Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2308/25.3T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: FORMALIDADES DA CITAÇÃO
CITAÇÃO DE PESSOA COLETIVA
Nº do Documento: RP202510282308/25.3T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 10/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A citação de uma sociedade comercial, na inviabilidade de citação por via electrónica, deve operar-se por via postal, através de correspondência enviada para a sede constante do Ficheiro Central do Registo Nacional das Pessoas Colectivas, em observância do regime prescrito nos nºs 9,10 e 13 do art. 246º e nº 5 do art. 229º, do CPC.
II - Cumprido tal regime, a sociedade presume-se conhecedora do acto da citação, cabendo ter esta por eficaz.
III - Sucessivamente, a notificação da sentença de insolvência à devedora declarada insolvente deve operar-se por notificação postal para a morada da respectiva sede.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. Nº: 2308/25.3T8VNG-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 6

REL. N.º 990
Juiz Desembargador Relator Rui Moreira
1º Adjunto: Juíza Desembargador Anabela Andrade Miranda
2º Adjunto: Juíza Desembargadora Maria Eiró
*
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1 – RELATÓRIO
*
Em acção interposta por A..., LDA. foi declarada a insolvência de B... - UNIPESSOAL, LDA., com sede na Rua ..., ..., no Porto.
Alegou ser credora da requerida, por valores referentes a rendas de exploração de um estabelecimento comercial, crédito esse reconhecido em sentença que condenou a ora requerida a pagar-lhe rendas vencidas, no valor global de 39.995,00 €, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até, bem como as rendas vincendas. Porém, a ora requerida nada lhe pagou, ascendendo o seu crédito a 56.094,90 €. Mais afirmou que a requerida suspendeu a sua actividade e não tem meios que facultem tal pagamento, nem o de outras obrigações.
A requerida foi citada por carta registada com A/R, tendo sido deixado aviso e tendo o correspondente expediente sido devolvido, em 12/5/2025, por não ter sido reclamado.
Em 19/5/2025, foi expedido novo expediente, por correio registado, para citação da requerida, dirigido à sua sede.
Sobre a entrega desse expediente, o distribuidor informou do seu cumprimento nos termos da seguinte declaração, aposta no aviso de recepção “Na impossibilidade de Entrega depositei no Recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a citação a ela referente”, em 23/5/2025.
Não adveio aos autos qualquer contestação.
Em 10/7/2025, foi proferida sentença que, além do mais, declarou a insolvência da sociedade B... - UNIPESSOAL, LDA. NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ... Porto e fixou a residência à gerente da insolvente, AA, na Rua ..., ..., ... Porto.
A requerida foi notificada da sentença, por carta registada, na morada da sua sede.
Em 17/7/2025 a requerida fez juntar procuração aos autos.
Em 18/7/2025, a requerida veio requerer a consulta do processo.
Em 28/7/2025 a requerida veio oferecer os presentes embargos alegando, em suma, que “a) O requerente da insolvência não se encontra legitimado para o pedido de insolvência (art.º 40, n.º 1 al. d) do CIRE); b) A requerida ora embargante nunca se encontrou em situação de insolvência e c) A petição de insolvência carece de factos (e não conceitos genéricos/conclusivos) que fundamentem a insolvência, d) Sendo que a citação para o processo de insolvência é nula (art.º 246, n.º 2 e 4) em congregação com o n.º 5 do art.º 229 e n.º 2 do art.º 230. Todos do C.P.C.).”
O tribunal, considerando a hipótese de os embargos serem extemporâneos, ouviu a embargante sobre a questão.
A requerente da insolvência veio oferecer contestação, onde, além do mais, arguiu a extemporaneidade dos embargos.
A requerida pronunciou-se pela tempestividade dos embargos.
Foi, de seguida, proferida a decisão recorrida, que considerou eficaz a notificação da requerida em 14/7/2025, concluindo que o prazo de cinco dias para dedução dos embargos terminou em 21/7/2025. Por isso, o tribunal afirmou a extemporaneidade dos embargos, decretando a sua rejeição.
É desta decisão que vem interposto recurso, pela requerida, que o terminou formulando as seguintes conclusões:
A. Por ofício enviado em 28.05.2025, com a referência 472501285, a secção enviou nova citação, para o DEVEDOR, querendo deduzir oposição.
I -. No caso concreto a Sentença Recorrida, no que concerne á notificação da sentença de declaração de insolvência, só pode estar a referir-se à entrega direta na caixa de correio pelos CTT, em vez de precisar de uma assinatura ou de ser levantado numa loja CTT, conforme resulta da entrega ...... donde consta da declaração do Distribuidor Postal “Na impossibilidade de Entrega depositei no Recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente”, ocorrida em 23-05-2023, ás 11:30.
II - Só que, como ensina Luís Menezes Cordeiro, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 12.ª Edição, Almedina, 2022, em anotação ao artigo 37.º do CIRE, pág.127, “4. Para além da publicidade e registo da sentença, a que se refere o art.º 38.º, a lei vem prever o dever de ela ser notificada a vários interessados, …, dado que agora o processo corre à sua revelia até essa fase.
