Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
464/24.7YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO MARCELO DE NÓBREGA DOS SANTOS DE FREITAS ARAÚJO
Descritores: RENÚNCIA AO MANDATO
ADIAMENTO DO JULGAMENTO
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RP20250127464/24.7YIPRT.P1
Data do Acordão: 01/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O entendimento de que a renúncia ao mandato forense produz efeitos desde a data da sua manifestação em juízo não encontra, na actualidade, qualquer respaldo legal, doutrinal ou jurisprudencial.
II - Para a plena produção de efeitos da renúncia ao mandato, nos casos em que o patrocínio judiciário é obrigatório, é necessário, em primeiro lugar, que ela seja notificada ao mandante e, para além disso, que este constitua novo mandatário ou que decorram desde aquela notificação os vinte dias a que alude o art. 47.º/3 do Código de Processo Civil.
III - A junção de requerimento de renúncia ao mandato e a falta de comparência do mandatário por esse motivo não determinam o adiamento da audiência de julgamento designada em data anterior.
IV - Para que um vício relativo à tramitação processual seja susceptível de, eventualmente, inquinar a validade da sentença, é necessário que a nulidade processual apenas seja evidenciada na própria decisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: AECOP nº464/24.7YIPRT.P1

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL):

Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Anabela Mendes Morais
2.º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida

RELATÓRIO:
A..., UNIPESSOAL, LDA., titular do NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ..., intentou procedimento de injunção contra B..., LDA., com o NIPC ..., sediada na Rua ..., ..., ....
Requereu a condenação da requerida no pagamento da quantia de € 5.607,15, sendo € 5.411,23 a título de capital, € 53,92 por juros de mora, € 40,00 por outras quantias e € 102,00 da taxa de justiça paga.
Para o efeito e em síntese, alegou que requerente e requerida celebraram contrato de “Acordo de Gestão de Frota”, em 06/09/2018, com início em 01/10/2018, segundo o qual a primeira se disponibilizou a alugar à segunda, as diversas ferramentas e demais equipamentos da marca ...”, melhor identificados nas duas Cotações anexas ao Contrato, posteriormente actualizado, pelo período de quatro anos.
Nesse contexto, na sequência do furto de alguns dos equipamentos abrangidos pelo contrato, que se encontravam na posse da requerida, mas da propriedade da requerente, esta procedeu, nos termos do contrato, à emissão da fatura ..., datada de 31/10/2023, com vencimento em 05/12/2023, no valor de € 4.859,00, ao qual se soma a quantia de € 552,23, titulada pela fatura n.º ..., de 11/09/2023, com vencimento em 05/11/2023, respeitante ao fornecimento de bens e serviços mediante solicitação da requerida.
Devidamente notificada, a requerida deduziu oposição, na qual, em resumo, reconheceu a celebração do “Acordo de Gestão de Frota” e que, na sequência do furto de equipamentos, a requerente tem direito a recorrer ao seguro e, junto do processo crime, a conseguir a devolução das ferramentas ou requerer a respectiva indemnização por danos, pretendendo receber em duplicado, em enriquecimento sem causa, e que, quanto ao fornecimento, que a requerente rescindiu o contrato das ferramentas furtadas depois de a requerida ter adquirido consumíveis para essas ferramentas que ficou impossibilitada de utilizar.
Suscitou ainda a questão da ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir, que foi julgada improcedente, por decisão transitada em julgado, proferida a 24/3/2024.
Antes dessa data, mediante requerimento de 9/2/2024, a requerente reduziu o pedido, mercê de pagamento parcial da requerida, para € 5.054,92, com o acréscimo de juros de mora vencidos e vincendos sobre o capital de € 4.859,00, desde a data da apresentação da injunção, e custas da acção, o que foi admitido por despacho de 15/2/2024.
A audiência de julgamento foi designada para 09/10/2024.
Todavia, na véspera, o il. mandatário da requerida juntou requerimento de renúncia ao mandato.
Na sequência, foi proferido despacho, em audiência e na data designada, que determinou: Uma vez que a renúncia ao mandato comunicada no requerimento que antecede não foi ainda notificada ao mandante e considerando o disposto no artigo 47º, nº 2, do CPC, inexiste fundamento para a não realização da audiência de julgamento sendo que a ausência do ilustre mandatário da requerida, neste pressuposto, não configura fundamento do adiamento da audiência de julgamento (artº 603º, nº 1, do CPC e artº 4º, nº 2, do DL 269/98, de 01/09). Notifique.
Em consequência, prosseguiu o julgamento, com a audição das testemunhas indicadas pela requerente, findo o qual, através de notificações elaboradas a 9/10/2024, à requerida e ao il. mandatário foi dado conhecimento da renúncia e do despacho.
Até que a 11/10/2024, data que havia sido designada para o efeito no final da primeira sessão, foi proferida sentença que, julgando totalmente procedente a ação, condenou a requerida a pagar à requerente a quantia global de 4.952,92 Euros, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal aplicável às obrigações emergentes de transações comerciais sobre o montante de capital em dívida, desde 04/01/2024 até efectivo e integral pagamento, bem como nas custas processuais.
E dessa decisão, inconformada, veio a requerida, juntando para o efeito procuração a favor do mesmo il. mandatário que desde o início a representara, interpor o presente recurso, admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Rematou com as seguintes conclusões:
I. A ré foi condenada a pagar à autora a quantia de 4.952,92 euros acrescida de juros de mora, incorrendo a mesma, salvo melhor opinião, em nulidade.
II. O valor da acção, conforme consta da Douta Sentença é de 5.505,15 euros.
III. No dia 09 de Outubro de 2024, pelas 09:30 horas encontrava-se agendada a audiência de discussão e julgamento, tendo o mandatário no dia anterior procedido à junção aos autos da competente renuncia ao mandato, tendo em conta que a ré não tinha condições para suportar os custos de deslocação.
IV. No dia da audiência de discussão e julgamento foi proferido despacho em que a ré dispunha de prazo para constituir novo mandatário.
V. Sucede, que a audiência de discussão e julgamento não foi adiada nem suspensa até a ré constituir novo mandatário, tendo sido realizada a audiência de discussão e julgamento com a presença da autora e das suas testemunhas, sem que a ré ou algum dos seus mandatários estivesse presente.
VI. Pelo que, a ré não esteve presente, nem representada, nem tão pouco apresentou os seus meios de prova.
VII. Tendo sido proferida sentença no dia 11 de Outubro de 2024, ou seja, dois dias depois, sendo a ré notificada para constituir novo mandatário e ao mesmo tempo notificada da sentença.
VIII. Ora, nos termos do artigo 40.º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil, é obrigatória a constituição de advogado, nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário.
IX. Como referido, estamos perante um processo com o valor de 5.505,15 euros, logo, sendo admissível recurso ordinário.
X. Pelo que, era obrigatória a constituição de mandatário, devendo a ré ter sido notificada para constituir novo mandatário, devendo a audiência de discussão e julgamento ser suspensa até essa constituição.
XI. E só a partir dessa constituição deveria ter sido retomada a audiência de discussão e julgamento.
XII. Desta forma, a audiência de discussão e julgamento e consequentemente a Douta Sentença encontram-se feridas de nulidade, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do Código Processo Civil e artigo 20.º da Constituição da República.
Culminou com o pedido de, com o provimento do recurso, seja julgado que a audiência de discussão e julgamento e consequente sentença estão feridas de nulidade.
A requerente não ofereceu resposta ao recurso.
A primeira instância proferiu decisão sobre a arguição de nulidade, nos termos do art. 617.º do CPC, julgando-a não verificada.
Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual foi admitido na forma e com os efeitos legalmente previstos.
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OBJECTO DO RECURSO:
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC).
Assim sendo, importa apreciar:
a) Se em consequência da junção do requerimento de renúncia do mandatário, na véspera da data designada para a sua realização, e da subsequente ausência à diligência, a audiência de julgamento deveria ter sido adiada (conclusões I a XI do recurso);
b) Se a falta de adiamento, não sendo justificada, determina a nulidade da audiência de julgamento e da sentença (conclusão XII).
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FUNDAMENTAÇÃO:
Considerando que os factos relevantes a considerar são os que resultam do relatório, entendemos que as duas questões enunciadas no objecto do recurso merecem, manifestamente, resposta negativa.
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I) Relativamente à primeira, importa desde logo convocar o regime previsto para a renúncia ao mandato no art. 47.º do Código de Processo Civil.
Nos termos dessa disposição legal, a revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária (nº1).
Para além disso, dispõe essa norma que os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte (nº2).
Acrescentando ainda no seu nº3 (para além do que consta nos seus nºs seguintes, de que agora não importa cuidar) que nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias:
a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;
b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados;
c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante (nº3).
À luz deste regime, e em atenção à expressa determinação nesse sentido contida no referido nº2 do art. 47.º do CPC, tem-se por evidente que a produção de efeitos da renúncia ao mandato apenas tem início na data em que a sua notificação à parte se considera realizada.
Ou seja, de acordo com o disposto nos arts. 248.º e 249.º/1 do CPC, no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando não o seja.
Até essa data, a renúncia ainda não produz qualquer efeito.
Em consequência, subsistem integralmente os direitos e deveres inerentes ao mandato e, por isso, o renunciante continua a representar a parte em juízo e a assumir a qualidade processual de seu mandatário.
Sem que essa asserção, por outro lado, conheça excepção ou desvio em função de, face ao valor da causa ou mercê de outro fundamento previsto para o efeito no art. 40.º/1 do CPC, ser obrigatória a constituição de advogado, como resulta da singela razão de o mandato persistir, encontrando-se a parte, por isso, devidamente representada.
Na verdade, a este respeito, o art. 47.º do CPC não deixa margem para quaisquer dúvidas, visto que, expressamente, impõe a produção de efeitos da renúncia reportada à data da sua notificação.
A letra dessa norma apenas concede espaço para eventuais divergências de entendimento quanto à questão de saber como actuar quando, após a devida notificação, a renúncia já iniciou a produção de efeitos e, apesar disso, ainda decorre o prazo de vinte dias para a constituição de novo advogado a que alude o art. 47.º/3 do CPC.
Mesmo nessa situação, porém, a doutrina e a jurisprudência convergem no sentido de o mandatário renunciante persistir constituído na obrigação de representar a parte em juízo até que se complete o referido prazo para a junção de nova procuração.
Assim, segundo a doutrina, a renúncia “é imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário por advogado não for obrigatório. Já nos demais, deu-se guarida à necessidade de tutelar os interesses da parte patrocinada, persistindo o mandato por mais 20 dias após a notificação da renúncia” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pp. 79-80).
Vale por dizer, pois, que a tutela dos interesses da parte que viu o seu mandatário renunciar é assegurada, não pela suspensão da instância ou pelo adiamento da diligência designada para os 20 dias subsequentes, mas através da manutenção dos direitos e deveres inerentes ao primitivo mandato, apesar da notificação da renúncia, enquanto aquele prazo estiver em curso.
Identicamente, a jurisprudência tem sentenciado que, “sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário (n.º 3 do citado artigo 47.º), razão pela qual, a parte continua a ser assistida pelo mandatário renunciante, que continua vinculado às obrigações decorrentes do mandato forense”.
Acrescentando que “este regime visa justamente acautelar a produção de efeitos negativos para a parte, quando o patrocínio é obrigatório, e a parte não consegue imediatamente constituir novo mandatário, daí que o advogado renunciante continue ligado ao mandato, durante 20 dias, até, dentro deste prazo, o mandante constituir novo mandatário, extinguindo-se, então, o primeiro mandato” (cfr. Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 27/11/2023, tirado no processo 13284/21.1T8PRT-A, da autoria de Manuel Domingos Fernandes e disponível na base de dados da Dgsi em linha).
Assim, o entendimento de que a renúncia ao mandato produz efeitos desde a data da sua manifestação em juízo não encontra, na actualidade, qualquer respaldo legal, doutrinal ou jurisprudencial.
Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/3/2020, “sendo o patrocínio judiciário obrigatório, a renúncia ao mandato não produz os seus efeitos imediatamente após a notificação pessoal do mandante, mas sim quando este constitua novo advogado ou decorrido o prazo de 20 dias após a notificação da renúncia (corpo do n.º 3 do citado artigo 47.º). Nesse interim, a parte continua a ser assistida pelo mandatário renunciante, que continua vinculado às obrigações decorrentes do mandato forense.
Mais: “sendo a revogação do mandato forense e a renúncia ao mesmo declarações negociais receptícias, só serão eficazes se e quando chegarem ao conhecimento do destinatário” (cfr. processo 25561/15.6T8PRT-C, sendo o aresto relatado por Joaquim Moura e estando acessível no citado sítio).
Digamos, pois, que do regime legal relativo à renúncia ao mandato e da sua evolução resulta claro que o início da produção dos seus efeitos ocorre na data de notificação, por um lado e, por outro, que eles apenas se produzem integralmente com a constituição de novo advogado ou no final do prazo de vinte dias após a notificação.
Em consequência, passou a estar consolidado o entendimento segundo o qual “o art. 47º, nº 3, CPC deve ser interpretado no sentido de que, nas ações em que é obrigatório o patrocínio, havendo o mandatário renunciado ao mandato sem que a parte, notificada pessoalmente, tenha constituído entretanto advogado, a renúncia ao mandato só produz efeitos [em pleno, acrescentamos nós] após o decurso do prazo de vinte dias legalmente estabelecido para o mandante constituir novo mandatário, significando que durante esse período se mantém o mandato inicial”.
E daí que “o prazo de 20 dias, legalmente fixado, não suspende ou interrompe o prazo processual em curso” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/2/2021, relativo ao processo 5403/18.1T8VIS, relatado por Jorge Arcanjo e pesquisável na mesma base de dados).
Tratou-se, aliás, de uma orientação que emergiu da reforma processual de 1995/96, no sentido de evitar o recurso sistemático à figura da renúncia ao mandato como manobra dilatória e impeditiva da realização de julgamentos que até então grassava com relativo sucesso.
E que, no entanto, não tinha, as mais das vezes, real correspondência com uma quebra de confiança ou qualquer outro motivo de autêntico dissídio entre a parte e o seu representante forense.
À semelhança, na verdade, do que aconteceu nos presentes autos, no âmbito dos quais a renúncia teve por base, segundo foi alegado, a dificuldade de custear as despesas de deslocação do mandatário, mantendo este, porém, a representação da requerida, já posteriormente, na interposição do recurso que visou a anulação do julgamento.
É justificado convocar, atenta a sua manifesta similitude com o caso em apreciação, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/11/2009, relativo a um processo em que, na véspera do final do prazo para interposição do recurso, o mandatário de uma das partes renunciou, pretendendo-se que essa renúncia tivesse por efeito a suspensão do processo ou a interrupção do prazo que se encontrava em curso.
Todavia, a esse propósito, o aresto foi cristalino e assertivo no sentido de que “a interpretação defendida pelos recorrentes considerando que a mera apresentação da renúncia ao mandato desvincula, ipso facto, o Advogado, suspendendo ou até interrompendo o prazo processual em curso, não tem apoio mínimo na letra da lei”.
Referindo igualmente estar assente que “a alteração introduzida no art. 39º do Código de Processo Civil [actual art. 47.º do mesmo diploma], pela Reforma Processual de 1995/96, foi a de não deixar o mandatário-renunciante ad eternum no exercício do mandato, já que na primitiva redacção do preceito inexistia previsto o prazo razoável de 20 dias para o mandante constituir novo advogado, o que redundava em severa sanção para quem desejava retirar-se do patrocínio forense”.
E, citando doutrina, destacou ainda que “estabeleceu-se um prazo legal de vinte dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial” e que “embora a lei tenha deixado de o dizer expressamente, tal resulta do prosseguimento do processo até ao termo do prazo” (cfr. processo 2822/06.0TBAGD-A, estando o aresto, da autoria de Fonseca Ramos, disponível na citada base de dados).
Importa sublinhar, por fim, que o estabelecimento do referido prazo de vinte dias (salvo se, antes do seu final, ocorrer a constituição de novo advogado) para a produção plena dos efeitos da renúncia ao mandato foi já objecto de decisão do Tribunal Constitucional, o qual, no Acórdão 671/2017 (consultável na sua base de dados em linha), decidiu “não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 47.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), segundo a qual, sendo obrigatória a constituição de advogado, a renúncia ao mandato não produz efeitos enquanto não decorrer o prazo de 20 dias, concedido ao mandante para constituir mandatário”.
Em resultado do exposto, duas conclusões são forçosas nestes autos:
a) a junção do requerimento de renúncia ao mandato não produzia ainda qualquer efeito quanto à manutenção desse vínculo na data designada para a realização da audiência de julgamento e não poderia determinar o seu adiamento; e
b) a realização ou não dessa diligência, por esse motivo, teria de ser decidida com base nas normas especificamente previstas para o efeito.
Ora, a falta de comparência de advogado com base na mera junção da renúncia ao mandato, na verdade, não constitui motivo idóneo de adiamento da audiência de julgamento, atento o disposto no art. 603.º CPC.
E para o qual, segundo deve entender-se, remete o art. 4.º do Regime previsto para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes do contrato pelo DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, quando estejam em causa acções de valor superior à alçada do tribunal de 1.ª instância.
Improcedem, por isso, e manifestamente, as conclusões I a XI do recurso, o que sempre teria por efeito prejudicar a procedência da última.
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II) Ainda se dirá, porém, a benefício da devida organização processual, que importa distinguir claramente as nulidades processuais, cometidas por acção ou omissão durante o procedimento, das nulidades da sentença, previstas no art. 615.º do CPC.
As primeiras, “sendo actos de tramitação processual stricto sensu, que se situam a montante da decisão final, não se confundem com os actos ou omissões praticadas pelo tribunal, já a jusante, no âmbito do processo decisório e com este concomitantes, como integrando este, actos que tangem ao âmago da decisão, nulidades de conhecimento, de índole material decisória, que a lei adjectiva também considera e classifica como nulidades do julgamento ou da sentença” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/2022, relatado por Nuno Ataíde das Neves, no processo nº9337/19.4T8LSB, acessível em texto integral na referida base de dados).
Dito por outras palavras, ao passo que as nulidades do procedimento, que estão previstas nos art. 186.º e seguintes do CPC, versam sobre vícios relativos à tramitação processual, as nulidades da sentença decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, quando tais decisões não têm o conteúdo que deveriam ter ou têm um conteúdo que não poderiam ter, nos termos do art. 615.º do do Código de Processo Civil, para a primeira instância, e nos seus arts. 666.º e 685.º para os tribunais superiores.
Ora, não se vislumbra, no caso dos autos, nem é indicado nas alegações de recurso, a verificação de qualquer circunstância, na sentença, que possa constituir fundamento, segundo o disposto no art. 615.º do CPC, para a sua nulidade.
É certo que esse vício tem sido reconhecido perante nulidades prévias à sentença que, independentemente de implicarem ou não desvio ao formalismo processual exigido por lei, inquinam a decisão final, passando a configurar-se “como omissões ou vícios de natureza material ou substantiva, cometidos no próprio momento da decisão, corrompendo esta” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/2022, acima citado).
A verdade, todavia, é que para tal acontecer, por qualquer das vias em que se possa manifestar (nomeadamente, em omissões imediatamente prévias à sentença, nas decisões surpresa e, para alguns, na ausência do convite ao aperfeiçoamento), é sempre necessário “que a nulidade processual apenas seja evidenciada pela própria decisão” (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., pp. 24-9).
Algo que, se bem pensamos, não poderia ser reconhecido na situação em apreço, certo que a realização da audiência de julgamento foi decidida em despacho autónomo, do qual as partes foram devidamente notificadas e contra o qual a recorrente poderia ter reagido especificamente e que, afinal, transitou em julgado sem qualquer impugnação.
Razões pelas quais, segundo entendemos, mesmo que, ao arrepio do que acima ficou abundantemente justificado, fosse de considerar que a realização da audiência de julgamento traduzisse um acto contrário ao formalismo legal, tendo ela sido determinada em despacho anterior à sentença, passível de recurso próprio, que não foi interposto, não poderia ter o efeito de inquinar a referida decisão final.
Impõe-se concluir, pois, pela total improcedência do recurso.
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DECISÃO:
Com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente, que nele decaiu (art. 527.º do CPC).
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SUMÁRIO
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(o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico)

Porto, 27/01/2025
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Anabela Morais
Fernanda Almeida