Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP20211215663/20.0T8PNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/15/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Na obrigação de indemnizar, com fundamento em enriquecimento sem causa, constitui um ónus do autor alegar e provar a falta de causa da atribuição patrimonial e não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus da prova, que não se prove a existência de uma causa da atribuição é preciso convencer o tribunal da falta de causa. II - O enriquecimento carece de causa, quando não tem uma base legal que o justifique. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | EnriqSemCausa-UniãoFacto-RMF-663/20.0T8PNF.P1 * SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):* ……………………………… ……………………………… ……………………………… --- Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)I. Relatório Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como: - AUTOR: B…, solteiro, maior, operário da construção civil, titular do cartão de cidadão nº …….. e contribuinte nº ………, residente em Av. …, …, Suíça; e - RÉ: C…, divorciada, contribuinte nº ………, residente em …, .., …, Suíça pede o autor a condenação da ré no pagamento da quantia de € 89.573,25 (oitenta e nove mil quinhentos e setenta e três euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida de juros vencidos até integral pagamento. Alegou para o efeito que viveu em união de facto com a ré entre junho de 2004 e julho de 2018 e nesse período despendeu € 29.573,25, com o pagamento de prestações bancárias desde abril de 2012 até julho de 2018, relativas a um empréstimo contraído por ambos, para satisfazer uma dívida da Ré ao ex-marido, por força de benfeitorias feitas pelo casal numa casa propriedade exclusiva da A. Mais alegou que na constância da união realizou benfeitorias no imóvel da ré, que custeou exclusiva e integralmente, pois a ré estava desempregada e cujo montante ascende a €60.000,00. Pretende através da ação obter a restituição de tais quantias, com as quais a ré se locupletou à custa do autor. - Citada a ré contestou, defendendo-se por impugnação.Alegou para o efeito que nem o A. pagou qualquer prestação relativamente ao empréstimo efetivamente contraído, como, de igual modo, as benfeitorias realizadas na habitação da ré foram por esta inteiramente custeadas, sendo também pela ré suportadas as despesas com impostos e taxas. Admite que o autor fez pequenas obras de conservação ( mas sem indicar as obras realizadas) para sua comodidade e lazer, dado que era também no período em causa a sua casa de habitação, usando-a e fruindo da mesma, sem qualquer custo ou participação nas despesas associadas, como sejam a relativas a eletricidade e água consumidas no local. Alegou que foi a ré quem suportou todas as despesas inerentes à manutenção da habitação e demais obras aí realizadas. Em relação à casa da Suíça apesar de ser um arrendamento conjunto e da responsabilidade de ambos, era também a ré que suportava quase a totalidade respetivas despesas, designadamente alimentação, eletricidade, água, telefone, internet, parque de estacionamento, seguros, rádio, televisão e renda. Os trabalhos que executava na casa em Portugal constituíam apenas um sinal de carinho e reconhecimento pelo que a ré fazia por si. Mais alegou que não obstante a ré ter ficado desempregada, continuou a receber da autoridade de Segurança Social da Suíça, prestação ou pensão mensal, bem assim como os abonos e alimentos dos filhos, o que lhe permitiu e permite agora pagar as prestações do dito empréstimo, bem como, assegurar o pagamento de todas as despesas associadas à casa de habitação em causa. O autor sem qualquer cuidado e despesismo, tudo gastava em passeio e vida boémia, com frequência diária de cafés e bares, assim como na aquisição de veículos, tendo mesmo sacado da conta bancária, onde se encontra associado o empréstimo o montante de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), o que fez para comprar um automóvel, valor este que sabe não lhe pertencia e que, por isso, terá de devolver à ré. Alegou, ainda, que pagou diversas ferramentas e maquinaria, que aquele adquiriu para si e que usava no exercício da atividade de jardinagem por si desenvolvida na Suíça. O mesmo sucedendo em relação aos veículos automóveis, que o autor, colocou em nome da ré, pois suportou as despesas com seguros e impostos relativamente aos mesmos, incluindo multas de trânsito e que depois foram por si vendidos, sem que esta tivesse beneficiado ou recebido qualquer valor. Mais referiu que o autor, aproveitando o facto de ter ajudado a ré a obter a concessão do empréstimo em causa e ter partilhado com esta vida em comum, pretende agora ser compensado, sem que daí tivesse até esta data sofrido qualquer prejuízo. Por fim, alegou que nada deve ao autor, porquanto foi quem pagou as despesas relacionadas com a casa de habitação em Portugal, o que fez diretamente e através de compensação pelos pagamentos que fez de forma exclusiva das despesas da casa de habitação da Suíça, e que eram devidas por ambos. - Dispensada a audiência prévia, elaborou-se o despacho saneador e selecionou-se a matéria assente e controvertida com interesse para a decisão.- Realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, não sobrevindo quaisquer questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.- Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:“Tudo visto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, condenando a Ré a satisfazer ao A. a quantia de 2.900 EUR, acrescida de juros à taxa legal das obrigações civis, contados desde a data da citação e até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado. Custas na proporção do decaimento”. - O Autor veio interpor recurso da sentença. - Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:……………………………… ……………………………… ……………………………… - A ré veio apresentar resposta ao recurso, na qual formulou as seguintes conclusões:……………………………… ……………………………… ……………………………… - O recurso foi admitido como recurso de apelação.- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.- II. Fundamentação1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC. As questões a decidir: - reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova; - mérito da causa. - 2. Os factosCom relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: A)Autor e Ré viveram como marido e mulher desde pelo menos junho de 2004 até julho de 2018. B) Autor e Ré são imigrantes na Suíça há vários anos, tendo fixado aí a sua residência na constância da união. C) Viviam em comunhão de cama, mesa e habitação. D) Tomavam juntos as refeições, dormiam na mesma cama, partilhavam a mesma habitação e repartiam as despesas, tinham um projeto de vida em comum. E) Autor e Ré tinham como objetivo comum regressar definitivamente a Portugal, logo que reunissem condições económicas para tal. F) A Ré é proprietária de um imóvel destinado a habitação sito na Rua … .., ….