Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
26292/19.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
MEDIADOR
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
Nº do Documento: RP2021032526292/19.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A convenção de arbitragem consiste numa manifestação de vontade das partes no sentido de atribuir a decisão a árbitros de um litígio presente (compromisso arbitral) ou litígios futuros decorrentes da relação jurídica que vincula as mesmas (cláusula compromissória).
II - Na determinação do conteúdo da convenção de arbitragem, a mesma pode apenas fazer referência à obrigatoriedade genérica de arbitragem (convenção de arbitragem branca) ou então precisar o seu processo e metodologia (convenção de arbitragem completa).
III - A convenção de mediação constitui um acordo entre as partes, mediante o qual as mesmas conferem a um terceiro (o mediador) a função de auxiliar a resolução de um conflito emergente dessa relação contratual, prevalecendo esse meio de intermediação autocompositivo relativamente aos demais meios de resolução heterocompositivos, sejam os arbitrais, sejam os estaduais.
IV - A convenção de mediação poderá ser meramente padronizada (cláusula de mediação genérica), fazendo apenas apelo à intermediação negociada do litígio e ao seu objeto, ou então ser detalhada (cláusula de mediação especificada), indicando os precisos termos a seguir no compromisso de mediação. Mas ambas podem ser graduadas, primeiro apostando-se na intermediação e depois na resolução jurisdicional (cláusula de mediação escalonada).
V - As “cláusulas de arbitragem patológica” são aquelas que revelam uma indefinição no seu enunciado, o qual se repercute no seu âmbito, assim como no correspondente programa contratual, gerando que a opção pela convenção de arbitragem seja vaga ou mesmo indeterminável, de modo que não se possa aferir se houve um nítido afastamento da jurisdição dos tribunais estaduais, sendo nulo esse clausulado quando o mesmo for de todo insanável, o que ocorre quando for manifesta a sua ambiguidade, ininteligibilidade ou contradição.
VI - Estamos perante uma “cláusula de arbitragem patológica insanável” quando no regulamento de condomínio se expressa que “Os litígios entre os Condóminos ou entre estes e a Administração serão, sempre que possível, submetidos a Arbitragem. Quando tal não for possível a Comarca competente para a resolução de litígios será sempre a Comarca do Porto”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 26292/19.1T8PRT.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes;
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos;
Filipe Caroço.
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. No processo n.º 26292/19.1T8PRT do Juízo Local Cível do Porto, J6, da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente: B…

Recorrida: Condomínio do Edifício na Rua ..., …, Rua …

por despacho-saneador proferido em 20/out./2020 foi julgada procedente a excepção de preterição do tribunal arbitral, sendo o réu absolvido da instância.
1.1. A A. em 23/dez./2019 tinha demandado o referido condomínio invocando ser proprietária da fração autónoma designada pela letra F, do prédio urbano correspondente ao referenciado condomínio, assim como a existência de infiltrações de água com origem na parte comum, acabando a primeira por realizar em setembro de 2014 obras a expensas suas nessa fração, em virtude de a Administração do Condomínio não ter efetuado. Mais referiu que as infiltrações foram-se agravando, tendo, por causa das mesmas, a arrendatária que se encontrava nessa fração cessado o contrato de arrendamento, dando conta do sucedido no início de 2016, realizando mais obras em dezembro desse ano, o que tem lhe causado prejuízos, terminando com o seguinte pedido:
“a) Ser o R. condenado a proceder à eliminação da(s) causa(s) dos problemas de humidade/infiltrações de água na fração autónoma da A.;