III - As formas de notificação variam, porém, consoante os interessados. Assim, em relação aos administradores do devedor a quem tenha sido fixada residência na sentença (cfr. arts. 6.º e 36.º, c)), a notificação é pessoal, com entrega de cópia da petição inicial, sendo realizada nos termos prescritos na lei processual para a citação, parecendo exigir-se o contacto pessoal (art.º 225.º, n.º 2, c) CPC), solução que é igualmente aplicável ao devedor, caso não tenha sido já pessoalmente citado para o processo.”
IV – A pretensa citação da Recorrente para o processo de insolvência é nula, conforme invocado no item 8 das Alegações/Motivação, que aqui se dão por reproduzidas por uma questão de economia processual.
V – Assim como o referido nos itens 9, 10, 11, 12 e 13 das Alegações/Motivações que aqui também por reproduzidas e integradas.
VI – Assim, a douta Sentença Recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, as normas constantes dos artigos 36.º, 37.º e 40.º, todos do CIRE, assim como os artigos 225.º, n.º 2, al. c), 228.º, n.º 5, 229.º, n.º 5, 230.º, n.º 2 e 249.º, n.º 5, todos do CPC.
VII – Consequentemente, deve a douta Sentença Recorrida ser revogada, pelas questões de direito (ou de facto) que supra foram referidas e se consubstanciam na legitimidade e temporaneidade da dedução dos embargos à insolvência que deve ser aceite para prosseguimento deste Apenso, com instrução e decisão judicial, como se impõe.
Termos em que, na procedência da presente Apelação, deve ser revogada a douta Sentença Recorrido, seguindo-se os Embargos à Declaração seus normais termos, como é de justiça.
*
A recorrida apresentou resposta ao recurso, concluindo que deve ser mantida a decisão recorrida.
*
O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e com efeito suspensivo da liquidação e partilha da massa insolvente.
Cumpre apreciá-lo.
*
2- FUNDAMENTAÇÃO
Não cabendo a este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cumpre decidir se, nas condições em que foi processada a notificação por via postal da requerida, subsequentemente à sua citação, a mesma se deve ter por efectivada em 147/2025, como consta da decisão em crise. Tal dependerá, porém, de se averiguar da regularidade da citação da requerida para a insolvência, designadamente por isso ser pressuposto da regularidade da notificação da sentença, além de a questão ser agora expressamente suscitada, sendo certo que o não foi no recurso interposto da própria sentença de insolvência.
Para o efeito, é útil ter presentes pressupostos referidos supra, no relatório, que constituem elementos do próprio processo.
Além disso, resulta dos autos que a requerida interpôs recurso da sentença de insolvência, em 5/8/2025, impugnando os pressupostos relativos à realidade do crédito da requerente. Tal recurso foi admitido e encontra-se pendente neste TRP.
*
Como acima se referiu, cumpre discernir se a citação postal dirigida à requerida, ora apelante, deve ter-se por eficaz, sendo certo que a correspondência remetida foi depositada no receptáculo da morada da respectiva sede, sem que tenha sido devolvida ao tribunal.
Sobre a citação das pessoas colectivas, dispõe o art. 246º do CPC, o seguinte:
1 - Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas colectivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações.
2, 3 e 4, (revogados)
5 - Às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas não seja obrigatória aplicam-se as regras de citação das pessoas singulares.
6 a 8 - (sem interesse para o caso).
9 - Se não for possível efetuar o envio por via eletrónica previsto no n.º 6, devido à falta de registo, pela citanda, do endereço de correio eletrónico nos termos do número anterior, efetua-se uma segunda tentativa de citação, por via postal, através do envio à citanda da carta registada com aviso de receção a que se refere o n.º 4 do artigo 229.º, advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º e observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º e no n.º 3 do artigo 245.º, e dá lugar ao pagamento de taxa fixada no n.º 2 do artigo 9.º do Regulamento das Custas Processuais.
10 - A carta a que se refere o número anterior e o aviso previsto no n.º 6 do artigo 230.º-A são endereçados para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
11 a 15 - (sem interesse para o caso).
Por sua vez, o nº 5 do art. 229º prescreve: “5 - No caso previsto no número anterior, é deixada a própria carta, de modelo oficial, contendo cópia de todos os elementos referidos no artigo 227.º, bem como a advertência referida na parte final do número anterior, devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exacto em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal; não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do citando, o distribuidor deixa um aviso nos termos do n.º 5 do artigo 228.º.”
A requerida, ora apelante, é uma sociedade comercial unipessoal. Por conseguinte, tal como resulta do disposto no nº 1 do art.11º do DL n.º 129/98, de 13 de Maio, encontra-se inscrita no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas. Dispõe essa norma: “1 - As entidades sujeitas a registo comercial obrigatório e as que o tenham requerido, bem como os actos e factos que a umas e outras respeitem, são oficiosamente inscritos no FCPC, através de comunicação automática electrónica do sistema integrado do registo comercial (SIRCOM).
Por outro lado, não se conhece que a requerida tenha registado o seu endereço de correio electrónico, em ordem a que devesse ter sido possível a opção de citação por via electrónica.