-… …, Amarante, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 857 da união das freguesias … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o número 207/19900417 da freguesia …. cfr. doc 1 e 2 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido. G) Na constância do primeiro casamento a Ré realizou com o ex-marido a construção ao menos do primeiro andar da habitação pelo que, aquando da dissolução do casamento a Ré teve de pagar àquele a título de benfeitorias, a quantia de € 50.000,00. H) A Ré não tinha condições económicas para pagar as tornas, nem para sozinha contrair empréstimo bancário, pelo que em abril de 2012 a Ré solicitou ao Autor que contraíssem em conjunto empréstimo bancário no valor de € 50.000,00 junto do D…, a fim de pagar aquela quantia ao ex-marido, ao que o Autor acedeu. cfr. doc 2 e 3 juntos com a petição e cujo teor se dá por reproduzido. I) Sempre que se deslocavam a Portugal em férias, residiam no referido imóvel, propriedade da Ré, sito na Rua … …, ….-… …, Amarante. J) E era ali que pretendiam residir quando regressassem definitivamente a Portugal. L) Para a conta da Ré na qual era realizado o pagamento das prestações do empréstimo referido em H) o Autor transferiu as seguintes quantias: datado o crédito em conta de 20.04.2016, 400 EUR; de 20.05.2016, 20.06, 20.07, 20.10 e 20.12.2016, 400 EUR e de 27.03.2018, 500 EUR. - 2. Factos não provadosCom interesse para a decisão da causa não se provou que: 1.A mais do 1º andar da habitação referida em G) foi a totalidade desta que a Ré edificou com o ex-marido. 2. Foi o Autor que desde abril de 2012 e até julho de 2018 pagou sozinho as prestações do empréstimo bancário referido em H), com os rendimentos do seu trabalho na Suíça, no valor total que ascendeu à quantia de € 29.573,25. 3. Durante o lapso de tempo referido em A), o Autor, a expensas suas, construiu o muro de divisão do terreno, anexos e uma garagem com cozinha exterior, churrasqueira, casa de banho e quarto; substituiu o telhado, pintou o interior e o exterior da habitação, procedeu à colocação de granito na fachada do imóvel, construiu um poço, colocou sistema de aquecimento com painel solar, caldeira e radiador e ainda uma piscina e jacúzi. 4. Tendo despendido nesses melhoramentos a quantia de € 60.000,00, exclusivamente pagas com dinheiro do Autor. - 3. O direito- Reapreciação da decisão de facto - Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 59, suscita o apelante a reapreciação da decisão da matéria de facto, quando à matéria dos pontos 2 e 3 dos factos julgados não provados. O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3. […]” O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[2]. Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso - fundamentação – com indicação dos meios de prova a reapreciar e quando envolve a reapreciação de prova gravada, indicar por transcrição as passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação. No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e a apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, indicando os concretos factos e prova a reapreciar, bem como, a decisão que sugere. Nos termos do art. 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto. - Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[3]. Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[4]. Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º CC e art. 607º/5, 1ª parte CPC. Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[5]. Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art. 607º/4 CPC). Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão. É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[6]. Contudo, nesta apreciação, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, atos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador[7]. Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[8]. Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[9]. Justifica-se, assim, proceder a uma análise crítica das provas com audição dos registos gravados. Ponderando estes aspetos cumpre reapreciar a prova - testemunhal, documental -, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto. Procedeu-se à audição da prova através do sistema Citius e analisados os depoimentos prestados, bem como, os documentos juntos aos autos justifica-se, em parte, alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor. A impugnação da decisão da matéria de facto versa sobre os seguintes factos julgados não provados: 2. Foi o Autor que desde abril de 2012 e até julho de 2018 pagou sozinho as prestações do empréstimo bancário referido em H), com os rendimentos do seu trabalho na Suíça, no valor total que ascendeu à quantia de € 29.573,25 (resposta aos art. 9º e 11º da petição). 3. Durante o lapso de tempo referido em A), o Autor, a expensas suas, construiu o muro de divisão do terreno, anexos e uma garagem com cozinha exterior, churrasqueira, casa de banho e quarto; substituiu o telhado, pintou o interior e o exterior da habitação, procedeu à colocação de granito na fachada do imóvel, construiu um poço, colocou sistema de aquecimento com painel solar, caldeira e radiador e ainda uma piscina e jacúzi (resposta aos art. 15 e 16 da petição). Na fundamentação da decisão considerou-se, como se passa a transcrever: “A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta a atividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça (cf. Prof. Antunes Varela na RLJ 116/339). Importa considerar que a formação da convicção do juiz e a criação do espírito no julgador de que determinado facto ocorreu e de determinado modo, “se deve fundar numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida. Neste sentido Manuel Tomé Soares Gomes “Um Olhar sobre a Prova em Demanda da Verdade no processo Civil” Revista do CEJ, Dossier temático Prova, Ciência e Justiça - Estudos Apontamentos, Vida do CEJ, Número 3º, 2º Semestre, 2005, pp. 158 e 159. Ensina ainda o Prof. Castro Mendes “a convicção humana é uma convicção de probabilidade”; de evidence and inference, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente”. No nosso sistema processual, com algumas exceções, vigora o sistema da livre apreciação da prova, no que concerne à valoração da prova e à formação da convicção necessária para suportar uma decisão judicial; o qual se caracteriza em duas linhas de força complementares: o tribunal não só aprecia livremente os meios de prova, i.é, o que o meio prova, como é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada meio de prova produzido, hoc sensu, a “quantidade” de prova produzida por aquele meio. Em cada caso, pois, o tribunal é livre para considerar suficiente a prova testemunhal ou por declarações produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior capacidade para convencer o juiz da probabilidade do facto em discussão, hoc sensu, de maior valor probatório. O que se não confunde com o standard ou padrão de prova exigível, que se prende já com o problema do ónus da prova ou, em contraponto, da determinação do conceito dúvida relevante para operar a consequência desse ónus. Quanto a este, vistos os artigos 346º do CC e 516º do CPC, a prova de um facto em juízo é, por princípio, a demonstração de um alto grau de probabilidade (que não de mera possibilidade) de o mesmo corresponder à realidade material dos acontecimentos (dita verdade ontológica). Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz (meio da apreensão e não critério desta) a ideia de que o facto em discussão, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Esta é, de todo o modo, uma regra suscetível de adequação prática, a definir, caso a caso, a partir agora de fatores como - o da acessibilidade dos meios de prova (a natureza pública ou privada dos factos e as circunstâncias do caso, v.e, as partes serem as pessoas normalmente envolvidas nos factos, haver outras testemunhas destes para além das arroladas), - da sua facilidade ou onerosidade, - do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, - do relevo do facto na economia da ação; tudo em termos de elevar ou diminuir a exigência probatória. Por conseguinte, caso a caso, o juiz deve adequar o grau de exigência probatória aos contornos da concreta situação e ao contexto da prova dos factos que a corporizam. Desde logo, considerou-se a prova documental integrada pelos movimentos da conta sobre a qual eram satisfeitas as prestações do empréstimo [confessadamente celebrado (pelos conviventes em união de facto) para assegurar a aquisição pela Ré do imóvel em apreço nos autos, em sede de partilha], juntos aos autos pela instituição bancária respetiva a 16.09.2020, no confronto bem assim com a informação das datas do pagamento das prestações ali constante também, quanto ao facto sob L). Assim emergindo, a mais do que já resultava do documento sob o n.º 4 junto com a petição (que apenas justificava a transferência pelo A. em 20.12.2016), as transferências havidas por provadas e que o pagamento das prestações do mútuo o foi, naquelas ocasiões, assim acautelado, mediante transferência de quantias pelo A. Prova absolutamente ausente, para além ou para lá das declarações pelo Autor mesmo, de que outros pagamentos daquelas prestações por ele tivessem existido, mormente que a totalidade das prestações tenha sido satisfeita com dinheiro seu… Aqui cabe salientar que, estando em causa verdadeiras declarações de parte, não sufragamos, desde logo, a posição restritiva de alguma jurisprudência quanto ao valor das declarações de parte1. Na verdade, estando em causa um sistema de livre apreciação de prova, repudiamos este pré-juízo de desconfiança e de desvalorização das declarações de parte, sendo infundada e incorreta esta postura que degrada prematuramente o valor probatório das declarações de parte. Em primeiro lugar, a prova testemunhal (sendo outrossim evidente o relacionamento particular e mesmo de dependência e por isso que relativamente interessado da referida funcionária da Ré, Ana Alves), a prova pericial e a prova por inspeção estão também sujeitas à livre apreciação do tribunal (Arts. 389, 391 e 396 do Código Civil), sem que se questione que o juiz possa considerar um facto provado só com base numa dessas provas singulares, no limite, só com base num depoimento. Em segundo lugar, desde há muito que se enfatiza que o interesse da testemunha na causa não é fundamento de inabilidade, devendo apenas ser ponderado como um dos fatores a ter em conta na valoração do testemunho. Assim, «Nada impede assim que o juiz forme a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha interessada (até inclusivamente com base nesse depoimento) desde que, ponderando o mesmo com a sua experiência e bom senso, conclua pela credibilidade da testemunha.» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.3.2012, Deolinda Varão, 6584/09). Ou seja, o interesse da parte (que presta declarações) na sorte do litígio não é uma realidade substancialmente distinta da testemunha interessada: a novidade é relativa e não absoluta, a diferença é de grau apenas. Outrossim o julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte ou de testemunha e, só depois, a pessoa da parte ou o interesse da testemunha porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório. A credibilidade das declarações tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstratas pré-constituídas, sob pena de esvaziarmos a utilidade e potencialidade do meio de prova e de nos atermos, novamente, a raciocínios típicos da prova legal de que 1 Sem preocupações de exaustividade: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.11.2014, Pedro Martins, 1878/11, posição reiterada no Acórdão da mesma Relação de 17.12.2014, Pedro Martins, 2952/12; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.6.2014, António José Ramos, 216/11, posição reiterada no Acórdão da mesma Relação de 30.6.2014, António Ramos, 46/13, www.colectaneadejurisprudencia.com. foi exemplo o brocardo testis unis, testis nullus. Sobre a questão, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Almedina 2013, p. 42 e ss. Contudo, como sucedeu ademais e decisivamente com a questão das obras/benfeitorias na casa propriedade da Ré em Portugal, nenhuma prova desinteressada, objetiva, ainda que de mera corroboração periférica, foi efetivamente produzida, por forma a tornar verosímeis ou credíveis, sequer mais prováveis os factos que somente o próprio Autor trouxe à audiência, ainda assim sem grande consistência. Ausente, desde logo, qualquer prova (mormente documental) dos rendimentos do Autor durante a totalidade do período considerando (ao invés da prova pela Ré não apenas de rendimentos próprios, como do pagamento por si – ao longo de lapso de tempo bem mais constante ou significativo - de despesas relativas à vida doméstica do casal, conforme os documentos juntos aos autos, mormente com a contestação). Afastada qualquer prova documental do volume de “despesas” implicadas pela execução de trabalhos pelo Autor. De resto, as únicas testemunhas (para além do A. mesmo) que se reportaram à realização por ele de trabalhos ou obras, os inquilinos do imóvel - de parte deste - no qual executadas, caracterizaram apenas pequenas e pontuais intervenções, mais justificando dúvidas sérias quanto ao pagamento pelo A. dos materiais implicados. Sempre “frágil”/ “escasso” o depoimento mesmo do Autor, que não justificou nem caracterizou com o “pormenor/rigor” que seria natural as obras e respetivo custo, antes procurando exacerbar o significado destas (em termos que prova nenhuma outra corroborou, antes pelo contrário), limitando-se a “atirar” um valor sem qualquer suporte objetivo…Falhando absolutamente nas declarações de parte indicadores “comuns” de veracidade/autenticidade do depoimento, como a espontaneidade na descrição das obras/trabalhos, mediante apontamentos “pessoais”, cumprindo-se/ concretizando-se apenas uma alusão “desencarnada” a “execuções” genéricas de pisos e compartimentos… As regras da experiência comum não determinam qualquer presunção natural de que o A. terá realizado com dinheiro seu a execução de “trabalhos” ou beneficiações no imóvel, ainda quando os referidos inquilinos não tenham deixado de se referir a trabalhos executados manualmente pelo Autor… Contudo, prova inconclusiva das obras efetivamente realizadas/executadas, do valor destas, a se e para o imóvel, da natureza ou