b) Ser o R. condenado no pagamento à A. da quantia de Eur. 3.330,45, referente ao custo das obras realizadas na fração autónoma da A., em dezembro de 2016, suportado pela mesma;
c) Ser o R. condenado a ressarcir a A. de todas as despesas que se vierem a efectuar para a eliminação dos danos existente na fração autónoma na presente data e ainda os que se manifestarem até à sua efetiva reparação, em virtude das infiltrações em causa nos autos, reservando-se a A. à faculdade de proceder à liquidação do pedido em incidente de liquidação nos termos do previsto no artigo 556.º n.º 1 al. b) do C.P.C.;
d) Ser o R. condenado a suportar as despesas de alojamento da A. e da sua família, em outro local, pelo decurso das obras de reparação, em quantia não inferior a €50,00 (cinquenta euros) por quarto (x 2) por dia, reservando-se a A. à faculdade de proceder à liquidação do pedido em incidente de liquidação nos termos do previsto no artigo 556.º
n.º 1 al. b) do C.P.C.;
e) Ser o R. condenado a pagar à A. o montante de Eur. 9.300,00 a título de lucro cessante, pelas rendas perdidas por causa e como consequência directa do sinistro em causa nos autos;
f) Ser o R. condenado a pagar à A. a quantia de Eur. 5.000,00 a título de danos não patrimoniais;
g) Às quantias supra peticionadas devem acrescer os seguintes juros de mora: i) sobre a quantia de Eur. 3.330,45 os juros vencidos desde o seu pagamento e os vincendos até efetivo e integral pagamento, sendo os juros vencidos liquidados, com referência à presente data, na quantia de Eur. 396,37; ii) quanto às demais quantias peticionadas, incluindo as por liquidar atento estarmos perante um facto ilícito, devem acrescer juros contados à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral cumprimento.
h) Deve ainda o R. ser condenado nas custas (nas quais se incluem as custas de parte) e demais encargos legais.”
1.2. A R. Condomínio contestou em 05/fev./2020 invocando como excepção dilatória a preterição do tribunal arbitral, com base na cláusula 25.ª do regulamento de condomínio, a excepção peremptória de prescrição, impugnando a versão da A., sustentando a procedência das excepções com a correspondente absolvição, primeiro da instância, depois do pedido, julgando-se sempre a ação improcedente.
1.3. A A. em 24/fev./2020 reconhecendo que a lei processual civil não permite de momento a sua pronúncia quanto às excepções deduzidas, limitou-se a impugnar os documentos que foram juntos.
2. A A. em 25/nov./2020 interpôs recurso, sustentando a revogação do despacho-saneador, apresentando as seguintes conclusões:
I - A sentença em crise é totalmente omissa quanto à matéria de facto dada como provada – e não provada -, que se mostra essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, pelo que a decisão proferida é nula, por violação do vertido no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC, o que se invoca para todos os efeitos legais.
II - Em virtude da aludida omissão, a sentença não permite perceber ou compreender como foi formada a convicção do Julgador ou, ainda, sequer entender o motivo pelo qual o Julgador resolveu desatender aos argumentos aduzidos pela Recorrente na sua resposta à matéria de exceção alegada na Contestação do Recorrido, pelo que, in casu, verifica-se a nulidade prevista no artigo 615.°, n.º 1, alínea b) do CPC, o que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
III - O artigo 1434.º do Código Civil, sob a epígrafe “Compromisso Arbitral” prevê que: “A assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos, ou entre condóminos e o administrador (...)”.
IV - Por outro lado, dispõe a Lei da Arbitragem Voluntária, de forma clara e inequívoca, no seu artigo 1.º, n.º 3, o seguinte:
“A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).”
V - Resulta deste preceito legal a distinção, inequívoca, entre compromisso arbitral e cláusula compromissória, que não se confundem, podendo a Assembleia de Condomínio, nos termos legais, apenas deliberar e/ou aprovar compromisso arbitral e já não cláusulas compromissórias.
