Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MENDES COELHO | ||
Descritores: | SUPRIMENTO DO CONSENTIMENTO ACÇÃO ESPECIAL PROPRIETÁRIO CONFINANTE | ||
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Nº do Documento: | RP20210208701/19.0T8PFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/08/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – A eventual não pronúncia pelo tribunal de primeira instância em relação a factualidade alegada que se tenha por relevante para a apreciação do mérito da causa nunca determina a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, mas sim, na falta de prova plena passível de tal factualidade ser adquirida ao abrigo dos termos conjugados dos artigos 663º, nº 2 e 607º, nº 4, segunda parte, ambos do CPC, a necessidade de ampliação da matéria de facto, tal como previsto na parte final da alínea c), do nº 2, do artigo 662º do Código de Processo Civil; II – A matéria conclusiva (que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito é contrária à matéria estritamente factual que, como decorre do art. 607º nº4 do CPC, deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença; III – Partindo o processo de suprimento do consentimento previsto no art. 1000º do CPC do pressuposto que apenas está em causa a prestação/obtenção do consentimento, só haverá que, relativamente ao caso previsto no art. 1349º nº1 do C.Civil, não o aplicar e eventualmente remeter as partes para acção comum a interpor, quando nele se esboça substanciado litígio entre requerente e requerido sobre a propriedade da coisa objecto da obra; | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº701/19.0T8PFR.P1 (Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Paços de Ferreira) Relator: António Mendes Coelho 1º Adjunto: Joaquim Moura 2º Adjunto: Ana Paula Amorim Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório B…, intentou acção com processo especial de suprimento de consentimento, contra C… e mulher D…, peticionando o suprimento do consentimento dos RR. para poder fazer montagem e passar sobre uma faixa de terreno do prédio dos RR. adjacente à parede poente e a norte de prédio seu que identifica, o andaime, os materiais e operários necessários à realização e conclusão de obra, mediante a indemnização de todos os prejuízos que a execução da mesma causarem aos RR. Alega, para tanto, que adquiriu um prédio rústico que confronta a poente com o prédio dos Réus, tendo edificado, no interior do mesmo, uma casa de rés-do-chão e primeiro andar, sendo necessário, para finalizar a obra, concluir o acabamento de duas fachadas (paredes) situadas a poente e a norte dessa habitação, o que só é possível através do recurso a andaimes que têm que ser montados no terreno dos Réus. Mais alega que os Réus não dão o consentimento para colocação de tais andaimes, pelo que pretende que o mesmo seja suprido, obtendo autorização para, no prédio dos Réus, ocupar o espaço necessário para proceder à montagem de tais andaimes e colocar materiais e utensílios, bem como obter permissão para a passagem de pessoas para poderem executar os trabalhos necessários. Os Réus deduziram oposição, impugnando parte da factualidade alegada e alegando que não permitem o acesso à sua propriedade pois o Autor pretende executar obras em paredes que os Réus consideram suas, constituindo tais trabalhos uma violação do seu direito de propriedade. Procedeu-se a julgamento, tendo na sequência do mesmo sido proferida decisão nos seguintes termos (transcreve-se): “Em face do exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, e, em consequência, autorizo o Autor B… a colocar andaimes no prédio dos Réus C… e D…, bem como a fazer passar pelo mesmo, trabalhadores e materiais necessários à realização e conclusão dos trabalhos descritos nos pontos 5 e 6 dos factos provados, nas paredes a poente e norte do prédio do Autor.” De tal decisão vieram os Réus interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões (transcrevem-se as mesmas, assinalando-se que a respectiva numeração, com certeza por lapso, passa da conclusão VI para a conclusão LVI): ……………………………… ……………………………… ……………………………… O Autor apresentou resposta às alegações dos Réus, na qual pugna pela integral confirmação da decisão recorrida. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Considerando que o objecto do recurso – sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso – é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das nulidades e depois das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar: a) – apurar da verificação das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do nº1 do art. 615º do CPC; b) – apurar se há que ampliar a matéria de facto provada da sentença, no sentido de nela ser incluída a matéria referida pelos Recorrentes; c) – apurar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se a decisão recorrida deve ser revogada ou alterada. ** II – FundamentaçãoVamos ao tratamento da primeira questão enunciada. Os Recorrentes defendem, sob a conclusão II, que na sentença nada é explanado ou aprofundado sobre factualidade que dizem ter alegado na sua contestação (“nomeadamente quanto à existência de diversas paredes na confrontação norte e poente entre os prédios urbanos do Recorrido e Recorrentes, bem como, quanto à intervenção já realizada e acordada entre as partes ocorrida em duas paredes no decorrer do mês de agosto de 2019”) e que por isso ocorre a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC (que referem ao transcrever a sua previsão: “É nula a sentença quando … Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”). E defendem também, sob a conclusão IV, que a sentença sofre igualmente da nulidade prevista na alínea c) daquele mesmo nº1 do art. 615º, ao nela não se fixar, como “facto fundamental”, “qualquer limitação temporal para que o Recorrido possa aceder ao prédio, sendo que (assim) a passagem forçada deixa de ser momentânea”. Apreciemos. Relativamente à primeira, há desde logo que precisar que, como tradicionalmente se considera, só a absoluta falta de fundamentos de facto ou de fundamentos de direito pode a ela conduzir [neste sentido, vide “Manuel de Processo Civil” de Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora, 2ª edição, 1985, pág. 687, e “Código de Processo Civil anotado” de José Lebre de Freitas, vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 669], sendo porém que, numa construção mais recente, também já se defende que a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial, se considera dever ser equiparada àquela falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, levar a tal nulidade (neste sentido, Acórdão do STJ de 2/3/2011, proc. nº161/05.2TBPRD.P1.S1, rel. Cons. Sérgio Poças, disponível em www.dgsi.pt.). Ora, verifica-se da sentença recorrida que da mesma constam elencados, sob a epígrafe com o mesmo nome, os “Factos provados” e que, por outro lado, depois da enunciação da convicção sobre os elementos probatórios que contribuíram para aqueles, sob a epígrafe “O Direito”, faz-se sob tal ponto a explanação do raciocínio de aplicação do direito ao caso concreto, dando-se ali conta de normas jurídicas que se interpretam e consideram para a solução jurídica pela qual se optou. Aqueles factos provados integram os fundamentos de facto (primeira parte do nº3 do art. 607º do CPC) e esta aplicação do direito ao caso concreto integra os fundamentos de direito. É pois óbvio de concluir que estão presentes na peça quer os fundamentos de facto, quer os fundamentos de direito que justificam a decisão. Efectivamente, a eventual não pronúncia pelo tribunal de primeira instância em relação a factualidade alegada que se tenha por relevante para a apreciação do mérito da causa (como é defendido pelos Recorrentes) nunca determina a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação mas sim, na falta de prova plena passível de tal factualidade ser adquirida ao abrigo dos termos conjugados dos artigos 663º, nº 2 e 607º, nº 4, segunda parte, ambos do CPC, a necessidade de ampliação da matéria de facto, tal como previsto na parte final da alínea c), do nº 2, do artigo 662º do Código de Processo Civil. Como tal, improcede tal nulidade. Apreciemos agora a segunda nulidade referida: a da alínea c) do nº1 do art. 615º e que ocorre quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. O vício previsto na primeira parte de tal alínea verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício lógico na construção da sentença. Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade torne a decisão ininteligível. Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projectar na decisão, tornando incompreensível o raciocínio e/ou os argumentos que foram aduzidos para chegar à mesma. Compulsando a sentença recorrida, verifica-se, como já se referiu antes, que nela constam bem elencados e especificados os fundamentos de facto, que dela consta, em sede de fundamentação de direito, a explanação do raciocínio de aplicação aos factos das normas jurídicas e sua interpretação que se tiveram por pertinentes e verifica-se ainda que o seu dispositivo final constitui conclusão e repositório fiel daquela aplicação do direito feita em sede de fundamentação jurídica e do que se concluiu nesta quanto às questões analisadas. Como tal, não se verifica o vício previsto na primeira parte da alínea em causa. Por outro lado, não se detecta na sentença em causa qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, isto é, que torne incompreensível o raciocínio e/ou os argumentos que foram aduzidos para chegar à mesma, pois os raciocínios utilizados pelo tribunal e que dali constam estão perfeitamente explicados e fundamentados e é utilizada linguagem clara e bem perceptível. Aliás, independentemente da adesão ou não a tal decisão e ao caminho jurídico pelo qual enveredou o tribunal recorrido para a ela chegar, é até bem patente da argumentação utilizada pelos Recorrentes na sua peça de recurso que estes, embora imputem deficiências à decisão da matéria de facto constante da sentença em causa e dela discordem em termos de direito, percebem bem tal decisão e o seu alcance. O que os Recorrentes alegam como fundamento da nulidade em apreço – que da sentença não consta “qualquer limitação temporal para que o Recorrido possa aceder ao prédio” -, contenderá, quando muito, apenas com os termos em que o direito foi aplicado (e tal será objecto da terceira questão por nós enunciada) mas não integra qualquer vício gerador de nulidade nos termos que supra se analisaram. Assim, improcede também a nulidade em referência. * Passemos para a segunda questão enunciada.Como se vê das conclusões do seu recurso, os Recorrentes, com base em depoimentos cujos excertos que entendem pertinentes identificam na sua motivação e referem sob a conclusão V (depoimento de parte do Autor, declarações de parte do Réu marido e depoimentos de testemunhas que identificam), pretendem que seja alterada a matéria de facto da sentença recorrida por via da adição à mesma, como provados, dos seguintes itens de factualidade: - “No dia 05 de agosto de 2019 até ao dia 14 de agosto de 2019 os réus facultaram ao autor o acesso de parte da sua propriedade para que o mesmo realizasse as obras que bem entendesse em duas paredes”; - “Os réus reconhecem a propriedade das duas paredes intervencionadas no decorrer do mês de agosto de 2019 a norte e poente do prédio do autor”; - “Os réus não reconhecem a propriedade nas restantes paredes a intervencionar por parte dos réus e que ainda não foram intervencionadas”; - “As paredes intervencionadas no decorrer do mês de agosto de 2019 foram aceites por acordo entre autor e réus, aceitando o autor não intervencionar as restantes paredes”; - “O autor acordou com os réus não intervencionar as paredes/muros que os réus reconhecem ser propriedade sua”. Independentemente da análise de qualquer dos elementos probatórios referidos pelos Recorrentes, há que precisar o que se passa a referir. Resultando do disposto no art. 611º nº1 do CPC que a decisão proferida, quanto à atendibilidade de factos com relevo jurídico que se produzam posteriormente à proposição da acção, corresponde à situação existente no momento do encerramento da discussão (o qual ocorre com a audiência de julgamento), verifica-se que, na sequência de produção de prova que naquele âmbito teve lugar, se deu como provado sob os nºs 4, 5, 6 e 10 dos factos provados da sentença, respectivamente, que “O Autor encontra-se a reconstruir a habitação situada no prédio referido em 1”, que “Para terminar essa obra, o Autor necessita de reparar duas paredes a poente e a norte do prédio referido em 1”, que “A reparação dessas paredes implica a limpeza da pedra da parede para, posteriormente, passar-se à cobertura destas com uma camada de massa fina para impermeabilizar, uma camada de reboco para regularizar a fachada e, por fim, uma camada de acabamento para alisar e finalizar” e que “Os Réus não permitem que os Autores acedam ao seu prédio para proceder à realização dos trabalhos descritos em 5. e 6.”. Tal factualidade nestes pontos dada como provada não pode deixar de ser articulada com o primeiro item de factualidade que os Recorrentes pretendem que seja inserida (“No dia 05 de Agosto de 2019 até ao dia 14 de Agosto de 2019 os réus facultaram ao autor o acesso de parte da sua propriedade para que o mesmo realizasse as obras que bem entendesse em duas paredes”), pois este item deriva da matéria alegada pelos Réus no artigo 3º da sua contestação e a localização temporal do respectivo circunstancialismo ocorre em momento posterior à proposição da acção (pois esta foi proposta em 17 de Junho de 2019 e aqueles factos alegados terão ocorrido entre 5 e 14 de Agosto daquele mesmo ano). Portanto, não obstante os Réus terem feito aquela alegação na sua contestação, o