significado destas para a valorização do prédio, da sua suscetibilidade de levantamento… Quase tudo generalidades, afirmações vagas e algo “megalómanas”, estas contrariadas frontalmente pelos referidos inquilinos. É o que justifica a convicção e melhor se dirá a falta de convicção do tribunal quanto aos factos alegados pelo A. que, porquanto constitutivos do direito que se arrogava, foram havidos por indemonstrados, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus da prova. Temos por certo que "não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes, equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano" (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais (À Luz do Código Revisto), Coimbra Editora, 1996, pag. 160), bastando que assente num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que dê - em consciência - ao julgador, garantias de que os factos terão ocorrido de certa forma, fora de dúvida razoável, o que, no caso concreto, com a prova produzida, com a forma com as testemunhas depuseram, com aquilo que disseram (e como o fizeram), e com a prova documental apresentada), com a seriedade intelectual que se exige, não cremos ser possível levar a dar como assente outra factualidade e apurar outra verdade”. Sugere o apelante a alteração da decisão no sentido de se julgarem provados os factos impugnados e sustenta tal alteração na informação obtida junto do Banco D… e depoimento das testemunhas E…, F…, G…, H…, I…, J…. Os factos impugnados versam sobre a questão nuclear da ação e que consiste em apurar se durante o período em que autor e ré viveram em união de facto foi o autor, com dinheiro seu, que suportou o pagamento das prestações no contrato de mútuo celebrado por autor e ré e ainda, se foi o autor que, também com dinheiro seu, suportou as despesas com a execução de várias obras na casa que pertence em propriedade à ré. Está assente e admitido por acordo nos autos, que autor e ré viveram em união de facto desde pelo menos junho de 2004 até julho de 2018. Durante este período fixaram a sua residência na Suíça, onde trabalhavam (a ré trabalhou pelo menos até 2012). Neste contexto alegou o autor: - Foi o Autor que desde abril de 2012 e até julho de 2018 pagou sozinho as prestações do empréstimo bancário referido em H), com os rendimentos do seu trabalho na Suíça, no valor total que ascendeu à quantia de € 29.573,25. Esta matéria foi julgada não provada. Pretende o apelante a alteração no sentido de se julgar provada e para o efeito alegou que dos documentos juntos aos autos em 16 de setembro de 2020 pelo D… resulta que no período em que durou a união foi liquidada a quantia de € 26.892,07. Argumenta que dos mesmos elementos decorre que a referida conta era creditada com ordens de pagamento do estrangeiro, nomeadamente da Suíça. Considera o apelante que a conjugação de tais informações bancárias com os factos assentes a respeito da união de facto é suficiente para demonstrar a prova do ponto 2 dos factos impugnados e julgados não provados. Entendemos, porém, que a informação prestada pelo Banco não tem o relevo probatório que o apelante lhe atribui. O Banco D… a solicitação do tribunal e com prévia autorização do autor e ré, em relação empréstimo contraído por autor e ré junto daquela instituição, veio prestar informação sobre o montante pago entre abril de 2012 e julho de 2018 (página 238 a 241 do processo eletrónico). Trata-se de um documento que contém apenas o lançamento do montante da prestação e demais acréscimos, valor pago e montante em divida. Em julho de 2018 o valor pago ascendia € 26.892,07 e o montante em divida a € 44.215,75. Em tal documento não consta quem procedeu ao pagamento da prestação. As demais informações prestadas pela instituição bancária, sob a forma de conta corrente (página 242 a 269 do processo eletrónico), contém os lançamentos a débito e a crédito na respetiva conta bancária. Nesses lançamentos consta a referência a “ordens de pagamento do estrangeiro”, mas em nome da ré. A partir de 2016 registam-se algumas transferências efetuadas pelo autor, mas não constam “ordens de pagamento do estrangeiro” em nome do autor. Os documentos revestindo a natureza de documentos particulares cuja autoria não é atribuída a qualquer das partes, constituem um meio de prova sujeito ao princípio da livre apreciação da prova (art. 607º/5 CPC). Os meros factos apurados por acordo a respeito da situação de união de facto em confronto com tais documentos não permitem concluir que foi apenas e só o autor, com dinheiro seu, que procedeu ao pagamento das prestações do empréstimo que ambos contraíram junto do Banco. Não é isso que resulta dos documentos e por sua vez, o regime de união de facto (Lei 7/2001 de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei 23/2010 de 30 de agosto), não rege sobre a responsabilidade dos unidos de facto em relação às dívidas contraídas na pendência da união, nem sobre o regime dos bens[10]. Será pois, por referência a outros institutos jurídicos que se pode apreciar da responsabilidade interna e externa dos unidos de facto. Com relevância para apreciar os factos impugnados, no estrito âmbito das relações internas dos unidos de facto, apurou-se: F) A Ré é proprietária de um imóvel destinado a habitação sito na Rua … …, ….-… …, Amarante, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 857 da união das freguesias … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o número 207/19900417 da freguesia …, cfr. doc 1 e 2 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido. G) Na constância do primeiro casamento a Ré realizou com o ex-marido a construção ao menos do primeiro andar da habitação pelo que, aquando da dissolução do casamento a Ré teve de pagar àquele a título de benfeitorias, a quantia de € 50.000,00. H) A Ré não tinha condições económicas para pagar as tornas, nem para sozinha contrair empréstimo bancário, pelo que em abril de 2012 a Ré solicitou ao Autor que contraíssem em conjunto empréstimo bancário no valor de € 50.000,00 junto do D…, a fim de pagar aquela quantia ao ex-marido, ao que o Autor acedeu. cfr. doc 2 e 3 juntos com a petição e cujo teor se dá por reproduzido. Da conjugação destes factos não decorre que os unidos de facto convencionaram que apenas o autor suportaria o pagamento das contraprestações e que efetivamente o fez desde abril de 2012 até julho de 2018. Conclui-se, assim, que os fundamentos invocados no confronto com os factos assentes não justificam a alteração da decisão de facto. Passando ao ponto 3 dos factos julgados não provados. Resulta alegado na petição: - Durante o lapso de tempo referido em A), o Autor, a expensas suas, construiu o muro de divisão do terreno, anexos e uma garagem com cozinha exterior, churrasqueira, casa de banho e quarto; substituiu o telhado, pintou o interior e o exterior da habitação, procedeu à colocação de granito na fachada do imóvel, construiu um poço, colocou sistema de aquecimento com painel solar, caldeira e radiador e ainda uma piscina e jacúzi (art. 15 e 16 da petição). Esta matéria foi julgada não provada. Nos factos em reapreciação pretende-se, por um lado, apurar se durante o período em que durou a união de facto se realizaram obras na casa que pertence em propriedade à ré-apelada e por outro lado, saber se foi apenas o autor que executou e suportou com dinheiro seu a execução de tais obras. Ponderando a prova produzida, em particular os excertos dos depoimentos prestados pelas testemunhas, a que faz alusão o apelante para justificar a alteração da decisão, somos levados a concluir que apenas se apurou que foram realizadas algumas obras. A testemunha E…, pai do autor, referiu que quando o filho se encontrava em Portugal o visitava com regularidade em Amarante, na casa que pertence em propriedade à ré. Nessas visitas verificou que “o filho andava sempre a trabalhar; andava a fazer uns anexos; apesar de ser canalizador faz serviço de trolha. Só via o filho a trabalhar na casa”. Referiu que viu a “pôr portas, materiais que trazia da Suíça; colocou as portas no anexo. Construiu uns anexos: sala, casa de banho e cozinha”. Quando questionado sobre se o espaço já existia, disse não saber se estas obras foram realizadas como “aproveitamento de um espaço que já existia”. Perguntou-se se tinha conhecimento de outras obras e a testemunha referiu não saber. Depois, quando questionado diretamente sobre as obras em causa, acabou por afirmar que “viu a colocação do jacúzi e da piscina; um jacúzi foi para o caseiro; instalou-se painéis solares e aquecimento central e substituição do telhado”. Quanto a saber quem suportou as despesas, a testemunha afirmou que “foi o autor quem comprou os materiais”. Ambos auferiam salário, mas “não foi a ré a pagar, devido à situação dela: reformada e tinha que manter dois filhos e os filhos estavam a estudar”. Disse, ainda, que “nunca falou com a ré sobre as obras, nem saber quanto recebia de pensão de alimentos para os filhos”. Referiu, por fim, que o filho esteve desempregado e de baixa na Suíça, desconhecendo se recebia pensão, desconhecendo quanto tempo esteve nessa situação e se foi perto da separação. F…, mãe do autor, disse conhecer a casa da ré e que visitava o filho nessa casa, nos períodos de férias em Portugal. Disse que realizaram obras na garagem, que consistiram na instalação de uma cozinha com tudo equipado. Na garagem instalaram uma marquise, casa de banho e um quarto. Disse, ainda, que colocaram uma churrasqueira, substituiu-se o telhado e pintaram a casa ”era de uma cor e ficou amarela”. Referiu, também, que “colocou painéis solares”. Esclareceu que também colocaram um jacúzi e uma piscina e ainda um jacúzi na casa do inquilino. Quanto a saber quem suportava tais custos, a testemunha disse que “o filho investia dinheiro e ela também”. Referiu, ainda, que nunca falou com a ré sobre as suas fontes de rendimento. Quanto a saber quem suportava as despesas da casa em Portugal, disse que o filho lhe disse que era ele quem as suportava. Por fim, referiu que o autor esteve doente e desempregado, mas não soube dizer durante quanto tempo e em que ocasião. A testemunha G…, vizinho e inquilino da ré, desde 2003, ocupa o rés-do-chão da moradia que a ré possui em Amarante e revelou conhecer autor e ré pelo convívio que mantinha com o casal nos períodos em que se encontrava em Portugal e a residir na habitação. A testemunha revelou, por esse motivo, ter conhecimento que o autor sempre que vinha a Portugal executava obras na moradia e enunciou as seguintes obras: um capoeiro, substituição do telhado, pintura da casa, melhoramentos da cozinha exterior, com pintura; caldeira nova. Referiu, também, que foi montada uma piscina móvel no jardim e depois referiu que até foram instaladas duas piscinas dessa natureza. Instalaram dois jacúzis: um, pequeno, foi instalado junto à cozinha exterior e o outro, o autor doou à testemunha. Referiu, ainda, que foi construída uma churrasqueira junto à cozinha e procedeu-se à abertura de um poço. Quanto a saber quem suportou as despesas com as obras executadas, a testemunha disse não saber quanto custaram as obras e quem pagou. Esclareceu que ”o autor trabalhou nas obras na casa, mas quem pagou não sabe”. A testemunha referiu, ainda, que é procurador da ré e tem autorização para abrir a correspondência. Disse que foram instalados painéis solares na habitação, mas não procederam ao pagamento e cortaram a eletricidade. A casa apenas dispõe de um contador e a testemunha ficou sem eletricidade na sua habitação. Acordou com a ré proceder ao pagamento dos painéis, descontando esse valor na renda que tinha que pagar e desta forma, passou a ter sempre eletricidade. Referiu, ainda, que um fornecedor de materiais para construção reclamou o pagamento e a ré pagou. Disse, ainda, que quem andou a pintar a casa aparece por lá a reclamar o pagamento do preço. A testemunha H…, mulher da anterior testemunha, confirmou que vive na casa arrendada desde 2003 e conhece o autor por ter vivido com a ré. Disse que durante o período em que viveram juntos constatou que pintaram a casa, foi substituído o telhado, construiu-se um galinheiro e foi instalada uma cozinha na garagem e ainda, abriram um poço. O autor trabalhava nestas obras, mas disse que também viu outras pessoas a trabalhar. Referiu que se instalou uma piscina e um jacúzi, mas não tomou conhecimento quem executou tais obras. Disse, ainda, que instalaram painéis solares e que o autor acompanhou a execução dos trabalhos. Contudo, referiu que ”ficaram em nome dela e não pagou”. O marido fez um acordo com a ré e durante dois anos pagou os painéis e descontou na renda. Disse ainda, que a ré pagou uma divida de materiais. Disse desconhecer se foi instalado aquecimento central. A respeito do pagamento e encargos com as obras executadas, a testemunha limitou-se a dizer que “ela dizia que era ela que pagava e já antes da separação”. A testemunha I…, comerciante de materiais de construção em Amarante. A testemunha trabalha na sociedade K…, Lda e disse que no ano de 2015 vendeu materiais de construção (telhas, ripas, cimento, areias, blocos), emitiu as faturas em nome da ré, por ordem do autor, as quais foram pagas no seu estabelecimento pelo autor. Vendeu estes materiais em diferentes ocasiões e os pagamentos realizaram-se com MB, cheque, dinheiro. A entrega dos materiais era realizada pelo funcionário da empresa. A testemunha L… vendedor de artefactos de cimento (churrasqueira, tanques, casotas para cães), disse que há cerca de 5-6 anos o autor acompanhado da ré comprou uma churrasqueira em tijolo e a testemunha foi instalar na casa de habitação. Disse conhecer a ré, por ser seu vizinho. Referiu não ter presente quanto custou a churrasqueira, mas indicou como preço aproximado € 1 500,00 e disse que o pagamento foi efetuado pelo autor, com dinheiro, nas instalações da sua empresa e passado 2 ou 3 dias da instalação. A testemunha passou fatura. A testemunha J…, cunhado da ré, disse que vive na casa ao lado e por isso revelou ter conhecimento das obras executadas na casa durante o período em que autor e ré viveram juntos. Referiu que o autor fez umas obras e outras, o empreiteiro. Referiu que foi construído um coberto em volta da garagem e instalada uma churrasqueira. O empreiteiro substituiu o telhado. Instalaram painéis solares e substitui-se o telhado. O empreiteiro pintou a casa. Elevou-se um muro de divisão. Abriu-se um poço. No sítio da garagem fizeram uma cozinha, um quarto e uma casa de banho. Instalou-se aquecimento central (…a gás, com algumas dúvidas). Referiu, também, que o autor trouxe uma piscina da Suíça, com revestimento em madeira, “daquelas que se compram no “M…””. Quanto a saber quem suportou tais despesas, disse “não saber quem pagou”. Procedeu-se à substituição do contador da eletricidade que passou para o exterior da habitação, obra esta paga pela ré. Mais referiu, que um vendedor de materiais apareceu a reclamar o pagamento de € 150,00, o qual chegou a falar com a ré e a ré disse que pagou. Resulta do depoimento das testemunhas que no período em que autor e ré viveram em união de facto na casa propriedade da ré, realizaram-se obras num espaço que era garagem, com instalação de uma cozinha, casa de banho e quarto; construiu-se um capoeiro; elevou-se um muro de divisão do terreno; instalou-se uma churrasqueira; substituiu-se o telhado; construiu-se um poço; colocaram-se painéis de energia solar e ainda, montou-se uma piscina, com revestimento em madeira e dois jacúzis. Com exceção dos pais do autor, nenhuma outra testemunha revelou ter conhecimento se foi o autor que suportou tais encargos com o seu próprio dinheiro. Efetivamente, o pai referiu que foi o autor que pagou os materiais, sendo certo que não indicou os materiais a que se estava a referir. Por outro lado, não revelou a sua razão de conhecimento. A mãe, por sua vez, referiu que as despesas eram suportadas por ambos, mas sem indicar a razão de ciência e quando questionada sobre os rendimentos do autor e ré, nada revelou saber, para além de nunca ter abordado com a ré essa questão. Apesar de ser o autor que procedia ao pagamento de materiais de construção, como afirmou a testemunha I…, as faturas eram emitidas em nome da ré. Pela análise dos documentos juntos aos autos (faturas juntas a páginas 324-328, 330 do processo eletrónico) constata-se que as faturas eram emitidas em nome da ré. Não se mostram juntos os comprovativos do pagamento. A testemunha não apresentou uma explicação para tal procedimento, mas estes elementos, associado ao facto das obras se realizarem na casa da ré, apenas indiciam que era a ré quem suportava tais despesas, ainda, que o autor contribuísse com o seu trabalho para a sua execução, já que as testemunhas N… e O…, viram o autor a executar trabalhos da área da construção civil na moradia da ré. Quanto à instalação dos painéis solares suscita-se a dúvida sobre quem suportou tal encargo, face ao depoimento prestado pelas testemunhas G… e H…. Esta dúvida sai reforçada pelo facto de resultar dos documentos juntos pela ré, em confronto com o depoimento das mesmas testemunhas, sobre quem assumiu a responsabilidade pela obra de alteração da colocação do contador de eletricidade, que estando no interior da habitação passou para o exterior. Decorre do depoimento da testemunha J… que foi a ré que suportou tal encargo e as faturas e nota de transferência juntas pela ré em 14 de setembro de 2020 (página 274 do processo eletrónico) comprovam isso mesmo. Apesar de não estar em causa apreciar nos autos quem assumiu tal despesa, não se pode ignorar que está associada à colocação dos painéis solares e por outro lado, reforça a veracidade do depoimento destas testemunhas, sobre quem procedeu ao pagamento das despesas com a instalação dos painéis. As testemunhas não revelaram ter conhecimento do revestimento da fachada com granito, pelo que nenhuma prova foi produzida sobre tal matéria. Por unanimidade admitiram ter sido aberto um poço, bem como, instalada uma churrasqueira e ainda, substituído o telhado com pintura exterior da habitação, procedeu-se à montagem de uma piscina amovível e um jacúzi. Apenas a testemunha J… revelou ter conhecimento de obras num muro divisório, referindo apenas que tal muro foi aumentado, o que significa que não foi construído, mas apenas melhorado. Quanto às concretas obras executadas no anexo, resulta da prova que foram introduzidas alterações na garagem, que será uma construção exterior à habitação, porque ali foi instalada uma cozinha nova e totalmente equipada, para além de se construir uma casa de banho e um pequeno quarto. Não resulta da prova que o autor procedeu à construção de anexos e de uma garagem com cozinha exterior. De igual forma, não resulta demonstrado que foi executada uma obra de instalação de aquecimento central, porque as testemunhas nada revelaram saber sobre tal matéria. Apenas a testemunha J… fez alusão a tal facto, mas sem revelar qualquer convicção no depoimento que prestou. A testemunha N… fez alusão a uma caldeira, mas sem grande explicação sobre o assunto. O autor não juntou faturas, nem comprovativos de pagamento, que comprovassem as despesas efetuadas com a aquisição da piscina, jacúzi, cozinha e materiais de construção e a explicação que deu foi por estar em Portugal, explicação que não colhe, porque aqui, como na Suíça, são emitidas faturas dos artigos e materiais transacionados, como aliás decorre dos documentos juntos aos autos pelo próprio autor (páginas 321 e seguintes do processo eletrónico). Conclui-se que reapreciada a prova e tendo presente apenas a alegação do autor sobre tal matéria, se justifica alterar a decisão no sentido de julgar provado que foram executadas algumas obras no prédio propriedade da ré. A prova indicada não permite concluir que tais obras foram realizadas pelo autor a expensas suas. Procedem, em parte, as conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 59, passando a constar dos factos provados, como alínea M): - Durante o lapso de tempo referido em A) foi instalado no prédio descrito em F) uma churrasqueira, substituído o telhado, pintou-se o exterior da habitação, construiu-se um poço, colocaram-se painéis solares e montou-se uma piscina e jacúzi (art. 15º e 16º da petição). Mantêm-se como não provados: - Durante o lapso de tempo referido em A), o Autor, a expensas suas, executou as obras a que se alude em M) e ainda, construiu o muro de divisão do terreno, anexos e uma garagem com cozinha exterior, casa de banho e quarto; pintou o interior da habitação, procedeu à colocação de granito na fachada do imóvel, colocou um sistema de aquecimento, caldeira e radiador (art. 15º e 16º da petição). - - Mérito da causa -Na apreciação das restantes questões cumpre ter presente a seguinte matéria de facto provada e não provada, com as alterações introduzidas por efeito da reapreciação da decisão de facto, as quais constam no texto em itálico: A)Autor e Ré viveram como marido e mulher desde pelo menos junho de 2004 até julho de 2018. B) Autor e Ré são imigrantes na Suíça há vários anos, tendo fixado aí a sua residência na constância da união. C) Viviam em comunhão de cama, mesa e habitação. D) Tomavam juntos as refeições, dormiam na mesma cama, partilhavam a mesma habitação e repartiam as despesas, tinham um projeto de vida em comum. E) Autor e Ré tinham como objetivo comum regressar definitivamente a Portugal, logo que reunissem condições económicas para tal. F) A Ré é proprietária de um imóvel destinado a habitação sito na Rua … …, ….-… …, Amarante, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 857 da união das freguesias … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o número 207/19900417 da freguesia …, cfr. doc 1 e 2 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido. G) Na constância do primeiro casamento a Ré realizou com o ex-marido a construção ao menos do primeiro andar da habitação pelo que, aquando da dissolução do casamento a Ré teve de pagar àquele a título de benfeitorias, a quantia de € 50.000,00. H) A Ré não tinha condições económicas para pagar as tornas, nem para sozinha contrair empréstimo bancário, pelo que em abril de 2012 a Ré solicitou ao Autor que contraíssem em conjunto empréstimo bancário no valor de € 50.000,00 junto do D…, a fim de pagar aquela quantia ao ex-marido, ao que o Autor acedeu. cfr. doc 2 e 3 juntos com a petição e cujo teor se dá por reproduzido. I) Sempre que se deslocavam a Portugal em férias, residiam no referido imóvel, propriedade da Ré, sito na Rua … …, ….-… …, Amarante. J) E era ali que pretendiam residir quando regressassem definitivamente a Portugal. L) Para a conta da Ré na qual era realizado o pagamento das prestações do empréstimo referido em H) o Autor transferiu as seguintes quantias: datado o crédito em conta de 20.04.2016, 400 EUR; de 20.05.2016, 20.06, 20.07, 20.10 e 20.12.2016, 400 EUR e de 27.03.2018, 500 EUR. M) Durante o lapso de tempo referido em A) foi instalado no prédio descrito em F) uma churrasqueira, substituído o telhado, pintou-se o exterior da habitação, construiu-se um poço, colocaram-se painéis solares e montou-se uma piscina e jacúzi (art. 15º e 16º da petição). - 2. Factos não provadosCom interesse para a decisão da causa não se provou que: 1.A mais do 1º andar da habitação referida em G) foi a totalidade desta que a Ré edificou com o ex-marido. 2. Foi o Autor que desde abril de 2012 e até julho de 2018 pagou sozinho as prestações do empréstimo bancário referido em H), com os rendimentos do seu trabalho na Suíça, no valor total que ascendeu à quantia de € 29.573,25. 3. Durante o lapso de tempo referido em A), o Autor, a expensas suas, executou as obras a que se alude em M) e ainda, construiu o muro de divisão do terreno, anexos e uma garagem com cozinha exterior, casa de banho e quarto; pintou o interior da habitação, procedeu à colocação de granito na fachada do imóvel, colocou um sistema de aquecimento, caldeira e radiador (art. 15º e 16º da petição). 4. Tendo despendido nesses melhoramentos a quantia de € 60.000,00, exclusivamente pagas com dinheiro do Autor. - - Da restituição a título de enriquecimento sem causa-Nas conclusões de recurso, sob os pontos 60 a 80, insurge-se o apelante contra a decisão de mérito no pressuposto da alteração da decisão de facto (cfr. pontos 74, 76 das conclusões de recurso). Mas numa segunda ordem de argumentos, que formula a título subsidiário, pretende que pelo facto de se provar que autor e ré viveram em união de facto, se presume que cada um contribuiu em igual percentagem para realização das benfeitorias e pagamento do crédito bancário, devendo a ré ser condenada a pagar ao autor o valor correspondente a metade das prestações despendidas com o pagamento do crédito bancário e com as obras realizadas no imóvel da ré (cfr. pontos 77 a 79 das conclusões de recurso). Mantendo-se inalterada a decisão de facto, quanto às questões essenciais da causa e não se insurgindo o apelante contra a decisão de direito, nada mais cumpre reapreciar. Contudo, sempre se dirá, considerando os argumentos formulados a título subsidiário, que estruturando o apelante a sua pretensão no enriquecimento sem causa, não decorre da aplicação de tal instituto a invocada presunção. O apelante não indica o preceito legal que sustenta tal presunção e assenta a sua formulação em factos que não se provaram quando alega que o autor suportou a totalidade do pagamento das prestações no empréstimo e o custo das obras realizadas. A questão colocada nos autos, tal como o apelante-autor formulou o seu pedido, cumpre em apreciar se estão reunidos os pressupostos para reconhecer o direito à indemnização com fundamento em enriquecimento sem causa, na sequência da cessação da união de facto. Contudo, o direito à restituição do indevido com tal fundamento passa pela verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa. O instituto do enriquecimento sem causa, previsto no art. 473º/1 CC, tem como pressupostos: - o enriquecimento de alguém; - que o enriquecimento careça de causa justificativa; e - que tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição (ou do seu antecessor). De acordo com o nº 2 do art. 473º CPC a obrigação de restituir tem por objeto: - os casos em que nunca existiu causa justificativa para a deslocação patrimonial; - os casos em que, embora existindo inicialmente, essa causa deixou depois de existir; e - os casos em que a deslocação patrimonial teve em vista um determinado efeito que não se verificou. O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, que se pode traduzir num aumento do ativo patrimonial, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes atos sejam suscetíveis de avaliação pecuniária, outras ainda, na poupança de despesas. A vantagem patrimonial de que se trata pode ser objetiva e isoladamente considerada – enriquecimento real - ou ser antes medida através da projeção concreta do ato na situação patrimonial do beneficiário – enriquecimento patrimonial[11]. Como defende MOITINHO DE ALMEIDA o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento constitui uma das condições para se verificar o enriquecimento sem causa[12]. Tradicionalmente a doutrina tem considerado que o empobrecimento será a diminuição ou perda sofrida pelo autor, ocorrida correlativamente ao aumento daí resultante para o património do réu[13]. Por outro lado, o enriquecimento será o resultado do empobrecimento e nisso se consubstancia o nexo de causalidade, o locupletamento à custa alheia (art. 473º/1 CC). Com efeito, as situações de enriquecimento sem causa abrangem não só os casos em que existe uma correlação entre vantagem económica e empobrecimento do outro, mas ainda, os casos em que ao enriquecimento de um dos sujeitos não corresponde o empobrecimento do património do outro, mas a simples privação de um aumento deste[14]. Contudo, a inexistência de causa: “é a condição mais propriamente caracterizadora da ação de locupletamento, uma vez que pressupõe ter havido um enriquecimento injusto, que [se] não fosse injusto não seria sem causa[15]”. Nas situações em que a deslocação patrimonial se opera mediante uma prestação, se a obrigação não existe ou porque nunca foi constituída ou porque já se extinguiu, a prestação carece de causa. A causa do enriquecimento sempre que provém de uma prestação é a relação jurídica que a prestação visa satisfazer. Nos casos em que o enriquecimento não provém de uma prestação do empobrecido ou de terceiro, “[o] enriquecimento é injusto porque segundo a própria lei, ele deve pertencer a outro[16]”. ANTUNES VARELA refere a este respeito que: “[q]uando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrém, o enriquecimento carece de causa[17]”. MENEZES CORDEIRO refere a este respeito que: “[a] ausência de causa emerge, […] da inexistência de normas jurídicas que, a título permissivo, ou de obrigação, levem a considerar o enriquecimento como coisa estatuída, isto é, como coisa tolerada ou querida pelo direito[18]”. ALMEIDA E COSTA considera que o enriquecimento carece de causa: “[…] quando o direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial; sempre que aproveita, em suma, a pessoa diversa daquela a quem, segundo a lei, deveria beneficiar[19]”. A interpretação da doutrina, perante a omissão de qualquer definição legal, serve como um critério de referência que não dispensa a cuidada análise do caso concreto, mas podemos concluir que o enriquecimento carece de causa, quando não tem uma base legal que o justifique. Os pressupostos da ação integram factos positivos e factos negativos[20]. Nos factos positivos incluem-se o enriquecimento da ré, o empobrecimento do autor e o nexo de causalidade. Os factos negativos “consubstanciam a ausência de causa”. ANTUNES VARELA escreve a este respeito: “[a] falta de causa da atribuição patrimonial terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342º, por quem pede a restituição do indevido. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa”[21]. No mesmo sentido, ALMEIDA E COSTA, refere que: “[d]e harmonia com o princípio geral do art. 342º, cabe à pessoa que pede a restituição do indevido não só alegar, mas também provar a falta de causa da atribuição patrimonial”[22]. Na jurisprudência podem citar-se, entre outros, o Ac. STJ 19.02.2013, Proc. 2777/10.6TBPTM.E1.S1 e Ac. STJ 02.02.2010, Proc. 1761/06. 97UPRT.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. No caso concreto, atento o concreto circunstancialismo em análise, é de concluir que na constância da união de facto se realizaram obras na casa pertença da ré, as quais constam da alínea M) dos factos provados. Provou-se, ainda, que o autor suportou parte das prestações do empréstimo, conforme resulta da alínea L) dos factos provados. Contudo, o autor não logrou provar que parte das obras tenham sido realizadas, nem ainda, que as realizadas o foram às suas expensas, assim como, não provou que pagou a totalidade das prestações do empréstimo contraído junto da instituição bancária, o que determinou a decisão sob recurso. Não está demonstrado que a ré sofreu uma vantagem patrimonial à custa do autor. Não ficou pois apurado em toda a extensão e tal como vinha alegado, a falta de causa da atribuição patrimonial, sendo ónus do autor-apelante a prova de tais factos ( art. 342º/1 CC). Resta referir que no acórdão citado, sob o ponto 80 das conclusões de recurso, não está em análise os efeitos da cessação da união de facto, mas os efeitos do divórcio, no casamento celebrado sob o regime da separação de bens, motivo pelo qual não tem aplicação ao caso as considerações ali tecidas. Improcedem, também nesta parte as conclusões, sob os pontos 60 a 80. - Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante e apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em 5/6 e 1/6, respetivamente.- III. Decisão:Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e nessa conformidade: - alterar a decisão de facto, nos seguintes termos: a) aditar a alínea M) aos factos provados, com a seguinte redação: M) Durante o lapso de tempo referido em A) foi instalado no prédio descrito em F) uma churrasqueira, substituído o telhado, pintou-se o exterior da habitação, construiu-se um poço, colocaram-se painéis solares e montou-se uma piscina e jacúzi (art. 15º e 16º da petição). b) julgar não provada a seguinte matéria de facto: 3. Durante o lapso de tempo referido em A), o Autor, a expensas suas, executou as obras a que se alude em M) e ainda, construiu o muro de divisão do terreno, anexos e uma garagem com cozinha exterior, casa de banho e quarto; pintou o interior da habitação, procedeu à colocação de granito na fachada do imóvel, colocou um sistema de aquecimento, caldeira e radiador (art. 15º e 16º da petição). - confirmar a sentença. - Custas a cargo do apelante e apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em 5/6 e 1/6, respetivamente* Porto, 15 de dezembro de 2021(processei e revi – art. 131º/6 CPC) Assinado de forma digital por Ana Paula AmorimManuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais ____________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho 2013, pag. 126. [3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pag. 225. [5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pag.272. [6] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol IV, pag. 569. [7] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt. [8] Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1 – www.dgsi.pt. [9] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt [10] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, Coimbra, Almedina, Setembro 2008, 2ª ed. revista e atualizada pag. 299 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt). [11] A sentença em recurso analisa tal questão de forma exaustiva, por apelo a doutrina e jurisprudência atualizada, com argumentos que acompanhamos e para os quais remetemos. [12] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol.I, 3ª edição, Revista e Atualizada, Coimbra, Livraria Almedina, 1980, pag. 373 [13] L. P.MOITINHO DE ALMEIDA, Enriquecimento sem Causa – Jurisprudência Atualizada, 3ª edição, reimpressão da 3ª edição de Junho /2000, Coimbra, Edições Almedina, SA, 2007, pag. 51. [14] L. P.MOITINHO DE ALMEIDA, Enriquecimento sem Causa – Jurisprudência Atualizada, ob. cit.,pag.61. [15] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, ob. cit., pag. 381-383. [16] L. P.MOITINHO DE ALMEIDA, Enriquecimento sem Causa – Jurisprudência Atualizada, ob.cit., pag. 72. [17] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, ob. cit., pag. 376-379. [18] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, ob. cit., pag. 380. [19] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2º Volume, reimpressão, 1ª edição 1980, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986, pag. 56. [20] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9ª edição, Revista e Aumentada, Coimbra, Livraria Almedina – Coimbra, 2001, pag. 457. [21] Cfr. MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA Direito das Obrigações, 9º edição, revista e aumentada, Coimbra, Almedina, 2001, pag. 449, 450 a 462 e MOITINHO DE ALMEIDA, Enriquecimento sem causa – jurisprudência atualizada, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, pag. 111. [22] JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA Das Obrigações em Geral, vol. I, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 1980, pag. 381. [23] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA Direito das Obrigações, ob. cit., nota (2), pag. 458. |