulas contratuais (seja no âmbito da contratação coletiva, seja no âmbito do contrato individual de trabalho) que fizessem coincidir o subsídio de Natal com o mês de retribuição. Neste sentido se pronunciam, entre outros, o Acórdão do STJ de 18.04.2007, in www.dgsi.pt, Processo nº 06S4557.
E, quanto ao subsídio de férias, vigorava a coincidência entre a retribuição devida no período de férias e o subsídio de férias.
Porém, com o CT/2003 e CT/2009, passaram a doutrina e jurisprudência a interpretarem a noção de retribuição, no que toca ao subsídio de Natal, constante dos arts. 254º do CT/2003 e 263º do CT/2009, em consonância ou conjugação com o disposto nos arts. 250º do CT/2003 e 262º do CT/2009. Ou seja, salvo disposição convencional ou contratual em contrário, o conceito legal de retribuição, para efeitos do subsídio de Natal, passou a abranger apenas a retribuição base e as diuturnidades.
E, como resulta dos arts. 255º, nºs 1 e 2, do CT/2003 e 264º, nºs 1 e 2, do CT/2009 deixou de se prever a equivalência entre a retribuição de férias e o subsídio de férias: aquela abrange a retribuição como se o trabalhador estivesse em serviço efetivo, este passa a abranger apenas, para além da retribuição base, as prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho.
Assim e quanto ao subsídio de Natal:
A retribuição mensal era:
Em 2001, de €1.114,53
Em 2002, de €1.161,33
Em 2003, de €1.196,00
Em 2004, de €1.220,27
Em 2005, de €1.265,33
Em 2006, era de €1.352,00
Em 2007, era de €1.483,67
Em 2008, de €1.525,33
Em 2009, de €1.577,33
Em 2010, de €1.594,67
Em 2011, de €1.698,67
Em 2012, de €1.698,67;
Em 2013, de €1.698,67
Assiste ao Autor o direito a receber de subsídio de Natal, relativamente ao período que vai do ano de 2001 a 2013, o montante de 15.189,13€.
A tal quantia, acrescem juros de mora, desde o momento em que cada uma das prestações era devida, até integral pagamento.
A título de remuneração de férias:
Não se provou que o Autor não gozou qualquer período de férias.
Era ao Autor que incumbia provar o não gozo desse período - artigo 342º, nº 1 do Código Civil.
Não tendo logrado efetuar a prova desse facto, não tem o mesmo direito ao por si reclamado, no âmbito dos presentes autos, a título de retribuição desse período, nos anos de 2001 a 2014.
Quanto ao subsídio de férias, não ficou provado que a Ré pagou o subsídio de férias devido, nos anos de 2001 a 2014, competindo à ré o ónus da prova desse pagamento – artigo 342º, nº 2, do CC.
Assiste ao Autor o direito a receber de subsídio de férias, relativamente ao período que vai do ano de 2001 a 2013, o montante de 15.189,13€.
A tal quantia, acrescem juros de mora, desde o momento em que cada uma das prestações era devida, até integral pagamento.
***
A propósito de ter sido alegado pela 1ª Ré, o facto de o Autor ter aceite e não ter devolvido a compensação no montante de €4.128,05 paga pela Ré.
Trata-se de matéria alegada em sede de contestação que não resultou provada.
A 1ª Ré não deduziu recurso subordinado, nomeadamente, tendo em vista a alteração/ampliação da decisão de facto proferida na sentença recorrida, no caso da decisão desta não ser confirmada, justificando-se o conhecimento de matéria da defesa, que naquela ficou prejudicado.