litígio manteve-se após a mesma [note-se que, como dos autos decorre, até chegou a ser decretada suspensão da instância em 23/10/2019 (na primeira data marcada para julgamento) porque as partes disseram haver forte probabilidade de acordo, tendo estas vindo a comunicar aos autos em 11/12/2019 que, afinal, tal acordo não veio a ocorrer]. Assim, mantendo-se o litígio e tendo o tribunal dado como provada aquela factualidade que consta referida sob os nºs 4, 5, 6 e 10 – a qual não pode deixar de ser referida ao encerramento da discussão e não é objecto de impugnação no recurso [para poder ser objecto de impugnação, além de dever ser questionada a sua eventual não prova ou prova em sentido diferente na motivação, com invocação dos pertinentes elementos probatórios, deveria tal pretensão constar das conclusões do recurso (pois são estas que delimitam o respectivo objecto, como resulta dos arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC) e tal, como delas bem se vê, não acontece – no sentido de tal entendimento, vide António Santos Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2018, 5ªedição, pág. 165, e vide ainda os Acórdãos do STJ de 23/2/2010 (proc. 1718/07) e de 22/10/2015 (proc. 212/06), disponíveis em www.dgsi.pt e ali referidos por aquele autor sob a nota 267 sob a asserção de que “São as conclusões que delimitam o objecto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art. 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões”] – é de concluir pela inutilidade da factualidade referida sob aquele primeiro item para a apreciação do mérito da causa. Efectivamente, se o Autor já se serviu antes ou não do prédio dos Réus para levar a cabo obras nas paredes por si referidas, isso não interessa para o casos dos autos, pois mantendo-se o litígio e apurando-se aquela factualidade dada como provada, dela decorre, pelo menos, que ainda há ali que efectuar obras pelos Autores. Sendo inútil tal matéria, não há sequer que ponderar a sua inclusão na factualidade da sentença [no sentido de quando está em causa factualidade sem qualquer relevo efectivo do ponto de vista jurídico para a decisão da causa, o tribunal da Relação deve, quanto a ela, abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe de antemão ser inconsequente ou inútil, vide António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, Almedina, 2008, págs. 285 e 286; no mesmo sentido, vide o Acórdão da Relação do Porto de 5/11/2018 (proc. nº 3737/13.0TBSTS.P1, relator Jorge Seabra) e os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24/4/2012 (proc. nº219/10.6T2VGS.C1, relator Beça Pereira) e de 27/5/2014 (proc. nº1024/12.0T2AVR.C1, relator Moreira do Carmo)]. Resta agora analisar o conteúdo dos restantes itens que os Recorrentes pretendem aditar. Estes outros itens, como deles se vê, integram todos matéria manifestamente conclusiva à mistura com matéria de direito. Na verdade, tudo o que ali se aflora vem na sequência do alegado pelos Réus nos artigos 3º a 7º, 9º, 10º e 12º da sua contestação, onde, a par do reconhecimento da propriedade do Autor relativamente a “duas das paredes” (artigos 3º e 4º), defendem que o seu não consentimento radica no não reconhecimento da propriedade daquele em relação a outras paredes que estarão também em causa (referem-se a uma no artigo 6º e depois referem-se a duas no artigo 12º), que defendem pertencer a si em termos daquele direito. Porém, como se retira do referido pelos Réus naqueles artigos da sua contestação, a invocação da sua propriedade sobre aquelas alegadas outras paredes é feita de modo absolutamente conclusivo, pois limitam-se a afirmar tal direito sem nada concretizar factualmente, quer quanto à identificação estrita e inequívoca de tais paredes, quer quanto ao modo de aquisição de tal propriedade (eram já pertença do seu prédio quando o adquiriram? foram por si construídas? vieram à sua propriedade de uma qualquer outra forma? Nada reconduzível a qualquer destas ou outra forma de adquirir mencionam...). Assim, sendo a matéria daqueles itens de natureza conclusiva e também de direito, a mesma é contrária à matéria estritamente factual que deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença, como explicitamente decorre do nº4 do art. 607º do CPC [note-se que a inclusão nos fundamentos de facto da sentença de matéria conclusiva (desde que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito enquadra-se na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil, considerando-se uma deficiência na decisão da matéria de facto – sobre esta problemática, vide Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, Almedina, 2018, págs. 304 e 306]. Deste modo, não sendo a matéria dos itens em causa susceptível de poder figurar como matéria de facto na sentença, é, logo por tal motivo, de rejeitar a pretensão dos Recorrentes no sentido da sua consideração. Na sequência de tudo quanto se vem de analisar, é de concluir pela não alteração da matéria de facto da sentença recorrida. * Passemos para a terceira questão enunciada.É a seguinte a matéria de facto a ter em conta [no caso, toda a referida na sentença recorrida e só composta por factos provados, pois, como se viu, não logrou procedência a alteração propugnada pelos Recorrentes]: 1. Pela Ap. 2530, de 10/10/2016, encontra-se registada, a favor do Autor, a propriedade do prédio urbano situado em …, Rua …, composto por casa de rés-do-chão e andar com logradouro, com área coberta de 222 m2 e área descoberta de 112 m2, a confrontar do Norte com caminho público, do sul com Lote n.º ., do Nascente com Lote n.º ., do Poente com Estrada Municipal e E…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º 1708/20020516. 2. Pela Ap. 9 de 7/05/2005, encontra-se registada, a favor dos Réus, a propriedade do prédio urbano situado em …, com área coberta de 120 m2 e área descoberta de 228 m2, composto por casa térrea e cortes – horta e ramadas – a confrontar de norte com caminho, de nascente com F…, de sul com G… e do poente com estrada camarária, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º 786/20090714. 3. O prédio do Autor, referido em 1., confronta a poente e a norte com o prédio dos Réus referido em 2.; 4. O Autor encontra-se a reconstruir a habitação situada no prédio referido em 1. 5. Para terminar essa obra, o Autor necessita de reparar duas paredes a poente e a norte do prédio referido em 1.. 6. A reparação dessas paredes implica a limpeza da pedra da parede para, posteriormente, passar-se à cobertura destas com uma camada de massa fina para impermeabilizar, uma camada de reboco para regularizar a fachada e, por fim, uma camada de acabamento para alisar e finalizar. 7. A realização de tais obras só é possível através da colocação de andaimes no prédio dos Réus. 8. E implica a passagem, por esse prédio, de materiais de construção e trabalhadores. 9. Em Janeiro de 2019, o Autor interpelou verbalmente os Réus para que os mesmos consentissem na colocação do referido andaime e permitissem a passagem e materiais e trabalhadores pelo seu prédio. 10. Os Réus não permitem que os Autores acedam ao seu prédio para proceder à realização dos trabalhos descritos em 5. e 6. * Aqui chegados, cumpre desde já dizer que o tribunal de primeira instância, na sentença que proferiu, faz a aplicação do direito aos factos apurados de forma que, a nosso ver, se nos afigura como absolutamente clara e bem fundamentada.Encontra-se ali bem analisado, inclusivamente com menção de doutrina e jurisprudência pertinentes, o comando da principal norma jurídica em causa – o art. 1349º do C.Civil, onde sob o seu nº1 de preceitua que “Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos” – e é feita, com plena pertinência, a sua aplicação ao caso em apreço, salientando-se (vide penúltimo parágrafo da fundamentação de direito) que, como resulta do seu nº3, o proprietário do prédio onerado com quaisquer dos actos previstos no seu nº1 tem o direito a ser indemnizado do prejuízo eventualmente por si sofrido e decorrente dos mesmos. Na verdade, a aplicação de tal preceito e, por via da sua previsão, o suprimento do consentimento dos proprietários do prédio onerado através do processo especial previsto no art. 1000º do CPC, não podia deixar de ser a opção a tomar, face à posição adoptada pelos Réus e à factualidade apurada. Efectivamente, como se vê do seu articulado de contestação, os Réus, como fundamento para recusarem o acesso do Autor pelo seu prédio, invocam duas coisas: que há paredes sobre as quais o Autor pretensamente quer efectuar obras que são da sua propriedade (como já se referiu no tratamento da segunda questão enunciada) e que iam intentar acção judicial para obter o reconhecimento da propriedade de tais paredes (vide artigos 6º e 12º da sua contestação). Desta acção judicial nada se sabe – nomeadamente se foi interposta ou não – e, por isso, não havia que ponderar, pelo menos até à prolação da sentença recorrida, de um qualquer possível efeito da mesma sobre a questão em discussão nos presentes autos. Por outro lado, quanto à sua alegada propriedade sobre paredes ali existentes e sobre as quais o Autor pretende efectuar obras, os Réus, como já se assinalou, limitam-se a afirmar conclusivamente que tais