Atenta essa realidade, a respectiva citação deve observar o disposto no art. 246º, nºs 9 e 10, citados supra: a citação é feita por carta registada remetida para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (nºs 9 e 10). E haverá de ser deixada a própria carta, contendo cópia dos elementos necessários, na caixa de correio do citando, devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exato em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal. É o que consta do nº 5 do art. 229º do CPC, aplicável por remissão do nº 9 do art. 246º.
No caso, depois de uma primeira devolução do expediente enviado, por falta de reclamação após ter sidod eixado aviso na sede da requerida, foi precisamente este o procedimento seguido, tendo os CTT dado pronta nota do depósito do expediente no local de destino: o distribuidor postal dos CTT lavrou nota de que, deixou o envelope na caixa de correio da requerida, no dia 23.05.2025, pelas 11h30m.).
Constata-se, assim, que foi cumprido com precisão o regime legal aplicável à citação da ora apelante, o que implica a conclusão pela sua validade e eficácia. Tal regime processual é, de resto, o aplicável para operar a citação pessoal do devedor, num processo de insolvência, prevista no art.º 29º, nº 1 do CIRE.
Não se ignore que o próprio TC., em acórdão de 18/10/2022, proc. nº 652/2022 reconheceu a constitucionalidade da solução, no sentido segundo o qual se considera válida a citação de pessoa coletiva por carta registada remetida para a sede que consta do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, ainda que a mesma corresponda a instalações encerradas, sem que a destinatária da citação tenha comunicado ao referido ficheiro central a alteração da sua sede.
Por isso, no caso, cumprido o regime legal previsto, nem se pode ter por frustrada a citação pessoal da devedora, ora apelante, nem a lei processual prescreve a necessidade de qualquer outra acção tendente a garantir uma efectiva transmissão da informação, como por exemplo a da necessidade de citação dos representes legais da sociedade comercial como sucedâneo da devolução de um primeiro expediente remetido para citação, como acabámos de verificar. Pelo contrário, o remédio legal para esse facto é outro, designadamente uma solução que permite presumir o recebimento da citação pela sociedade destinatária: o da repetição do envio de correspondência postal, com depósito da própria carta na instalação registada como sede da sociedade a citar.
Consequentemente, não pode considerar-se o afastamento da presunção de que a insolvente, ora apelante, teve oportuno conhecimento do acto de citação, pois que todos os pressupostos dessa presunção (inerentes à observância do regime legal de citação) se verificam, não se indiciando – pelo contrário – qualquer fundamento apto a que pudesse ilidir-se essa mesma presunção, iniciativa que, aliás, a apelante, em sede própria, não empreendeu.
Assim, resta concluir pela falta de razões que possam sustentar a afirmação de que foi omitida a citação da insolvente, com as inerentes consequências para a validade de todo o processado ulterior.
Inexiste, pois, qualquer nulidade que, a este propósito se possa identificar.
*
Tendo-se, assim, por eficazmente citada a devedora e por não verificada, no processo, qualquer nulidade decorrente da falta da sua citação, temos por regular a tramitação dos autos até à prolação da sentença que, sucessivamente, tinha de ser notificada à própria devedora já decretada como insolvente.
Diferentemente do alegado pela apelante e sem paralelo com quaisquer outros sujeitos que, nos termos do art. 37º do CIRE, devam ser convocados para o processo, a devedora não é já alguém em relação a quem o processo tenha corrido “à sua revelia”.
Irrelevante, por isso a alegação, pela ora apelante, da necessidade de cumprimento dos procedimentos de citação para a notificação da sentença aos administradores da devedora a quem tenha sido fixada residência. Tal preceito não lhe respeita, tanto mais que, como acima se concluiu, já então se encontrava válida e regularmente citada para a causa.
Por consequência, a notificação da sentença, quanto a si, teria de observar o disposto no art. 249º, nº 1, al. c) do CPC, aplicável por remissão do art. 17º, nº 1 do CIRE: a notificação é feita por carta registada, enviada para a sede da devedora e torna-se eficaz mesmo que seja devolvida (nº 7 da norma citada).
Tal notificação operou-se a 11/7/2025, tendo-se a notificação concretizada a 14/7/2025, nos termos do nº 5 do art. 249º do CPC, tal como afirmou o tribunal na decisão sob recurso.
Ora, nos termos do nº 2 do art. 40º do CIRE, os embargos têm de ser deduzidos no prazo de cinco dias, contados da notificação da sentença. Ou seja no caso, até ao dia 21/7, como igualmente afirmou o tribunal a quo. Consequentemente, ao oferecer os presentes embargos no dia 28/7/2025, já se encontrava esgotado o prazo legal para o efeito.
É, pois, inevitável concordar com o tribunal a quo, na afirmação de que os presentes embargos são “manifestamente” extemporâneos, devendo, por isso, ser rejeitados.
Nestes termos, na rejeição de provimento da presente apelação, deve confirmar-se a decisão recorrida.
*
Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
*
3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento à presente apelação, na confirmação da decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

Porto, 28/10/2025
Rui Moreira
Anabela Miranda
Maria Eiró