VI - Deste modo, a cláusula 25ª do alegado regulamento deve ser declarada nula. Sem prejuízo do acima referido, acresce que,
VII - A Recorrente não assinou a cláusula compromissória em apreço, sendo terceira de boa-fé perante a mesma, devendo a mesma ser considerada nula, nos termos do disposto no art.º 2.º e 3.º da LAV. E ainda,
VIII - Não pode a Recorrente estar vinculada a um Regulamento cuja existência lhe era desconhecida, nos termos do artigo 224.º n.º 1 do Código Civil, desconhecendo a Recorrente, sem obrigação de conhecer, se o documento junto aos autos consubstancia, ou não, um regulamento final validamente deliberado pelos Condóminos
IX - Dispõe o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, que o ónus de prova dos factos constitutivos do
direito cabe a quem o alega.
X - O alegado Regulamento do Condomínio não fixa a obrigatoriedade pura e simples do recurso à arbitragem, mas tão só e apenas o seu recurso caso seja possível, tal expressão constitui uma condição de eficácia de recurso à mesma, tendo sido estabelecida pelos seus próprios autores.
XI - Deste modo, inelutavelmente teremos que concluir que ao Recorrido não bastaria alegar a existência, tout court, de uma convenção arbitral - o que nem é o caso - mas sim teria ainda de alegar, e provar, que no caso vertente era possível o recurso à arbitragem, o que não o fez, incumprindo assim o ónus de prova que lhe incumbia.
XII - A douta sentença recorrida violou, designadamente, os artigos 234º, 342º e 1434º, todos do Código Civil e ainda os artigos 1º, 2º e 3ª, todos da LAV
3. O R. condomínio respondeu em 11/jan./2021 pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A. A sentença recorrida não padece de qualquer vício, pelo que foi bem julgada a exceção dilatória de preterição do Tribunal Arbitral, devidamente invocada;
B. Na apreciação da exceção dilatória de preterição do Tribunal Arbitral, os Tribunais Judiciais devem atuar com reserva e permitirem - até por força do disposto no art.º 18, n.º 1 da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) - que seja o próprio Tribunal Arbitral a pronunciar-se quanto à sua competência, exceto em casos de manifesta nulidade da convenção, sendo esta aquela que não necessita de mais prova para ser julgada;
C. Assim, o Tribunal Judicial deve abster-se de produzir prova ou de efetuar uma análise crítica desta para proferir a decisão quanto à competência ou não do Tribunal Arbitral e limitar-se a julgar procedente a exceção dilatória de preterição do Tribunal Arbitral;
D. Tal sucede porque, entre nós, vigora o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz-kompetenz e que, na sua aceção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral;
E. Porquanto, nenhuma nulidade poderá ser assacada à sentença recorrida, pois não cabia ao Tribunal Judicial pronunciar-se sobre a matéria de facto, ainda que esta se encontrasse controvertida, inexistindo por isso a omissão de pronúncia;
F. A convenção de arbitragem designa-se "compromisso arbitral", quando respeita a um litígio atual e "cláusula compromissória", quando se reporta a litígios eventuais, emergentes de uma determinada relação jurídica, contratual ou extracontratual;
G. A Assembleia de Condomínios ao aprovar o Regulamento de Condomínio e, consequentemente, a Cláusula 25.ª pretendeu estabelecer uma Convenção de Arbitragem para, eventuais, litígios futuros;
H. A vontade dos Condóminos, que aprovaram o Regulamento, era de que todos os litígios fossem submetidos a Arbitragem, ou seja, quiseram prever uma Convenção Arbitral que, porque se refere a litígios eventuais, emergentes de uma determinada relação jurídica, contratual ou extracontratual, se designa de “cláusula compromissória”;
I. É perfeitamente válida a cláusula constante de estatutos de um condomínio segundo a qual as questões emergentes das relações reguladas por tais estatutos serão decididas por árbitros, em tribunal arbitral voluntário;
J. Não estamos perante uma manifesta inexistência (nulidade, ineficácia ou inexequibilidade) da convenção de arbitragem invocada, pois, esta é aquela que não necessita de mais prova para ser apreciada, afastando, à partida, qualquer alegação de vícios da vontade na celebração do contrato e deixando ao Tribunal Judicial apenas a consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade;
K. Ainda que houvesse dúvidas sobre a existência da convenção, o Tribunal Judicial deveria optar pela procedência da exceção de preterição do Tribunal Arbitral Voluntário;
L. O facto de a convenção não ter sido assinada pelos outorgantes nem individualizar o litígio a decidir e os respetivos árbitros, não afeta a sua validade;