Limitou-se ao invés a concluir “No que concerne ao último contrato celebrado entre o recorrente e a recorrida em maio de 2014, como muito bem foi decidido pela douta sentença recorrida, este, revela-se como um contrato válido.”
Contudo, mesmo que assim não tivesse sucedido, não assiste razão também nesta parte à 1ª Ré, uma vez que a presunção prevista no nº 4 do artigo 366º do Código do Trabalho não tem aplicação na situação em análise, na qual está em causa um despedimento ilícito e não qualquer despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho.
Foi este o entendimento seguido por este mesmo coletivo, consignado no acórdão proferido no Processo nº 4267/21.2T8MAI.P1 (mesma relatora): a remissão do artigo 344º para o artigo 366º do Código do Trabalho restringe-se à forma de cálculo da compensação.
Como fundamentação bastante, transcrevemos aqui o excerto da decisão no J1 do Juízo do Tribunal da Trabalho de Lisboa, Processo nº11839/20.0T8LSB: ‘(…)De acordo com o disposto no art.º 344.º, n.º 2, do Código do Trabalho «Em caso de caducidade de contrato de trabalho a termo certo decorrente de declaração do empregador nos termos do número anterior, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, calculada nos termos do artigo 366.º (…)». O art.º 366.º enquadra-se nas normas que regem o despedimento coletivo, nele se prevendo o direito a uma compensação no caso da cessação do contrato de trabalho. No n.º 6 dessa norma estabelece-se a compensação devida por despedimento coletivo nos casos dos contratos de trabalho a termo ou de trabalho temporário, prevendo-se expressamente a aplicabilidade dos números 2 a 5 do art.º 366.º. Ora é no n.º 4 do citado preceito que se consagra a presunção que a ré invoca: «Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo». Trata-se de norma aplicável aos casos de despedimento coletivo e ainda, por expressa e total remissão, aos casos de despedimento por extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, isto é, a todos os despedimentos com justa causa objectiva ou por facto não imputável ao trabalhador por remissão expressa da lei (cfr. art.os 372.º e 379.º, n.º 1, do Código do Trabalho). A remissão que é operada naqueles casos e a que decorre da aplicação do disposto no art.º 344.º, n.º 2, não é coincidente nos seus termos, sendo que, por força deste último preceito, a aplicação do disposto no art.º 366.º se restringe ao modo de cálculo da compensação. Face à diversa terminologia utilizada pelo legislador e ao elemento literal do art.º 344º, n.º 2, não é possível considerar, ainda que apelando ao art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil, que do recebimento da compensação devida pela comunicação da caducidade do contrato de trabalho a termo se presuma a aceitação pelo trabalhador do despedimento, tal como consagrado no n.º 4 do art.º 366.º. De acordo com o disposto no art. 9.º, n.º 3, do Código Civil, «Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». Ora, se fosse intenção do legislador associar ao recebimento da compensação devida em caso de caducidade do contrato de trabalho a termo a aceitação pelo trabalhador dessa extinção do vínculo, na remissão que faz no art.º 344º, n.º 2 para o art.º 366º não teria consagrado apenas «…tem direito a compensação…calculada nos termos do artigo366º…», mas apenas a aplicabilidade, quanto ao mais ali não previsto, do art.º 366º, como sucede noutros preceitos. Acresce que o art.º 366.º, n.º 4, prevê, expressamente, que a aceitação da compensação equivale, até prova em contrário, à aceitação do despedimento, sendo que esta forma de cessação do contrato de trabalho é bem distinta da cessação decorrente da caducidade do contrato. Aliás, o legislador distingue expressamente os casos de despedimento dos de caducidade, como decorre do art.º 340º do Código do Trabalho. O exposto vale também para a exceção do abuso do direito. Não tendo a lei associado ao recebimento da compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo qualquer consequência e pretendendo os autores colocar em causa o fundamento da sua contratação a termo, nada os impede de assim proceder pelo simples facto de terem recebido a compensação pela caducidade do contrato. Na respetiva atuação não se identifica violação dos princípios do direito ou o respetivo exercício abusivo.
Face ao exposto, não decorrendo da lei que a aceitação da compensação faz presumir a aceitação da extinção do contrato de trabalho operada pela ré através do instituto da caducidade de contrato de trabalho a termo e não se identificando qualquer conduta enquadrável na figura do abuso de direito, conclui-se ser esta exceção perentória invocada pela ré improcedente.’ (sublinhado e alteração da configuração da letra nossos).
Neste sentido, ainda mais recentemente o acórdão desta mesma secção proferido no processo nº 2175/22.9T8MTS.P1 (Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho, aqui 2ª Adjunta).
Em suma: não é aplicável o artigo 366º, nº 6 do Código do Trabalho.
Mais aduziu a 1ªRé, em sede de contestação que o Autor age em abuso de direito.
Porém, no caso, não ocorre abuso de direito do Autor, o qual se limitou a exercer um direito que a lei lhe permite: pedir o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, celebrado entre si e a 1ª Ré; que fosse considerado ter sido ilicitamente despedido e pedindo a condenação nas consequências de tal ilicitude.
***

3. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em revogar a sentença recorrida, julgando parcialmente procedente a ação e em consequência:
- Decreta-se a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré, desde 01.02.1989 a 6/12/2019;
- Decreta-se a ilicitude do despedimento do Autor;
- Julga-se improcedente a exceção da compensação e do abuso de direito deduzida pela 1ª Ré;
Em consequência,
-Condena-se a 1ª Ré a reconhecer a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, celebrado entre o Autor e a 1ª Ré, desde 01.02.1989 a 6/12/2019 e a pagar ao Autor uma indemnização correspondente a 40 dias de retribuição base (1.057,00) por cada ano completo ou fração de antiguidade, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data do trânsito em julgado da decisão judicial, ascendendo até ao momento à importância de 42.280,00€ (quarenta e dois mil, duzentos e oitenta euros).
Acrescem juros de mora desde a data do trânsito em julgado do acórdão.
- Revoga-se a sentença no segmento em que na mesma se declarou procedente a prescrição invocada pela 1ª Ré, considerando-a improcedente;
- Condena-se a 1ª Ré a pagar ao Autor a título de subsídios de Natal, relativamente ao período que vai do ano de 2001 a 2013, o montante de 15.189,13€ (quinze mil, cento e oitenta e nove euros e 13 cêntimos).
A tal quantia, acrescem juros de mora, desde o momento em que cada uma das prestações era devida, até integral pagamento.
- Condena-se a 1ª Ré a pagar ao Autor a título de subsídio de férias, relativamente ao período que vai do ano de 2001 a 2013, o montante de 15.189,13€(quinze mil, cento e oitenta e nove euros e 13 cêntimos).
A tal quantia, acrescem juros de mora, desde o momento em que cada uma das prestações era devida, até integral pagamento.

Custas da ação e da apelação pela Ré Apelada, na proporção do respetivo decaimento.


Porto, 12.07.2023
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho