Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
246/23.3T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
REQUISITOS DE RECORRIBILIDADE / ARTº 629º
1 CPC
VALOR DA SUCUMBÊNCIA APURADO PELA UTILIDADE ECONÓMICA DA PERDA (E NÃO DO VENCIMENTO) E CORRESPONDENTE DECAIMENTO
Nº do Documento: RP20240115246/23.3T8VLG.P1
Data do Acordão: 01/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 629º, nº 1, do CPC, constituem requisitos cumulativos da recorribilidade da decisão, que: i) o valor da causa seja superior à alçada do tribunal de que se recorre, no caso do recurso de apelação, a alçada do tribunal de 1ª instância, esta de €5.000,00; ii) e que a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (isto é, que seja superior a €2.500,00), atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
II - O requisito mencionado em ii) – valor da sucumbência – reporta-se à utilidade económica da perda e não já e não do vencimento, e correspondente decaimento, total ou parcial na ação.
III. Assim se, por via da ação, a A. pretendia a condenação da Ré no pagamento da quantia de €1.410,00, ainda que à ação tenha sido fixado valor superior a €5.000,00 e a A. tenha obtido ganho total da ação, não é admissível recurso de apelação pela Ré dado o valor da sucumbência (de €1.410,00), ser inferior a metade do valor da alçada da 1ª instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 13

Processo 246/23.3T8VLG.P1
Relator – Paula Leal de Carvalho (Reg. 1376)
Adjuntos: Des. António Luís Carvalhão
Des. Nelson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

1. A..., LDA., intentou contra AA, ação declarativa de condenação, com processo comum, formulando o seguinte pedido:
- “ser declarada a ilicitude da resolução, por iniciativa da ré, do contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré, por:
- Falta de indicação sucinta dos factos que justificam a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa na respetiva comunicação escrita da ré (o que, apesar de não gerar invalidade da declaração extintiva, obsta imediatamente a que possa ser reconhecida a alegada justa causa, determinando a sua irregularidade, com as consequências previstas nos art.ºs 399.º e 401.º do Código do Trabalho);
Ou, se assim se não entender,
- Verificar-se a caducidade do direito da ré de resolução do contrato de trabalho por se encontrar ultrapassado o prazo previsto no n.º 1, do art.º 395.º, do Código do Trabalho;
Ou se se assim se não entender,
- Não resultar demonstrada e provada a justa causa de resolução do contrato de trabalho.
Mais deve a ré ser condenada a pagar à autora uma indemnização no valor de 1.410,00€ (mil quatrocentos e dez euros), ao abrigo do disposto no artigo 399.º, do Código do Trabalho.”
Atribuiu à ação o valor de 1.410,00€.

A Ré contestou impugnando o alegado pela A., mais considerando ter existido justa causa para resolução do contrato de trabalho, concluindo no sentido de a “acção ser julgada totalmente improcedente por não provada, assim como as excepções invocadas na mesma, com a absolvição da ré do pedido contra si formulado.”
Quanto ao valor referiu: “o da acção.”

Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho que fixou “o valor da presente causa em €5.287,50 (cinco mil, duzentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos), (artigos 297º, nº1 e 301º, nºs 1 e 2, todos do CPC)”, bem como foi proferido despacho saneador/sentença que decidiu julgar a “acção procedente por provada e em consequência:
a) declaro a ilicitude da resolução, por iniciativa da Ré, do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré;
b) condeno a Ré a pagar à Autora uma indemnização no valor de €1.410,00, ao abrigo do disposto no artigo 399º do Código do Trabalho.
*
Custas a cargo da Ré, (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a Ré.”

Inconformada, veio a Ré recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I – A comunicação da resolução do contrato pela Apelante, foi levada a cabo por si própria, sendo que a mesma não tem conhecimentos jurídicos para qualificar minuciosamente factos do fundamento sucinto que indicou na sua missiva, sabia que não podia continuar a relação laboral, mesmo com o período de baixa em que esteve em tempo de tratamento e espera de melhoras psíquicas causadas pelos factos sucintos que referiu na sua missiva.
II – A comunicação de resolução que a apelante enviou à apelada foi entendida em toda a sua plenitude por esta, ora apelada, como resulta da sua carta resposta.
III - Na contestação apresentada à acção intentada pela apelada estão devidamente especificados todos os factos, que também resultam de forma clara do entendimento da comunicação, com os factos alegados na petição inicial da apelada.
IV - Sempre a contestação apresentada pela ora apelante, corresponderiam à correcção de qualquer virtual vicio, nos termos do n.º 4 do artigo 398.º do Código do Trabalho.
V – Três requisitos devem ser preenchidos com vista à configuração de uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador: 1. Comportamento violador dos direitos do trabalhador; 2. Atribuição a título de culpa do comportamento do empregador; 3. Que o referido comportamento torne imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência da relação laboral.
VI - A justa causa de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar as situações anormais e particularmente graves, mas apreciadas na perspetiva do trabalhador, até porque este não dispõe qualquer outro mecanismo de reacção a conduta que seja violadora dos seus direitos.
NORMAS VIOLADAS:
Artigo 395.º n.º 1, artigo 394.º n.º 4, artigo 398.º n.º 4 e artigo 399.º todos do Código do Trabalho.
SENDO DADO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA APELANTE E DECIDINDO-SE EM CONFORMIDADE, COM DECLARAÇÃO DA LICITUDE DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO LEVADA A CABO POR SUA INICIATIVA, JULGANDO TOTALMENTE INPROCEDENTE A ACÇÃO INTENTADA PELA APELADA, (…)”.

A A. contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso [não formulou conclusões].

A 1ª instância proferiu despacho de admissão do recurso, a subir imediatamente, nos autos, com efeito devolutivo.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não conhecimento do recurso “porque a imputação de vícios à decisão recorrida é inexistente” ou do seu não provimento, ao qual apenas a Recorrente respondeu, dele discordando.

Após o despacho de 20.10.2023, que determinou o prévio cumprimento do contraditório, a ora relatora, aos 14.11.2023, proferiu a seguinte decisão singular: “Assim, sendo o valor da sucumbência da Ré/Recorrente inferior a metade da alçada da 1ª instância, não se admite o recurso pela mesma interposto aos 07.06.2023.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe haja sido concedido.”

Veio a Ré/Recorrente requer que sobre a mencionada decisão recaia acórdão, alegando que:
“1. A Apelada nos autos intentou acção declarativa de condenação contra a ora Apelante, com processo comum,
2. Nessa acção a Apelada, nestes autos, pediu a condenação da Ré, ora Apelante no pagamento de indemnização à Autora/Apelada, no valor de €1.410,00 (mil quatrocentos e dez euros).
3. A Ré/Apelante, contestou impugnando o alegado pela Autora/Apelada, considerando existir justa causa para resolução do contrato de trabalho, concluindo pela improcedência da acção, nada acrescentando ao valor atribuído pela Autora/Apelada.
4. Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho pelo tribunal “a quo” fixando o valor da acção em €5.287,50 (cinco mil duzentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos), decidindo pelo pagamento pela Ré/Apelante a título de indemnização a quantia de €1.410,00 (mil quatrocentos e dez euros).
5. Foi proferida a decisão singular: “… sendo o valor da sucumbência da Ré/Recorrente inferior a metade da alçada da 1ª instância, não se admite o recurso pela mesma interposto aos 07.06.2023.”
Sobre o valor
6. Realmente o disposto no artigo 79º do C.P.T. não é aplicável, e por isso verificável como fundamento para o conhecimento do objecto do recurso.
7. O tribunal da 1ª instância fixou à causa o valor de €5.287,50, ou seja, valor superior à alçada do tribunal que proferiu a sentença em crise.
8. Esse valor foi fixado pelo tribunal “a quo” com fundamento no valor indemnizatório e pela aplicação conjugada dos artigos 297º nº1 e 301º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sendo tal somatório o valor constante da sentença.
9. Acresce que a aqui Apelante, então Ré, não formulou qualquer pedido, inexistindo sucumbência da sua parte,
10. O valor da sucumbência, corresponde à determinação da medida em que uma decisão judicial é desfavorável relativamente a uma das partes do processo.
11. A sentença em apreciação de recurso, foi proferida assim: “Deste modo e sem necessidade de ulteriores considerações, julgo a presente acção procedente por provada e em consequência…”, ou seja, não foi parcialmente procedente, pelo que a sucumbência da Ré/Apelante é total.
12. O Prof. Manuel Andrade ensina e doutrina. “(…) Parte vencida é aquela que decaiu no pleito – aquela a quem a sentença seja desfavorável, por não ter acolhido a sua pretensão, já negando-lhe o direito que deduziu em juízo ou não chegando a apreciar a sua existência (artigo 288º), já reconhecendo o direito deduzido pela outra parte. A sucumbência equivale, portanto, ao insucesso na lide. (…)”
13. Insiste e completa o Prof. “(…) para a apreciação da sucumbência só interessa conhecer o preceito da sentença confrontando com a posição de cada um dos litigantes, isto é, o resultado do processo para cada um deles. A sentença não deixa de ser desfavorável a certa parte pelo facto de não ter atendido a todas as razões do adversário (…) (“Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, Coimbra, pág. 343)”.
14. Por último o artigo 629º nº1 do Código de Processo Civil, esclarece, in fine, “atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”
Entende-se, com o devido respeito, que deverá ser admitido o recurso interposto pela Apelante em 07.06.2023, e por isso, que recaia acórdão sobre a matéria da decisão singular proferida pela Exma Senhora Desembargadora/Relatora nesta Apelação.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Fundamentação de Facto

A. Tem-se como assente o que consta do relatório precedente e, ainda, o seguinte:

B. É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“Resultam provados por acordo das partes, os seguintes factos:
1. A autora dedica-se à fabricação de artigos de viagem e de uso pessoal de marroquinaria, de correiro e de seleiro; comércio por grosso e fabrico de brindes e artigos de pele; e Agência de Publicidade.
2. A autora, em 1 de março de 2017, admitiu a ré ao seu serviço, para sob as suas ordens e fiscalização, exercer as funções de administrativa mediante o pagamento da retribuição mensal de 557,00€.
3. A retribuição mensal, em resultado das sucessivas atualizações, no ano de 2022 passou a ser de 705,00€.
4. A ré, devido a situação de doença, esteve de baixa médica desde 7/04/2022 até 21/12/2022.
5. A ré, através de correio eletrónico remetido em 21/12/2022 às 14h15m, comunicou à autora:
“Boa tarde, Informo que a minha baixa médica acaba hoje e não será renovada.
Pretendo assim proceder ao gozo dos 21 dias de férias relativos a 2022 que ainda me restam.
Peço ainda que procedam ao pagamento do respetivo subsídio. (…)”.
6. - Através de correio eletrónico remetido em 27/12/2022, às 11h33m, a autora comunicou à ré:
“Bom dia
Folgo em saber que te encontras de boa saúde.
O subsídio de férias será processado durante esta semana.
Quanto ao gozo de férias:
1º - gozas 8 dias agora de imediato, de 22 de Dezembro a 02 de Janeiro de 2023 inclusive. (período em que a Empresa se encontra encerrada como sabes)
2º - os restantes 13 dias não gozados relativos a 2022 serão remarcados de acordo com as necessidades do serviço da Empresa. (de acordo com o nº2 do art. 244 do código de trabalho)
Assim deverás apresentar-te ao serviço no próximo dia 3 de Janeiro. (…)”.
7. Através de carta registada com aviso de receção, datada de 30 de dezembro de 2022, rececionada em 3 de janeiro de 2023, com “Assunto: resolução do contrato de trabalho”, a ré comunicou à autora:
“Exmºs Senhores,
Os meus cumprimentos,
AA, contratada por essa empresa para exercer a categoria profissional de Administrativa desde 1 de Março de 2017, por força de contrato de trabalho a termo certo celebrado nessa data, vem resolver o referido contrato com justa causa, com efeitos imediatos à recepção por V. Exas. da presente carta e/ou do email, fundamentando tal resolução na violação culposa de garantias legais, designadamente a prática de assédio pela entidade patronal, assédio esse nas suas diversas formas, nomeadamente “mobbing”, todos com consequências na sua saúde mental de forma duradoura que determinou um longo período de baixa médica, sendo conclusão dos clínicos que a situação de assédio não permite retomar o trabalho (artigo 394.º n.º 2 alínea b) e artigo 29.º, ambos do Código do trabalho).
Requerendo o pagamento dos respectivos créditos salariais incluindo a indemnização por despedimento com justa causa por minha iniciativa, até dia 10 de Janeiro de 2023.
Solicito ainda, no mesmo prazo e nos termos do artigo 341.º do Código do Trabalho o envio imediato do certificado de trabalho e a declaração de situação de desemprego com justa causa (mod.-5044). (…)”.
8. Através de carta datada de 3 de janeiro de 2023, remetida em 4/01/2023 e rececionada pela ré em 5/01/2023, a autora respondeu e comunicou à ré o seguinte:
“(…) Acusamos a recepção da V/ carta datada de 30 de dezembro de 2022, a qual nos mereceu a melhor atenção.
Em relação ao teor da V/ carta, cumpre-nos repudiar, por ser falso, a pretensa prática de assédio por esta entidade empregadora, em qualquer das suas formas ou modalidades, designadamente a invocada de “mobbing”.
Foi-lhe assegurado e facultado um ambiente de trabalho de sã convivência e de boas condições de trabalho.
Como sempre foi prática desta empresa na relação com os seus trabalhadores e
colaboradores, sempre pautámos a conduta para com V.ª Ex.a segundo os ditames do maior respeito, educação e preocupação pelo seu bem estar.
Mesmo depois de entrar de baixa médica e durante o longo período em que permaneceu nessa situação, sempre manifestamos a nossa solidariedade, o nosso apoio e a nossa preocupação, com sinceros votos de uma plena e rápida recuperação.
Por conseguinte, não podemos, de maneira alguma, aceitar a conduta que falsamente nos imputa, pois nunca foi alvo de quaisquer práticas de assédio por parte desta empresa.
Como muito bem sabe, a sua missiva surge na sequência de não termos atendido à sua pretensão de marcação do período integral do seu gozo de férias imediatamente após a cessação da sua baixa médica, pois, como lhe referimos, estamos desfalcados de pessoal e a sua prestação de trabalho é necessária neste período.
Como sabe, informámos que, para além dos 8 dias de gozo de férias imediatamente subsequentes à cessação da sua baixa médica (22 de dezembro de 2022 a 2 de janeiro de 2023), iríamos proceder à marcação do período remanescente do gozo de férias de acordo com as necessidades do serviço da empresa.
Nos termos do disposto no artigo 244.º, n.º 2, do Código do Trabalho, o período correspondente aos dias de férias não gozados deve marcado por acordo ou, na falta deste, pelo empregador, sem sujeição ao disposto no n.º 3 do art.º 241.º, do Código do Trabalho.
A lei não confere o direito ao trabalhador de impor, a seu bel-prazer e sem qualquer consideração para com as necessidades de trabalho da empresa, a marcação do período de férias não gozado.
E, face ao desagrado de não termos atendido à sua pretensão, V.ª Ex.a está a usar de um expediente que bem sabe ser falso, com o único fito de não se apresentar ao trabalho e procurar beneficiar indevidamente de um apoio à situação de desemprego em que voluntariamente se colocou sem qualquer motivo justificativo.
Por conseguinte, cumpre informar que não só não reconhecemos a existência do fundamento invocado para a justa causa da cessação do contrato de trabalho por sua iniciativa como iremos recorrer à via judicial, com as consequências daí decorrentes, designadamente no que concerne ao direito à indemnização pelos prejuízos causados (não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401.º, do Código do Trabalho), esgotado que se encontre o prazo de retratação uma vez que não procedeu ao reconhecimento presencial da sua assinatura.
. Por último, cumpre informar que, esgotado o prazo de retratação sem que V.ª Ex.a opte por exercer a mesma, será o respetivo contrato de trabalho consideração cessado por sua iniciativa, mas sem justa causa, e ser-lhe-ão disponibilizados o certificado de trabalho e a respetiva declaração de situação de desemprego. (…)”.
9. Através de carta datada de 12 de janeiro de 2023, remetida no dia seguinte, através de correio registado com aviso de receção, a autora comunicou à ré o seguinte:
“(…) Na sequência da nossa carta anterior, e não tendo V.ª Ex.a exercido o direito de retratação que lhe assistia, consideramos o respetivo contrato de trabalho entre nós celebrado como cessado por sua iniciativa e sem justa causa, desde a data de 3/01/2023 em que recepcionamos a V/ carta assinada e remetida através de correio registado com aviso de recepção.
Junto remetemos o certificado de trabalho e a respetiva declaração de situação de desemprego.
Mais aproveitamos para lhe enviar os recibos emitidos em dezembro de 2022, onde estão discriminados os pagamentos que lhe fizemos do Subsídio de Férias, Subsídio de Natal e Retribuição do gozo de férias (8 dias). (…)”.
10. E, juntamente com essa carta, remeteu à ré o certificado de trabalho, a declaração da situação de desemprego através de modelo oficial e os recibos referentes aos pagamentos que a autora lhe efetuou em dezembro de 2022.
11. A autora, em 28/12/2022, transferiu a importância líquida de 627,45€ para a conta bancária titulada pela ré com o IBAN ..., a título de pagamento do subsídio de férias, após o desconto devido para a Segurança Social.
12. Em 15 de dezembro de 2022, a autora transferiu a importância líquida de 225,05€ para a conta bancária titulada pela ré com o IBAN ..., a título de pagamento do subsídio de Natal, após o desconto devido para a Segurança Social.
13. Em 2 de janeiro de 2023, a autora transferiu a importância líquida de 187,86€ para a conta bancária titulada pela ré com o IBAN ..., a título de pagamento da retribuição das férias gozadas (7 dias úteis conforme comunicação de 27/12/2022 – período de 22 de dezembro a 2 de janeiro de 2023 -), após o desconto devido para a Segurança Social.
14. A Ré trabalhadora não fez uso na presente acção da faculdade concedida pelo nº4 do artigo 398º do CT nos termos do qual “no caso de a resolução ter sido impugnada com base em ilicitude do procedimento previsto no n.º 1 do artigo 395.º, o trabalhador pode corrigir o vício até ao termo do prazo para contestar, mas só pode utilizar esta faculdade uma vez.”
*
III. Questão prévia

Como questão prévia suscita-se a da admissibilidade, ou não, do recurso, sendo que, na decisão singular, ora submetida à conferência, se entendeu ser o mesmo inadmissível, para tanto tendo-se referido o seguinte:
<<(…)
Aos 20.10.2023, a ora relatora proferiu o seguinte despacho:
“Dispõe o art. 79º do CPT que “[s]em prejuízo do disposto no art. 629º do Código de Processo Civil e independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação” nas situações previstas nas als. a), b) e c) desse art. 79º.
Por sua vez, nos termos do art. 629º, nº 1, do CPC “1. O recurso ordinário é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnável seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa”, sendo que a alçada do tribunal de 1ª instância é de €5000,00.
No caso, a 1ª instância ficou à causa o valor de €5.287,50, este superior à alçada da 1ª instância.
Não obstante, o valor da sucumbência da A., ora Recorrente, é de €1.4010,00, este de valor inferior a metade da mencionada alçada [que é de €2.500,00], pelo que, ao abrigo do art. 629º, nº 1, o recurso não será admissível.
E a situação também não se enquadrará em qualquer um dos casos previstos no art. 79º do CPT”,
Na sequência do que apenas a Recorrente respondeu referindo que:
“1. Realmente o disposto no artigo 79º do C.P.T. não é aplicável e por isso verificável como fundamento para o conhecimento do objecto do recurso,
2. O tribunal da 1ª instância fixou à causa o valor de €5.287,50, ou seja, valor superior à alçada do tribunal que proferiu a sentença em recurso,
3. Esse valor foi fixado pelo tribunal “a quo” com fundamento no valor indemnizatório e pela aplicação conjugada dos artigos 297º nº1 e 301º, nºs 1 e 2 do Código do processo civil, sendo o somatório o valor constante da sentença.
4. Acresce que a aqui Recorrente, então Ré não formulou qualquer pedido, inexistindo sucumbência da sua parte.
5. O valor da sucumbência corresponde à determinação da medida em que uma decisão judicial é desfavorável relativamente a uma das partes do processo.
6. A Decisão em recurso foi proferida deste modo: “Deste modo, e sem necessidade de ulteriores considerações, julgo a presente acção procedente por provada e em consequência:”, ou seja, não foi parcialmente procedente, pelo que a sucumbência da Ré/Recorrente é total.
7. O Prof. Manuel Andrade ensina e doutrina. “(…) Parte vencida é aquela que decaiu no pleito – aquela a quem a sentença seja desfavorável, por não ter acolhido a sua pretensão, já negando-lhe o direito que deduziu em juízo ou não chegando a apreciar a sua existência (artigo 288º), já reconhecendo o direito deduzido pela outra parte. A sucumbência equivale, portanto, ao insucesso na lide. (…)”
8. Insiste e completa o Prof. “(…) para a apreciação da sucumbência só interessa conhecer o preceito da sentença confrontando com a posição de cada um dos litigantes, isto é, o resultado do processo para cada um deles. A sentença não deixa de ser desfavorável a certa parte pelo facto de não ter atendido a todas as razões do adversário (…) (“Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, Coimbra, pág. 343)”.
9. Por último o artigo 629º nº1 do Código de Processo Civil, esclarece, in fine, “atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”
Deverá, pelas razões apontadas, ser conhecido o objecto do presente recurso.”.

2. Damos aqui por reproduzidas as disposições legais citadas no nosso despacho de 20.10.2023.
E, do aí referido, tal como aliás a Recorrente reconhece, decorre que o caso em apreço, que tem como objeto a ilicitude da resolução do contrato de trabalho pela Ré (trabalhadora) com invocação de justa causa e a condenação desta no pagamento de indemnização decorrente dessa ilicitude, não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art. 79º do CPT.
Por outro lado, decorre deste preceito (art. 79º do CPT) que, fora das situações nele previstas, é aplicável o art. 629º do CPC, mormente o seu nº 1, já acima transcrito e do qual resulta, como requisitos cumulativos da recorribilidade da decisão, que: i) o valor da causa seja superior à alçada do tribunal de que se recorre, no caso, a alçada do tribunal de 1ª instância, esta de €5.000,00; ii) e que a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (isto é, que seja superior a €2.500,00), atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
No caso em apreço, independentemente da bondade ou não das razões que levaram o Mmº Juiz a fixar o valor da causa em €5.287,50, é certo que o fixou em tal valor, o qual, por não ter sido impugnado, se tem como assente, assim se tendo como verificado o primeiro dos mencionados requisitos.
Não obstante, tal não significa que o recurso deva ser admitido pois que, e ainda que a ação tenha sido julgada procedente, o certo é, também, que a Ré não foi condenada no pagamento da quantia de €5.287,50, que aliás não tenha sido pedida.
Foi sim condenada no pagamento da quantia de €1.410,00 (mil quatrocentos e dez euros), este o montante do seu prejuízo resultante da sucumbência, valor este que é manifestamente inferior a metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância, não se verificando, pois, o segundo dos mencionados requisito de recorribilidade da decisão (valor da sucumbência).
É, pois irrelevante que o Mº Juiz tenha fixado à ação o valor de €5.187,50 (ainda que o mesmo não corresponda ao valor do pedido e da sua utilidade económica) e que a mesma tenha sido julgada totalmente procedente. Ainda que assim seja, o que está em causa no segundo dos mencionados requisitos, e a este haverá também que se atender, é o concreto valor do prejuízo resultante da sucumbência. E este no caso é o de, tão-só, €1.410,00. E, por outro lado, não existe qualquer dúvida e, muito menos fundada dúvida, quanto ao valor da sucumbência que foi, sem margem para qualquer dúvida, de apenas €1.410,00, a este se tendo que atender para efeitos da questão da (in)admissibilidade do recurso.
É, por fim, de referir que a decisão da 1ª instância, que admitiu o recurso, não vincula o tribunal superior –art. 641º, nº 5, do CPC.
Assim, sendo o valor da sucumbência da Ré/Recorrente inferior a metade da alçada da 1ª instância, não se admite o recurso pela mesma interposto aos 07.06.2023.

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe haja sido concedido.” [fim de transcrição]

Não vemos razão para alterar o decidido, pelo que se remete para as considerações transcritas.
A Recorrente não põe em causa que o objeto da ação não se enquadre no art. 79º do CPT, assim como não põe em causa o valor do pedido em que decaiu. O que diz é que a ação foi totalmente julgada procedente e que, nela, a Recorrente sucumbiu totalmente pelo que, atento o valor da ação, superior à alçada do Tribunal de 1ª instância, deverá o recurso ser admitido.
Mas, tal argumentação, não procede.
Como referido na decisão singular, são dois os pressupostos, de verificação cumulativa, da admissibilidade do recurso: i) a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre: ii) e a decisão impugnável seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
Uma coisa é o vencimento, e correspondente decaimento, total ou parcial, da ação e, outra, o seu valor, este correspondente à utilidade económica do ganho e da correspondente perda. E o que está em causa no requisito referido em ii) é o valor da perda, ou seja, o valor correspondente ao prejuízo para o recorrente que resulta da decisão recorrida, quer esse decorra da perda parcial, quer da perda total da ação. Aliás, a letra do preceito é expressa no sentido de que se reporta ao valor da decisão impugnável.
No caso, o valor do pedido, isto é, do ganho da A./Recorrida, é de €1.410,00 e, este mesmo, é o valor da perda da Ré/ Recorrida, sendo irrelevante que tal corresponda ao vencimento total da ação (para a A/Recorrida) e à correspondente sucumbência, total, da Ré/Recorrente.
Aliás, não faria sequer qualquer sentido que, se a perda/sucumbência da Recorrente fosse apenas parcial, correspondente ao decaimento nesse valor, não pudesse ela recorrer, mas que pudesse recorrer apenas porque esse mesmo valor corresponde à perda/sucumbência total na ação. Assim como não faria qualquer sentido que se a A., porventura, tivesse sucumbido totalmente na ação não pudesse, como manifestamente não poderia, recorrer, mas pudesse a Ré recorrer.
Assim, e sem necessidade de considerações adicionais, é de manter a decisão singular, de não admissão do recurso.
E, assim sendo, fica prejudicado o conhecimento do recurso.
*
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em não admitir o recurso de apelação interposto pela Ré, AA.

Custas pela Recorrente.

Porto, 15.01.2024
Paula Leal de Carvalho
António Luís Carvalhão
Nelson Fernandes