M. O regulamento do condomínio e, em consequência, as cláusulas que o compõem, assumem natureza real, tendo, por isso, eficácia “erga omnes”;
N. Com efeito, qualquer pessoa que se encontre integrada na organização condominal e exerça poderes correspondentes ao exercício dos direitos condominais está obrigada a respeitar e a cumprir regras previamente estabelecidas pela Assembleia de Condóminos;
O. A alegação da exceção de preterição do Tribunal Arbitral constitui o exercício de direito potestativo, que se dirige tão somente a fazer funcionar o efeito negativo da inobservância, pela Autora/Recorrente, do ónus que para ela decorre da convenção de arbitragem;
P. O ónus de alegar e provar os factos integrantes da matéria excludente da aplicabilidade da Convenção Arbitral é da Autora/Recorrente e não do Réu/Recorrido;
Q. Os recursos destinam-se a reapreciar questões suscitadas e decididas no tribunal recorrido e não a apreciar questões novas, anteriormente não suscitadas, pelo que a questão apenas agora suscitada não pode ser conhecida.
4. Admitido o recurso foi o mesmo remetido a esta Relação, onde foi autuado em 05/fev./2021, realizando-se o exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
5. Não existem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do recurso.
6. O objeto do recurso incide sobre a nulidade do despacho-saneador (a) e a excepção de preterição do tribunal arbitral (b).
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II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Nulidade do despacho-saneador
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121 – NCPC) enumera no seu artigo 615.º n.º 1 os casos de nulidade da sentença, sendo de convocar, face ao recurso aqui em causa, a sua alínea b), quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito”, e alínea d), quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento que justificam a decisão”. Mais será de referir que de acordo com o antecedente artigo 613.º, n.º 3 “O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos”.
No caso em apreço está em causa um despacho-saneador e não propriamente uma sentença, pelo que os apontados vícios terão de coadunar-se à decisão em causa, mais precisamente ao seu objeto. E este reporta-se à cláusula 25.º do Regulamento do condomínio, a qual apesar de não ter sido literalmente transcrita teve plena ressonância no despacho-saneador recorrido, como decorre do seu parágrafo segundo. E esse despacho-saneador pronunciou-se sobre a invocada excepção. Daí que improceda, por ser manifesta a sua falta de sustentabilidade legal, a apontada nulidade do despacho-saneador.
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b) A excepção de preterição do tribunal arbitral
A Constituição da República ao enunciar no seu artigo 209.º a categoria de tribunais, prevê, para além dos tribunais estaduais (n.º 1), os tribunais arbitrais (n.º 2). Estes últimos estão essencialmente regulados na sua organização, estrutura e funcionamento pela Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14/dez., DR I, n.º 238 – LAV).
A LAV veio estabelecer no seu artigo 1.º, epigrafado de “Convenção de arbitragem”, o seguinte: “Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros” (n.º 1). Mais acresce que “É também válida uma convenção de arbitragem relativa a litígios que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transacção sobre o direito controvertido” (n.º 2). De imediato preceitua que “A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória)” (n.º 3) – sendo nosso o negrito, acrescendo ainda os n.os 4 e 5, mas sem relevância no caso em apreço. Os requisitos da convenção de arbitragem estão enunciados no artigo 2.º, preceituando-se logo no n.º 1 que “A convenção de arbitragem deve adoptar forma escrita” e terminando com o n.º 6 ao exigir que “O compromisso arbitral deve determinar o objecto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem”. O artigo 3.º, sobre a “Nulidade da convenção de arbitragem” vem estipular que “É nula a convenção de arbitragem celebrada em violação do disposto nos artigos 1.º e 2.º”
Mais adiante no artigo 5.º, consagra no seu n.º 1 que “O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível” – sendo nosso o negrito. E finda com o n.º 4, ao preceituar que “As questões da nulidade, ineficácia e inexequibilidade de uma convenção de arbitragem não podem ser discutidas autonomamente em acção de simples apreciação proposta em tribunal estadual nem em procedimento cautelar instaurado perante o mesmo tribunal, que tenha como finalidade impedir a constituição ou o funcionamento de um tribunal arbitral”.
Por sua vez, a Lei de Mediação Civil, Comercial e Pública (Lei n.º 29/2013, de 19/abril, DR I, n.º 77 – LMCCP) enuncia no artigo 2.º que “Para efeitos do disposto na presente lei, entende-se por: a) «Mediação» a forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos; b) «Mediador de conflitos» um terceiro, imparcial e independente, desprovido de poderes de imposição aos mediados, que os auxilia na tentativa de construção de um acordo final sobre o objeto do litígio.” – sendo nosso o negrito, agora como adiante. Na antecâmara desta noção legal está o artigo 3.º, alínea a) da Diretiva 2008/52/CE, de 21 de maio de 2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, que define a mediação como “um processo estruturado, independentemente da sua designação ou do modo como lhe é feita referência, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo sobre a resolução do seu litígio com a assistência de um mediador. Este processo pode ser iniciado pelas partes, sugerido ou ordenado por um tribunal, ou imposto pelo direito de um Estado-Membro”. Será, no entanto, de referir que o artigo 35.º, n.º 1 da Lei dos Julgados de Paz (Lei n.º 78/2001, de 13/jul., DRI-A n.º 161), já definia mediação como sendo “uma modalidade extrajudicial de resolução de litígios, de carácter privado, informal, confidencial, voluntário e natureza não contenciosa, em que as partes, com a sua participação activa e directa, são auxiliadas por um mediador a encontrar, por si próprias, uma solução negociada e amigável para o conflito que as opõe”.
O acordo de mediação tem, desde logo, força executiva, sem necessidade de homologação judicial, quando forem observados os requisitos enunciados no artigo 9.º da LMCCP. O seu objeto está delimitado pelo artigo 11.º, o qual preceitua no seu n.º 1 que “Podem ser objeto de mediação de litígios em matéria civil e comercial os litígios que, enquadrando-se nessas matérias, respeitem a interesses de natureza patrimonial”, acrescentando no n.º 2 que “Podem ainda ser objeto de mediação os litígios em matéria civil e comercial que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transação sobre o direito controvertido”.
No artigo 12.º, mediante a epígrafe “Convenção de mediação” e de acordo com o seu n.º 1, estabelece-se que “As partes podem prever, no âmbito de um contrato, que os litígios eventuais emergentes dessa relação jurídica contratual sejam submetidos a mediação”. No que concerne à forma a observar, o n.º 2 estipula que “A convenção referida no número anterior deve adotar a forma escrita, considerando-se esta exigência satisfeita quando a convenção conste de documento escrito assinado pelas partes, troca de cartas, telegramas, telefaxes ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, incluindo meios eletrónicos de comunicação”. Por sua vez o n.º 3 consagra que “É nula a convenção de mediação celebrada em violação do disposto nos números anteriores ou no artigo anterior”. Por último o n.º 4 preceitua que “O tribunal no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de mediação deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, suspender a instância e remeter o processo para mediação.”
A mediação muito embora tenha uma incidência extra-jurisdicional, pode ter duas modalidades processuais distintas, podendo surgir previamente ou contemporaneamente a um processo em tribunal. A primeira está regulada no artigo 13.º da LMCCP, ao prever no seu n.º 1 que “As partes podem, previamente à apresentação de qualquer litígio em tribunal, recorrer à mediação para a resolução desses litígios”. A mesma conduz à suspensão dos prazos de caducidade e prescrição, nos termos estabelecidos no n.º 2 deste artigo 13.º. A segunda tem previsão no artigo 273.º do NCPC, consagrando o seu n.º 1 que “Em qualquer estado da causa, e sempre que o entenda conveniente, o juiz pode determinar a remessa do processo para mediação, suspendendo a instância, salvo quando alguma das partes expressamente se opuser a tal remessa”, acrescentando o n.º 2 que “Sem prejuízo do disposto no número anterior, as partes podem, em conjunto, optar por resolver o litígio por mediação, acordando na suspensão da instância nos termos e pelo prazo máximo previsto no n.º 4 do artigo anterior”.
No caso em apreço, será ainda de atender ao Código Civil, o qual ao regular a propriedade horizontal, na sua secção respeitante à “Administração das partes comuns do edifício” e mediante a epígrafe “Compromisso arbitral”, estabelece no seu artigo 1434.º que “A assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos, ou entre condóminos e o administrador, e fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.”. E como decorre do anteriormente enunciado no n.º 3 do artigo 1.º da LAV o compromisso arbitral visa dirimir um litígio actual e não um litígio vindoiro. Isto significa que perante um conflito contemporâneo – e não futuro – a assembleia de condóminos possa estabelecer uma preferência pelos tribunais arbitrais. Daí que o NCPC, perante a ocorrência de um compromisso arbitral manifestado no decurso de uma ação, tipifique o mesmo como uma causa de extinção da instância, como decorre do seu artigo 277.º, alínea b), precisando-se mais adiante no artigo 280.º, n.º 1 que “Em qualquer estado da causa podem as partes acordar em que a decisão de toda ou parte dela seja cometida a um ou mais árbitros da sua escolha”.
O NCPC enuncia no seu artigo 96.º os casos de incompetência absoluta, sendo um deles, de acordo com a alínea b) “A preterição de tribunal arbitral”. Adiante no artigo 97.º, n.º 1 preceitua que “A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exce[p]to se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.”. Por sua vez, no artigo 99.º consagra que “A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar”. Mais adiante no artigo 278.º, n.º 1 alínea a) reafirma que “O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância: [a)] Quando julgue procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal”. Mas ao disciplinar o conhecimento das excepções dilatórias, consagrada no seu artigo 578.º, exclui da regra da oficiosidade a rejeição do tribunal arbitral – aí menciona que “O tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º”
Do que fica exposto, podemos considerar que a convenção de arbitragem consiste numa manifestação de vontade das partes no sentido de atribuir a decisão a árbitros de um litígio presente (compromisso arbitral) ou litígios futuros decorrentes da relação jurídica que vincula as mesmas (cláusula compromissória). A convenção de arbitragem tem, por isso, um efeito positivo e outro negativo, de atribuição da competência da resolução do conflito. A consequência positiva consiste em permitir a qualquer das partes a constituição de um tribunal arbitral competente para o julgamento do litígio previsto nessa convenção de arbitragem. A consequência negativa é a exclusão dos tribunais estaduais para conhecimento dessa mesma controvérsia. A convenção de arbitragem tem, por isso, reflexos essencialmente de natureza adjetiva, razão pela qual a preterição do tribunal arbitral, o qual tem a competência exclusiva para apreciar o objeto de um certo conflito, presente ou futuro, acaba por corresponder a uma excepção dilatória conducente à absolvição do réu da instância. Atenta a determinação do conteúdo da convenção de arbitragem, podemos constatar que a mesma tanto pode apenas fazer referência à obrigatoriedade genérica de arbitragem (convenção de arbitragem branca), como precisar o seu processo e metodologia (convenção de arbitragem completa).
Por sua vez, a convenção de mediação constitui um acordo entre as partes, mediante o qual as mesmas conferem a um terceiro (o mediador) a função de auxiliar a resolução de um conflito emergente dessa relação contratual, prevalecendo esse meio de intermediação autocompositivo relativamente aos demais meios de resolução heterocompositivos, sejam os arbitrais, sejam os estaduais. A mediação, em si, não soluciona qualquer litígio, promovendo antes um acordo resolutivo, surgindo, por isso, como um meio potenciador de uma resolução ou, se se preferir, uma negociação intermediada de um conflito. A convenção de mediação poderá ser meramente padronizada (cláusula de mediação genérica), fazendo apenas apelo à intermediação negociada do litígio e ao seu objeto, ou então ser detalhada, indicando os precisos termos a seguir no compromisso de mediação (cláusula de mediação especificada). Mas ambas podem ser graduadas, primeiro apostando-se na intermediação e depois na resolução jurisdicional (cláusula de mediação escalonada).
Deste modo a arbitragem voluntária de litígios não se pode confundir com a mediação de conflitos, porquanto aquela é um meio heterocompositivo de resolução de um litígio, enquanto esta representa um meio autocompositivo por intermediação de terceiros, com vista a uma negociação amigável, muito embora sejam igualmente direcionadas para se pôr termo a uma controvérsia. Assim e fazendo apelo a um critério distintivo das obrigações, porquanto ambas derivam de um programa contratual, a primeira corresponde a uma obrigação de resultado, excludente, pelo menos numa primeira fase, da jurisdição dos tribunais judiciais, enquanto a segunda é uma obrigação de meios, compatível com a jurisdição dos tribunais, tanto arbitrários, como estaduais.
A jurisprudência tem vindo a assinalar o vício das “cláusulas patológicas de arbitragem”, como sucedeu em tempos com o Ac. do TRP de 06/mar./1990, in CJ II/203, a propósito de uma cláusula de arbitragem ambígua, mas no âmbito de um contrato de adesão. Posteriormente, no Ac. do TRL de 17/dez./2013 (Des. Ondina Carmo Alves, www.dgsi.pt) veio considerar que as mesmas correspondem a “cláusulas ambíguas ou de elementos errados, mas que não afectam a validade da estipulação de submeter certa matéria a árbitros. Nas situações de incorrecção, ambiguidade ou contradição de uma convenção de arbitragem procurar-se-á salvar a validade da mesma, através de interpretação da declaração negocial, fazendo prevalecer uma cláusula sobre outra, ou atribuindo a duas cláusulas aparentemente contraditórias campos de aplicação distintos, conforme os litígios previstos, sendo a convenção nula, sempre que não for possível desfazer a contradição nela verificada”. Um dos exemplos escola destes casos patológicos insanáveis, ocorre quando se atribui simultaneamente competência aos tribunais arbitrais e aos tribunais judiciais – Ventura, Raúl, “Convenção de Arbitragem”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 46, 1986, pp. 367/8. Assim e sintetizando, consideramos como “cláusulas de arbitragem patológica” aquelas que revelam uma indefinição no seu enunciado, o qual se repercute no seu âmbito, assim como no correspondente programa contratual, gerando que a opção pela convenção de arbitragem seja vaga ou mesmo indeterminável, de modo que não se possa aferir se houve um nítido afastamento da jurisdição dos tribunais estaduais.
Nas regras de interpretação e integração da vontade das partes, temos primacialmente de atender ao disposto no artigo 236.º do Código Civil, o qual consagra a teoria da impressão do destinatário. Assim, no seu n.º 1 preceitua-se que “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, enquanto no n.º 2 afirma-se que “Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”. No subsequente artigo 237.º e no que diz respeito aos casos duvidosos preceitua-se que “Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações”. Porém, avança-se no artigo 238.º, n.º 1 que “Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” e no n.º 2 que “Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”. Mais preceitua-se no artigo 239.º que “Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta”.
