Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
416/20.6T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: PRESUNÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20220214416/20.6T8VLG.P1
Data do Acordão: 02/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A quem quer ser reconhecido como “trabalhador” cabe alegar e fazer prova de, pelo menos, dois dos pressupostos de base de atuação da presunção previstos no nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho; e, provados tais pressupostos, há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova.
II - Por via dessa inversão, caberá então ao empregador ilidir a presunção, através da prova do contrário (art.º 350º, nº 2, do Código Civil), sendo de que, para o efeito, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 416/20.6T8VLG.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – J1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AA (Autora) instaurou contra “Centro de Formação Profissional ...” (Réu[1]) a presente ação, com processo comum, pedindo:
a) fosse o Réu condenado a reconhecer a existência de um contrato de trabalho válido e vigente celebrado entre a Autora e o Réu, desde 17 de outubro de 2017;
b) fosse declarado ilícito o despedimento da Autora, condenando-se o Réu a reintegrá-la no seu posto de trabalho (pelo que opta);
c) fosse o Réu condenado a pagar-lhe uma indemnização correspondente à quantia de €281,25, referente aos proporcionais de subsídio de Natal respeitante ao período de 17 de outubro de 2017 a 31 de dezembro de 2017, e na totalidade do subsídio de Natal referente aos anos de 2018 e 2019, no montante de €2.700,00;
d) fosse o Réu condenado no pagamento à Autora de uma indemnização pelas férias não gozadas no ano de 2017, e de onze dias de férias não gozadas no ano de 2018 e 2019, cujo montante ascende a €1.632,25 (€282,25 + €675,00 + €675,00).
e) fosse o Réu condenado no pagamento à Autora de uma indemnização, correspondente ao subsídio de férias vencido no período desde 17 de outubro de 2017 a 31 de dezembro de 2019, cujo montante ascende a €2.981,25 (€282,25 + €1.350,00 + €1.350,00);
f) reconhecer e pedir a emissão dos descontos junto da Segurança Social;
g) fosse o Réu condenado no pagamento e regularização devido sobre o prejuízo dos descontos não efetuados;
h) fosse o Réu condenado no pagamento de juros sobre as quantias acima referidas, desde a citação até efetivo e integral pagamento;
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, ser psicóloga de profissão, e em 17.10.2017 celebrou com o Réu contrato escrito denominado de “contrato de aquisição de serviços de técnico com competências para o desenvolvimento de processos de orientação, reconhecimento e validação de competências” que terminou em 31.12.2017; em 29.12.2017 celebrou novo contrato com idêntica denominação, prevendo início em 02.01.2018 e termo em 30.06.2018; em 29.06.2018 celebrou novo contrato com idêntica denominação, prevendo início em 02.07.2018 e termo em 31.12.2018; em 28.12.2018 celebrou novo contrato com idêntica denominação, prevendo início em 02.01.2019 e termo em 31.12.2019; no dia 30.12.2019, pelas 16 horas, quando se encontrava nas instalações do Réu, o diretor desta comunicou-lhe que o contrato cessava os seus efeitos, para não comparecer dia 31; a Autora desde 17.10.2017 que foi trabalhadora subordinada do Réu, satisfazendo uma necessidade permanente do Réu, presumindo o legislador a existência de contrato de trabalho nesta situação; houve um despedimento ilícito promovido pelo Réu.

Realizada Audiência de Partes, frustrou-se a sua conciliação pelo que foi notificado o Réu para poder contestar, apresentando de seguida contestação na qual alegou, em resumo, por um lado que beneficiário dos serviços era um dos denominados Centros Qualifica, estando em causa verdadeiros contratos de prestação de serviços, sendo o tribunal de trabalho incompetente em razão da matéria para conhecer da ação, e por outro lado impugnando o alegado; acrescenta litigar a Autora de má-fé, o que deve ser declarado e condenada a mesma no pagamento de multa e indemnização a fixar em sentença final, sugerindo que não seja inferior a €1.500,00.
Termina dizendo dever ser julgadas procedentes as exceções e julgada improcedente a ação, com absolvição do Réu dos pedidos formulados.

Foi determinada a notificação da Autora para se pronunciar sobre as exceções, o que a mesma fez.

Foi proferido despacho saneador, considerando ser o tribunal materialmente competente, afirmando a validade e regularidade da instância, sendo dispensada a realização de audiência prévia bem como dispensada a prolação de despacho enunciando os temas de prova.
Foi fixado o valor da ação em €7.594,75.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença decidindo julgar a ação totalmente improcedente, e em consequência foi absolvido o Réu da totalidade dos pedidos deduzidos pela Autora; foi ainda considerado não se configurar litigância de má-fé por parte da Autora.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Autora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:
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Termina dizendo dever o recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e ser proferida decisão em que se decida verificada a existência de contrato de trabalho, condenando-se o Recorrido a reconhecê-lo, e a reintegrar a Recorrente.

O Réu apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
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……………………………....
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Termina dizendo dever ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, referindo essencialmente o seguinte:
À Autora, foi-lhe referido desde início que o contrato a celebrar seria um contrato de prestação de serviços, era-lhe pedido que estivesse inscrita junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social como trabalhadora independente, era-lhe pedido que celebrasse contrato de seguro de acidentes de trabalho, sendo o contrato quando comparado com os demais, um contrato com características diferentes.
Essa parece ter sido a vontade contratual desde início.
E, na execução do contrato também a sua autonomia era notória, como é característica do contrato de prestação de serviços.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada [3], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[4] é saber se:
- existe erro no julgamento sobre a matéria de facto?
- o contrato celebrado entre Autora e Réu é um contrato de trabalho, por presunção nos termos do art.º 12º do Código do Trabalho, devendo o Recorrido reintegrar a Recorrente?
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Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso.
Quanto a factos PROVADOS, foram considerados os seguintes, que se reproduzem:
A) A Autora AA, é psicóloga de profissão, com licenciatura em psicologia.
B) O Réu é um Centro de Formação Profissional ... (CFP...), é um organismo de direito público, sem fins lucrativos, criado por protocolo celebrado entre o IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) e a AI... (Associação das Indústrias ... de Portugal), que tem como objetivo a valorização dos Recursos Humanos das Indústrias ....
C) Por despacho conjunto do Ministério da Educação, Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Economia, a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, I.P. – despacho nº 1971/2017 (publicado no D.R II Série, de 08.03.2017) foi autorizada a criação e funcionamento dos Centros Qualifica, sendo um deles no CFP... – Centro de Formação Profissional ...
D) Antes de celebrar contratos com a Autora, o CFP..., enviava à Autora convite para apresentação de proposta relativa ao serviço de Técnica de Orientação, Reconhecimento e Validação de Reconhecimentos (ORVC), nos termos do Caderno de Encargos que lhe endereçava, na qual nomeadamente descrevia o tipo de serviço que lhe cabia fazer no âmbito de atuação do Centro Qualifica, mencionando que os serviços de técnico de ORVC são prestados com autonomia técnica, sem subordinação hierárquica, proporcionando ao CFP... o resultado do seu trabalho, sendo a carga horária média semanal de 30 horas e o preço base de €13,50/h.
E) A Autora em resposta enviava a sua “Proposta” e um Anexo II, na qual nomeadamente referia ter tomado perfeito conhecimento do caderno de encargos, referindo no Anexo II que se obrigava a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas todas as suas cláusulas.
F) No dia 17 de outubro de 2017 o Réu Centro de Formação Profissional das Industrias da ... e do ... e a Autora, subscreveram na qualidade de Primeiro Outorgante e Segundo Outorgante respetivamente, o contrato denominado de aquisição de serviços de técnico com competência para o desenvolvimento de processos de orientação, reconhecimento e validação de competências, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 14 a 16, nos termos do qual o CFP... contratava a AA para, na qualidade de técnica de Orientação Reconhecimento e Validação de Competências, desenvolver as atividades previstas na cláusula seguinte, no âmbito do Centro Qualifica Integrado no Centro de Formação Profissional ..., aí constando que os serviços eram prestados com autonomia técnica da Segunda Outorgante, sem subordinação hierárquica, proporcionando ao CFP... o resultado do seu trabalho.
G) Acordaram que o local de execução desses serviços era executado no Centro Qualifica integrado no Centro de Formação Profissional ..., sito na Rua ..., ..., ... ou em local a designar pelo Primeiro Outorgante.
H) Acordaram também que o horário de funcionamento do Centro Qualifica integrado nos serviços de formação do CFP... está dependente do fluxo de candidatos, as atividades eram prestadas, predominantemente, no período entre as oito e as vinte e duas horas, com uma carga horária média semanal de trinta horas.
I) Pela atividade executada o Primeiro Outorgante pagava à Segunda Outorgante o valor hora de €13,50 vezes o número de horas prestadas, acrescido de IVA, quando devido.
J) Esse contrato teve início em 17 de outubro de 2017 e termo em 31 de dezembro de 2017.
K) A Autora e o Réu celebraram contratos de idêntico teor, um com início em 02 de janeiro de 2018 e termo em 30 de junho de 2018, outro com início em 02 de julho de 2018 e termo em 31 de dezembro de 2018 e outro com início em 02 de janeiro de 2019 e termo em 31 de dezembro de 2019.
L) No dia 30 de dezembro de 2019, o Réu, disse à Autora que não iria ser celebrado mais nenhum tipo de contrato com a mesma e que ela cessava aí as suas funções.
M) A Autora desde o dia 17 de outubro de 2017 exercia as suas funções num gabinete que o Réu afetou ao Centro Qualifica e que se situava no interior do edifício do CFP....
N) O material que era utilizado pela Autora no exercício das suas tarefas era aquele que era previamente requisitado pela Dr.ª BB, Coordenadora daquele Centro Qualifica.
O) A Autora possuía um cartão, cuja cópia está junta aos autos a fls. 26, que utilizava quando entrava e saía nas instalações do Réu e que era diferente do utilizado pelos trabalhadores do CFP... para registarem a sua assiduidade.
P) As pessoas contratadas para darem ações de formação, através de celebração de contratos de prestação de serviço com o Réu, não possuíam tal tipo de cartão.
Q) À Autora cabia fundamentalmente no âmbito desse Centro Qualifica o desenvolvimento de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências, que tinha como destinatários adultos com idade igual ou superior a 18 anos.
R) A Autora definia a distribuição da sua carga horária para a semana seguinte, que depois era validado pela Coordenadora do Centro Qualifica, Dr.ª BB, tendo em consideração o volume de atividade que fosse prestar, não podendo a média ultrapassar as 30 horas semanais, recebendo as quantias correspondentes às horas que tivesse efetuado.
S) A Autora tinha permissão para tirar fotocópias nomeadamente as que fossem solicitadas pelos formadores, que não podiam tirar diretamente tais fotocópias.
T) Na ausência da Dr.ª BB, Coordenadora do Centro Qualifica, a Autora por vezes desempenhava tarefas que caberiam àquela, nomeadamente atendendo jovens.
U) Os contratos celebrados entre a Autora e o Réu eram efetuados tendo em consideração a minuta que previamente era enviada pelo Ministério da Solidariedade e Segurança Social – IEFP.
V) Para celebrar cada um desses contratos a Autora tinha de ter a sua situação regularizada quer junto da Autoridade Tributária, quer junto da Segurança Social e ser titular de seguro de acidentes de trabalho, como trabalhadora independente.
W) O Réu não pagava à Autora qualquer quantia a título de subsídio de férias.

E como factos NÃO PROVADOS foi consignado na sentença recorrida que não se provou que:
a) O Réu CFP... determinasse qual o horário de trabalho da Autora.
b) A Autora tivesse liberdade de acesso a todas as instalações do Réu.
c) A Autora tivesse acesso ao arquivo do Réu.
d) O Réu concedesse o gozo de férias à Autora, que as gozava no mês de agosto, férias essas que eram aprovadas previamente pelo Réu.
e) A Autora prestasse funções fora do âmbito do Centro Qualifica.
f) O Réu lhe desse ordens e instruções quanto ao modo como deveria exercer a atividade com ela contratada.
g) A Autora não tivesse de se justificar se não comparecesse às horas que tinham sido programadas para a sua presença.
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Do erro de julgamento sobre matéria de facto:
Alega a Recorrente que o tribunal a quo errou na decisão sobre a matéria de facto, porque de acordo com a prova produzida devia ter dado como provado que o Recorrido CFP... determinasse qual o horário de trabalho da Recorrente; que a Recorrente tivesse liberdade de acesso a todas as instalações do Recorrido; que o Recorrido concedesse o gozo de férias à Recorrente que as gozava no mês de agosto, férias essas que eram aprovadas previamente pelo Réu; que a Recorrente prestasse funções fora do âmbito do Centro Qualifica; e que Recorrido lhe desse ordens e instruções quanto ao modo como deveria exercer a atividade com ela contratada e ainda que a recorrente não tivesse de se justificar se não comparecesse às horas que tinham sido programadas para a sua presença [que corresponde aos factos consignados nas alíneas a), c) e d) a g) dos factos não provados acima transcritas].
O Recorrido pronunciou-se no sentido de que em face da prova produzida o tribunal a quo não poderia deixar de decidir como decidiu.
Comecemos por enquadrar os termos em que tem lugar a impugnação da decisão sobre matéria de facto, para, por um lado aferir se a Recorrente cumpriu os ónus estabelecidos pelo legislador à parte que impugna a decisão sobre matéria de facto, e por outro lado ficar claro em que termos é feita a apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto no tribunal ad quem.
Caso haja impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).
Porém, embora não se trate de um novo julgamento, tendo presente o disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, vem-se entendendo que o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil)[5], em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece[6].
Assim, o recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção[7].
Em conformidade, o legislador, tal como impõe ao tribunal o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova (art.º 607º, nº 4, do Código de Processo Civil), impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo o recorrente expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.
Com efeito, o art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição, o seguinte:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (tem que haver indicação clara dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (tem que fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, implicam uma decisão diversa); e
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quanto ao ónus referido na alínea b), manda o legislador (nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil) que se observe o seguinte:
a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
No entanto, ainda que a modificação da decisão da matéria de facto se deva limitar aos pontos de facto especificamente indicados, cumprindo os requisitos que se expuseram (usando o Tribunal da Relação do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que o tribunal a quo, como se disse), o Tribunal da Relação não está limitado à reapreciação dos meios de prova indicados por quem recorre, devendo atender a todos os que constem do processo[8].
Importa ainda ter presente que é pacífico que a apreciação a fazer é da questão posta, de saber se houve erro de julgamento sobre a matéria de facto, sem que haja o dever de responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado pelo recorrente[9].
Feitas estas considerações, vejamos então o recurso apresentado pela Autora.
Como concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – alínea a) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil – indica a Recorrente na alegação as alíneas a), b) e d) a g) dos factos não provados, indicando como decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – alínea c) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil –, o passarem as alíneas a) e d) a integrar os factos provados, como consta das conclusões 8, 13 e 17 do recurso.
Assim, o recurso na parte da impugnação do decidido quanto a matéria de facto, afinal está limitado às alíneas a) e d) dos factos não provados.
É que, estão consagrados dois ónus a cargo do recorrente: o de alegar e o de concluir, traduzindo-se as conclusões num resumo das razões do pedido.
Assim, se as conclusões ficam aquém da motivação, a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil, pois, como se disse supra, as conclusões delimitam o objeto do recurso[10].
Para justificar a não prova dos factos escreveu o tribunal a quo o seguinte, que se transcreve (começando por se transcrever a motivação da decisão sobre o ponto R dos factos provados, por ter pertinência):
R) As declarações de parte da Autora que esclareceu que o horário era feito por si, que o normal era atingir as 30 horas semanais, mas que se fossem só 28 horas semanais, só recebia o correspondente a essas horas.
Por sua vez, a Dr.ª CC esclareceu que não podiam pagar à Autora mais de 30 horas semanais, tendo a testemunha Dr. DD confirmado que o IEFP impunha tal máximo.
A testemunha Dr.ª EE confirmou que o horário era efetuado pela Autora e depois era validado por si, sendo que não podia ultrapassar a média das 30 horas semanais.
(…)
Relativamente aos factos dados como não provados temos que para além do que em contrário ficou provado, não foi produzida prova segura e credível que a Autora tivesse livre acesso a todas as instalações do Réu, inclusive ao arquivo deste.
Relativamente ao gozo de férias não ficou provado que a Autora constasse sequer do mapa de férias do Réu mas apenas que combinava com a sua Coordenadora não comparecer no Centro Qualifica no mês de agosto, sendo cero que face a essas ausências também não auferia qualquer quantia.
Não ficou provado que exercesse tarefas que não cabiam no âmbito do Centro Qualifica, nem que o tivesse de obedecer a ordens dadas pelo Réu quanto ao modo como devia exercer a sua atividade.
Caso se ausentasse injustificadamente às horas em que era pressuposto estar a prestar a sua atividade também não ficou provado que não tivesse de dizer nada à sua Coordenadora, sendo certo que faltando, também não recebia as quantias correspondentes a essas horas de ausência.
Quanto a concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida – alínea b) do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil –,a Recorrente transcreve excerto do depoimento da testemunha DD (que foi diretor do Centro de Réu de 1992 a julho de 2020, data em que passou à reforma[11]), mas, todavia, sem satisfazer totalmente as exigências do legislador para a impugnação da matéria de facto.
É que, a indicação dos concretos meios probatórios só fica completamente satisfeita com o cumprimento pela parte recorrente da seguinte exigência: tem que, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (sublinhou-se).
Ou seja, a parte recorrente tem que indicar as concretas passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas pelo tribunal (sem prejuízo de outras relevantes e até da totalidade).
Na verdade, é imprescindível a concretização na gravação das passagens que têm, na sua opinião, a virtualidade de impor decisão diversa, pois só assim o Tribunal da Relação as pode confirmar (sem prejuízo naturalmente da audição da totalidade, como se disse, até para contextualizar).
Quer isto dizer que, a par da indicação das passagens dos depoimentos relevantes (aquelas que impõem decisão diversa, na opinião de quem recorre), tem que ser feita a localização exata das mesmas na gravação, o que não se satisfaz com a mera indicação do início e fim da gravação do depoimento respetivo no seu todo [isso deverá constar da ata de julgamento – art.º 155º, nº 1 do Código de Processo Civil], mas, ainda que a parte transcreva as passagens que em concreto impõem na sua perspetiva a alteração da decisão tomada sobre matéria de facto, devem as mesmas ser situadas na gravação (com indicação, entre o início e o fim da gravação de cada depoimento, dos minutos e segundos das passagens que são citadas, ou seja, precisando o início e o fim de cada passagem na gravação); dessa forma é dado cumprimento ao ónus de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, isto é, de concretizar qual ou quais os segmentos em concreto dos depoimentos que terão a virtualidade de levar, na opinião da parte recorrente, a decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo sobre matéria de facto.
Tal está em consonância com objetivo da impugnação da matéria de facto que acima se enunciou, e agora se relembra: o tribunal de recurso, ainda que na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto use do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, não realiza um segundo julgamento da matéria de facto (como se não tivesse havido já julgamento em 1ª instância), fazendo a sua apreciação tendo por referência os concretos meios probatórios indicados pela parte recorrente.
Como se escreveu no acórdão do STJ de 19.02.2015[12], a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil.
De citar (de novo) António Santos Abrantes Geraldes[13], que, depois de referir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento, refere que a rejeição do recurso (total ou parcial) respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se nalguma das seguintes situações:
− falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (art.ºs 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil);
− falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º, nº 1, al. a) do Código de Processo Civil);
falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;
− falta de indicação exata, na motivação das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
− falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
Em suma, o Recorrente ao discordar da apreciação feita pelo tribunal de 1ª instância sobre os factos, tem que fornecer ao tribunal ad quem os elementos que o legislador estabelece como necessários para poder ser apreciado eventual erro de julgamento, sob cominação de rejeição do recurso caso não sejam fornecidos.
No caso em apreço, a Recorrente refere (apenas) gravação áudio 09h 36mn e 53s do dia 09.07.2021, transcrevendo de seguida um longo excerto do depoimento [mais rigorosamente serão excertos porquanto tem “saltos” assinalados com (…); de resto, logo no início da audição, no Citius Media Studio, se constata que a transcrição feita, mesmo sem indicar “saltos”, não reproduz a gravação continuamente].
Ora, como se vê da respetiva ata (e se comprova no Citius Media Studio) o depoimento da referida testemunha foi gravado por quase duas horas (no rigor, 01 hora 58 minutos e 24 segundos), e a Recorrente indica tão só a hora do dia 09.07.2021 a que começou a ser gravado/prestado o depoimento (pelas 9h37m da manhã), não situando na gravação as passagens que transcreve.
Não obedecendo, pois, a alegação ao estipulado pelo legislador, impõe-se a rejeição da impugnação do decidido quanto a matéria de facto, por não terem sido fornecidos ao tribunal ad quem os elementos que o legislador estabelece como necessários para poder ser apreciado eventual erro de julgamento.
Rejeitando-se, como agora se rejeita o recurso na parte que se refere à impugnação da decisão sobre matéria de facto, na apreciação do recurso os factos provados e não provados a considerar são aqueles fixados em 1ª instância, que acima se transcreveram.
*
Do contrato celebrado pelas partes:
O tribunal a quo julgou a ação improcedente, concluindo que apesar do serviço prestado se situar no interior das instalações do Réu, o que poderia ser um indício de uma relação laboral, sopesadas todas as circunstâncias entendo que as funções desempenhadas pela Autora não o foram ao abrigo de contratos de trabalho.
Ou seja, considerou o tribunal recorrido que não existem no caso concreto indícios de que foi celebrado contrato de trabalho, não se presumindo, escrevendo o seguinte:
Revertendo ao caso em apreço temos que nos diversos contratos subscritos pela Autora esta assumia que os serviços a que se vinculava eram prestados com autonomia, sem subordinação hierárquica, como ela aceitava nas Propostas que apresentava.
Sabia que as tarefas que lhe eram destinadas estavam enquadradas no âmbito do Centro Qualifica e as funções inerentes a tal situação.
A Autora apenas recebia as quantias acordadas correspondentes às horas que tivesse efetivamente efetuado.
Era ela quem planeava semanalmente as horas em que prestaria tais funções na semana seguinte, as quais não podiam ultrapassar a média semanal de 30 horas.
Não auferia retribuição de férias, subsídio de férias, nem gozava férias.
Para poder vincular-se com o Réu tinha de ter a sua situação regularizada quer junto da Autoridade Tributária, quer junto da Segurança Social e ser titular de seguro de acidentes de trabalho, como trabalhadora independente.
Assim, e apesar do serviço prestado se situar no interior das instalações do Réu, o que poderia ser um indício de uma relação laboral, sopesadas todas as circunstâncias entendo que as funções desempenhadas pela Autora não o foram ao abrigo de contratos de trabalho.
A Recorrente discorda deste entendimento, referindo que mesmo apenas com a matéria dada por provada na sentença recorrida … deveria concluir pela existência de um contrato de trabalho, nos termos do artigo 12º, nº 1 do Código de Trabalho, uma vez que basta apenas verificar-se a existência de duas alíneas do aludido preceito.
O Recorrido defende o decidido em 1ª instância, dizendo que os indícios apurados nos presentes autos são claramente insuficientes para sustentar a existência de uma relação de trabalho subordinado entre a Recorrente e o Recorrido, tanto mais que apesar daquela prestar serviços nas instalações nas instalações do Centro Qualifica que estava inserido nas instalações do Recorrido, tal indício não se considera atendível, …, nem com recurso a equipamentos ou instrumentos diretamente disponibilizados pelo Recorrido apenas e tão-só à Recorrente, não recebendo esta ordens e instruções do Recorrido ou de trabalhadores deste quanto ao modo de execução do serviço, não se encontra sujeita a qualquer controlo de assiduidade por parte deste ou dos seus trabalhadores, nem inserida na sua organização produtiva.
Entendendo a Recorrente funcionar no caso a «presunção de contrato de trabalho» (art.º 12º do Código do Trabalho), importa fazer um breve enquadramento da questão, passando por abordar quando a mesma funciona e quando tem lugar a ilisão dessa presunção, pelo que, embora seja aplicável o Código do Trabalho, na sua redação atual, para melhor compreensão seja conveniente nesse breve enquadramento da questão referir a evolução legislativa.
O art.º 11º do Código do Trabalho contém a noção de contrato de trabalho, definindo-o como sendo «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas» (noção semelhante à do art.º 1152º do Código Civil).
Por sua vez, o art.º 1154º do Código Civil define o contrato de prestação de serviços como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Da definição legal apontada resulta como elemento essencial do contrato de trabalho a sujeição (ou possibilidade dessa sujeição) da pessoa contratada à autoridade do contratante (subordinação jurídica), a qual se traduz na prerrogativa deste dar ordens e instruções quanto ao modo, tempo e lugar da atividade (e na obrigação, por parte daquele, de as receber).
Pode assim dizer-se o que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho é a subordinação jurídica – dever de o trabalhador prestar a atividade a que se obrigou segundo as ordens, direção e fiscalização do empregador.
Por outro lado, o contrato de trabalho tem por objeto o exercício da atividade ou a disponibilidade do trabalhador para essa atividade mediante o pagamento de uma contrapartida.
Só que, se em termos teóricos a distinção entre contrato de trabalho e figuras afins é de alguma forma clara, na prática a classificação de uma atividade como subordinada ou autónoma torna-se, não raras vezes ou bastas vezes, extremamente difícil, tanto que certos profissionais tanto podem ser contratados em regime de trabalho subordinado como de trabalho autónomo.
Com efeito, o exercício de certas atividades pressupõe determinada autonomia (em especial técnica) ou pressupõe determinada subordinação (podem existir ordens ou instruções dirigidas ao objeto do resultado), de modo que torna na prática pouco significativas as diferenças entre o contratado em regime de contrato de trabalho em relação ao contratado como prestador de serviços, podendo uma certa autonomia decorrer por exemplo da forma da organização do trabalho (por exemplo um arquiteto contratado em regime de prestação de serviços não exercerá a atividade com mais autonomia que aquele contratado em regime de contrato de trabalho).
Há muito se diz que a subordinação jurídica comporta graus, podendo ser mais ou menos forte consoante os contextos da organização produtiva, o sector em causa, a índole da atividade e a especialização e qualificação[14].
Perante essa dificuldade, por vezes sentida, na determinação do tipo contratual através do método subsuntivo, têm sido, quer ao nível da doutrina quer ao nível da jurisprudência, apontados diversos elementos adjuvantes e indiciários – internos e externos – da caracterização do contrato de trabalho, designadamente da subordinação jurídica (método tipológico[15]).
Este método de delimitação do contrato de trabalho, a partir de índices de subordinação jurídica, consiste em buscar na situação concreta os indícios que normalmente são associados à existência da subordinação jurídica, de acordo com o modelo prático em que aquele conceito em estado puro se traduz, e depois confrontar a situação concreta com o modelo tipo de subordinação, fazendo um juízo de globalidade e de proximidade.
No entanto, a deteção de um indício não traduz automaticamente a existência de subordinação jurídica[16], nem é a quantidade de indícios detetados que só por si determina essa existência, podendo algum ser decisivo na medida em que com segurança traduz a subordinação jurídica, ainda que com carácter atípico.
Na verdade, sendo a subordinação jurídica elemento essencial do contrato de trabalho e da sua distinção de outras figuras afins, os fatores indiciários, individualmente considerados, assumem peso relativo, devendo, perante o concreto circunstancialismo de cada caso, serem apreciados e sopesados de forma global.
Como indícios internos [os que têm a ver com as cláusulas contratuais e com a sua execução, derivando dos direitos, deveres e garantias das partes na relação laboral], apontam-se usualmente:
- a natureza da atividade concretamente desenvolvida;
- o carácter duradouro da prestação;
- o local da prestação da atividade (em estabelecimento do credor da atividade ou em local por este indicado);
- a propriedade dos instrumentos utilizados (em regra pertencentes ao empregador);
- a existência de horário de trabalho (necessidade de cumprir as tarefas dentro de um horário ou liberdade quanto a essa execução);
- a necessidade de justificação de faltas;
- a remuneração determinada pelo tempo de trabalho (se é certa, apenas dependente do tempo de trabalho, ou se é variável, dependente de outros fatores como resultados obtidos);
- o exercício da atividade por si e não por intermédio de outras pessoas;
- o risco do exercício da atividade por conta do empregador;
- a inserção do trabalhador na organização produtiva do dador de trabalho;
- o exercício do poder disciplinar;
- o gozo de férias e inserção no correspondente mapa;
- a possibilidade de substituição do prestador da atividade por outrem;
- o pagamento de subsídios de férias e de Natal;
- o nomen juris atribuído pelas partes [17].
Como indícios externos [que decorrem de elementos não integrados na relação bilateral entre as partes contratuais], são designadamente apontados:
- a exclusividade da prestação da atividade por conta do empregador e consequente dependência da retribuição por este paga (subordinação económica);
- a inscrição nas Finanças e na Segurança Social como trabalhador dependente;
- a filiação sindical. [18]
O ónus da prova da existência do contrato de trabalho (em caso de não verificação dos pressupostos de facto que constituem a base de aplicação da presunção de laboralidade consagrada no art.º 12º do Código do Trabalho, que infra se tratará), como facto constitutivo do seu direito, compete ao trabalhador (art.º 342º do Código Civil).
Todavia, tendo presente a dificuldade de prova, pelo trabalhador, da existência do contrato de trabalho, designadamente da subordinação jurídica, e visando facilitar essa sua tarefa, o legislador veio introduzir, com o Código do Trabalho em 2003[19], uma presunção de laboralidade (art.º 12º [20]), de modo que, verificados que fossem, de forma cumulativa, todos os pressupostos previstos no artigo em causa, se presumia a existência de contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova.
O art.º 12º do Código do Trabalho, na sua redação original, adotou, com vista à consagração dessa presunção, o critério dos factos índices habitualmente utilizados pela doutrina e jurisprudência na definição, e distinção, do contrato de trabalho em relação a outras figuras contratuais, designadamente o contrato de prestação de serviços; e muito embora a eventual não verificação de algum ou alguns dos pressupostos de base da existência da presunção não impedisse, pela análise de toda a matéria de facto apurada, a eventual conclusão no sentido da existência do contrato de trabalho, dado que os pressupostos contidos nesse preceito eram de verificação cumulativa a aplicação prática da referida presunção mostrou-se de pouca utilidade.
Essa redação original desse art.º 12º do Código do Trabalho – a qual, diga-se, na prática se mostrou de pouca utilidade, pois os pressupostos contidos na norma legal eram de verificação cumulativa – foi alterada pela Lei nº 9/2006, de 20 de março, passando o mesmo a dispor que “presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição”.
Esta redação, não obstante se referir a presunção, acabava por parecer até ser mais exigente do que o próprio conceito de contrato de trabalho [o facto presumido], cuja prova essa presunção era suposto facilitar ou agilizar, pelo que cabia questionar qual a utilidade prática de tal presunção.
Entretanto, e perante as críticas apontadas, com a Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou a revisão do Código do Trabalho, o art.º 12º, nº 1, passou a ter uma redação substancialmente diversa, sendo ela (sublinhando-se expressão que merece destaque):
1- Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
Como se vê, esta nova redação alterou significativamente os pressupostos da verificação da referida presunção, pois que, para que ela seja aplicável, deixou de ser exigível a verificação cumulativa dos requisitos que então se previam, bastando-se agora o art.º 12º com a verificação de “algumas das seguintes [enumeradas nas suas alíneas] características”. Ou seja, tais pressupostos deixaram de ser de verificação cumulativa: não bastando a existência de uma só característica (não está utilizado o singular), basta todavia a existência de duas (ou mais).
A quem quer ser reconhecido como “trabalhador” cabe, pois, alegar e fazer prova de, pelo menos, dois dos pressupostos de base de atuação da presunção. E, provados tais pressupostos, há que presumir a existência de um contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova.
Por via dessa inversão, caberá então ao empregador ilidir a presunção, através da prova do contrário (art.º 350º, nº 2, do Cód. Civil), sendo de salientar que, para o efeito, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido[21].
Com efeito, é necessário que se faça a prova de factos que levem à conclusão de que não existe um contrato de trabalho ou de que a relação contratual consubstancia um outro tipo contratual que não o contrato de trabalho, isto é, existe presunção mas porque não é o número de indícios existentes que por si só releva, há que fazer uma análise global da situação[22].
Mas não se pode olvidar que condição primeira ou, melhor dizendo, condição que se coloca ainda a montante da posterior apreciação dos factos base de atuação da presunção, é que quem se intitule como “trabalhador” alegue e prove que prestou trabalho ao invocado “empregador”.
A prova deste facto – prestação da atividade/trabalho – é essencial pois que, sem ele, nem trabalho/atividade existe, e só existindo será possível apreciar da verificação ou não dos pressupostos referidos.
Feitas estas considerações, passemos ao caso concreto, começando por ver se existem indícios que levam à presunção de laboralidade como diz a Recorrente, referindo ela as alíneas a), b), c) e d) do nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho (e se concluirmos existirem, passaremos a verificar se foi feita a prova de que não existe contrato de trabalho, subordinado).
Desde já se refere que a circunstância de ser utilizada minuta enviada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional [ponto U) dos factos provados] nada determina, pois interessa analisar o condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da atividade.
Vejamos então.
No caso sub judice, depreende-se que a sentença recorrida considerou que o único indício de existência de uma relação laboral que se apurou foi o de o serviço prestado se situar no interior das instalações do Réu (cfr. pág. 17).
É referido situar no interior das instalações do Réu porque se trata de espaço que o Réu afetou ao Centro Qualifica [pontos G) e M) dos factos provados].
Os Centros Qualifica inserem-se no Programa Qualifica, os quais foram criados pela Portaria nº 232/2016, de 29 de agosto, que no preâmbulo se lhes refere como centros especializados em educação e formação de adultos, vocacionados para o atendimento, aconselhamento, orientação e encaminhamento para percursos de aprendizagem, com base nas reais necessidades de qualificação existentes nos diferentes territórios e setores económico.
Da referida Portaria resulta que os Centros Qualifica podem ser criados por entidades públicas ou privadas, que se candidatam para tal, e se selecionadas ficam autorizadas a criar e colocar em funcionamento o Centro Qualifica, com acompanhamento e avaliação da ANQEP, I.P.[23], sendo integrados por uma equipa com os seguintes elementos (art.º 6º): um coordenador; técnicos de orientação, reconhecimento e validação de competências[24]; formadores ou professores das diferentes áreas de competências-chave e das diferentes áreas de educação e formação, respetivamente, para o desenvolvimento de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências escolares e de competências profissionais.
Assim, tendo o Réu sido autorizado a criar e manter em funcionamento um Centro Qualifica [conforme Despacho nº 1970/2017, referido no ponto C) dos factos provados], passou a ser o Réu a promover a criação e a assegurar o funcionamento do Centro Qualifica onde a Autora exercia atividade, tendo o Réu constituído a respetiva equipa, não se tratando o Centro Qualifica de uma entidade autónoma a funcionar em instalações do Réu, antes se tratando do próprio Réu a desenvolver, a par de outra(s), a atividade a que se candidatou e foi admitido a desenvolver.
Ou seja, improcede a argumentação do Recorrido que aponta no sentido de o Réu e Centro Qualifica serem entidades distintas[25].
Como consta do ponto F) dos factos provados, a Autora foi contratada como técnica de Orientação Reconhecimento e Validação de Competências (ORVC), para desenvolver as atividades previstas na cláusula segunda do contrato, competindo-lhe [como se colhe do contrato referido nesse ponto e do art.º 8º da Portaria nº 232/2016, estando no ponto Q) dos factos provados consignado aquilo que fundamentalmente lhe cabia realizar]:
- no âmbito das etapas de acolhimento, diagnóstico, orientação e encaminhamento e de acordo com a metodologia adotada para o efeito:
a) inscrever os candidatos no SIGO[16] e informar sobre a atuação do Centro Qualifica;
b) promover sessões de informação sobre ofertas de educação e formação, o mercado de trabalho atual, saídas profissionais emergentes, prospeção das necessidades de formação, bem como oportunidades de mobilidade no espaço europeu e internacional no que respeita à formação e trabalho;
c) promover sessões de orientação que permitam a cada jovem ou adulto identificar a resposta mais adequada às suas aptidões e motivações:
d) encaminhar candidatos tendo em conta a informação sobre o mercado de trabalho e as ofertas de educação e formação disponíveis nas entidades formadoras do respetivo território ou, no caso dos adultos, para processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) sempre que tal se mostrar adequado;
e) monitorizar o percurso dos candidatos encaminhados pelo Centro Qualifica até à conclusão do respetivo percurso de qualificação, e, quando aplicável, até à inserção no mercado de emprego;
f) desenvolver ações de divulgação e de informação junto dos diferentes públicos que residem ou estudam no território de atuação, sobre o papel dos Centro Qualifica e as oportunidades de qualificação, designadamente a oferta de cursos de dupla certificação.
- no âmbito das etapas de reconhecimento, validação e certificação de competências e de acordo com a metodologia adotada para o efeito:
a) enquadrar os candidatos no processo de RVCC, profissional ou de dupla certificação, de acordo com a sua experiência de vida e perfil de competências;
b) prestar informação relativa à metodologia adotada no processo de RVCC, às técnicas e instrumentos de demonstração utilizados e à certificação de competências, em função da vertente de informação.
c) acompanhar os candidatos ao longo do processo de RVCC, através da dinamização das sessões de reconhecimento, do apoio na construção do portefólio e da aplicação de instrumentos de avaliação específicos, em articulação com os formadores e ou professores;
d) integrar o júri de certificação de candidatos que desenvolveram processos de RVCC, quando se trate de certificação escolar;
e) identificar as necessidade de formação dos candidatos, em articulação com os formadores, professores e outros técnicos especializados no domínio da deficiência e incapacidade podendo proceder, após certificação parcial, ao encaminhamento para ofertas conducentes à conclusão de uma qualificação.
- ainda, proceder ao registo rigoroso no SIGO de todos os dados relativos à atividade em que intervém no Centro Qualifica.
Feito este enquadramento, estamos em condições de concluir, a par da sentença recorrida, que dúvidas não há de que in casu a atividade era realizada em instalações/local pertencentes ao Réu (que é o beneficiário da atividade desenvolvida pela Autora), pois, como decorre do acima exposto, alguém que fisicamente esteja no espaço onde funciona o Centro Qualifica criado pelo Réu está nas instalações do Réu (e não nas instalações de outra entidade).
Ou seja, estamos na presença do pressuposto da verificação da presunção previsto na al. a) do nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho.
Todavia, também se apurou facto que corresponde ao pressuposto da verificação da presunção previsto na al. b) do nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho.
Com efeito, apurou-se que a Autora utilizava material que requisitava à coordenadora do Centro Qualifica, que já se viu não se tratar de entidade distinta do Réu, pelo que forçoso é dizer que utilizava material pertencente ao beneficiário da atividade [ponto N) dos factos provados], e, ainda que não esteja neste ponto concretizado que material se trata, está em causa, sem margem para dúvidas (porque assim está expresso), material para o exercício da atividade (as funções acima descritas).
E a circunstância de o material ser requisitado até nos permite afirmar que havia um certo controlo, por quem coordena a atividade do Centro Qualifica.
Acresce que se apuraram ainda factos que correspondem ao pressuposto da verificação da presunção previsto na al. d) do nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho – seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma.
É que, apurou-se que pela atividade exercida era pago o valor de €13,50 por hora, havendo uma média de exercício da atividade em 30 horas semanais [cfr. pontos D) – parte final –, H), I) e R) – parte final – dos factos provados], mas também está apurado que o pagamento era feito mensalmente [facto que não está expresso nos pontos F) a K) dos factos provados, mas vendo os contratos que estão referidos nesses pontos F) a K) dos factos provados, juntos aos autos, e que se têm como ali reproduzidos, consta no parágrafo 3 da cláusula sexta que o pagamento referido no número anterior é feito mensalmente, no último dia útil do mês…].
Assim, ainda que se trate duma média, há uma regularidade que nos permite falar de uma quantia certa[27] na medida em que há uma expectativa de um determinado valor (que mesmo que varie não será uma variação digna de nota – veja-se que o parágrafo 1 da cláusula sexta dos contratos contém um valor estimado do valor global a pagar na vigência prevista para o contrato)[28].
Deste modo, a conclusão a retirar é que estão demonstrados três dos pressupostos de base de atuação da presunção constante do art.º 12º do Código do Trabalho, mais propriamente os constantes das alíneas a), b) e d) do seu nº 1, o que quer dizer que se presume a existência de um contrato de trabalho entre a Autora e Réu.

Aqui chegados importa ver se o Réu procedeu à ilisão dessa presunção, através da prova do contrário, ou seja, se foi feita prova de factos que levem à conclusão de que não existe um contrato de trabalho ou de que a relação contratual consubstancia um outro tipo contratual que não o contrato de trabalho.
Ora, vistos os factos provados, encontramos no ponto R) que a Autora definia a distribuição da sua carga horária para cada semana, mas também vemos que tinha a baliza das 30 horas semanais (em média), dependendo essa definição da validação pela coordenadora.
Ou seja, não resulta a liberdade da Autora quanto ao tempo de execução, não resultando daqui a possibilidade de falar em autonomia na definição do horário.
De resto, a média das 30 horas semanais até aponta para exclusividade (embora, diga-se, a exclusividade apenas assuma grande relevo quando expressa no contrato, pois raramente um trabalhador autónomo se vincula nesses termos).
Por outro lado, não assume grande relevo a situação adotada junto da Autoridade Tributária (AT) e junto da Segurança Social (SS), bem como não assume grande relevo quem contratou seguro relativo a acidentes [ponto V) dos factos provados], que no caso correspondem à da prestação de trabalho autónomo, pois é sabido que essa situação adotada corresponde em regra ao regime consentâneo com o nome que é dado ao contrato (que já se viu não ser o determinante) [29].
Aliás, na comunidade é conhecido por muitos o significado da adoção de um ou outro regime (junto da AT e da SS), pelo que bastas vezes o beneficiário da atividade faz (ou até exige) por se verificar o regime adequado a evitar, ou tentar evitar, o enquadramento da relação na legislação laboral (dado o seu carácter vinculístico).
Por idêntica ordem de razões não é determinante a circunstância de não ser pago subsídio de férias [ponto W) dos factos provados], sendo uma decorrência do nome atribuído ao contrato celebrado.
Deste modo, e relembrando que não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, concluímos que in casu não foi feita pelo Réu prova de que não existe contrato de trabalho (subordinado) ou de que a relação contratual consubstanciasse um outro tipo contratual diverso do contrato de trabalho, isto é, não está ilidida a presunção de que existe contrato de trabalho celebrado entre Autora e Réu [um único contrato de trabalho, apesar de várias vezes reduzido a escrito com hiato temporal de um dia entre o fim de cada um e início do outro, pois pode-se afirmar que a prestação da atividade, que agora podemos dizer ser prestação de trabalho, foi contínua].

Aqui chegados, concluindo pela existência de (presunção de) contrato de trabalho (subordinado), importa retirar as respetivas consequências, ou seja, ver se o Recorrido deve ser condenado a reintegrar a Recorrente[30].
Ora, tendo concluído ter sido celebrado contrato de trabalho, a factualidade constante do ponto L) mostra que o mesmo cessou por iniciativa do Réu em 30.12.2019, data em que o Réu comunicou verbalmente à Autora que cessava as suas funções, e, face ao disposto no art.º 381º, al. c), do Código do Trabalho, torna-se evidente que estarmos perante despedimento[31] ilícito, na medida em que comunicado verbalmente, isto é, sem ser precedido do respetivo procedimento disciplinar.
A consequência da declaração da ilicitude do despedimento é a reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade – art.º 389º, nº 1, al. b) do Código do Trabalho.
Impõe-se, assim, a condenação do Réu nesses termos, mas considerando que o Réu não é uma empresa, mas antes um organismo de direito público, sem fins lucrativos [ponto B) dos factos provados], entendendo-se o “mesmo estabelecimento da empresa” como o Centro Qualifica.
Em suma, procede o recurso.
*
Quanto a custas, havendo procedência do recurso, as custas do mesmo ficam a cargo do Recorrido (art.º 527º do Código de Processo Civil).
***
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, substituindo-se pela decisão do seguinte:

I) condenar o Réu a reconhecer que o contrato celebrado com a Autora em 17 de outubro de 2017 é um contrato de trabalho, o qual se manteve até 30 de dezembro de 2019, altura em que o Réu procedeu a despedimento ilícito da Autora.
II) condenar o Réu a reintegrar a Autora no Centro Qualifica ou equivalente, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

Custas pelo Recorrido, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP).

Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP).
Notifique e registe.
(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)
Porto, 14 de fevereiro de 2022
António Luís Carvalhão
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
__________________________________________
[1] Trata-se de organismo de direito público, sem fins lucrativos.
[2] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[3] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[4] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho).
[5] Como é sabido, a generalidade das provas produzidas em audiência de julgamento estão sujeitas à livre apreciação do tribunal (como é o caso dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte), dispondo o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme, o que não se confunde com uma apreciação arbitrária – vd. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição (Lisboa 1997), pág. 347.
[6] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 286.
[7] Daí referir o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se), ou seja, não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida.
[8] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 292/293.
[9] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 116.
[10] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 115.
[11] Informação que se colhe da audição da gravação do depoimento no Citius Media Studio.
[12] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1.
[13] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 168/169.
[14] Vd. acórdãos do STJ de 17.02.1994 e de 03.03.2010, consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 003820 e nº 482/06.7TTPRT.S1, respetivamente.
Vd. também Joana Nunes Vicente, “Noção de Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade”, in Ebook do Centro de Estudos Judiciários “Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo; Presunção Legal e Método Indiciário”, dezembro de 2013, págs. 52/53, consultável em www.cej.mj.pt >> Publicações >> Direito do Trabalho e da Empesa.
[15] Sobre este método pode ver-se Maria do Rosário Palma Ramalho, “Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade no Novo Código do Trabalho – Breves Notas”, in Ebook do Centro de Estudos Judiciários “Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo; Presunção Legal e Método Indiciário”, dezembro de 2013, págs. 32ss, consultável em www.cej.mj.pt >> Publicações >> Direito do Trabalho e da Empesa.
[16] Não se pode esquecer que, sendo amplamente conhecidos pelo menos alguns desses indícios, quem presta o serviço pode fazer por se verificar algum indício com vista tentar o enquadramento da relação na legislação laboral, e por sua vez o credor pode fazer por se verificar algum indício que aponte para atividade autónoma para tentar o não enquadramento na legislação laboral.
[17] A denominação ou nomen juris atribuída ao contrato pelas partes não determina por si a observância da disciplina jurídica correspondente a esse nome, havendo que averiguar a vontade real das partes/analisar o condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da atividade (sem prejuízo de, em situações em que os contraentes sejam pessoas esclarecidas, designadamente com conhecimentos jurídicos, a denominação atribuída possa não ser de todo irrelevante ou inútil).
[18] Vd. a propósito José Andrade Mesquita, “Direito do Trabalho”, AAFDL, 2ª ed, págs. 363 ss.
[19] Aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de agosto.
[20] A redação inicial do art.º 12º do Código do Trabalho era a seguinte: presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente: a) o prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste; b) o trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido; c) o prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade; d) os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade; e) a prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias.
[21] Vd. acórdão desta Secção Social deste TRP de 14.12.2017, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1694/16.0T8VLG.P1.
[22] Vd. acórdão desta Secção Social do TRP de 19.05.2014, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 321/12.0TTPRT.P1.
[23] Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, I.P.
[24] O caso da Autora.
[25] Para melhor perceção do exposto, pode-se equiparar a situação a esta outra situação prática: uma determinada instituição desenvolve quer a valência de creche e quer a valência de apoio a idosos, tendo comparticipação da Segurança Social; organiza cada uma delas com quadros humanos distintos; é pacífico que as valências não correspondem a pessoas jurídicas distintas, como pacífico é que a instituição que desenvolve as valências não se confunde com a entidade comparticipante.
[26] Como se alcança da pesquisa no site da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (www.dgeec.mec.pt), que coordena essa plataforma, trata-se do Sistema Integrado de Informação e Gestão da Oferta Educativa e Formativa, destinando-se à gestão da rede de oferta educativa e formativa e dos percursos educativos e formativos de jovens e adultos, abrangendo a rede de entidades formadoras do Sistema Nacional de Qualificações (SNQ), incluindo os Centros Qualifica.
[27] O nº 2 do art.º 261º do Código do Trabalho define retribuição certa como aquela que é paga em função do tempo de trabalho.
[28] Também no acórdão desta Secção Social de 07.12.2018 (consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3975/18.0T8PRT.P1) se considerou verificar-se o pressuposto da alínea d) do nº 1 do art.º 12º do Código do Trabalho, em situação de pagamento mensal de quantia calculada com base num valor/hora em função do tempo (horas) de trabalho (e não em função dos serviços desenvolvidos).
[29] Assim, grande relevo assumiria este índice se o contrato fosse apelidado de “prestação de serviços” e fosse adotado junto da AT e SS o regime próprio do trabalho subordinado.
[30] Como se extrai das conclusões de recurso, aquilo que a Recorrente pretende deste tribunal ad quem é (apenas) que fosse verificada a existência de contrato de trabalho e seja o Recorrido condenado a reconhecê-lo e a reintegrar a Recorrente.
[31] Palavra tradicionalmente empregue para designar a cessação do contrato de trabalho por decisão unilateral do empregador, por iniciativa exclusiva da entidade empregadora