paredes são de sua propriedade sem nada concretizar factualmente em termos de modo de aquisição da específica propriedade das mesmas. Se estivesse concretizada, em termos de alegação factual minimamente substanciada, a aquisição da propriedade de tais paredes a favor dos Réus e que estas são, ou também são, visadas pelas obras que o Autor pretende efectuar, estava, a nosso ver, comprometida a possibilidade de funcionar o processo de suprimento de consentimento em apreço. Efectivamente, este processo (como nos parece decorrer do nº1 do art. 1000º do CPC) parte do pressuposto que o que está em causa é apenas a prestação/obtenção do consentimento e, como tal, estando nele esboçado substanciado litígio entre requerente e requerido sobre a propriedade da coisa objecto da obra, tal consentimento já não poderia através dele ser suprido (sob pena de se arriscar estar a autorizar um acto sobre coisa não pertença do requerente e, por isso, não lícito) e deveriam as partes ser remetidas para acção comum em que se alegasse e pedisse o reconhecimento da propriedade de tais paredes e, nesse âmbito, se acautelasse, no sentido da sua procedência ou improcedência, o reconhecimento do direito previsto naquele art. 1349º nº1 do C.Civil. Não estando concretizada de forma substanciada, como se referiu, a aquisição da propriedade de tais paredes a favor dos Réus e tendo-se dado como provada a matéria referida sob os nºs 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10, é manifesta a aplicabilidade da previsão daquele nº1 do art. 1349º, e, tendo ocorrido a recusa do consentimento por parte dos Réus, o seu suprimento por via do processo especial que corresponde aos presentes autos. Resta agora analisar o detalhe de não ter sido fixado na decisão recorrida qualquer limitação temporal para o Autor poder aceder às paredes da sua casa pelo prédio dos Réus, ou, dizendo de outra forma, de ali não se ter fixado qualquer prazo ou período temporal para tal (o que, como se viu aquando do tratamento da primeira questão enunciada, foi inclusivamente invocado como fundamento de nulidade da sentença recorrida). Como se vê da petição inicial, não foi pedido pelo Autor qualquer prazo nem a fixação de qualquer período temporal para a realização das obras por si indicadas. Por sua vez, os Réus, ora Recorrentes, não levantam na sua contestação qualquer questão relacionada com esse detalhe. Portanto, a fixação de prazo ou período temporal para a passagem pelo prédio dos Réus, para a realização das obras, não tinha que ser fixada na decisão, pois isso era ir além do pedido (art. 609º nº1 do CPC) e, ainda que se admitisse, porque estamos na presença de um processo de jurisdição voluntária (e, por isso, não sujeito a critérios de legalidade estrita quanto à providência a tomar – art. 987º do CPC), que tal questão pudesse ser equacionada, a mesma não foi sequer levantada pelos Réus. Isto é, o tribunal de primeira instância não podia “adivinhar” e debruçar-se sobre algo que não era questão que lhe tivesse sido posta, sendo que, não lhe tendo sido posta, não tinha que sobre ela se pronunciar. Assim sendo, aqui chegados, é de concluir que a questão em referência, porque só agora levantada em sede de recurso, é uma questão nova. Ora, exceptuando os casos legalmente previstos [verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC), existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2 do CPC), alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do CPC) ou a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do CPC)], os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas (sobre esta matéria, veja-se, António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2020, 6ª edição, Almedina, págs. 139 a 141, anotação 5; Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª edição, Almedina 2009, páginas 153 a 158). Como tal, não compete a este tribunal da Relação conhecer de tal questão (embora sempre se possa dizer que, como decorre da própria previsão do nº1 do art. 1349º do C.Civil, a passagem ou a prática de outros actos análogos pelo prédio alheio estará sempre indexada à feitura das obras em causa e ao período de duração destas). Face ao que se veio de analisar e decidir anteriormente, é de concluir pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida. As custas do recurso são da responsabilidade dos recorrentes, que decaíram (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):……………………………… ……………………………… ……………………………… ** III – DecisãoPor tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes. *** Porto, 08/02/2021Mendes Coelho Joaquim Moura Ana Paula Amorim |