Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
900/19.4PAESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: CRIME DE ROUBO
ARMA APARENTE
TASER
BRINQUEDO
Nº do Documento: RP20240124900/19.4PAESP.P1
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alínea f) do art. 204º, n º 2 do C.P. refere-se a «arma aparente», por contraposição a «arma oculta», e é aquela que aparece, que se pode ver, e não o que «aparenta» ser uma arma.
II - A razão da qualificação do crime de roubo (alínea b), n.º 2 do artigo 210.º do CP), com a consequente agravação da moldura penal abstrata, assenta que, em todas as situações descritas, a utilização da “arma” potencia objetivamente uma menor defesa para a pessoa detentora do bem patrimonial de que o agente do crime se pretende apropriar.
III - O agressor que “traz uma arma aparente ou oculta” procura criar, através dela, menor resistência por parte da vítima à apropriação do bem do qual se pretende apoderar, limitando, com a sua atuação, a liberdade da pessoa detentora do bem, e a capacidade de resistir à apropriação ilícita.
IV - Para tal a “arma” tem de ter idoneidade para criar perigo efetivo para a vítima.
V - Não se tratando de uma arma elétrica, “taser”, nos termos definidos quer do art. 1º, nº 1, al. o) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro quer do art. 4º do preâmbulo do Código Penal, mas de um brinquedo sem idoneidade para pôr em risco a sua vida ou integridade física, não se verifica a qualificativa “ arma aparente ou oculta”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 900/19.4PAESP.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 2

Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No Processo Comum (Tribunal Coletivo) em epígrafe identificado do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, Juiz 2, foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:
“Nos termos do exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo em julgar a acusação procedente, por provada, pelo que, consequentemente condenam:
A) AA, em coautoria material e concurso efetivo:
- De dois crimes de roubo, agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 210.º, nºs.1 e 2, alínea b), e 204.º, nºs.1, alínea b), e 2, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de três anos e dez meses de prisão, por cada um deles.
B) BB em coautoria material e concurso efetivo:
- De dois crimes de roubo agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 210.º, nºs.1 e 2, alínea b), e 204.º, nºs.1, alínea b), e 2, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão, por cada um deles.
C) Em cúmulo jurídico das penas parcelares ora impostas ao arguido AA, na pena unitária de quatro anos e dois meses de prisão, que ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 50º, nºs 1, 2, 3 e 5, 53º e 54º, todas do Código Penal, se suspende na sua execução, por igual período, mediante o acompanhamento de regime de prova, a executar com o apoio e vigilância dos serviços de reinserção social.
D) Em cúmulo jurídico das penas parcelares ora impostas ao arguido BB, condená-lo na pena unitária de cinco anos e três meses de prisão, efetiva.
*
E) Condenar os arguidos AA e BB, solidariamente, a pagar ao Estado a quantia de €349,00, nos termos do disposto no artigo 111º, nº 4, do Código Penal.

Inconformado, veio o arguido BB interpor recurso, pugnando pelo seu provimento com os fundamentos que constam da motivação, e formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“I - O presente recurso visa impugnar a matéria de facto e a matéria de Direito.
II. Da incorreta apreciação da prova
1. Tal como decorre das transcrições acima reproduzidas em I, 1 a). entende o recorrente que devia constar dos factos provados que o arguido BB confessou os factos e mostrou sincero arrependimento;
E que recorrente BB entregou a maior parte dos objetos roubados à Polícia.
2. Não resultou provado que o recorrente detivesse uma arma taser, o que leva à desqualificação do crime dos autos pela al. f) do art. 204º.
Factos que impunham uma diferente apreciação da prova.
Na verdade,
2.1 O ofendido CC, no seu depoimento, no dia 07/02/2023, disponível na plataforma Citius, a minutos 5.7 afirma claramente que “…como expliquei na esquadra o objeto que ele usou no meu entendimento não é um taser verdadeiro; a instância da Meretíssima Juiz que questionou “se percebeu de imediato que não era uma arma, respondeu “eu percebi de imediato que no fundo não tinha capacidade de matar” (minutos 5.7 a 5.59) e a minutos 10.50 a instâncias da Digníssima Procuradora que questionou se o arguido acionou esse objecto, respondeu o ofendido que “…sim aquilo basicamente era um brinquedo taser, tem um botão que quando se carrega emite um feixe elétrico, dá um flash luminoso grande”; e que exibiu “ o dispositivo a uma de distância de 50cms a 1 metro, apenas como intimidação”(minutos 10.50 a 15.35).
III - Da matéria de Direito:
1. Na ponderação concreta das penas, tendo em atenção os critérios do art. 71º do C.P., cumpre determinar a medida da pena em função das exigências de prevenção de futuros crimes, tendo como limite a culpa do arguido, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente.
2. No caso dos autos, tratou-se de um crime não premeditado, praticado sob a influência de estupefacientes (ou da abstinência destes), sem recurso a violência e sem consequências graves, sendo que a maior parte dos objectos foram entregues pelo recorrente.
6. O recorrente tinha 29 anos à data dos factos, sendo que o Relatório Social recomenda a sanção de trabalho a favor da comunidade.
7. Entende o recorrente que o douto acórdão, ao ter fixado a medida da pena de 4 anos e 6 de prisão por cada um dos crimes, operando o cúmulo jurídico das penas referidas na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, não fez a devida observância das normas jurídicas contidas nos art.º 71.º, 72º al. c) e 50º do Código Penal.
8. Em caso algum se pode deixar de considerar que no artigo 71.º do Código Penal o legislador indicou todos os elementos que devem ser ponderados pelo Tribunal na aplicação e fixação da medida da pena.
9. O Recorrente entende, com o devido respeito, que muito é, que se trata de uma errada aplicação daquele preceito e que a correta aplicação do mesmo implicava a aplicação de uma pena igual à do arguido AA e de igual forma suspensa a sua aplicação, sujeita a regime de prova, decorrente da aplicação das circunstâncias previstas no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal.
10. Por outro lado, ao abrigo da al. c) do nº 2 do art. 72º do C. Penal, a pena aplicada ao recorrente deveria ter sido atenuada, pois foi apenas o recorrente que entregou a maior parte dos objectos roubados. Ou seja, manifestou mais arrependimento e vontade de atenuar as consequências dos actos praticados, do que aquele. Porém, tal conduta não foi devidamente apreciada e valorada pelo Tribunal a quo que, ao invés, foi valorizado no arguido AA que não teve tal conduta.
11. Nos termos do nº 2 do art. 73º do C. Penal, a pena aplicada ao recorrente deveria ser suspensa.
12. Mesmo que assim não se entenda, deve ser aplicada uma pena ao recorrente similar ao arguido AA, nos termos do art. 50º do mesmo diploma legal.
13. Consta do Relatório Social para determinação da sanção sobre o arguido que: “Em caso de condenação, consideramos que BB reúne condições para a execução de uma medida na comunidade, que incida sobre a débil conjuntura laboral e as dificuldades económicas, com foco no tratamento clínico para a tingir a abstinência de estupefacientes e na interiorização do desvalor da ilicitude comportamental e seu demérito.”
14. Porém, o Tribunal a quo, aplicou ao recorrente sanção mais gravosa e ao não a suspender a sua execução impede o recorrente de reiniciar a sua vida, reintegrando-se positivamente no meio laboral e social, fim último da nossa legislação Penal.
15. Conforme também é referido no Relatório Social, o receio e o temor que a aplicação de uma pena gravosa causou ao recorrente, foi o suficiente para o afastar de futuros delitos. Está, assim, assegurada a prevenção especial.
16. Face a tudo o alegado, deve ser reduzida a pena de prisão aplicada ao recorrente e suspensa a sua execução.”

Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida, concluindo:
“1. Ao contrário do alegado pelo recorrente, o acórdão recorrido não nos merece qualquer reparo, entendendo-se que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi correctamente apreciada, bem como não se mostram violados quaisquer dispositivos legais.
2. A valoração das provas efectuada pelo Tribunal a quo foi efectuada em conformidade com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, de forma crítica e racional, de acordo com as regras da experiência comum e considero que a mesma não merece qualquer reparo.
3. Na presente situação, pelos fundamentos constantes no acórdão recorrido, afigura-se-me que a pena aplicada é adequada e foi correctamente aplicada.
4. À data da realização do julgamento, o arguido não reunia as condições necessárias à aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
5. Pensamos que face à factualidade demonstrada, designadamente no que concerne aos antecedentes criminais e da análise da sua personalidade colhem-se sinais indiciadores da probabilidade de continuação da conduta delituosa, por parte do arguido, não sendo possível formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que a mera ameaça do cumprimento da pena de prisão seja suficiente para cumprir as finalidades da punição.
6. Pelo exposto, considero que o recurso interposto não merece provimento, devendo o douto acórdão recorrida ser mantida nos seus precisos termos.”

Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

Não houve resposta ao parecer.
Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II. Fundamentação
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

In casu, o recurso, delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, tem por objeto as questões seguintes:
-Pretende o recorrente que, face à prova produzida devem ser considerados como factos provados que está arrependido, confessou e que entregou voluntariamente a maior parte dos objetos roubados e ainda que inexistiu arma taser.
-Qualificação jurídica dos factos.
-Medida da pena concreta.
-Suspensão da pena mediante o acompanhamento de regime de prova, a executar com o apoio e vigilância dos serviços de reinserção social.

II. A decisão recorrida
Importa apreciar tais questões tendo presente o teor da decisão recorrida e os factos que dela constam, e respectiva motivação e que se transcrevem:
3.1. Factos Provados
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
1.º Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior aos factos infra descritos, AA e BB acordaram dedicar-se à apropriação de bens patrimoniais de terceiros.
2.º Para tanto, AA e BB atuaram concertadamente, em comunhão de esforços, intentos e vontades, sabendo-o e desejando-o.
3.º No dia 30.11.2019, em hora não concretamente apurada, mas seguramente anterior à 01h30, AA e BB deslocaram-se para as imediações do Aeródromo ..., no veículo automóvel de marca SEAT, modelo ..., de cor branca e matrícula ..-XL-.., de que é este último proprietário.
4.º Nessa circunstância de tempo e lugar, AA e BB decidiram aproximar-se, discreta e paulatinamente, do veículo automóvel em que permaneciam CC e DD, mantendo oculta as respetivas faces.
5.º Pelas 01h30, quando CC ocupava o lugar traseiro esquerdo daquele veículo, o arguido BB abriu a porta desse lado e agarrou naquele, ao mesmo tempo que apontou na sua direção uma lanterna na qual se mantinha dissimulada uma arma «taser», forçando a porta do veículo e mantendo-a aberta, impedindo CC de proceder ao seu fechamento, como tentava.
6.º Ato contínuo, BB fez ativar o dispositivo elétrico da mencionada arma «taser», na direção de CC, o que causou, atenta a sua elevada voltagem, relevante impacto físico e sonoro, ordenando a CC que lhe entregasse todos os seus bens e valores. 7.º Nesta sequência, enquanto BB se mantinha junto a CC, o arguido AA contornou o veículo e, ao constatar que a namorada daquele tentava sair pela porta traseira direita, ordenou a DD que destrancasse a porta frontal direita, o que, porquanto em pânico e paralisada, DD não logrou fazer, mantendo-se sentada no lugar traseiro e chegando mesmo, involuntariamente, a urinar-se, ao mesmo tempo o arguido AA ordenava-lhe que lhe entregasse todos os seus bens e valores.
8.º Em resultado, AA e BB lograram recolher do veículo automóvel, quanto a uns, e determinaram CC a entregar-lhes, quanto a outros – porque temia pela integridade física e vida de ambos –, os seguintes objetos:
(i.) a sua carteira, com documentos pessoais, cartão bancário do Banco 1..., S.A., e 200,00€ em numerário; o seu telemóvel de marca SAMSUNG, modelo ...; o seu relógio de pulso da marca SAMSUNG, modelo ..., no valor de 329,00€; um casaco em pele; as chaves da sua residência e do seu veículo automóvel; e, ainda,
(ii.) a carteira de DD, com documentos pessoais, cartão bancário do Banco 1..., S.A.; o telemóvel de DD de marca IPHONE, ...; um casaco em ganga; e, ainda, as chaves do veículo automóvel que ocupavam, as quais, aquando da sua fuga para o veículo automóvel de marca SEAT, modelo ..., de cor branca e matrícula ..-XL-.., que BB veio a lançar para um descampado.
9.º Ato contínuo, AA e BB colocaram-se em fuga daquele local, deslocando-se até ao ..., onde estacionaram este veículo automóvel – no qual mantiveram parte dos objetos subtraídos – e guardaram junto a si, pelo menos, 9 notas de 20 euros, antes depositadas na carteira de DD.
10.º Ao praticarem os factos descritos, AA e BB agiram com o propósito comum e conjuntamente concretizado de se apoderarem de objetos e valores, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, eram de outrem e que atuavam contra a vontade dos respetivos proprietários.
11.º Ademais, BB, ao fazer uso de uma arma «taser», uso esse que o arguido AA tomou conhecimento no decurso dos factos referidos em 5.º e 6.º e que aceitou, com que foi ameaçada a DD e CC, agiu aquele arguido com a anuência deste, com o propósito concretizado de intimidar estes últimos, fazendo-os recear pela sua integridade física e até vida caso não obedecessem e não lhes entregassem os bens de que procuravam apropriar-se, o que lograram fazer ao determinarem CC a entregar-lhe ou, quanto a outros, ao recolherem os objetos depositados no veículo automóvel propriedade de DD.
12.º AA e BB, atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas, concertadamente delineadas e executadas, eram proibidas e punidas por lei.
*
» Do percurso de vida dos arguidos e suas condições socioeconómica
13.º Do arguido BB
- BB cresceu no concelho de Espinho e é o filho mais novo de uma fratria de quatro. Cresceu num empreendimento social e no seio de um agregado familiar com baixas condições socioeconómicas. Os pais trabalhavam em atividades ligadas ao ramo da pesca.
- Iniciou a escolaridade na idade normativa e até ao 5º ano de escolaridade mostrou um percurso relativamente integrado e ajustado. Na fase da adolescência, passou a acompanhar jovens com práticas desviantes e começou a revelar absentismo escolar e condutas desajustadas no meio socio residencial. Entretanto, foi encaminhado para estruturas institucionais de reeducação e assim integrou um colégio em Vale de Cambra. Mantinha contactos com a família de origem e completou o 9º ano de escolaridade. Porém, ficou institucionalizado até aos 18 anos, fruto do abandono do progenitor relativamente à família.
- Depois disso, voltou para o agregado materno e iniciou a vida profissional no ramo das pescas. Devido à instabilidade naquele setor, também foi realizando trabalhos de construção civil, em regime de economia informal. Entrementes, aderiu a um estilo de vida algo ocioso e, por conseguinte, no início da vida adulta, passou a utilizar substâncias psicoativas ilícitas.
- À data dos factos vivia na morada dos autos. Trata-se de uma habitação, localizada em empreendimento social gerido pela Câmara Municipal ... e conotado a atividades desviantes, condutas pró-criminais e fragilidades sociais, como o desemprego de longa duração.
- Vivia com a mãe, operária fabril e com um irmão, sem trabalho formal. Efetuava trabalhos ocasionais e não tinha modo de subsistência próprio. Não obstante, também passava muito do seu tempo na zona de Loures/Lisboa, onde pernoitava em casa da namorada e dos dois filhos desta, menores de idade. Naquela zona, também não conseguiu colocação laboral estruturada, subsistia do rendimento social de inserção da companheira e envolveu-se com pares com condutas criminais. Detinha consumos ativos de diversas substâncias psicoativas ilícitas, sobretudo de heroína e cocaína.
- Encontra-se, há vários anos consecutivos, em acompanhamento pela equipa de redução de riscos e minimização de danos do SMACTE - Serviço Móvel de Apoio à Comunidade do Centro Social ..., em programa de substituição opiáceo com cloridrato de metadona. Mantém tal acompanhamento, sendo que efetua tomas diárias e assistidas de tal fármaco, em baixo limiar de exigência. Presentemente, reconhece consumos semanais de heroína e cocaína.
- BB continua a viver na morada dos autos, em Espinho, com a mãe e irmão. A progenitora recebe o equivalente a um salário mínimo nacional e é quem assegura, na integra, as despesas habitacionais e de alimentação. O irmão do arguido faz alguns trabalhos no ramo da pesca, auferindo valores variáveis. Também este irmão apresenta problemas com o consumo de estupefacientes e é acompanhado clinicamente.
- Efetua trabalhos ocasionais, de colocação de chãos/pavimentos, recebendo cerca de 25€ por cada dia efetivo de trabalho. Em alternativa, por vezes, também faz trabalhos de pesca. Porém, na maioria dos seus dias não tem ocupação labutar, dependendo da progenitora para a subsistência diária.
- Esteve em acompanhamento pela DGRSP, no âmbito de duas multas que pediu para substituir por trabalho a favor da comunidade. Registou incumprimentos que foram reportados aos processos. De acordo com o que foi possível apurar, o arguido acabou por liquidar os remanescentes das multas aplicadas.
- No âmbito do processo nº 226/20.0PLLRS do Juízo Central Criminal de Loures – Juiz 6, entre 21-03-2020 e 08-09-2021 esteve em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional ....
- Presentemente, encontra-se em acompanhamento pela DGRSP, no âmbito de uma suspensão da execução da pena, com termo previsto para 30-05-2026, em que foi condenado pela prática de dois crimes de furto qualificado e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, relativamente ao processo acima descrito.
- Tem colaborado com a DGRSP com algum juízo crítico de censura, pese embora patenteie dificuldades socioeconómicas para se descolar à sede da Equipa para a realização das entrevistas de execução.
- Tem ainda em pendente de cumprimento 210 horas de trabalho a favor da comunidade, a que foi condenado no processo nº 69/22.7GCOVR do Juízo Local Criminal de Ovar, pela prática de um crime de desobediência, estando em curso a elaboração do respetivo plano de execução.
- Demonstra receios relativamente ao desfecho dos presentes autos, temendo a aplicação de uma sanção gravosa. Tendo em conta a natureza dos factos subjacentes ao presente processo, revela alguns indicadores de consciência da sua ilicitude e reconhece a gravidade deste tipo de conduta e danos associados às vítimas. A par disso, mostra alguma imaturidade no que concerne à antecipação das consequências dos seus atos e fraco sentido crítico quanto à escolha dos pares que acompanha.
*
14.º Do arguido AA
- O arguido AA é o mais velho de três irmãos e provém de um agregado familiar estruturado, onde lhe foram transmitidos valores e regras promotores de uma inserção social adaptada. A mãe, enfermeira de profissão, o pai, trabalhador por conta própria na área da engenharia informática, sempre garantiram eficazmente a sustentabilidade económica da família. São pais presentes e atentos ao desenvolvimento saudável dos filhos.
- Apresenta um percurso académico linear, iniciado na cidade de Espinho, onde a família residia e tem referências familiares, e concluído na Universidade ..., com a licenciatura em Tecnologias de Informação, em 11.07.19.
- Começou por trabalhar numa Pizzaria em VNGaia, em 2020. Posteriormente, através do IEFP, integrou um estágio remunerado em Lisboa, numa agência de criatividade. Manteve-se nessa área, na criação de sites e vendas on line, incluindo em trabalho remoto, até setembro último.
- Sem ocupação associou-se a indivíduos conotados com práticas marginais.
- Registava na altura dos factos uma depressão, tendo recorrido ao apoio psiquiátrico do CHVNG, com consultas e toma de antidepressivos até muito recentemente. Ainda se encontra em tratamento, o qual valoriza e tem vindo a melhorar.
- Esteve desempregado, sendo abrangido pelo respetivo subsídio, no valor de 600€ mês.
- Atualmente trabalha em programação informático para uma empresa Alemã e aufere cerca de 2 mil euros mensais.
- Tem como despesas fixas mensais, um crédito pessoal de 200€, referente a um automóvel.
- Integra o agregado familiar constituído pelos pais, de 55 e 51 anos, e pelo irmão de 20 anos, estudante universitário, sendo que o irmão do meio, de 22, licenciado pela FEUP, frequenta programa Erasmus, na Bélgica.
- A família reside na morada dos autos desde 2020. Trata-se de uma moradia de três pisos com boas condições de habitabilidade e conforto, propriedade da família há 22 anos e para onde a mesma se deslocava aos fins-de-semana e férias, mantendo a residência em Espinho, em apartamento, que ainda mantém. Na sequência da pandemia Covid 19 e muito pela atividade da mãe, profissional de saúde, optaram por fixar residência na moradia, otimizando as condições residenciais do agregado.
- No plano pessoal estabeleceu uma relação de namoro no verão passado. Regista uma relação afetiva anterior de 8 anos.
- A namorada, advogada estagiária, tem constituído um suporte emocional importante para o arguido, designadamente nesta fase, pelo facto do mesmo ter sido vítima de agressão grave, em contexto de diversão noturna em ... (o que terá dado origem a um processo judicial, pelo crime de tentativa de homicídio, onde o arguido é ofendido). Nesta fase de recuperação, também a mãe tem estado muito presente, no sentido de lhe prestar todos os cuidados de saúde necessários.
- Nos tempos livres, o arguido dedica-se a atividades de lazer comuns. Gosta de viajar para destinos de contacto com a natureza e assistir a jogos de futebol. Praticou desporto federado, à semelhança dos irmãos.
- Socialmente é considerado um jovem proactivo, solidário, responsável e disponível.
- Relativamente à presente situação jurídica avalia-a como uma aprendizagem e um ponto de viragem no seu percurso, nomeadamente na (re)definição de critérios de escolha de pares. Mostra adequada crítica sobre o crime em apreço, assim como empatia pelas vítimas. A família mostra-se solidária e disponível para o apoiar qualquer que seja o desfecho da presente Processo.
*
»Dos antecedentes criminais dos arguidos
» Do arguido BB
15.º O arguido BB foi condenado:
- Por sentença proferida pelo Juízo Genérico do Tribunal de Espinho, J 1, no processo n.º 103/13.1PAESP, por sentença transitada em julgado em 14.07.2014, na pena de 150 dias de multa, pela prática, em 31.01.2013, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 23º, 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. f), do Código Penal a qual foi substituída por trabalho a favor da comunidade, já declarada extinta;
- Por sentença proferida pelo Juízo Genérico do Tribunal de Espinho, J2, no processo n.º 207/17.1PAESP, por sentença transitada em julgado em 26.01.2018, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, pela prática, em 13.03.2017, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), do Código Penal, a qual foi substituída por trabalho a favor da comunidade, a qual revogada e aplicada prisão efetiva, já declarada extinta;
- proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Loures, J Criminal, J6, no proc. nº 226/20.0PLLRS, por acórdão transitado em julgado em 30.09.2021, pela prática, em 20.03.2020, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, da Lei 5/2006, de 23.03 e 2 crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
- proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Ovar, JL Criminal, no processo n.º 69/22.7GCOVR, por sentença transitada em julgado em 18.11.2022, pela prática, em 24.02.2022, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348º, nº 1, do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade.
*
» Do arguido AA
16.º O arguido AA não tem antecedentes criminais.
*
» Mais se provou com relevo que:
17.º O arguido AA confessou os factos e mostrou sincero arrependimento.
18.º Dos objetos referidos em 8.º os ofendidos apenas não recuperaram o relógio e uma nota de 20 euros.
*
3.2. Factos não provados
Da audiência de julgamento não se provaram os demais factos que se não compaginam com a factualidade apurada, e no essencial não se provou que:
a) Na data referida em 1.º dos factos provados os arguidos AA e BB acordaram que nos atos de apropriação o fariam com recurso a intimidação, designadamente, por meio da utilização de uma arma «taser», dissimulada numa lanterna.
b) Não foi possível individualizar a conduta de cada um dos arguidos na execução de tais factos.
c) Nas circunstâncias de tempo e lugar referida em 5.º dos factos provados o arguido CC ocupava o lugar frontal esquerdo daquele veículo.
d) Nas circunstâncias de tempo e lugar referida em 5.º dos factos provados foi o arguido AA que abriu essa porta e que utilizava o aí identificado objeto.
e) Nas circunstâncias de tempo e lugar referida em 6.º dos factos provados o arguido BB ordenou a DD que lhe entregasse todos os seus bens e valores.
f) O valor referido em 8.º dos factos provados estavam na carteira do CC.
*
3.3 Motivação da decisão de facto
Na fixação da matéria de facto provada e não provada o tribunal coletivo baseou-se na apreciação crítica da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal, confrontando-se a prova documental e com a prova oral e aferindo-se, quanto a esta última, do conhecimento de causa, da isenção dos depoimentos prestados, das suas certezas e hesitações, da razão de ciência e da relação com os sujeitos processuais.
A apreciação da prova produzida em audiência, suscetível de contribuir para a formação da convicção do tribunal, rege-se pelo princípio da livre apreciação da prova, acolhido expressamente no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Este princípio significa, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova e, de forma positiva, que o tribunal aprecia a prova produzida e examinada em audiência com base exclusivamente na livre valoração e na sua convicção pessoal. O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração; é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
Uma tal convicção existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.
O princípio in dubio pro reo, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se, precisamente, na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor
do arguido. Opera, exclusivamente, sobre o regime do ónus da prova – a dúvida resolve-se a favor do arguido.
Aqui chegados, cumpre dizer, desde logo, que o tribunal atendeu em primeiro lugar, à postura confessória adotada pelo arguido AA, reconhecendo praticamente na íntegra a factualidade que vinha descrita na acusação e com isso dando um contributo para o apuramento da verdade material: seja a que lhe diz diretamente respeito, seja a que concerne à participação do arguido BB na definição do plano a executar e na concretização do mesmo.
É certo que ocorreu uma divergência, não de moldes significativos, entre as declarações dos arguidos, dado que enquanto o arguido AA confessa os factos, nestes incluindo o arguido BB como sendo este o mentor do da ação, este último nega que tenha intervindo por sua iniciativa, mas sim a pedido do arguido AA.
Concretizando, o arguido AA, como já referido, confessou quase a totalidade dos factos, explicando, nesse conspecto, que foi o arguido BB que lhe pediu para assaltarem um individuo, pedido que fez por duas vezes, só tendo acedido ao terceiro pedido. Ademais, ambos acordaram que o produto do furto seria dividido pelos dois.
Continuou o seu relato explicando que no dia constante do libelo acusatório foram ao restaurante “A...” onde trabalhava a pessoa que o BB pretendia assaltar, mas como esse individuo não saiu do restaurante, o BB decidiu que tinham que fazer outro assalto e então deslocaram-se para o local referido na acusação.
Explanou que chegados ao referido local e visionando a viatura dirigiram-se para a mesma, esclarecendo a forma como os ofendidos foram abordados, quem abordou cada um dos ofendidos, quem utilizou a objeto, os bens que lhe foram retirados, da forma como consta do libelo acusatório, acrescido do esclarecimento das dúvidas constantes nesta peça quanto à atuação de cada um dos arguidos na abordagem dos ofendidos.
Assim, concretizou os factos praticados por cada um deles, afirmando que se dirigiram para o veículo, onde se encontrava um homem e uma mulher dentro do mesmo, na parte traseira, sendo que o primeiro estava do lado esquerdo e a segunda do lado direito; o BB abriu a porta traseira do lado esquerdo do veículo e quando a mulher tentou sair do veículo pelo lado direito este disse-lhe para não a deixar sair, o que fez, ordenando-lhe que não saísse do veículo. Referiu que ouviu o BB a falar, mas não percebeu o que foi dito, mas sabe que este usou um objeto com o qual intimidava o ofendido CC.
Como já referido confirmou o que subtraíram e que após atiraram a chave do veículo dos ofendidos para o descampado. Retiraram da carteira 200 euros e cartões e, como combinado, ficou com 100 euros.
Sobre o objeto utilizado pelo arguido BB afiançou que previamente não acordaram na sua utilização, desconhecendo que este arguido o transportava e sequer o iria utilizar, mas no momento do assalto ouviu um barulho elétrico, tipo “ZZZ” (sic), vindo desse objeto. Pese embora ter-se apercebido disto não impediu o coarguido de o utilizar ou sequer abortou o plano.
Asseverou que após o assalto foram os dois ao Porto, a fim do arguido BB comprar produto estupefaciente.
Confirmou que a polícia apareceu em casa do BB, cerca das 4 de madrugada, e, nessa sequência, entregaram-se, bem como os objetos subtraídos.
Este arguido justificou o seu comportamento por estar a passar uma fase difícil, com um tumor benigno no cérebro, desempregado e em estado depressivo. Mais verbalizou sincero arrependimento.
Por fim, disse que quando os pais souberam do sucedido obrigaram-no a trabalhar, o que fez passando a ser entregador de pizzas. Atualmente trabalha em programação informático para uma empresa Alemã e aufere cerca de 2 mil euros mensais.
Ora, o relato do arguido AA pareceu-nos descomprometido, circunstanciado e verosímil, descrevendo de forma consistente a sua própria intervenção e o papel desempenhado pelo arguido BB, em termos que são compatíveis com o que veio a dar-se por provado.
Não nos merece, pois, credibilidade a postura defensiva adotada em audiência pelo arguido BB, que, pese embora ter aceite ter participado nos factos, afirmou que atuou a sugestão do arguido AA, não se recordando de mais nada porque “tomou umas pastilhas, “macaquinhos verdes” (sic). Porém, esta amnésia provocada, segundo o arguido, pelos “macaquinhos verdes”, era seletiva, já que disse recordar-se de ter dito aos ofendidos “que não lhe queriam fazer mal”; de igual modo disse recordar-se que não tinha um “taser” consigo, mas sim uma lanterna, levado pelo arguido AA, mas admitiu ser quem a tinha dirigido ao ofendido, tendo esta “feito barulho” aquando da sua utilização, afirmou.
Diga-se que as declarações do arguido AA, pela forma espontânea, coerente e verosímil com que se nos apresentaram, seriam na nossa ótica já de si suficientes para dar por provados, para além dos factos respeitantes à sua própria intervenção, os que se reportam especificamente ao arguido BB. Em todo o caso, há outros elementos de prova que corroboram o que ressalta das declarações do arguido AA, e que aliás as complementam.
De entre os tais outros elementos de prova a que aludimos, referimo-nos em particular à descrição dos factos, por parte das testemunhas.
A testemunha EE, Agente da PSP, que tomou conhecimento dos factos que lhe foram comunicados pelos ofendidos e deram as caraterísticas do veículo, sem matrícula. Nessa sequência deslocaram-se ao Bairro ... e aí avistaram uma viatura com semelhantes caraterísticas, sendo visível no seu interior gorros e casacos que correspondiam aos descritos pelas vítimas. Após, contactaram os lesados que se deslocaram ao local e um deles reconheceu o porta chaves. Após o reconhecimento deslocou-se à residência do BB, sendo atendido pela namorada deste que afirmou que o arguido não se encontrava em casa, mas depois viu os arguidos junto do referido veículo, tendo este sido aprendido e entregue os objetos aos ofendidos.
O depoimento da anterior testemunha foi corroborado pelo depoimento da testemunha FF, Agente da PSP, acrescentando que o arguido BB é referenciado na Polícia e que foi a namorada do BB que entregou os bens.
A testemunha GG, Agente da PSP, encontrava-se nessa madrugada de serviço e foi quem recebeu a participação dos ofendidos.
Ouvidos os ofendidos CC e DD, estes mostraram uma postura calma e um raciocino coerente, nunca deixando transparecer qualquer contradição dos factos pelos mesmos relatados. Atenta a forma como depuseram e as circunstância dos factos terem sido corroborados pelas referidas testemunhas entre si, as mencionadas testemunhas lograram convencer o Tribunal sobre a realidade dos factos tal como foram consideradas provados. Estas testemunhas explanaram de forma minuciosa o modo como foram abordados pelos arguidos, a particularidade de atuação de cada um deles, que pese embora não os reconhecessem por estarem com a face tapada, sabiam que o mais alto é que abordou a DD e o outro foi quem abordou o CC (correspondendo o mais alto ao arguido AA, como se comprovou aquando da realização da audiência de julgamento), sendo que o arguido que estava do lado do CC estava munido de um taser, com o qual o ameaçou, afiançando o medo que sentiram pela posse e ameaça com esse objeto.
Referia-se, com relevo, que nas palavras dos ofendidos quem foi o mais agressivo e quem se lhes afigurou ser o que liderava toda a atuação foi o arguido que se encontrava do lado do CC (o arguido BB).
Foram isentos ao explicar o que os arguidos lhe retiraram. Relataram como alcançaram as chaves do veículo e como reconheceram os seus objetos no veículo em causa e a recuperação dos objetos retirados, à exceção do relógio do CC e de parte do dinheiro que se encontrava na carteira da DD, 20 euros.
Urge fazer um esclarecimento no que concerne ao objeto utilizado pelo arguido BB, sendo que neste conspecto o arguido AA asseverou que não tinham concertado que o assalto seria perpetrado com recurso a intimidação ou uso de qualquer objeto intimidatório, mas o certo é que no decurso da atuação dos arguidos que tinha sido acordada por ambos, o arguido BB utilizou o referido objeto, atuação essa que o arguido AA tomou conhecimento e se conformou com a mesma.
Relevantes foram, ainda, os seguintes documentos e, como tal, aos mesmos também se atendeu:
- Auto de denúncia, a fls. 2 e ss.; Auto de notícia, a fls. 18 e ss.; autos de apreensão, a fls. 29, 30 e ss., 32 e 33; auto de exame e avaliação, a fls. 34; termos de entrega, a fls. 35, 36, 37 e 102; reportagem fotográfica, a fls. 42 e ss.; print da base de dados do registo automóvel, a fls. 270. Tendo em conta todo o referido acervo probatório, criticamente valorado nos termos expostos, resulta que os factos ocorreram nos termos relatados pelo arguido AA corroborados, sobretudo, pelos depoimentos dos ofendidos.
*
No que respeita às condições socioeconómicas e à situação pessoal dos arguidos, a nossa posição assenta nos relatórios sociais juntos aos autos.
A este propósito acresce o depoimento sincero e claro da testemunha HH, pai do arguido AA, que começou por dizer que o sucedido foi vergonhoso para toda a família. Explicou que o filho na data dos factos havia acabado a licenciatura e estava desempregado, não conseguindo emprego; no ano de 2018 foi-lhe diagnosticado um temor benigno no cérebro, e, por tudo isto, estava deprimido, sendo seguido em psiquiatra; quando o arguido contou aos pais o que havia feito obrigaram-no a trabalhar como empregador de pizzas. Confirmou que o filho atualmente está a trabalhar. Este depoimento que nos pareceu sincero e que corroborou a ideia de que foi um episódio isolado na vida do arguido e do qual está arrependido e envergonhado.
A corroborar este depoimento do pai do arguido AA as testemunhas, II, professor do arguido, e JJ, namorada do arguido, que demonstraram conhecer bem o mesmo e que deram conta que atento o perfil deste acreditam ter-se tratado de um episódio isolado na sua vida, classificando-o como um individuo respeitador, trabalhador, focado e dedicado à família.
Relevou, igualmente, os documentos juntos com a contestação pelo arguido AA, mormente as declarações da licenciatura em tecnologia de informação, em 11.07.19; os contratos de trabalho; a declaração médica onde consta que já em 2020 o arguido estava medicado para a depressão, sendo seguido em psiquiatria, encontrando-se, atualmente, controlado,
*
Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos valoramos os correspondentes certificados criminais.
*
Quanto aos factos não provados os mesmos ficam a dever-se à prova em contrário como se deixou explanado supra.”

II. Do Recurso
Pretende o recorrente que, face à prova produzida deve ser considerado como facto provado que está arrependido, confessou e que entregou voluntariamente a maior parte dos objetos roubados.
Mais entende que deve ser o crime desqualificado, considerando que não se provou o uso da arma, e ainda que a medida da pena que lhe foi aplicada foi excessiva, argumentando que pelo menos, não devia ser superior à do seu coarguido, e deveria também, como a deste, ser suspensa na sua execução.

Vejamos.
A impugnação da matéria de facto em sede de recurso para o Tribunal da Relação pode ser feita por invocação dos vícios decisórios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, sindicando, dessa forma, as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão, e uma outra, mais ampla e abrangente – porque não confinada ao texto da decisão –, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efetivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo, na sua adoção, a observância das formalidades previstas no artigo 412º, nº3 e nº 4, do CPP (erro de julgamento em matéria de facto).
A impugnação da matéria de facto por invocação dos vícios decisórios previstos no nº 2 do artigo 410º do CPP, de conhecimento oficioso, e que traduzem defeitos estruturais da decisão, e não do julgamento e, por isso, a sua evidenciação só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo, por se tratar de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida.
Lida e analisada a decisão recorrida, nela não surpreendemos qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida, mostrando-se a decisão bem estruturada com raciocínio lógico, e a apreciação das provas efetuada em respeito pelos princípios da livre apreciação da prova, e pelas regras de experiência comum, o que nos reconduz à impugnação ampla da matéria de facto, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, aquela que permite um efetivo grau de recurso em matéria de facto, mas impõe, na sua adoção, a observância das formalidades previstas no artigo 412º, nº3 e nº 4, do CPP.

Quando o recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412º, nº 3, a), do CPP, recai sobre si um especial dever de especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, porquanto são estes que, de acordo com o que supra se expôs, irão delimitar o objeto do recurso, o que foi feito.
Assim, não basta dizer que o tribunal apreciou erradamente a prova, é preciso que o recorrente identifique devidamente o ponto de facto que foi dado como provado, se é o caso, e não devia ter sido, na sua perspetiva, e qual a razão por que entende que assim deva ser.
Ainda de acordo com a mesma norma, o recorrente tem de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, e sendo caso disso, as provas que devem ser renovadas – alíneas b) e c).
O mesmo cumpre minimamente com os requisitos exigidos e previstos no art. 412º, n º 3 do CPP.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, a consultar em www.dgsi.pt).
Para tanto, necessário é indicar as provas que atacam o raciocínio feito pelo julgador o que só por um de dois modos se pode fazer:
__ ou atacando a força probatória de qualquer dos elementos que fundamentaram o raciocino do julgador;
__ ou o conjunto dos elementos da prova nos quais ele se baseou.

O recorrente considera com base nas transcrições da prova produzida apresentada que as mesmas, no seu entender, impõem que se dê como provado que o arguido confessou os factos e mostrou arrependimento e que foi o arguido BB que entregou voluntariamente, a maior parte dos objetos roubados à polícia.
Ora analisada a matéria dada como provada por parte do tribunal constata-se que relativamente ao outro arguido AA o tribunal deu como provado no ponto 17 que o arguido AA confessou os factos e mostrou sincero arrependimento.
O tribunal a quo motivou e explicou em moldes objetivos e não discricionários por que razão deu mais credibilidade a este arguido em detrimento da versão do recorrente, pelo que tendo presente o princípio da imediação e da livre apreciação não dispõe este tribunal de capacidade para contrariar, nem pode, o ali explanado.
E compreende igualmente que não tenha dado como provado o arrependimento do recorrente. Arrependimento não é igual a confissão, e aquele tem de ser sentido pelo julgador com verdadeiro sentimento. Pelas razões que expôs o tribunal não perscrutou nas declarações do recorrente tal sentimento, pelo que em consonância não deu tal com provado e não pode este tribunal dissociar-se de tal entendimento, porque tendo ouvido as declarações do recorrente as mesmas não transparecem sincero arrependimento dos seus atos além de que a imediação e oralidade ocorridas na primeira instância não são substituíveis por esta instância.
No que à livre convicção do juiz se reporta e que o recorrente pretende inquinar com a sua pretensão ínsita em segmento de recurso que apresentou, nessa apreciação da prova, não pode esta deixar de ser “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais, mas em todo o caso, também ela (deve ser) uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.”(Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º volume, Coimbra, ed. 1974, pág. 203 a 205).
Com efeito, a convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialética de dados objetivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem (vide aqui o teor do AC TRC de 16-09.2015, in www.dgsi.pt, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Orlando Gonçalves).
Ao princípio da livre apreciação da prova, estão intimamente associados os princípios da imediação e da oralidade. A avaliação da prova produzida em audiência não se resume ao conteúdo literal de algumas expressões usadas pelos participantes na audiência, antes pressupõe uma análise global de todas as provas à luz de critérios de experiência comum. Só essa avaliação global permite a formação de um juízo sobre a consistência de um depoimento.
O julgador, beneficiando do contacto direto com os arguidos, assistente e testemunhas, ao valorar o depoimento ou partes de um depoimento em detrimento do depoimento de outros tem de atender a vários aspetos que têm a ver, designadamente, com a razão de ciência, a imparcialidade, a espontaneidade do depoimento, as hesitações, as contradições, os gestos, etc.
Nestes termos, o recorrente ao impugnar deve indicar elementos objetivos que imponham um diverso juízo sobre a credibilidade das declarações ou depoimentos, pois aquela/s, quando estribada/s em elementos subjetivos é um sector especialmente dependente da imediação do tribunal recorrido.
Assim, tendo o Tribunal a quo, que beneficiou plenamente da imediação e da oralidade da prova, explicado racionalmente a opção tomada, e, inexistindo indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida as quais o recorrente não logrou especificar, na reapreciação da prova nos termos do art.127.º do C.P.P., importa se mantenha a decisão neste circunspecto.
Contudo, não obstante o explanado nas motivações e no que concerne à essencialidade dos factos descritos em 1 a 12, não existem dúvidas, sem prejuízo da apreciação que se irá fazer a propósito da “arma” utilizada, que este arguido recorrente confessou tais factos, admitindo-os.
Efetivamente como o próprio refere nas suas alegações a verdade, a postura do recorrente pouco difere da do arguido AA.
O recorrente nunca negou os factos, apenas referiu que tinha consumido droga em pastilhas (drogas sintéticas), cujo formato eram macaquinhos verdes, ou seja, em formato de bonecos/animais.
Referiu que não conseguiria dar todos os pormenores, por se encontrar sob a influência de estupefacientes.
Mas nunca negou a prática dos crimes, assumiu-a e foi este (ou a seu mando) que entregou os objetos roubados à Polícia.
Veja-se as declarações do recorrente, disponíveis na plataforma Citius, na audiência de 17/01/2023, a minutos 1.10, perguntado se era verdade ou mentira o que estava na acusação, respondeu:
“É tudo verdade”; Referiu no entanto que algumas coisas não foi isso que aconteceu, (1.40) o que não é verdade é que não fui eu que tive a ideia de fazer isso, foi o outro arguido, o Pedro…é o seguinte não foi combinado fazer assim”; 2.37 “enquanto eu consumia as minhas drogas…. A partir do momento que snifei as pastilhinhas verdes apaguei, tenho flashbaks, lembro-me que cheguei ao carro e disse que não queria fazer mal a ninguém…eles podem confirmar…” “lembro-me de entregar as coisas à Polícia” ; “não era um taser, era uma lanterna que tinha luzinhas azuis, isso não fazia mal a ninguém”; assumiu que “eu é que tinha a lanterna”; “Lembro-me que estava em casa e vim cá fora e entreguei tudo à Polícia” (1.10 a 9.25).
Aliás, a sua versão dos factos é praticamente coincidente com a do arguido AA, que apesar de ter confessado, também afirmou que “a maior parte das coisas era verdade, algumas coisas não” e até não viu qualquer taser.
Consequentemente, não deixou o recorrente de confessar e, de à sua maneira, tal como fez o arguido AA, contar alguns detalhes de forma diferente da Acusação.
As divergências quanto à liderança da atuação não ferem o núcleo essencial dos factos dados como provados, os quais também não podem deixar de assentar também na sua admissão por este recorrente.
Por estas razões é de deferir a pretensão do recorrente, acrescentando-se o ponto 19 aos factos provados nele fazendo constar-se que o arguido BB confessou os factos.

Diz ainda o recorrente que foi o arguido BB que entregou, voluntariamente, a maior parte dos objetos roubados à Polícia e que portanto tal matéria deveria ter sido levada aos factos provados.

Efetivamente os agentes da PSP que testemunharam foram unânimes em afirmar que quem entregou a maior parte dos objetos roubados foi o recorrente.
Veja- se os depoimentos do sr. Agente da PSP KK e FF:
O primeiro, a minutos 3.25 “…o BB ia a passar com o outro senhor, abordei- os e eles confirmaram o que se tinha passado … depois o BB entrou em contacto com a namorada para ir buscar algum do material furtado que se encontrava no interior da residência…”; a instâncias da Meritíssima Juiz que questionou “quem entregou foi o BB ou aqui o senhor …respondeu “ …foi a namorada e com alguns familiares…”.
O segundo, a minutos 2.11 afirma “…depois apareceu o senhor BB…ligou à namorada, disse logo para trazer os pertences, ela fez isso”.
Donde decorre da prova produzida em audiência que parte dos objetos foi recuperada com entrega dos mesmos por familiares e namorada a mando do recorrente.
A voluntariedade aqui é relativa na medida em que o arguido foi confrontado diretamente pela autoridade policial, que lhe apreendeu o automóvel aparcado próximo da sua residência onde alguns dos objetos se encontravam e nesse confronto, na rua, admitindo a prática dos ilícitos, pediu a conhecidos seus que trouxessem os objetos, sendo que nem todos foram recuperados, pelo que considerar que tal atitude demonstra arrependimento será exagerado. Revela contudo colaboração.
Não pode pois ignorar-se esta atitude devendo fazer constar-se como ponto 20 que parte dos objetos foram recuperados tendo sido entregues pelo arguido BB à exceção de um relógio do ofendido CC e de €20,00 da ofendida DD.

Diz o recorrente o objeto utilizado pelos arguidos não era uma arma.
O tribunal a quo considerou na sua motivação a propósito dos ofendidos que “Ouvidos os ofendidos CC e DD, estes mostraram uma postura calma e um raciocino coerente, nunca deixando transparecer qualquer contradição dos factos pelos mesmos relatados. Atenta a forma como depuseram e as circunstância dos factos terem sido corroborados pelas referidas testemunhas entre si, as mencionadas testemunhas lograram convencer o Tribunal sobre a realidade dos factos tal como foram consideradas provados. Estas testemunhas explanaram de forma minuciosa o modo como foram abordados pelos arguidos, a particularidade de atuação de cada um deles, que pese embora não os reconhecessem por estarem com a face tapada, sabiam que o mais alto é que abordou a DD e o outro foi quem abordou o CC (correspondendo o mais alto ao arguido AA, como se comprovou aquando da realização da audiência de julgamento), sendo que o arguido que estava do lado do CC estava munido de um taiser, com o qual o ameaçou, afiançando o medo que sentiram pela posse e ameaça com esse objeto.
Na verdade, o ofendido CC, no seu depoimento, no dia 07/02/2023, disponível na plataforma Citius, a minutos 5.7 afirma que “ …como expliquei na esquadra o objeto que ele usou no meu entendimento não é um taser verdadeiro; a instâncias da Meritíssima Juiz que questionou “se percebeu de imediato que não era uma arma, respondeu “eu percebi de imediato que no fundo não tinha capacidade de matar” (minutos 5.7 a 5.59);
E a minutos 10.50 a instâncias da Digníssima Procuradora que questionou se o arguido acionou esse objeto, respondeu o ofendido que “…sim aquilo basicamente era um brinquedo taser, tem um botão que quando se carrega emite um feixe elétrico, dá um flash luminoso grande”; e que exibiu “ o dispositivo a uma de distância de 50cms a 1 metro, apenas como intimidação”(minutos 10.50 a 15.35).
Ora, no caso dos autos, como já se disse, o ofendido CC afirmou claramente que se apercebeu imediatamente que o objeto que o recorrente empunhava se tratava de um brinquedo (vide transcrição supra). Mais afirmou que o referido objeto foi exibido e acionado a 50cms/1metro de distância de si, o que significa que não sofreu nenhum choque ou qualquer tipo de lesão na sua integridade física.
Por sua vez, tal objeto não foi apreendido e por consequência não foi examinado.
Tendo presente as declarações do ofendido, o principal visado pelo objeto, e as declarações do arguido, não podia o tribunal concluir que o objeto em questão era uma arma. O confronto da prova produzida deveria ter suscitado alguma dúvida razoável no tribunal a quo quanto à natureza do instrumento utilizado e em consequência ter decidido a favor do arguido em obediência ao princípio do in dúbio pro reo.
No âmbito penal a imputação de uma alegada violação do princípio in dubio pro reo, cinge-se a um problema de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, constituindo um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe a orientação vinculativa de que, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável, ou seja, quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Deste modo, a violação desse princípio suscita a necessidade de, no recurso, ser demonstrada a carência de prova de que os factos imputados aos arguidos foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo.

Decorre desta matéria de facto que o arguido BB não manuseava uma arma, oculta ou aparente e, por isso, nunca teve o propósito de atentar contra a vida ou integridade física de outrem, querendo, contudo, causar a impressão a outrem de que tal objeto podia pôr em risco pelo menos a sua integridade física.
Nenhuma testemunha referiu que o dispositivo utilizado tinha alta voltagem e que causou relevante impacto físico e sonoro, tendo sido apenas mencionado que fazia um barulho do género eletrónico. Em caso algum a vítima referiu ter sofrido algum tipo de choque.
A vítima CC expressamente referiu que o arguido apenas exibiu o objeto e que percebeu de imediato pelo som que fazia que não era um taser verdadeiro. Era usado apenas para intimidar. Esclareceu que percebeu logo que o objeto não tinha capacidade para matar ou sequer para machucar ninguém.
E como já foi dito, o recorrente acendeu as luzes do objeto que empunhava à distância de 50cms a 1 metro do ofendido CC; ou seja, qualquer vibração que tenha sido ativada na lanterna, não atingiu diretamente o ofendido CC, sendo que nunca se aproximou da ofendida DD.
No caso vertente, tal princípio mostra-se violado uma vez que da prova produzida resulta que o tribunal a quo contrariou as regras da experiência comum pelo que deveria, pelo menos, ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor do arguido.
Ou seja, não resultou provado que o recorrente detivesse uma arma “taser”, o que leva à desqualificação do crime dos autos pela al. f) do art. 204º do Código Penal.
Em face do exposto importará refazer a matéria fáctica dada como provada a propósito do uso da alegada “arma”.
Ocorreu erro de julgamento.
Consequentemente no ponto 5 substitui-se o termo arma taser por um objeto, passando a constar “(…)se mantinha dissimulado um objeto, forçando (…)”.
Ponto 6 passa a ter a redação “(…)BB fez ativar o dispositivo elétrico do mencionado objeto na direção de CC a uma distância de pelo menos meio metro, ordenando a CC que lhe entregasse todos os seus bens e valores.” Passa a factos não provados que tal instrumento tivesse causado, atenta a sua elevada voltagem, relevante impacto físico e sonoro.
Ponto 11 substitui-se “uso de uma arma taser” por “uso de um instrumento elétrico”.

Estas alterações não carecem de ser comunicadas ao arguido nos termos do art. 424º, n º 3 do CPP, porquanto invocada pelo próprio e decorre do próprio itinere dos factos descritos e discutidos em plena audiência de julgamento.
Por sua vez e dado que o recorrente agiu em coautoria com AA, não pode deixar de se estender a desqualificação em causa a este, tendo presente o disposto no art. 402º do CPP e nomeadamente o seu nº 2 al. a).

Do enquadramento jurídico dos factos.
Discute-se se o relevante é a arma, como instrumento do crime, revestir objetivamente perigosidade, ou seja, suscetibilidade de ser efetivamente utilizada como meio de agressão, ou se basta subjetivamente ser suscetível de intimidar a pessoa roubada.
Analisemos, então, os normativos que regem esta matéria no Código Penal, para compreendermos o alcance da discordância existente na jurisprudência.
O artigo 210.º do CP, sob a epígrafe “Roubo”, estabelece que:
“1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2 - A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:
a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou
204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo. (…)”.
Por outro lado, o artigo 204.º, n.º 2, alínea f) do CP, sob a epígrafe “Furto qualificado” dispõe que:
“2 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:
f) Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta (…) é punido com pena de prisão de dois a oito anos.”.
Nos termos do artº 204º, nº 2, al. f) do Cód. Penal, é qualificado o crime de furto pelo facto de o agente trazer “no momento do crime, arma aparente ou oculta”.
Conforme se refere no acórdão de 21/06/2011, da Relação de Évora, disponível in www.dgsi.pt, a este propósito, cujo teor subscrevemos e transcrevemos:
“Para uma corrente jurisprudencial, que temos por minoritária, “arma, para os fins dos referidos artigos (204º -2 - f) e 210º) é todo o objecto que tenha a virtualidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes, um justo receio de virem a ser lesadas, através da respectiva utilização, na sua integridade física, mesmo que, de facto, e sem que elas o saibam, não possa cumprir cabalmente tal função, designadamente por falta de partes componentes que, nas armas de fogo ou suas imitações, sejam susceptíveis de provocar o disparo” – Ac. STJ de 27/6/1996, CJ (ASTJ) 1996, t. 2º, 201.
É entendimento de José de Faria Costa, que nele vê um afloramento da doutrina da impressão - “Comentário Conimbricense do Código Penal”, t. II, 81.

Todavia, a jurisprudência maioritária do STJ aponta, contudo, em sentido diverso.
No artº 4º do DL 48/95, de 15/3 (diploma que procedeu à revisão do Código Penal aprovado pelo DL 400/82, de 23/9) estatui-se que “para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim”.
Ora, como elucidativamente se afirma no Ac. STJ de 27/10/2010 (rel. Cons. Armindo Monteiro), www.dgsi.pt, “numa visão sistémica e integrada do entrelaçado de normas de que a requalificação pretendida não prescinde (…) o legislador (…) ao referir-se ao uso de arma, de forma visível ou encoberta, a esse elemento da acção típica do crime de roubo qualificado pela remissão operada para o art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP, fá-lo em sentido técnico, enquanto instrumento com a aptidão e a virtualidade que ressalta do art. 4.º da Lei 48/95, de 15-03, para ferir ou agredir. A qualificativa assenta na maior vulnerabilidade do visado ao agente, que, ao usar da arma, coloca a vítima numa situação de maior indefesa, de maior perigo, denotando ousadia e audácia para consumação do crime, reclamando, por isso mesmo, face a um “plus” de culpa e ilicitude, uma punição agravada, quando comparativamente com o roubo simples”.
Ora, justificando-se a agravação punitiva com a “maior perigosidade que para a vítima representa o porte de arma no momento do crime, importa que se trate de instrumento efetivamente produtor daquele risco, o que não sucede quando o agente usa de uma réplica de arma de fogo, de um revólver, porque em tal caso o que transparece da sua posse não é o propósito de atentar contra a vida ou integridade física de outrem. De um ponto de vista do destinatário, subjetivo, o uso desse instrumento, pode gerar-lhe, e gera normalmente, a impressão de que aqueles valores são colocados em perigo, porque desconhece a natureza do instrumento, ligando-lhe, sem reservas, os efeitos, que, como é usual e natural, ao homem médio, dele derivam, não sendo razoável, proporcionado ou justo que, para cia de arma. Mas se atentarmos que a agravação radica numa maior culpa e ilicitude do agente do crime, e que, em caso algum, a culpa pode ser ultrapassada por necessidades de prevenção – art. 40.º, n.º 2, do CP –, as coisas deverão ser analisadas à luz de outro enquadramento, que descendo do conceito irrestrito de arma o cinja, ao invés, a instrumento que, de acordo com a sua normal destinação, à luz de critérios objectivos, produz, de acordo com a sua aptidão normal, efeitos lesivos à vida e integridade física alheias”.
Assim, para efeitos da agravação nos termos do nº2, b) do artigo 210º, por referência ao artigo 204º, nº 2, f), pressupõe-se primeiramente que o instrumento seja uma arma nos termos das definições legais do art 4º supramencionado e auxilio da lei das armas em vigor -Lei nº 5/06 de 23 de fev.
No caso de se tratar de um instrumento apenas abrangido por aquele nº 4, só pode ser considerada idóneo a preencher tal qualificativa e a ser considerado arma, porquanto o que se pune de forma agravada é o facto de o agente trazer, no momento da prática do crime, visível pela vítima ou não, algo com capacidade ofensiva objetiva.

A este propósito se diz no Ac. STJ 28.4.04, Proc. 4337/03-3, in www.dgsi.pt: “não é seguramente a projecção de alguns resíduos de pólvora pela pistola de alarme que, à luz de um critério objectivo, repousando em regras de experiência comum, dimensiona a pistola como arma para os fins queridos e subjacentes à agravativa prevista no art. 204º, n.º2 al. f), do C. Penal”.
A agravação prende-se com a maior associalidade e audácia do agente, pelo potencial lesivo que acrescentou à sua atuação, já que o facto de trazer consigo arma adequada a lesar a integridade física de outrem, tendo-a disponível para, em qualquer momento, vir a servir-se dela - ainda que não chegue a fazê-lo - aumenta indiscutivelmente a culpa e ilicitude da sua conduta.
No mesmo sentido, elucidativamente se afirma no Ac. STJ 27.10.10, www.dgsi.pt: “(…) ao referir-se ao uso de arma, de forma visível ou encoberta, a esse elemento da acção típica do crime de roubo qualificado pela remissão operada para o art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP, fá-lo em sentido técnico, enquanto instrumento com a aptidão e a virtualidade que ressalta do art. 4.º da Lei 48/95, de 15-03, para ferir ou agredir (…) importa que se trate de instrumento efectivamente produtor daquele risco, o que não sucede quando o agente usa de uma réplica de arma de fogo, de um revólver, porque em tal caso o que transparece da sua posse não é o propósito de atentar contra a vida ou integridade física de outrem”.
Já Simas Santos e Manuel Henriques C.P. anot, 3ª ed., 2º vol. Parte especial pág. 655 a propósito da posse de arma aparente ou oculta discorria que abrange tudo o que possa ser usado como instrumento eficaz de agressão, portanto quaisquer armas, quer próprias, destinadas ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas, quer as impróprias, todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fim ofensivos ou defensivos. O porte aparente ou oculto de arma facilita a execução a execução do crime ao tornar o agente mais audaz e cria também maiores dificuldades de defesa ao ofendido.
Também Miguez Garcia e Castela Rio em C.P., Parte Geral e Especial, com notas e comentários, 2º ed, 2015, ponto 15, pág. 897 dão conta que a circunstância de um qualquer objeto ser sentido como perigoso pela vitima, não faz dele uma arma, se não se enquadrar na definição do art. 4º do D/L 48/95 de 15.03. A agravante consiste em se trazer consigo uma arma, não exigido a lei o emprego efetivo da arma e o fundamento da agravação está no perigo de o agente, face ao aparecimento de uma situação critica, se poder decidir pelo uso da arma que tem à mão, porventura capaz de provocar danos graves na pessoa atacada, sendo determinante a natureza do perigo que a arma representa e não o efeito que a mesma possa exercer no espirito da vitima.
Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do Código Penal, 3ª ed. dá conta que o porte de arma aparente significa que a arma é exibida e pode ser vista pela vítima no momento da prática do crime.

Quer dizer:
O conceito de “arma”, não se cinge apenas aos instrumentos expressamente elencados no artigo 2.º, n.º 1 do RJAM.
O artigo 4.º do DL 48/95 de 15 de março (Decreto Preambular do Código Penal de 1995) prescreve, ainda, que “para efeito do disposto no Código Penal considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou possa ser utilizado para tal fim”.
Dentro deste conceito de arma estarão incluídas as situações em que o agente do roubo ameaça a vítima com um instrumento, que apesar de não ser classificado como arma pela legislação em vigor, possa ser utilizado como objeto de agressão, apesar de ter outra função de uso.
Assim, uma seringa usada para aplicar vacinas poderá constituir-se como um objeto de agressão se estiver infetada com HIV, tal como um martelo usualmente empregue para pregar, um taco para jogar basebol, um canivete para cortar fruta, etc.
O conceito de “arma” previsto no artigo 204.º, n.º 2, alínea f) do CP engloba assim tanto a arma verdadeira ou real (arma de fogo municiada), como a arma classificada como tal pelo legislador (elencada no artigo 2.º, n.º 1 do RJAM), bem como o objeto suscetível de ser utilizado como instrumento de agressão contra o corpo de alguém (artigo 4.º do DL 48/95 de 15 de março), seja uma arma visível (aparente), no sentido de ter sido exibida pelo agressor e visionada pela vítima, ou uma arma oculta (escondida).
A arma “aparente” é aquela que é exibida perante a vista do ofendido, ou seja, é visível, por contraposição à arma “oculta” (escondida) e não tem o significado jurídico como o que “parece real ou verdadeiro, mas não o é”, o que é “falso, fictício, fingido” o contrário de “real, verdadeiro”.

Uma réplica em plástico de um revólver é apta a determinar aquele a quem é exibida a entregar coisa móvel, receando pela sua vida ou integridade física. E, por isso, é – ou pode ser – meio idóneo à prática do crime de roubo simples previsto no artº 210º, nº 1 do Cód. Penal. A agravação da pena pressupõe, porém, um acréscimo de perigo para a vítima, decorrente do porte de arma; e esse acréscimo há de ser efetivo, objetivo, real, não apenas subjetivo decorrente da mera impressão ou sensação do visado.
A razão da qualificação do crime de roubo (alínea b), n.º 2 do artigo 210.º do CP), com a consequente agravação da moldura penal abstrata, assenta que, em todas as situações descritas, a utilização da “arma” potencia objetivamente uma menor defesa para a pessoa detentora do bem patrimonial de que o agente do crime se pretende apropriar.
Quando o agressor “traz uma arma aparente ou oculta” procura criar, através dela, menor resistência por parte da vítima à apropriação do bem do qual se pretende apoderar, pois limita de forma mais agravada (em comparação com a prevista no n.º 1 do artigo 410.º do CP), com a sua atuação, a liberdade da pessoa detentora do bem, de resistir à apropriação ilícita. Mas, como atrás se disse tal tem também de decorrer da idoneidade do instrumento em criar perigo efetivo para a vítima.
É neste sentido que, nos últimos 15 anos, vem decidindo de forma largamente maioritária o STJ.
Ora, no caso dos autos, como já se disse, o ofendido CC afirmou claramente que se apercebeu imediatamente que o objeto que o recorrente empunhava se tratava de um brinquedo (vide transcrição supra). Mais afirmou que o referido objeto foi exibido e acionado a 50cms/1metro de distância de si e que logo percebeu que o objeto em questão não o colocava em perigo.
Deste modo, não se podendo dar como assente um mínimo de características que revelem a idoneidade do objeto para ser usado como uma arma elétrica, vulgo taser, estava vedado ao tribunal coletivo concluir pela utilização de uma arma.
Naturalmente que a exibição do referido instrumento pelos arguidos acompanhada por todo o restante comportamento, foi decisivo para o desencadear do medo que levou os ofendidos a não oferecerem resistência à subtração dos objetos que possuíam consigo no automóvel. Mas isso releva tão-somente no âmbito do n.º 1 do artigo 210.º do C.P., como forma de violência contra os ofendidos.
A referida alínea em causa refere-se a «arma aparente», por contraposição a «arma oculta», é aquela que aparece, que se pode ver, e não o que «aparenta» ser uma arma.
Decorre desta matéria de facto que nem o arguido BB manuseava uma arma elétrica nos termos definidos quer do art. 1º, nº 1, al. o) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro quer do art. 4º do preâmbulo do Código Penal, oculta ou aparente e, por isso, nunca teve o propósito de atentar contra a vida ou integridade física de outrem, nem, por fim, causou a impressão a esse outrem de que tal objeto podia pôr em risco a sua vida ou integridade física.
Indo ao encontro da jurisprudência dominante, à luz dos critérios subjetivos e objetivos não pode ser o crime de roubo dos autos ser qualificado nos termos da al. f) do nº 2 do art. 204º do Código Penal. Não existiu este agravamento da culpa por parte do agente (este não tinha na posse qualquer arma), nem o destinatário teve a impressão de que a sua vida ou integridade física estava em perigo. E como estamos numa situação de coautoria, também a conduta do outro arguido AA fica desqualificada nesta vertente.

Permanece, todavia, uma das agravantes, a da al. b) do nº 1 do art 204º do C.P., aliás não questionada, que funcionará como única agravante.
Assim, verificamos que os arguidos praticaram, em coautoria material e na forma consumada e em concurso efetivo, por serem duas as vítimas, dois crimes de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, conforme imputado na acusação.

O crime é agravado por força do 204.º, nº. 1, alínea b), do Código Penal.
As penas abstratas aplicáveis aos crimes praticados pelos arguidos, crime de roubo agravado, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.º 2, são de pena de prisão de 3 a 15 anos.

Na ponderação concreta das penas, tendo em atenção os critérios do art. 71º do C.P., cumpre determinar a medida da pena em função das exigências de prevenção de futuros crimes, tendo como limite a culpa do arguido, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente.
Estes princípios encontram expressão no art. 40º, nºs 1 e 2 do CP, onde se dispõe que as penas têm como finalidade a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e não podem em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
Com efeito, a determinação da medida concreta da pena, dentro das molduras penais abstratas, faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71.º do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Criminal, quais sejam, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal – sem esquecer que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – n.º 2 deste artigo.
É este o critério da lei fundamental, artigo 18.º, n.º 2 da CRP - cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento, Sentido e Finalidade da Pena Criminal, 2001, págs. 104 a 111.
No mesmo sentido se orienta o Supremo Tribunal de Justiça, que tem considerado que constituem a culpa e a prevenção os dois termos do binómio com que importa contar para delineamento da medida da pena» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de14/3/2001, CJ, ACSTJ, Ano IX, Tomo I, pág. 245).

Como referido pelo tribunal a quo “No que concerne às exigências de prevenção geral positiva estas fazem-se sentir com particular intensidade neste tipo de criminalidade – roubos - na nossa sociedade os roubos são altamente geradores de grande intranquilidade e insegurança públicas. A prevenção geral no crime de roubo exige uma pena afastada dos limites mínimos, uma vez que em causa está o direito de propriedade perpetrado com violência, tanto mais que cada vez é em maior número a prática deste tipo de crimes que noticiam os meios de comunicação social, pela intranquilidade que causa, principalmente nas pessoas mais idosas e vulneráveis, demandando intervenção vigorosa por parte dos tribunais por constituir um dos crimes mais graves do nosso ordenamento jurídico-penal.
O grau de ilicitude do facto é elevado, atentas as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, no modo de execução releva a circunstância destes crimes terem sido praticados, dirigindo-se os arguidos a pessoas indefesas, na calada da noite e o desprezo e indiferença como as trataram, o que demonstrou particular frieza e insensibilidade, com total desprezo pela vida humana.
Por outro lado, os arguidos agiram sempre com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto, revelando forte resolução criminosa em todas as situações, denotando os factos cometidos uma personalidade altamente desvaliosa.
O modo de execução dos crimes – em conjunto – um grupo de dois indivíduos, usando a intimidação bastante para amedrontar e fazer recear os ofendidos, que por isso acederam às suas exigências sem resistirem.
Milita a seu favor do arguido AA a autocensura e a contribuição para a descoberta da verdade de que deu conta ao confessar os factos e mostrar arrependimento.
De igual modo, a valorar a favor do arguido AA, a ausência de antecedentes criminais. Ademais, afigura-se-nos ter-se tratado de um ato isolado da sua vida, em momento em que estava deprimido e sem rumo, o que sofreu uma inversão já que atualmente está em tratamento e estabilizado, trabalha, encontrando-se bem inserido quer familiarmente quer socialmente.
Temos assim que as exigências de prevenção especial quanto ao arguido AA assumem o baixo relevo decorrente da situação deste que beneficia de enquadramento familiar, está inserido socialmente e profissionalmente e tratou-se, a nosso ver, de um ato isolado na sua vida.
Tendo presente os critérios de que se socorreu o tribunal a quo, considera-se que relativamente ao coarguido AA as penas parcelares concretas e a pena única encontradas se afiguram, adequadas, justas e proporcionais à sua particular situação pelo que não serão alteradas não obstante a desqualificação operada pela al. f) do nº 2 do art. 204º do Código Penal.
Relativamente ao arguido BB, terá que se considerar que o mesmo confessou os factos e contribuiu para a recuperação de parte dos objetos embora demonstre alguma imaturidade no que concerne à antecipação das consequências dos seus atos e fraco sentido crítico quanto à escolha dos pares que acompanha. Ademais, não tem trabalho certo, efetuando trabalhos ocasionais, mas na maioria dos seus dias não tem ocupação.
Acresce ainda que este arguido aquando dos factos já havia sido condenado por dois crimes de furto qualificado, o primeiro em pena de multa e o segundo em pena de prisão, substituída por multa, a qual foi substituída por trabalho a favor da comunidade e pós revogada e aplicada prisão efetiva.
Sendo que posteriormente aos factos foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, e pela prática de 2 crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; e ainda pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348º, nº 1, do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade.
Por outro lado, o percurso vivencial do arguido BB é caraterizado por instabilidade comportamental e consumo de substâncias aditivas, o que é um inegável fator de risco. Temos, assim, que também as exigências de ressocialização do arguido BB reclamam punição com significativa dimensão, sendo seguro afirmar que nenhuma pena curta de prisão tem virtualidades suficientes para fazer com que este arguido regresse aos caminhos da legalidade e do respeito pelos valores fundamentais da sociedade.
Concordamos com o tribunal a quo quando refere que “As exigências de prevenção especial do arguido BB assumem o relevo elevado decorrente da situação do arguido não se encontrar enquadrado profissionalmente apenas beneficiando de enquadramento familiar. A mais que isto cabe dizer que há realmente uma forte exigência de prevenção especial, porque pelos seus antecedentes criminais e pelo tipo de crimes por que já foi condenado o arguido, é pessoa que claramente revela uma personalidade pouco respeitadora das normas sociais e um fácil menosprezo pela segurança dos outros. Ora, a personalidade do agente - isto é, a singular personalidade do agente, com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos - é um fator de essencial importância para a medida da pena, tanto pela via da culpa, como pela prevenção - embora se não trate da personalidade como um todo, mas da personalidade manifestada no ato e que o fundamenta, pois que o direito de punir e o “quantum” da punição tem a sua justificação a partir do que se faz e não do que se é ( (Figueiredo Dias, Dto Penal Português, parte geral, II 1993, p. 248; Anabela Rodrigues, Da determinação da pena privativa de liberdade, 1995, 478 ss)”
Quer isto dizer que em termos de prevenção especial importa que o arguido evite situações do género e que com a pena encontrada se realizam também as funções assinaladas à prevenção geral (negativa ou de intimidação): dissuadir outros de praticar crimes do mesmo tipo; prevenção geral positiva ou de integração: manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força das suas normas.
Impõe-se a afirmação de um juízo de completa imputabilidade dos arguidos em relação às suas descritas condutas, com a certeza de que livremente não quiseram agir com respeito pelos valores tutelados pelo Direito.
A valorar a pluralidade de vezes que o arguidos atentou contra os bens jurídicos aqui em causa (dois roubos em coautoria).
Destarte, entendemos como adequadas, necessárias e suficientes, aplicar ao arguido BB as penas parcelares:
Pena de 4 anos de prisão por cada um dos crimes.
As diferentes molduras penais prendem-se com a prevenção especial diminuída do arguido AA em relação ao arguido BB.

Subscrevendo o tribunal a quo “Uma vez que estamos perante um concurso efetivo de crimes, cumprirá também considerar o disposto no art.º 77.º, n.º 1, em consonância com o qual quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Acrescenta a mesma norma que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, e esclarece o correspondente n.º 2 que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Em consonância com o respetivo n.º 3, se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
Uma vez que os arguidos praticaram os crimes identificados antes do trânsito em julgado da condenação de qualquer um deles e que os mesmos estão numa situação de concurso efetivo (artigo 30.º, números 1 e 3), cumpre determinar uma pena única, considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigos 77º, nº 1 e 71º, nº 1 do Código Penal).
“Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente revelará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (…) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (…) De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente” (exigências de prevenção especial de socialização) – Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2ª Reimpressão, 2009, páginas 291 e 292.
Aplicando o n.º 2, do artigo 77.º temos a moldura penal do concurso:
- do arguido BB com um limite mínimo de 4 anos de prisão e um limite máximo de 08 anos de prisão.
Analisando os factos verifica-se que os roubos foram praticados na mesma situação de tempo e lugar constituindo um complexo delituoso de gravidade moderada, radicada numa pluriocasionalidade. As consequências dos crimes para as vítimas estão mitigadas e os objetos furtados foram, na sua maior parte, recuperados.
Do conjunto dos factos em análise podemos concluir, relativamente ao arguido BB, por uma personalidade já desvaliosa, tendente sempre para a criminalidade, ao contrário do arguido AA que se nos afigura ter-se tratado de um ato isolado na sua vida.
Destarte, considerando os motivos subjacentes à prática dos factos, atendendo ainda aos factos apurados, à elevada ilicitude e culpa decorrentes dos mesmos, e à personalidade do agente documentada também nas condutas concretamente empreendidas, e todas as acima circunstâncias que militam em favor e desfavor do arguido, o tribunal julga por adequado aplicar ao arguido a pena única de:
- Ao arguido BB a pena de 04 anos e 10 meses de prisão.

Da suspensão da pena de prisão
O artigo 50.º do Código Penal, na redação vigente, a aplicável, atribui ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (cfr. Figueiredo Dias, Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68).
Como justamente se salientou no Ac. do S.T.J. de 8-5-1997 (Proc.º n.º 1293/96) “fator essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como fator pedagógico de contestação e autorresponsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”.
Assim, para que a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, que constitui uma verdadeira pena autónoma de substituição, possa ser decretada é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos – prevenção especial – e, em segundo lugar, é necessário que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias, isto é, o sentimento de reprovação social do crime ou o sentimento jurídico da comunidade, de tal sorte que a suspensão da execução da pena de prisão deve ser recusada quando “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização … se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime” – prevenção geral -, ou seja, o valor da socialização em liberdade é limitado sempre por considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 344 e ainda o mesmo Figueiredo Dias, Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68.
Por outro lado, na apreciação a fazer da verificação daquele pressuposto material, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr um risco fundado e calculado sobre a manutenção do arguido em liberdade, mas se tiver dúvidas sobre a sua capacidade para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa. Cfr. ob. cit., pág. 344 e Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3ª ed., pág. 639, anotação ao art. 50º.
Como justamente se salientou no Ac. do S.T.J. de 8-5-1997 (Proc.º n.º 1293/96) “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como fator pedagógico de contestação e autorresponsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”.
Em última análise, são considerações de prevenção especial de socialização que vão determinar a decisão de suspensão da execução, pois a pena deve em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia ótima de proteção de bens jurídicos.
Este arguido aquando dos factos já havia sido condenado por dois crimes de furto qualificado, o primeiro em pena de multa e o segundo em pena de prisão, substituída por multa, a qual foi substituída por trabalho a favor da comunidade e pós revogada e aplicada prisão efetiva.
Sendo que posteriormente aos factos foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, e pela prática de 2 crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; e ainda pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348º, nº 1, do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade.
Estas últimas condenações referem-se a factos posteriores aos factos destes autos, pelo que não puderam influir e servir de advertência aos factos em análise.
Por outro lado, o percurso vivencial do arguido BB é caraterizado por instabilidade comportamental e consumo de substâncias aditivas, o que é um inegável fator de risco, embora não tenha desistido do tratamento, frequentando-o. Está há vários anos em programa de substituição opiáceo com metadona.
BB reconhece o respetivo percurso criminal e demonstra alguma capacidade de análise crítica, mas evidencia dificuldades de antecipação das consequências dos seus atos.
Não obstante, as condenações prévias foram-no em penas de multa e de prisão substituída por multa.
Temos informação nos autos que o arguido tem estado a cumprir com o plano de acompanhamento que lhe foi imposto em sede prisão suspensa por factos posteriores a estes. A DGRSP sugere medida sancionatória em ambiente livre.
Assim, as exigências de ressocialização do arguido BB ainda permitem, mas estamos no limite, concluir pela possibilidade de se fazer um juízo de prognose positivo sobre o seu comportamento futuro, pelo que ainda existe uma réstia de esperança que a suspensão da pena tenha a virtualidade suficiente para fazer com que este arguido regresse aos caminhos da legalidade e do respeito pelos valores fundamentais da sociedade.
Assim, somos a defender que deve o arguido beneficiar da oportunidade, de em liberdade, interiorizar o desvalor da sua conduta, repensar os seus trajeto vivencial e o que deseja para o seu futuro.
É, pois, de entender, relativamente ao arguido, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.
Assim, determina-se suspensão da pena de prisão.
Fixa-se o período da suspensão da pena de prisão em 4 anos e 10 meses, sujeito a regime de prova que incida sobre a débil conjuntura laboral e as dificuldades económicas, com foco no tratamento clínico para atingir a abstinência de estupefacientes e na interiorização do desvalor da ilicitude comportamental e seu demérito, assentando numa ideia de assistência e vigilância.
Mantém-se no demais a decisão a quo.

III. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a 1ª secção criminal, em:
-Conceder parcial provimento ao recurso interposto por BB e em consequência proceder à alteração da matéria fáctica nos termos supraexpostos e que aqui se dão por reproduzidos e nessa sequência desqualificar o crime de roubo agravado pela al. f) do nº 2 do art. 204º do C.P extensível ao coarguido AA:
Manter a condenação do arguido BB pela prática de dois crimes de roubo agravados, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 210.º, nºs.1 e 2, alínea b), e 204.º, nº. 1, alínea b), ambos do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão, por cada um deles.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares ora impostas ao arguido BB, na pena unitária de quatro anos e dez meses de prisão, que ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 50º, nºs 1, 2, 3 e 5, 53º e 54º, todas do Código Penal, que se suspende na sua execução, por igual período, mediante o acompanhamento de regime de prova que incida sobre a débil conjuntura laboral e as dificuldades económicas, com foco no tratamento clínico para atingir a abstinência de estupefacientes e na interiorização do desvalor da ilicitude comportamental e seu demérito, assentando numa ideia de assistência e vigilância.

No mais manter a decisão recorrida.

Sem custas criminais por parte do arguido.

Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………

Porto, 24 de janeiro de 2024
Paulo Costa
Donas Botto
Lígia Trovão

(Elaborado e revisto pelo relator- artigo 94º, n.º 2, do CPP)