Por último e no que concerne aos requisitos do objeto negocial, estipula-se no artigo 280.º, n.º 1 que “É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”. Estas causas de nulidade acrescem àquelas outras expressamente previstas no artigo 3.º da LAV e no artigo 12.º, n.º 3 da LMCCP. Mas, de acordo com o artigo 292.º Código Civil, “A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”, possibilitando, por isso, a sua redução à parte saudável do contratado. E até poderá viabilizar a sua conversão, pois de acordo com o artigo 293.º do Código Civil, “O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidada”. Nesta conformidade, quando a convenção arbitrária ou a convenção de mediação integra uma “cláusula patológica”, esta pode ser sanável (i), quando puder ser reduzida ou então convertida (292.º e 293.º Código Civil), de modo a persistirem os propósitos firmados pelas partes em obter, respetivamente, uma solução arbitral ou um meio de mediação para o seu litígio, ou então revelar-se insanável (ii), o que ocorre quando for manifesta a sua ambiguidade, ininteligibilidade ou contradição insanável (280.º, n.º 1, do Código Civil).
O regulamento do condomínio aqui em causa, preceitua na sua cláusula 25.ª que “Os litígios entre os Condóminos ou entre estes e a Administração serão, sempre que possível, submetidos a Arbitragem. Quando tal não for possível a Comarca competente para a resolução de litígios será sempre a Comarca do Porto”. Atenta a exigência formal de estar reduzida a escrito e fazendo o enunciado normativo alusão a “Arbitragem” e sendo o mesmo dirigido para o futuro, podemos indiciar em 1.ª mão que se trata de uma “cláusula compromissória” e não de um “Compromisso arbitral”, afastando-se do artigo 1434.º do Código Civil. Por outro lado, existe uma nítida contradição entre essa I parte (“submetidos a arbitragem”) e a II parte, ao estatuir, quando tal não for possível, a competência dos tribunais judiciais (“Comarca do Porto”). E isto porque a atribuição de jurisdição aos tribunais arbitrários é excludente da atribuição de competência aos tribunais judiciais, salvo a hipótese de impugnação ou recurso. E poderá esse clausulado ser reduzido ou convertido de modo a preservar apenas a sua I parte? Por outras palavras, haverá uma nítida preferência pelos tribunais arbitrais? Temos sérias dúvidas, porquanto tratando-se de uma “cláusula compromissória em branco”, a constituição do tribunal arbitral passaria sempre e necessariamente por três (3) árbitros (artigo 8.º, n.º 2 da LAV). Tal implica sempre custos exagerados, por mínimo que fosse o conflito de interesses em causa, mormente em função do seu valor. Aliás, a redação ambivalente e graduada desta cláusula, primeiro uma hipotética “arbitragem”, que seria mais mediação, e depois os tribunais judiciais, aponta para uma cláusula de compromisso de mediação escalonada. E essa possibilidade, apenas com um mediador, implica sempre custos mais reduzidos, que uma arbitragem com três árbitros. No entanto a literalidade da menção a “arbitragem”, não permite uma interpretação donde possa legalmente sobressair essa referência a mediação, sendo, além do mais, um nítido “salto no escuro”. Daí que pela sua manifesta indeterminabilidade estejamos perante uma cláusula patológica insanável, sendo a mesma nula (artigo 280.º, n.º 1 parte final do Código Civil). E sendo manifestamente nula a cláusula 25.ª do regulamento do condomínio, não podia o tribunal recorrido apoiar-se na mesma para se julgar absolutamente incompetente, absolvendo o R. condomínio da instância (artigo 5.º, n.º 1 LAV). Nesta conformidade impõe-se a revogação do despacho-saneador recorrido, determinando-se o prosseguimento da ação.
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Na procedência parcial do recurso e tendo havido oposição, as custas ficam a cargo da recorrente e do recorrido, na proporção de ½ para cada um – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso interposto por B… e, em consequência, revoga-se o despacho-saneador, julgando-se os tribunais judicias competentes para esta ação, determinando-se o seu prosseguimento.

Custas deste recurso na proporção de ½ a cargo da recorrente, sendo a outra ½ a suportar pelo recorrido Condomínio.

Notifique.

Porto, 25 de março de 2021
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço