Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ONDINA CARMO ALVES | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL OBRAS NAS PARTES COMUNS DO PRÉDIO COLISÃO DE DIREITOS | ||
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Nº do Documento: | RP20120328140/08.8TBETR.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/28/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Em caso de colisão de direitos, como o direito à saúde, na vertente da salubridade da habitação e o direito à propriedade privada, prevalecerá aquele em detrimento deste, fruto da hierarquia decorrente, designadamente, das normais constitucionais. II - O sacrifício e limitação do direito considerado inferior apenas deverá ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação Nº 140/08.8TBETR.P1 Processo em 1ª instância – Comarca do Baixo Vouga – Estarreja – Juízo de Média e Pequena Instância Sumário (art.º 713º nº 7 do CPC) 1. Em caso de colisão de direitos, como o direito à saúde, na vertente da salubridade da habitação e o direito à propriedade privada, prevalecerá aquele em detrimento deste, fruto da hierarquia decorrente, designadamente, das normais constitucionais. 2. O sacrifício e limitação do direito considerado inferior apenas deverá ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante. ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I. RELATÓRIO B… e C…, residentes na Rua …, n.º .., …, Sintra, intentaram contra: 1. D…, residente no Edifício …, 3.º Esq.; 2. E…, residente no Edifício …, 3.º Frente; 3. F…, residente no Edifício …, 3.º Dt.º; 4. G…, residente no Edifício …, 2.º Esq.; 5. H…, residente no Edifício …, 2.º Frente; 6. I…, residente no Edifício …, 2.º Dt.º; 7. J…, residente no Edifício …, 1º Direito, todos com entrada pela rua …, Bloco ., n.º .., …, Estarreja; 8. K…, residente na Rua …, n.º … – 1.º Esq., Estarreja; 9. L…, residente na Rua …, n.º .., …, Aveiro e 10. ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO do Edifício …, Bloco ., sendo administradora a Ré, G…, acção declarativa, sob a forma de processo comum sumária, através da qual pedem que os réus sejam condenados a: a) Deixar proceder às obras necessárias e já explicadas no auto de vistoria; b) Cada fracção contribuir na proporção da sua permilagem, para as obras; c) Eleger nova administração ou entregar essa mesma administração a uma empresa especializada para esse fim; d) Solidariamente, pagar uma indemnização, nunca inferior a € 25.500,00, por todos os prejuízos causados no interior da fracção dos autores, em consequência da inércia de todos, e que continuam. Fundamentaram os autores, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de serem donos e legítimos proprietários de uma fracção autónoma no Edifício …, Bloco ., 1.º Frente, a qual se encontra registada na Conservatória do Registo Predial sob o número 1137 e inscrita na matriz predial urbana com o artigo 3147-D e que, no ano de 1999, quando os autores vieram passar um fim-de-semana a esta sua casa, viram-se impedidos de a usufruir, pois que dejectos saíam da canalização de escoamento da banheira e da parede, tendo-se espalhado pela casa. Mais invocaram que o tubo de descarga do saneamento era comum às casas de banho do 1.º e 2.º blocos e que, aquando da vistoria realizada pela Câmara Municipal, constatou-se a existência de um rasgo na parede de meação do Bloco 1 e 2, tendo sido dado, pelos Srs. peritos camarários, o prazo de 90 dias para a respectiva correcção. No entanto, somente o Bloco 1 procedeu às reparações, fazendo passar o escoamento das águas saponárias e saneamento, por canalização independente. O mesmo não ocorreu no Bloco 2, apesar de se ter levantado o problema nas respectivas reuniões de condomínio. Os autores alegaram ainda que a reparação implica que um novo cano de escoamento passe pelo interior dos apartamentos, tendo sido proposto que passasse pelas casas de banho. Contudo, alguns dos proprietários do referido Bloco opõem-se à realização das obras e, por essa razão, os autores continuam sem poder habitar ou arrendar a sua fracção. Invocaram também, os autores, que actualmente não se realizam reuniões de condomínio, nenhum dos condóminos quer desempenhar o cargo de administrador, nem anuem a que se entregue a uma empresa. Não se alcança o consenso quanto ao modo como proceder às obras, o que causa danos aos autores, sendo que as paredes estão negras da humidade, os azulejos partiram-se e alguns desprenderam-se, o chão está manchado e corroído, diversos produtos vêm com as águas e inundam o chão. Citados, os réus contestaram. Os réus D…, F…, G…, H…, I…, e ainda a ré K…, impugnaram os factos vertidos na petição inicial e reportaram-se às diversas assembleias de condóminos realizadas desde o dia 25 de Outubro de 2001. Alegaram que, não obstante tivesse sido aprovada a execução de uma nova conduta de esgotos, de alto a baixo do prédio, atravessando as casas de banho das fracções “frente”, assim como foi aprovado o respectivo orçamento, na assembleia de condóminos de 14 de Janeiro de 2005, os condóminos E… e mulher, M…, apresentaram uma carta negando a autorização para o acesso à sua fracção e execução das obras. Sustentaram também os mencionados réus que os autores se alhearam, desde há vários anos, dos assuntos relativos ao prédio, incluindo a execução de obras, alheamento que foi interpretado, pelos réus, como tendo sido sanado o problema que se apresentava em 1999. E que, pelo menos desde 14 de Janeiro de 2005 (data da assembleia de condóminos a que corresponde a “acta n.º 43”), os autores sabem da impossibilidade de execução das obras, pelo que há muito prescreveu o direito de deduzirem qualquer pedido de indemnização. E, desde 10 de Setembro de 2005, que não comparecem em assembleias de condóminos. Sustentaram ainda estes réus, que antes de terem sido executadas obras no Bloco 1, foi aberto um buraco na parede do prédio que confronta com aquele Bloco, constatando-se que haveria escorrências para a caixa-de-ar, daí resultando as infiltrações sentidas no Bloco 2, pelo que, executadas que foram as obras, naquele primeiro Bloco, tal foco de insalubridade foi eliminado. Acrescentaram ainda que os autores poderão ser administradores do condomínio e resolver a questão, manifestando desde já a concordância com tal nomeação. E referiram, por fim, que as fotos juntas com a petição inicial são fotos antigas, anteriores à execução das obras levadas a efeito pelo Bloco 1, e que não correspondem à actual situação. Pugnaram, assim, pela improcedência da acção, e a absolvição os réus do pedido. O réu E… excepcionou também, na sua contestação, a prescrição do direito dos autores à indemnização, porquanto os factos alegados se reportam ao ano de 1999, e que, desde pelo menos 14 de Janeiro de 2005, os autores sabem da impossibilidade da realização de obras. Impugnou ainda os factos alegados na petição inicial, sustentando que não existe nenhuma acta da assembleia de condóminos onde conste a descrição de qual o local onde deveria passar a tubagem ou a forma de realização das obras, acrescentando, no entanto, que oito canos a passar pela casa de banho do réu prejudicariam a utilização da sua fracção. Alegou, por último, que o cargo de administrador do condomínio tem sido exercido rotativamente, de acordo com a antiguidade do direito de propriedade das fracções e concluiu pela improcedência da presente acção. O réu L…, sustentou, na sua contestação, que nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada em relação à não realização das obras em causa. O mesmo não acontece, conforme alegou, com os réus E… e mulher que negaram o acesso à sua fracção para a realização das obras, sendo certo que é preciso colocar uns tubos que deveriam passar por todas as fracções, através das casas de banho. Por excepção, invocou também a prescrição do direito dos autores à peticionada indemnização, pois desde pelo menos, 14.01.2005, que estes sabiam que os réus E… e mulher se opunham à realização das obras, sendo que a presente acção foi instaurada no dia 13.02.2008, ou seja, mais de 3 anos depois, e concluiu, pugnando pela improcedência da acção em relação a si. Os autores apresentaram resposta às contestações, em que referem que o seu direito não se encontra prescrito. Esclareceram que vivem a mais de 300 km. da fracção em causa, razão pela qual não podem ser administradores do condomínio. Acrescentaram ainda que não houve qualquer convocação legal para as assembleias a que os réus se referiram nas contestações apresentadas, nos termos e para os efeitos do artigo 1432.º do Código Civil, nem foram informados de qualquer outro modo (por telefonema ou informação no placar da entrada). Alegaram, por fim, que apesar de se terem realizado obras no Bloco 1, continuaram por executar as demais, no Bloco 2, subsistindo o problema das descargas da fracção imediatamente superior à dos autores, assim concluindo pela improcedência das excepções arguidas pelos réus. Foi proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando os autores a concretizar a matéria de facto relativa aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e por estes alegados. Em resposta, os autores vieram esclarecer quais os danos, indicando a necessidade de substituição dos azulejos, na casa de banho, e do rodapé, na despensa, estando, as restantes divisões, igualmente danificadas, sendo o custo total orçamentado em € 1.950,00. Alegaram também que devido a esses danos, e desde 1999, não puderam gozar da casa, ou obter uma renda mensal de € 150,00. E, sofreram desgosto, humilhação e desespero, pedindo a título de danos não patrimoniais, indemnização não inferior a €3.750,00. Tais factos alegados pelos autores foram, subsequentemente, impugnados pelo réu E…. Foi proferido despacho que julgou ilegal a coligação dos pedidos deduzidos pelos autores, porquanto um deles visava obter a nomeação de administração do condomínio, ao qual corresponde a forma de processo especial, prevista no artigo 1428.º do Código de Processo Civil, e nessa sequência, foram notificados os autores para indicarem quais os pedidos que pretendiam ver apreciados na presente acção, nos termos do n.º1 do artigo 31.º-A do mesmo Código. Em resposta, os autores esclareceram que pretendem ver apreciados o primeiro e o terceiro pedidos, ou seja, a condenação dos Réus nos seguintes pedidos: a) Realização de obras nas partes comuns do edifício – colocação de tubagem única para escoamento de águas saponárias e saneamento; b) A pagar aos AA. uma indemnização em montante não inferior a € 25.500,00, para ressarcimento de todos os prejuízos causados no interior da fracção de que eles, AA., são proprietários, devido à não realização daquelas obras desde 1999. Foi proferido o despacho saneador, no qual os réus foram absolvidos da instância, quanto ao pedido de “eleição de administração do condomínio”, fixando-se o valor da acção e relegando-se para a sentença o conhecimento da excepção de prescrição invocada pelos réus. Elaborada a condensação com a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória, foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Pelo exposto, e nos termos das normas legais supra citadas, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decido: a) Condenar os Réus, D…, residente no Edifício …, 3.º Esq.; E…, 3.º Frente; F…, 3.º Dt.º; G…, 2.º Esq.; H…, 2.º Frente; I…, 2.º Dt.º; todos com entrada pela rua …, Bloco ., n.º.., …, Estarreja; K…, residente na rua …, n.º … – 1.º Esq., Estarreja; L…, residente na rua …, n.º .., …, Aveiro, e Administração do Condomínio, na realização de obras nas partes comuns do Edifício identificado nos autos como “Bloco .”, através da colocação de tubagem única para escoamento de águas saponárias e saneamento, de alto a baixo do prédio, atravessando as casas de banho das fracções “frente” do “Bloco .”; b) Condenar o Réu E… a pagar aos Autores uma compensação de € 1.250,00 (mil, duzentos e cinquenta euros) pelos danos não patrimoniais sofridos por estes e causados pela não realização das supra mencionadas obras desde 1999; c) Absolver o Réu E… e restantes Réus do demais peticionado. Inconformado com o assim decidido, o réu E…, interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada. São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente: i. Nos presentes autos foi decidido pelo Tribunal “a quo”: a. Condenar os Réus D…, E…, F…, G…, H…, I…, K…, L… e a Administração do Condomínio na realização das obras nas partes comuns do Edifício identificado nos autos como “bloco .”, através da colocação de tubagem única para escoamento de águas saponárias e saneamento, de alto a baixo do prédio, atravessando as casas de banho das fracções frente do “Bloco .” b. Condenar o Réu E… a pagar aos Autores uma compensação de 1.250.00 € (mil duzentos e cinquenta euros) pelos danos não patrimoniais sofridos por estes e causados pela não realização das supra mencionadas obras desde 1999. c. Absolver o Réu E… e restantes Réus do demais peticionado. DA NULIDADE DA SENTENÇA: ii. Os autores intentaram a presente acção contra os seguintes Réus: D…, E…, F…, G…, H…, I…, J…, K…, L… e a Administração do Condomínio. Contudo, a sentença é omissa quanto à condenação e/ou absolvição da Ré J…. Sendo que não poderia o Tribunal “a quo” deixar de pronunciar-se quanto à citada Ré, sendo a sentença nula nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668º nº 1 do Código de Processo Civil, nulidade que desde já se invoca. DA RESPONSABILIDADE DA REALIZAÇÃO DAS OBRAS COMUNS: iii. Na presente acção urge saber de quem é a responsabilidade da realização das obras, nos espaços comuns do prédio. Este prédio está constituído em propriedade horizontal, tendo partes comuns, pertencentes em compropriedade a todos os condóminos (arts. 1420º, nº1 e 1421º Código Civil) e as partes pertencentes em exclusivo a cada um deles (as fracções autónomas). iv. O condomínio tem a obrigação legal de proceder às reparações indispensáveis e urgentes e ao administrador e à assembleia dos condóminos compete a administração das coisas comuns. v. Para além de que o Código Civil, contem disposições legais próprias para dar solução a situações de impasse da ausência e falta de quórum para a tomada de deliberações, que exigem a unanimidade ou a maioria dos condóminos, conforme a situação dos presentes autos vi. E quando não for possível resolver as questões, (o administrador) deve recorrer ao Tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade a questão que lhe for colocada, o que nunca foi feito pelos sucessivos administradores do condomínio do bloco em questão, que limitaram-se a arrastar no tempo um problema que surgiu em 1999. vii. Mas, perante a necessidade de realização de obras nas partes comuns do prédio, podiam e deviam os Autores terem eles próprios realizado as obras: neste seguimento o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/11/2009: Aos condóminos individualmente considerados não compete a administração das partes comuns, o que compete à respectiva assembleia e ao administrador (art. 1430º, 1 do CC) e, por isso, aqueles só excepcionalmente podem proceder a reparações nas partes comuns, quando estas sejam indispensáveis, isto é, que sem elas a parte comum em causa não desempenhe a inerente função e, por outro lado, assumam uma urgência que se não compadeça com a demora da intervenção do administrador, por este faltar ou estar impedido, ou de quem o substitua (art. 7º, do DL 268/94, de 25/10), ou da reunião da assembleia de condóminos. viii. Francisco Pardal e Dias da Fonseca, Coimbra Editora, 3ª edição, pág.196 “ a prudência aconselha a efectivar a obra – reparação necessária – através da assembleia de condóminos ou do administrador, para evitar possíveis discussões sobre a qualificação de urgente e sobre a eventualidade de não poder exigir dos outros condóminos a parte respectiva, sem ser através da acção de enriquecimento sem causa” mas para tanto, “ não carece esse condómino de se munir de autorização prévia dos restantes, do mesmo modo que dela também não precisaria o administrador, até porque a urgência de que elas se revistam pode não ser compatível com essa autorização” Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, Almedina, 1998, pág.230. ix. As obras a realizar nas partes comuns no bloco 2 são da obrigação do condomínio, mas atendendo à necessidade e urgência das mesmas deveriam os Autores ter procedido às reparações necessárias verificados os pressupostos do artigo 1427º do Código Civil. DA FORMA DE REALIZAÇÃO DAS OBRAS: x. Em 02 de Março de 1999 a Câmara Municipal … procedeu a vistorias às condições sanitárias da fracção propriedade dos autores (fls 18 e 19 dos autos) alínea d) dos factos dados como provados, que concluiu que: “(…) os motivos das infiltrações poderá ser proveniente das redes de drenagem (…) - alínea g) dos factos provados. Depois dessa data nunca mais ocorreu qualquer vistoria já tendo decorrido cerca de 12 anos. xi. É com base nessa vistoria efectuado há mais de uma década, e sem recurso a qualquer outra informação técnica que permitisse esclarecer a forma de realização das obras que o Tribunal profere uma decisão, sem se fazer uma perícia e sem se ouvir técnicos que pudessem esclarecer e indicar qual a melhor solução para a feitura das obras. xii. O Tribunal “a quo” assentou a sua convicção na forma da realização das obras sem qualquer conhecimento de qual seria a melhor ou possível forma de realização das mesmas no prédio em questão. xiii. Limitou-se a decidir que as obras nas partes comuns deviam ser feitas através da colocação de tubagem única para escoamento das águas saponárias e saneamento de alto a baixo do prédio atravessando as casas de banho das fracções frente do “bloco 2”. xiv. Sem esclarecer se atravessam o interior das paredes (partes comuns) ou se atravessam fora das paredes isto é, nas fracções próprias, violando o direito de propriedade. Sem se inteirar se essa seria melhor solução, se seria a solução possível, nem se tais obras se coadunavam com a arquitectura do prédio no sentido de lhe retirarem estabilidade. Todas as questões deviam ser avaliadas e respondidas por um técnico. Só depois disso é que se estaria em condições de estabelecer qual o procedimento a adoptar na realização das obras. DA OPOSIÇÃO DO RÉU E… À REALIZAÇÃO DAS OBRAS NAS PARTES COMUNS COM PASSAGEM PELO SEU WC: xv. O Réu E… nunca se opôs nem se opõe à realização das obras nas partes comuns, unicamente se opôs e se opõe a que as obras se realizassem com passagem das tubagens pela sua casa de banho. E tal posição consta de uma carta dirigida ao condomínio datada de 14 de Janeiro de 2005 (junta aos autos) onde está clara a posição legitimamente por si assumida, leia-se no ponto 4 da mencionada carta: “Surgem também grandes dúvidas, e estas talvez consubstanciem a maior preocupação dos exponentes, de como vão ser estas referidas obras realizadas, isto porque, não se opõem os proprietários da fracção 3 frente, à realização das obras, contudo opõem-se à forma como estão a ser encaminhadas.” xvi. Refere a douta sentença ora recorrida que “(…)sem que conste dos autos qualquer possibilidade (viável e concreta) das obras se realizarem por qualquer outro modo.”, Isto porque o Tribunal não conseguiu provar nem apurar qual a melhor forma de realizar as obras. Não por ter chegado à conclusão que aquela seria a solução mais viável, ou nem se tais obras se coadunavam com a arquitectura do prédio no sentido de lhe retirarem estabilidade. Pois nem sequer se pronunciou quanto ao pedido efectuado pelo Réu E… de se proceder à Inspecção ao local, o que teria permitido uma melhor compreensão da melhor forma de realizar as obras e perceber as características do prédio a intervencionar. xvii. Todas as questões relacionadas com o procedimento a adoptar na realização das obras nas partes comuns devia ter sido analisada pelo Tribunal, com recurso a perícias e a conhecimentos técnicos sobre o assunto. xviii. Não podendo o Tribunal determinar a realização das obras talqualmente da maneira que os Autores as expõem na Petição Inicial, sem se investigar e analisar se essa solução era a necessária, adequada e ajustada naquela situação concreta. xix. Não tendo o Tribunal “a quo” logrado determinar qual o procedimento adequado à realização das obras comuns no prédio em questão. xx. O Réu E… nunca recusou o acesso à sua fracção pois tal nunca lhe foi solicitado. Não se podendo invocar que as obras não se realizaram por o Réu não ter autorizado o acesso à sua fracção. Senão pergunta-se: xxi. Em que data e de que forma e quem é que solicitou ao Réu E… o acesso à sua fracção? xxii. Em que data a quem e de que forma é que o Réu E… recusou o acesso à sua casa? xxiii. O Tribunal “a quo” não logrou provar estes factos, não podendo, consequentemente, o Réu E… ser condenado pelos mesmos. DA COLISÃO DE DIREITOS: xxiv. Na douta sentença recorrida menciona-se que estamos perante uma situação de colisão de direitos constitucionalmente consagrados o direito à propriedade privada e ao direito à habitação, a colisão de direitos está prevista no artigo 335 º do Código Civil. xxv. De referir que: in “Dos Pressupostos da Colisão de Direitos no Direito Civil, Elsa Vaz Sequeira, Universidade Católica: ”O artigo 335º do Código Civil, sobre colisão de direitos, é frequentemente invocado pela doutrina e pela jurisprudência a propósito de situações onde, na realidade, não estão reunidos os pressupostos da sua aplicação". Tal facto fica a dever-se, em larga medida, à confusão entre limites extrínsecos ao conteúdo dos direitos, por um lado, e limitações extrínsecas ao exercício dos direitos, por outro – sendo que apenas no segundo caso é possível falar com propriedade em colisão de direitos. Neste contexto, a aplicação criteriosa do artigo supracitado implica que, previamente, se apurem os pressupostos da colisão de direitos, que a investigação revela serem três: a) a presença efectiva de uma pluralidade de direitos; b) a pertença desses direitos a titulares diversos; c) a impossibilidade de exercício simultâneo e integral dos referidos direitos. xxvi. No caso em apreço estamos perante uma pluralidade de direitos que pertencem a titulares diversos, mas levanta-se a questão de saber se há possibilidade de exercício simultâneo e integral dos referidos direitos. xxvii. E o direito à habitação dos autores pode coexistir naturalmente com o direito à propriedade privada do Réu E… na medida em que é possível fazer-se as obras nas partes comuns de forma a não se afectar os direitos de cada um, estamos perante uma colisão aparente de direitos. xxviii. Neste sentido: GOMES CANOTILHO, J. J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª edição, Almedina, 1999, p. 1191: “considera-se existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular." xxix. E para resolver uma colisão entre direitos fundamentais é mister que se tente a compatibilização entre os mesmos, o que pode ser alcançado mediante o recurso ao princípio da proporcionalidade, fazendo com que possa ocorrer o exercício conjugado dos direitos fundamentais reduzindo-se o âmbito de aplicação dos mesmos. xxx. E na verdade no presente processo o direito à propriedade privada do Réu E… pode coexistir pacificamente com o Direito à habitação dos Autores, desde que se averiguasse (o Tribunal) convenientemente qual seria a melhor solução para a realização das obras, o que não aconteceu. DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL: xxxi. O Réu E… foi condenado na presente acção a pagar aos Autores a quantia de 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros) pelos danos patrimoniais sofridos por estes e causados pela não realização das supra mencionadas obras desde 1999. xxxii. Nunca o Réu E… se recusou à realização das obras nas partes comuns, unicamente discordou da forma apresentada para a realização das mesmas. xxxiii. Quem teve uma conduta conducente ao preenchimento dos pressupostos da obrigação de indemnizar foram as sucessivas administrações do condomínio, que desde pelo menos o ano de 1999, tiveram conhecimento da necessidade da realização de obras e nunca nada fizeram, e estranhamente foi a administração do condomínio absolvida do pedido de indeminização cível. xxxiv. E nos termos legais eram obrigadas a fazer, pois o condomínio tem a obrigação legal de proceder às reparações indispensáveis e urgentes. Este comportamento de non facere por parte da Administração do Condomínio é que é susceptível de gerar danos na esfera jurídica dos Autores. xxxv. Não se encontrando provados nem preenchidos os pressupostos que depende a obrigação de indemnizar designadamente: o quantum do dano não patrimonial, que o Tribunal fixou, sem justificação plausível, no montante de 1.250,00 €, porquê este valor? Com base em que critérios e em que prova? Não se logrando provar igualmente o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima. xxxvi. Não se podendo condenar o Réu E… por factos que são imputáveis à Administração do Condomínio, razão pela qual deve o Réu E… ser absolvido do pedido cível. Pede, por isso, o apelante, que seja julgado procedente o recurso e, em consequência, a) Ser declarada a nulidade da sentença nos termos do artigo 668º nº 1 d) do Código de Processo Civil; b) Revogar-se a decisão recorrida na parte em que condena a Administração do Condomínio a realizar as obras nas partes comuns do edifício identificado nos autos como “bloco .” através da tubagem única para escoamento de águas saponárias e saneamento, de alto a baixo do prédio, atravessando as casas de banho das fracções “frente do bloco 2”; c) Condenar-se a administração do condomínio a realizar as obras nas partes comuns com base em projecto/estudo elaborado e aprovado por entidade competente, especializada e credível para o efeito, com a demonstração de qual a melhor solução para a feitura das reparações. d) Absolver o Réu E… do pagamento aos Autores de uma compensação de 1.250.00 € (mil duzentos e cinquenta euros) a título de danos não patrimoniais. Responderam os autores/recorridos defendendo a manutenção do decidido e invocando, em síntese que: ● É um lapso manifesto não constar explicitamente na sentença, a condenação da Ré J…, pois a mesma foi regularmente citada, não contestou e tal posicionamento importa confissão dos factos articulados pelo Autor. Assim sendo, nos termos do art. 480º do CPC já estava condenada no pedido, mesmo antes da sentença, pelo que, no caso concreto, tal omissão não é relevante, nem põe em causa a sentença. ● Não merece qualquer reparo a douta sentença, que acertivamente escalpelizou todos os passos seguidos, quer pelo condomínio, quer pelos diversos condóminos que, em reunião de 23/07/2004, chegaram a consenso quanto ao orçamento e modos “operandi”- igual á reparação feita no Bloco 1. ● E, a partir daqui, de forma escrita, portanto peremptória, os apelantes opuseram-se às obras, agravando não só os prejuízos dos apelados, como, ainda protelam a resolução do mesmo, com hipotéticas soluções, mas que em verdade, nunca apresentaram, nem aquando do julgamento, um projecto devidamente assinado por quem se responsabilize por uma solução menos gravosa esteticamente para cada fracção ou solicitaram uma peritagem colegial ou não, para que se pronunciassem se era errada ou correcta a solução aprovada pela assembleia de condóminos. ● Pôr em causa a não ida do Tribunal ao local é descabido e displicente, porquanto o mesmo não é composto por técnicos e peritos para avaliar o procedimento da melhor maneira de reparar uma deficiência estrutural. ● A partir de 23/07/2004, a conduta ilícita e culposa do referido apelante protelou conscientemente a possibilidade dos autores fruírem a sua fracção. A causa dos danos consta da matéria provada, bem como quais foram, pelo que é do senso comum que a continuação das escorrências, humidades, água, sujidades, rotura na tubagem do saneamento, com o decorrer do tempo, cada vez corroem mais, danificam até ao apodrecimento das madeiras e são por si só, geradoras de indemnização. Pelo que se entende que mal andou a Meritíssima Juiz ao não entender assim, condenando, só, simbolicamente o Réu/Apelante pelos danos morais, quando, perante toda a prova produzida e aquilo que é senso comum, o devia ser condenado, quer pelos danos patrimoniais, quer não patrimoniais em quantia que minimamente ressarcida os apelados, pelos agravados prejuízos com o decorrer do tempo, única e exclusivamente devido a teimosia e conduta do apelante, concluindo, assim, que o acórdão ora em crise, não enferma de qualquer vício. A arguição de nulidade invocada pelo apelante deverá ser desatendida, devendo antes ser revista a indemnização devida pelo apelante aos apelados, de modo a minimizar todos os prejuízo, patrimoniais e não patrimoniais, que estes sofreram e continuam, inibindo-os de usufruir em pleno a sua propriedade. A Exma. Juíza do Tribunal a quo pronunciou-se sobre a invocada nulidade da sentença, nos seguintes termos: Nas suas alegações de recurso, veio o R E… arguir a nulidade da sentença, com fundamento no facto de a mesma ser omissa quanto à condenação da Ré J…, o que, defende, consubstancia omissão de pronúncia quanto a questão que o juiz devia ter apreciado - art. 668º, nº1, al. d), do CPC. No entanto, e como resulta da análise dos próprios fundamentos, de facto e de Direito, constantes da sentença proferida nos presentes autos, em causa está apenas um erro ou lapso manifesto. Com efeito, todos os RR "pessoas singulares" demandados nos presentes autos o foram na qualidade de condóminos do prédio identificado na petição inicial/Bloco . e foi, portanto, nessa exacta medida e pressuposto que as questões suscitadas nos autos foram apreciadas. E, se bem atentarmos na sentença, logo se verifica que todas essas questões foram devidamente apreciadas e conhecidas, donde se nos afigura que não estamos perante uma situação de "omissão de pronúncia" nos concretos termos em que este vício se encontra previsto na norma acima citada, tanto que a sentença conhece, para além do mais, da responsabilidade de todos os condóminos do prédio, entre eles, como é óbvio, a Ré J…, pela realização das obras nela referidas. Por outro lado, a verdade é que a omissão, na sentença, da expressa referência a esta Ré se deveu a lapso, motivado pelo facto de apenas esta não ter contestado a acção, aliado ao facto de tal facto não ter assumido qualquer relevância quanto aos concretos termos a observar no seu prosseguimento, atento o disposto no art. 485º, al. a), do CPC, pois que, em face dos termos em que a acção foi contestada pelos demais RR, sempre se impunha a demonstração dos factos levados à base instrutória (neste sentido, cfr. Ac. RP, de 01.01.1973: BMJ, 223.º-285, a propósito de questão próxima). Nestes termos, ao abrigo do disposto no art. 667º, nº2, do CPC, e sem prejuízo do direito das partes, nele consagrado, se pronunciarem quanto à presente rectificação perante o tribunal superior, decido rectificar a sentença proferida nos autos, por forma a que no seu relatório (fls. 268) e na al. a) sua parte decisória (fls. 294/295), onde se identificam os demais RR nestes autos, se faça constar também a identificação da Ré J…, tal como consta da petição inicial. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃOImporta ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i) DA NULIDADE DA SENTENÇA; ii) DA RESPONSABILIDADE E FORMA DE REALIZAÇÃO DAS OBRAS NAS PARTES COMUNS DO PRÉDIO; iii)DA OPOSIÇÃO DO APELANTE À REALIZAÇÃO DAS OBRAS NAS PARTES COMUNS COM PASSAGEM PELO SEU W.C. O que pressupõe a análise: a) DO INSTITUTO DA COLISÃO DE DIREITOS; b) DA PROVA DOS FACTOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DOS AUTORES À PETICIONADA INDEMNIZAÇÃO, DEVIDA PELO RÉU/APELANTE. *** III . FUNDAMENTAÇÃOA – DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos: 1. O direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar frente, do Edifício …, Bloco . – 1.º centro, com entrada pela Rua …, em Estarreja, mostra-se registado a favor dos AA., conforme resulta do teor do documento junto de fls. 11 a 15 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 2. Adquiriram-na através da escritura pública de “Compra e Venda” outorgada em 07.05.1987, no Cartório Notarial de Estarreja, exarada de fls. 5.º verso a 522 do Livro de Escrituras Diversas n.º 79-A, conforme resulta do teor do documento junto de fls. 6 a 10 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 3. A fracção acima identificada mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob a descrição n.º 1137-D e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 3147-D, conforme resulta do teor do supra citado documento junto de fls. 11 a 15 dos autos. 4. Em 02.03.1999, a Câmara Municipal … procedeu a vistoria às condições sanitárias sitas na fracção referida em 1., cujo auto se mostra junto a fls. 18 e 19 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 5. Nessa vistoria verificou-se, designadamente, que “(…) porque o bloco 1 (1.ª fase) tem cércea inferior ao bloco 2 (2.ª fase) existe uma zona crítica de encosto do telhado do bloco 1 na empena do bloco 2. Constata-se da existência de um rasgo de parede de meação, sensivelmente a 1/3 da sua altura e na fracção correspondente ao 1.º centro do bloco 2 (…). No sótão da fracção do 2.º esq. Do bloco 1 (…) existe ligações às prumadas dos esgotos, com peças sanitárias instaladas entretanto retiradas. Estas apresentam vestígios de terem sido efectuadas aquando da construção do bloco 1. (…)”, conforme resulta do teor do supra citado documento de fls. 18 e 19 dos autos. 6. Mais se constatou que “(…) Os tectos e paredes dos banhos e áreas contíguas ao bloco 1 (1.º e 2.º andares), bem como os tectos e paredes do bloco 2 (1.º andar) estão cheios de humidade e com maior ou menor grau de deterioração, resultante de infiltrações (…)”, conforme resulta do teor do supra citado documento junto a fls. 18 e 19 dos autos. 7. Os Srs. Peritos que procederam à vistoria acima referida, concluíram que “(…) porque não se consegue à vista desarmada analisar o estado das tubagens, os motivos das infiltrações poderá ser proveniente das redes de drenagem, que de acordo com o projecto são comuns aos dois blocos e no que concerne às respectivas prumadas. Outra origem, embora mais remota, também pode assentar numa deficiente construção do telhado na zona da meação e a infiltração ser também de águas pluviais, (…)”, esclarecendo, porém, que não puderam analisar “à vista desarmada” o estado das tubagens, tudo conforme resulta do teor do supra citado documento junto a fls. 18 e 19 dos autos. 8. Tais Peritos concluíram, ainda, que as anomalias supra referidas deveriam ser corrigidas, sendo conceder, para tal efeito, o prazo de 90 dias, tudo conforme resulta do teor do supra citado documento junto a fls. 18 e 19 dos autos. 9. Em 02.07.1998, a Câmara Municipal … enviou à ré H… a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 20 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, intimando-a a diligenciar pela revisão das redes de esgotos dos apartamentos ali referidos, por forma a eliminar as anomalias existentes, bem ainda pela alteração de tais redes para que os blocos sejam totalmente independentes. 10. Até à data da instauração da presente acção, apenas o Bloco 1 havia procedido às reparações, tendo por tubagem única feito o escoamento das águas saponárias e saneamento por canalização independente. 11. Até à data da instauração da presente acção, não se procedeu à substituição da tubagem para escoamento das águas saponárias e saneamento no Bloco 2. 12. Em 30.04.2003, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento de fls. 28 a 32 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual se questionou o R. L…, “(…) como Administrador do Bloco I, por que razão não se começa as obras entre os Blocos I e II, conforme está decidido e escrito nas actas números trinta e seis e trinta e sete. O Sr. L… respondeu que os condóminos do Bloco I não se entendem e não querem abrir as portas para facultarem as obras. Já não estão de acordo com as referidas obras. Mesmo sendo o Administrador é o único que quer que o problema seja resolvido e está sozinho contra os demais condóminos do referido Bloco I. Depois de alguma discussão entre todos, decidiu-se com o acordo de todos os presentes que o Bloco II irá notificar o Administrador do Bloco I para no prazo de 20 dias a partir da recepção da carta, resolver a situação, se não o fizer, o Bloco II remeterá o problema para um advogado, (…)”. 13. Em 09.07.2004, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento junto de fls. 33 a 38 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde se procedeu “(…) à leitura do orçamento para as obras, (…), ao qual o Sr. L… contrapôs dizendo que não estava de acordo com o dito orçamento, pois faltavam as ligações horizontais das cozinhas dos esquerdos e dos frentes e as casas de banho das lojas. Depois de alguma discussão entre os presentes, ficou decidido que se falava com a firma “N…” para dar um aditamento ao orçamento para as referidas ligações. Ficou também decidido que as obras de trolharia e coretes são também da responsabilidade do condomínio, ficando o Sr. O… de arranjar orçamentos para as mesmas. Os azulejos e mosaicos ficará a cargo de cada um. Foi decidido por unanimidade que no dia 23 de Julho se fará uma nova reunião final, para combinar o início das obras a votar o orçamento final e a Administradora nessa altura, apresentar a quantia que cada condómino terá que pagar, (…)”. 14. Em 14.01.2005, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento junto de fls. 40 a 42 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, designadamente “(…) dar um prazo de quinze dias à D. M… para dar uma resposta concreta ou apresentar outra forma credível de realizar as obras (…)”, assembleia onde foi apresentada a carta cuja cópia se mostra junta a fls. 43 dos autos, cujo teor igualmente aqui se dá por integralmente reproduzido. 15. Em 14.05.2005, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento junto de fls. 44 a 47 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, designadamente que “(…) as canalizações e ligações ao saneamento se começaria o mais breve possível, ficando o Sr. L… de falar com o Sr. P… (N…) para o começo das obras. (…)”. 16. Em 25.10.2001, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento junto de fls. 84 e 85 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde foi “(…) aprovado orçamento do bloco 2 por 600.000$00. As obras em comum com o bloco 1 dizem respeito ao tubo de descarga comum às casas de banho de 1.º e 2.º blocos (1 e 2 Bloco 1 e 1.º, 2.º e 3.º Bloco 2). As obras serão feitas quase na totalidade no bloco 1 podendo ter de se mexer no 3.º Frente Bloco 2. Ficou também decidido que as obras só começavam quando o Bloco 1 tivesse dinheiro para se poder pagar ao construtor, (…)”. 17. Em 22.03.2003, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento junto de fls. 86 e 88 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 18. Em 23.07.2004, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento junto de fls. 98 a 100 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, designadamente “(…) ficou aprovado por unanimidade quanto aos trabalhos de trolharia o orçamento (…) de 900 €, sem IVA. Quanto ao orçamento da rede de tubos e ventilação, ficou aprovado que se o orçamento número dois, dado pela N… fosse baixado para o preço do orçamento número um, ou seja, menos 655 €, seria este que ficava. Ficou também aprovado que as obras só começariam quando a Administradora recebesse junto dos condóminos todas as verbas que estes têm de pagar pela sua quota-parte nas obras, (…)”. 19. Em 10.09.2005, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento junto de fls. 101 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, não tendo os AA. comparecido à mesma. 20. Em 29.04.2006, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento junto de fls. 102 a 103 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, não tendo os AA. comparecido à mesma. 21. Em 13.05.2006, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento junto de fls. 104 e 105 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, não tendo os AA. comparecido à mesma. 22. Em 24.06.2006, reuniu a assembleia de condóminos do Edifício …, Bloco ., que deliberou nos termos e em conformidade com o teor do documento junto de fls. 106 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, não tendo os AA. comparecido à mesma. 23. No ano de 1999, dejectos saíam da canalização de escoamento da banheira e da parede da fracção referida em 1. (a que nos referiremos, doravante, como “fracção dos autos”). 24. Tendo-se espalhado pelo chão da casa de banho. 25. O tubo de descarga do saneamento da fracção referida em 1. é comum às casas de banho do Bloco 1 e 2 do prédio. 26. Existe um rasgo na parede de meação do Bloco 1 e 2, sensivelmente a 1/3 da sua altura e na fracção referida em 1. 27. E um buraco ao nível do tecto do banho da fracção do Bloco 1 – esquerdo. 28. No sótão da fracção correspondente ao 2.º andar esquerdo do Bloco 1 existem ligações às prumadas dos esgotos. 29. Há águas e sujidade a escorrer no chão, na parede e pela sanita da fracção referida em 1. 30. Por existirem roturas na tubagem do saneamento e das águas saponárias no interior das paredes. 31. A reparação desta tubagem implica que um novo cano de escoamento passe pelo interior dos apartamentos. 32. Ao que o R. E… se opôs, e ainda se opõe, a que a reparação se faça com passagem das tubagens pela casa de banho. 33. As paredes da fracção referida em 1. estão “negras” de humidade. 34. E houve azulejos que se partiram e se desprenderam. 35. E o chão está manchado e corroído. 36. E o rodapé da despensa está podre. 37. O referido em 33. a 35. sucedeu devido ao descrito em 23., 29, e 30. 38. O referido em 33. a 35. impede os AA. de habitarem a sua fracção. 39. E de a arrendarem. 40. Os azulejos e o rodapé acima referidos têm de ser substituídos. 41. As restantes divisões da fracção referida em 1. têm de ser isoladas e pintadas. 42. O custo das reparações referidas em 40. e 41. ascende a € 1.950,00. 43. Os AA. sofrem desgosto pelo estado em que se encontra a fracção referida em 1. 44. A execução da nova conduta de esgotos seria executada de alto a baixo do prédio, atravessando as casas de banho das fracções “frente”, sendo que para tal teria que ser partido parte da parede e chão. 45. O referido em 11. deveu-se ao facto de o R. E… ter negado autorização para acesso à sua fracção. 46. Antes da execução das obras no Bloco 1 foi aberto um buraco na parede do prédio que confronta com o Bloco 1 e foi constatado que havia escorrências para a caixa-de-ar. 47. Daí resultando as infiltrações sentidas no Bloco .. 48. Executadas que foram as obras no Bloco 1, tal foco de insalubridade foi eliminado. 49. A reparação da tubagem do saneamento e das águas saponárias implica a realização de obras na casa de banho da fracção do R. E…. 50. Que implicam alteração desta divisão. *** B - DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO i) DA NULIDADE DA SENTENÇA; Invoca o recorrente a nulidade da sentença à luz do previsto na alínea d) do artigo 668º, nº 1 do Código do Processo Civil, porquanto a sentença omitiu a condenação da Ré J…. A sentença, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 668º do Código de Processo Civil. A este respeito, estipula-se no apontado artigo 668º do CPC, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que: “1 - É nula a sentença: a) Quando não contenha a assinatura do juiz; b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....” O recorrente imputa à sentença a nulidade decorrente da alínea d) do citado normativo, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II vol., 793 a 811, ou seja, vícios que enfermam a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam. Decorre da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C. que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. E, é tendo em consideração o disposto no artigo 660.º, n.º 2 CPC que se terá de aferir da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC. Como esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, 1997, 220 e 221, está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões”. As questões a que alude a alínea em apreciação são, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”. No caso em apreciação, muito embora a acção haja sido proposta também contra J… e esta não haja apresentado contestação, a sentença recorrida não abrangeu esta ré na condenação ali determinada. Sucede, porém, que através de decisão proferida em 18 de Novembro de 2011 (refª 13071471), foi confirmada a omissão, tendo a sentença sido rectificada, ao abrigo do disposto no artigo 667º, nº 2 do CPC, por forma a abranger a aludida ré na condenação. E, efectuadas que foram as devidas notificações, suprida se mostra a invocada nulidade. ** ii) DA RESPONSABILIDADE E FORMA DE REALIZAÇÃO DAS OBRAS NAS PARTES COMUNS DO PRÉDIOO prédio em causa está sujeito ao regime da propriedade horizontal. Esta aglutina dois direitos reais distintos: um, de propriedade singular ou propriedade plena sobre a parte privativa (propriedade da fracção autónoma); outro, de compropriedade (que recai sobre as partes comuns do prédio), estando os respectivos condóminos sujeitos a restrições ao seu direito de propriedade e de compropriedade. Conforme decorre do disposto no artigo 1420º do Código Civil, a qualidade de proprietário de uma fracção autónoma confere ao respectivo titular, também, uma parcela na compropriedade das partes comuns do edifício, tornando-se esses dois direitos incindíveis. Com efeito, há partes e coisas do edifício que, ou são suas integrantes, por pertencerem à sua própria estrutura, ou são indispensáveis à utilização normal de cada fracção, pelo respectivo condómino. E, porque delas não se pode prescindir para o gozo normal da propriedade singular, são as mesmas necessariamente comuns, ficando sujeitas ao regime da indivisibilidade e incindibilidade. São, pois, imperativamente partes comuns do prédio, impedindo os interessados de acordar em sentido divergente, todas as partes do edifício taxativamente enumeradas no nº 1 do artigo 1421º do Código Civil. Por outro lado, presumem-se comuns, se nada resultar em contrário, as partes do prédio enumeradas no nº 2 do citado normativo, ou seja, e em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos. Esclarece RUI VIEIRA MILLER, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 158 que a norma contida no nº 2 do aludido preceito é de carácter supletivo, conferindo a natureza de comuns a coisas que, por não serem essenciais à fruição exclusiva de cada uma das fracções autónomas nem fazerem parte da estrutura do edifício, os condóminos podem convencionar sejam excluídas desse regime. No caso vertente está em causa a necessidade de obras na rede de esgotos do edifício, que é, indubitavelmente, uma parte comum do prédio – v. alínea d) do nº 1 do citado artigo 1421º do C.C. E, nos termos constantes do nº 1 do artigo 1430º do C.C. a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador, o que significa que relativamente às partes comuns, os condóminos individualmente considerados, não se podem sobrepor ao administrador eleito, apenas podendo, de harmonia com o preceituado no artigo 1427º do C.C., proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, na falta ou impedimento do administrador. No caso em apreciação, e pese embora a natureza urgente das obras – reparação das roturas na tubagem do saneamento e das águas saponárias no interior das paredes, mediante a substituição da tubagem (Nº 11, 30 e 31 da Fundamentação de Facto), em face do que resultou da prova produzida, no que concerne às ocorrências verificadas na fracção dos autores - dejectos que saíram da canalização de escoamento da banheira e da parede e se espalharam pelo chão da casa de banho, a existência de águas e sujidade a escorrer no chão, na parede e pela sanita, paredes “negras” de humidade, azulejos partidos e que se desprenderam, chão manchado e corroído, rodapé da despensa podre (Nºs 23, 24, 29, 33 a 41 da Fundamentação de Facto), a verdade é que os autores, podendo levar a cabo as ditas obras, não teriam de o fazer, como efectivamente o não fizeram. Tais obras foram, aliás, aprovadas pela Assembleia dos Condóminos (Nºs 13, 16, 18 e 20 da Fundamentação de Facto), competindo a sua realização ao administrador em exercício. Resultou ainda provado que, para proceder à reparação da tubagem, necessário seria a passagem do novo cano de escoamento pelo interior dos apartamentos, atravessando as casas de banho das fracções frente do prédio em causa, sendo que para tal teria de ser partido parte da parede e chão (Nºs 31 e 44 da Fundamentação de Facto). Nenhuma outra proposta para execução da substituição da tubagem foi aprovada na Assembleia dos Condomínios, ou foi sequer ali apresentada, quer pela administração do condomínio, quer por qualquer condómino, nomeadamente pelo réu E… (na Assembleia dos Condóminos de 14.01.2005, foi dado prazo para apresentar outra forma de realizar as obras), nem foi sugerida nos autos ou requerida no processo qualquer prova pericial, pelo que não tinha o Tribunal a quo de se pronunciar sobre qualquer outra solução alternativa para reparação da rede de escoamento das águas, ao contrário do que parece defender o apelante na sua alegação de recurso. Mais se provou que a mencionada reparação da tubagem implica alteração da casa de banho da fracção do réu/apelante e que a mesma não foi executada por virtude da oposição do apelante a que a reparação se faça com passagem das tubagens pela casa de banho, negando a autorização para acesso à sua fracção (Nºs 11, 32, 45, 49 e 50 da Fundamentação de Facto), o que nos reconduz à análise da questão subsequente. ** iii) DA OPOSIÇÃO DO APELANTE E… À REALIZAÇÃO DAS OBRAS NAS PARTES COMUNS COM PASSAGEM PELO SEU WCa) DA COLISÃO DE DIREITOS Os litígios decorrentes das relações de vizinhança, independentemente da natureza dos respectivos direitos sobre os imóveis, têm frequentemente uma ampla dimensão, postulada pela tutela geral dos direitos de personalidade. Como escreveu RODRIGUES BASTOS, Das Relações Jurídicas, tomo 1.º, 20/21, os direitos de personalidade têm por fim impor a todos os componentes da sociedade o dever negativo de se absterem de praticar actos que ofendam a personalidade alheia, sendo à doutrina e à jurisprudência que competirá definir os limites da sua defesa. Estes direitos pertencem à categoria dos direitos absolutos, oponíveis a todos os terceiros, que os têm que respeitar e têm consagração constitucional. Com efeito, ressalta da Constituição da República Portuguesa a ideia da protecção da pessoa humana, da sua personalidade e dignidade, falando-se, no artigo 1º, da dignidade da pessoa humana como fundamento da sociedade e do Estado; o artigo 24º, nº 1, declara que a vida humana é inviolável; o artigo 25º garante o direito à integridade moral e física da pessoa; o artigo 26º consagra também outros direitos pessoais e o artigo 64º e 66º protegem os direitos à saúde e a um ambiente salutar. Enquadram-se na categoria de direitos de personalidade, entre outros, os direitos à vida, à integridade física, à honra, à saúde, à inviolabilidade do domicílio, ao repouso essencial à existência - v. P. LIMA - A. VARELA, Código Civil Anotado, vol. 1.°, 55; GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 101. Os direitos de personalidade estão também regulados no Código Civil, embora nele se não contenha uma definição de direito de personalidade. Apenas o artigo 70º consagra o direito geral de personalidade, abrangendo, na sua protecção, no âmbito do direito civil, como refere, RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, A Constituição e os Direitos de Personalidade, Estudos sobre a Constituição, vol. 2º, Lisboa, 1878, 93, “todos os direitos subjectivos, privados, absolutos, gerais, extra-patrimoniais, inatos, perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem o que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida”. Prescreve o nº 1 do artigo 70º do Código Civil que “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, o que significa a assunção e um reconhecimento da existência de um direito geral da personalidade – v. a propósito da evolução do direito de personalidade na civilística portuguesa, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Inocêncio Galvão Teles, Vol. I, 21-45. Mas, a Constituição da República Portuguesa também reconhece e assegura, por outro lado, os direitos de natureza económica, tais como o da livre iniciativa económica (art.º 61º) e da propriedade privada (art.º 62º n.º 1). Com frequência se colocam situações de colisão ou conflito de direitos fundamentais que urge solucionar. Esclarece J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 3ª ed., 1195 que, existe uma colisão autêntica de direitos fundamentais, quando o exercício de um direito fundamental, por parte do seu titular, colide com o exercício do direito fundamental, por parte de outro titular, ocorrendo uma colisão de direitos em sentido impróprio quando o exercício de um direito fundamental colide com outros bens constitucionalmente protegidos. A existência de uma relação tendencialmente conflituante entre direitos constitucionalmente garantidos, nomeadamente entre direito de personalidade e direito de propriedade, leva à necessidade de dirimir o conflito de direitos daí decorrente, de acordo com o contexto jurídico e a respectiva situação fáctica. Como defende J. J. GOMES CANOTILHO, ob. cit., loc. cit., e Direito Constitucional, pág. 660, apesar de não existir um padrão ou critério de solução de conflitos de direitos válidos em termos gerais e abstractos, isso não invalida a utilidade de critérios metódicos abstractos que orientem a necessária tarefa de ponderação e/ou harmonização no caso concreto, através do princípio da concordância prática” ou a “ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes”, por forma a atribuir a cada um desses direitos a máxima eficácia possível. Não havendo possibilidade de harmonizar os direitos em conflito, a solução terá de passar pela prevalência de um deles em relação ao outro. A Constituição da República Portuguesa concede uma maior protecção aos direitos, liberdades e garantias do que aos direitos económicos, sociais e culturais, havendo uma ordem decrescente de consistência, de protecção jurídica, de densidade subjectiva daqueles relativamente a estes. Na lei infra-constitucional, a colisão de direitos está prevista no artigo 335º do Código Civil, que dispõe: 1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os direitos ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deve considerar-se superior. Para resolução do aludido conflito de direitos, haverá, pois, que recorrer, ao nível da lei ordinária, ao aludido normativo que estipula que, caso sejam iguais os direitos em conflito ou da mesma espécie, deve cada um deles manter o seu núcleo principal, cedendo o estritamente necessário para que ambos produzam o seu efeito. Mas, se os direitos em questão forem desiguais ou de espécie diferente, deverá prevalecer aquele que for considerado superior. Assim, e em abstracto, a hierarquização dos direitos eminentemente pessoais, como são os que afectam a personalidade, sempre levaria a sobrevalorizar estes em detrimento do direito de propriedade. Entende-se, todavia, que sendo embora de respeitar a real prevalência dos direitos de personalidade relativamente ao direito de propriedade, fruto da hierarquia decorrente, designadamente, das normais constitucionais, essa hierarquia não é absoluta, havendo que sopesar a realidade factual em concreto, tendo em consideração que o direito hierarquicamente inferior deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses. É que, como refere CAPELO DE SOUSA, ob. cit., 547, em caso de conflito entre um direito de personalidade e um direito de outro tipo, a respectiva avaliação «abrange não apenas a hierarquização entre si dos bens ou valores do ordenamento jurídico na sua totalidade e unidade, mas também a detecção e a ponderação de elementos preferenciais emergentes do circunstancialismo fáctico da subjectivação de tais direitos, maxime, a acumulação, a intensidade e a radicação de interesses concretos juridicamente protegidos. Tudo o que dará primazia, nuns casos, aos direitos de personalidade ou, noutros casos, aos com eles conflituantes direitos de outro tipo». O eventual conflito de direitos terá de ser solucionado por recurso ao instituto da colisão de direitos, previsto no artigo 335° do Código Civil, sendo certo que o recurso a este instituto apenas se coloca existindo dois diferentes direitos pertencentes a titulares diversos, não se mostrando possível o exercício simultâneo e integral de ambos, o que pressupõe, evidentemente, a efectiva existência, validade e eficácia de tais direitos conflituantes. Ora, in casu, temos por um lado, o direito dos autores à salubridade na sua habitação, à qualidade de vida com higiene, i.e., à saúde, integradores do direito de personalidade daqueles e, por outro lado, o direito de propriedade do réu/apelante, a usufruir a sua fracção, sem limitações, salvo as decorrentes da lei. Havendo, efectivamente, uma colisão de direitos dos autores e do réu/apelante, e existindo uma prevalência do direito daqueles em detrimento do direito deste, urge ponderar se essa prevalência não resulta numa desproporção inaceitável, visto que, como antes ficou dito, o sacrifício e limitação do direito considerado inferior deverá apenas ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante. Para o efeito, importa lançar mão dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ou seja, há que sopesar a adequada proporção entre os valores em análise, aquilatando em que medida é que o sacrifício que se impõe ao titular de um direito se justifica face à lesão do outro, vedando-se o uso de um meio intolerável para quem é afectado pela medida restritiva. No caso em apreço, e como acima ficou dito, está em causa o reconhecimento do direito do réu a usufruir a sua fracção, em pleno e sem limitações, salvo as decorrentes da lei, sendo que a reparação da tubagem do saneamento e das águas saponárias implica a colocação de nova tubagem, de alto a baixo do prédio, atravessando as casas de banho das fracções “frente”, provocando, consequentemente, alteração da casa de banho da fracção do réu. Mas, por outro lado, também está em causa o reconhecimento do direito dos autores a usufruírem da sua habitação em condições de higiene e de salubridade, logo, integra um direito pessoal. Os enumerados direitos dos autores e do réu não se encontram no mesmo plano de valores, pois o direito deste tem um conteúdo de natureza económica e o direito daqueles tem um conteúdo acentuadamente pessoal. Ora, face ao que se mostra provado, e nada tendo sido alegado, pelo réu/apelante, na sua contestação, sobre as concretas consequências que a colocação da nova conduta de esgotos acarretará para a sua casa de banho, há que considerar que não está demonstrado que a dita reparação seja susceptível de impedir o réu/apelante de utilizar a sua casa de banho, apenas se tendo apurado que tal implica alteração dessa divisão, nomeadamente, a destruição de azulejos e mosaicos, quer da parede por onde irá passar a nova concuta de esgotos, quer do chão (Nº 44, 49 e 50 da Fundamentação de Facto). A circunstância de a casa de banho do réu/apelante vir a sofrer estas modificações (o que sucederá assim como ás demais casas de banho das fracções “frente” do prédio), não pode levar à limitação do apontado direito pessoal dos autores, que urge proteger. Bem andou, pois, a Exma. Juíza do Tribunal a quo, ao julgar procedente o pedido formulado pelos autores, de condenação dos réus na realização das peticionadas obras, improcedendo o que ex adverso consta das conclusões da alegação do apelante. ** b) DA PROVA DOS FACTOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO OS AUTORES À PETICIONADA INDEMNIZAÇÃO, DEVIDA PELO RÉU/APELANTEQuestão nuclear e que importa também decidir reside na determinação da responsabilidade do réu, no que concerne aos invocados danos sofridos pelos autores. E, demonstrada que seja a responsabilidade do réu, há que apreciar, então, dos danos por aqueles sofridos e a forma de os ressarcir. Incumbe, na verdade, ao lesado provar a culpa do autor da lesão, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos do Código Civil. A obrigação de indemnizar a cargo do réu, conforme peticionado pelos autores, depende da verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil. Tem, assim, de existir o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. A ilicitude, enquanto pressuposto da responsabilidade civil por facto ilícito, consiste na infracção de um dever jurídico. Indicam-se, no nº 1 do artigo 483º do Código Civil, duas formas essenciais de ilicitude. Na primeira vertente, a violação de um direito subjectivo de outrem; na segunda vertente, a violação de lei tendente à protecção de interesses alheios. Por seu turno, e como é sabido, a culpa lato sensu abrange as vertentes do dolo e da culpa stricto sensu, i.e., a intenção de realizar o comportamento ilícito que o respectivo agente configurou ou a mera intenção de querer a causa do facto ilícito. Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito, sendo que a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo – v. A. VARELA, ob. cit., 463 e ss. Actua com culpa, por acto praticado por acção ou omissão, quem omite o dever de diligência ou do cuidado que lhe era exigível. Quanto ao padrão por que se deverá medir o grau de diligência exigível do agente, mostra-se consagrado na lei o critério da apreciação da culpa em abstracto. Segundo o artigo 487º, nº 2, do Código Civil, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um “bonus pater familiae”, em face das circunstâncias do caso concreto, por referência a alguém medianamente diligente, representando um juízo de reprovação e de censura ético-jurídica, por poder agir de modo diverso. Serve, pois, de paradigma a conduta que teria uma pessoa medianamente cuidadosa, atendendo à especificidade das diversas situações, sendo que “por homem médio”, se entende o modelo de homem que resulta no meio social, cultural e profissional daquele indivíduo concreto. Para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é ainda necessário que exista um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano, segundo o qual ele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Acolheu o Código Civil nesta matéria, no artigo 563º, a doutrina da causalidade adequada, i.e., a causa juridicamente relevante de um dano será aquela que, em abstracto, se mostre adequada à produção desse dano, segundo as regras da experiência comum ou conhecidas do agente. Esta teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa, sendo a primeira mais restritiva do que a segunda, adoptando a nossa lei a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído de forma decisiva, circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto - Ac. STJ de 24.05.2005, acessível na Internet, www.dgsi.pt. Por último, o dano é a perda ou diminuição de bens, direitos ou interesses protegidos pelo direito, patrimonial ou não patrimonial, consoante tenha ou não conteúdo económico, conforme seja ou não, susceptível de avaliação pecuniária. No caso em apreço, praticou o réu/apelante um acto ilícito e culposo, obstaculizando, desde 2005, a realização das obras consideradas necessárias a sanar a insalubridade existente na fracção dos autores, pela forma apurada nos autos, e que foi aprovada na Assembleia dos Condóminos, quando, por força do disposto nos artigos 1422º, nº 1 e 1349º, ambos do C.C., nelas estava o réu obrigado a consentir, tanto mais que nenhuma outra solução alternativa foi por ele proposta. A apurada conduta do réu, conducente à não realização das obras aprovadas na Assembleia dos Condóminos, deu origem, além do mais, que aqui não está em apreciação, ao desgosto que os autores apresentam devido à manutenção do estado em que se encontra a sua fracção e que os tem impedido de a habitar ou arrendar (Nº 38, 39 e 43 da Fundamentação de Facto). Demonstrados ficaram, pois, os enunciados pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Nos termos do artigo 562º do CC quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto gerador do dano e em relação aos danos que provavelmente o lesado não teria sofrido se a lesão não se tivesse verificado. Na presente acção pediram os autores a condenação do réu a pagar-lhes, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 3.750,00. Consagra a lei, no artigo 496º, n.º 1, do Código Civil, que, na fixação da indemnização, se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A verificação da existência de danos não patrimoniais, não avaliáveis em dinheiro, pressupõe o conhecimento da extensão da ofensa a bens de ordem moral causados ao lesado. O ressarcimento desses bens de ordem moral assume uma função essencialmente compensatória, mas a envolvente de cariz sancionatória não pode ser desprezada. A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana. É que, os danos não patrimoniais não podem assentar em meros incómodos ou contrariedades que resultam de uma sensibilidade anómala. Como salienta ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 3ª ed., 500-501, a gravidade do dano apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. In casu, os apurados danos dos autores revestem gravidade susceptível de merecer a tutela do direito, não se enquadrando os mesmos em meros incómodos ou contrariedades. Há que salientar que o estado de insalubridade da habitação dos autores remonta a 1999, e a oposição do réu à necessária reparação perdura desde 2005. Para apurar do quantum indemnizatório adequado, face à identificada actuação ilícita e culposa do réu, há que proceder à avaliação dos danos produzidos, aferindo do grau de responsabilidade do autor da lesão, ponderação essa que terá de ser feita em função da ilicitude dos factos praticados, da culpabilidade do réu, da situação económica deste e do lesado (que neste caso nada se logrou provar) e das demais circunstâncias do caso. Tudo ponderado, e considerando que o montante da reparação terá de ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, entende-se, num juízo de equidade perante todas as circunstâncias do caso antes enumeradas que, para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelos autores, devido à conduta do réu, o montante fixado na sentença recorrida - € 1.250,00 – se mostra criterioso e adequado, o qual se confirma. Soçobra, por conseguinte, a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. * O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.*** IV. DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas. Porto, 28 de Março de 2012 Ondina de Oliveira Carmo Alves João Manuel Araújo Ramos Lopes Maria de Jesus Pereira |