Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
454/21.1T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: EMPREITADA
CONDENAÇÃO EM VALOR A LIQUIDAR
Nº do Documento: RP20240606454/21.1T8VCD.P1
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O disposto no artigo 609º, nº 2, do CPC é aplicável a todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova.
II - Em qualquer desses casos e desde que esteja demonstrada a existência da obrigação – uma vez que aquilo que pode ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo da citada disposição legal, não é a existência da obrigação, mas sim e apenas o objecto ou a quantidade dessa obrigação –, o Tribunal, carecendo de elementos para fixar o seu objecto ou o seu exacto valor, deve condenar naquilo que venha a ser liquidado posteriormente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº454/21.1T8VCD.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila do Conde
Relator. Carlos Portela
Adjuntos: Paulo Duarte Teixeira
Isabel Silva

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA ..., residente na Rua ..., freguesia ..., concelho da Póvoa de Varzim instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra BB, residente na Rua ..., freguesia e concelho de Vila do Conde, pedindo que a Ré seja condenada pagar ao Autor a quantia global de 17.995,16, a título de capital e juros vencidos, acrescida de juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para sustentar o seu pedido, o Autor alega que celebrou um contrato de empreitada com a Ré, para executar os trabalhos de remodelação de uma habitação
Mais alega que pra além de tais trabalhos, e durante a obra, a Ré solicitou ainda ao Autor diversos outros trabalhos não abrangidos pelo orçamento, e que foram executados quer na mesma habitação e num anexo contíguo.
Refere ainda que os trabalhos que executou para a Ré e cujo preço não foi previamente orçamentado pelo Autor ou acordado entre as partes, ascendem ao valor de 4.952,75 €.
Afirma que a Ré acompanhou e fiscalizou a obra, verificando que a mesma foi realizada sem vícios.
Alegou que a Ré foi adiando o pagamento de tais trabalhos e como o Autor insistiu em receber, e em Setembro de 2020, a Ré apelidou o Autor de ladrão e disse que os serviços extraordinários eram caros e que não os iria pagar.
Refere que em consequência da conduta da Ré, o Autor se sentiu envergonhado, facturando de imediato a totalidade dos trabalhos prestados, quer do orçamento inicial, quer dos trabalhos extraordinários e que tinha executado e pediu á Ré o pagamento.
Acrescentou que tempos depois a Ré ameaçou o Autor, e por ter ficado com receio, deixou de comparecer na obra e em 17.11.2020, enviou carta registada à Ré, na qual comunicou a resolução do contrato, enviou as facturas que ainda não tinha enviado à mesma e exigiu o pagamento do valor em dívida e que ascendia a € 14.952,75.
Mais alegou que a Ré continua sem proceder ao pagamento dos trabalhos no valor de €17.652,75.
Válida e regularmente citada a Ré contestou a acção e deduziu reconvenção.
Invocou, a título de excepção, que o contrato de empreitada é nulo porque não foi reduzido a escrito.
Mais refere que o Autor deve restituir à Ré € 19.000,00, pois já pagou € 47.000,00 e o valor dos trabalhos realizados não excede os € 28.000,00.
Acrescenta que o autor realizou os trabalhos com vícios e que para proceder à sua eliminação, a Ré necessita de € 7.5000,0.
Diz que assim o valor da obra executada pelo Autor, no estado em que o foi, vale a0penas € 21.5000,00 e que por isso, deve ser restituído à Ré o valor de € 26.500,00.
Alegou ainda o Autor não era titular de alvará ou certificado para o exercício da actividade de empreiteiro de obras particulares, o que constitui contra-ordenação.
Refere também que o valor do orçamento apresentado pelo Autor à Ré não corresponde ao acordado entre as partes, pois as partes acordaram na remodelação do imóvel pelo valor total de € 49.700,00, não correspondendo à totalidade dos trabalhos que o Autor se comprometeu a executar para a Ré.
Diz ainda que os trabalhos realizados padecem de vícios que descreve e que para reparar necessita dos já referidos € 7.5000,00.
Em reconvenção pede que o Autor seja condenado a restituir-lhe a quantia de € 26.5000,00, relativo à diferença entre o valor que já pagou e o valor da obra que o Autor efectivamente executou e ainda o valor necessário à reparação dos vícios/ efeitos dos trabalhos realizados.
Termina pedindo o seguinte:
a) Que a excepção de nulidade do contrato seja julgada procedente e, em consequência que o Autor seja condenado a restituir à Ré a quantia de € 26.500,00;
b) Que a acção seja julgada totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, que a Ré seja absolvida de todos os pedidos formulados.
c) Que subsidiariamente, o pedido reconvencional formulado seja julgado procedente e, em consequência, que o Autor/reconvindo seja condenado a pagar à Ré/reconvinte a quantia global de € 26.500,00, bem como nos juros moratórios vincendos e até integral e efectivo pagamento.
Notificado da contestação com reconvenção, veio o Autor apresentar réplica, e aí defende que não se verifica a invocada nulidade do contrato de empreitada porque apesar de o valor global da obra ser de € 49.700,00, a mesma ia ser executada por fases e nenhuma das fases da obra ultrapassou o valor de € 16.000,00, como resulta das facturas emitidas.
Diz ainda que os trabalhos extraordinários não atingem tal valor.
Defende ainda a ineptidão da causa de pedir e do pedido reconvencional, por ser incompreensível como é que a Ré alcançou a taxa de 15% de lucro do empreiteiro da construção civil e como é que alcançou o valor, pretendendo a seguir ser ressarcida de € 26.500,00.
Diz que a Ré quer enriquecer à custa do Autor, acrescentando que a Ré apenas respondeu à carta de resolução enviada pelo Autor, cerca de 3 meses depois, invocando os alegados vícios, os quais, até essa data nunca tinha mencionado.
Alega também que o valor dos materiais aplicados na obra é muito superior ao valor que a própria Ré dá à obra, mas não justifica.
Afirma que as facturas relativas a trabalhos extraordinários não foram devolvidas, o que dá lugar à aceitação por parte da Ré, alegando que a eventual nulidade do contrato, não prejudica a obrigação do pagamento IVA já liquidado.
Defende a inexistência de qualquer defeito na obra, mas que este a existir, apenas daria à Ré, o direito de pedir ao Autor a sua eliminação e não já a dedução de qualquer valor
Termina pedindo a improcedência das excepções deduzidas, declarando-se inepto ou então improcedente o pedido reconvencional formulado pela Ré.
Realizou-se audiência prévia onde se proferiu despacho a admitir a reconvenção e a fixar valor à causa.
Proferiu-se ainda decisão a conhecer das excepções invocadas julgando as mesmas improcedentes, proferindo-se também despacho a fixar o objecto do litígio e os temas da prova e despacho a admitir os meios de prova.
Foi ordenada a realização de prova pericial colegial.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento no culminar da qual se proferiu decisão onde se decidiu o seguinte:
A) Relegar pra ulterior liquidação de sentença o valor dos trabalhos/obra realizados pelo Autor e melhor descritos em 25), alíneas a) a ee) e ainda a colocação de uma tela no anexo;
B) Relegar para ulterior liquidação de sentença o valor de mercado no momento e lugar do contrato dos trabalhos realizados pelo Autor melhor descritos nos factos provados em 12) a 15), nos termos do art.º 883º do Código Civil;
C) Após apuramento dos valores referidos em A. e B., sendo o mesmo superior aos € 47.000,00 já pagos pela Ré, tem o Autor de restituir à Ré a diferença entre os dois valores;
D) Após apuramento dos valores referidos em A. e B., sendo o mesmo inferior aos € 47.000,00 já pagos pela Ré, tem a Ré de pagar ao Autor a diferença entre os dois valores.
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Desta decisão veio recorrer a Ré, apresentado desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O Autor respondeu.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela ré/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:
1. Ressalvado o devido respeito por opinião contrária, a Mma. Juiz a quo errou ao considerar provado o facto 25, porquanto a prova produzida impõe decisão diversa, incluindo a prova gravada. Com efeito,
2. Tendo em consideração o depoimento da testemunha CC, única testemunha que depôs sobre esta matéria a recorrente em depoimento de parte negou a mesma - prestado na sessão de audiência de discussão e julgamento do dia 28 de Junho de 2023, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, mais concretamente aos minutos 05:00, 14:00, 34:01 e 39:26 (acima parcialmente transcrito),
3. Impõe-se julgar não provada a matéria de facto do ponto 25 da sentença;
4. A Mma. Juiz a quo na alínea A) da decisão relegou para ulterior liquidação de sentença “… o valor dos trabalhos/obra realizados pelo Autor e melhor descritos em 25), als. a) a ee) e ainda a colocação de uma tela no anexo…”.
5. No que tange à alínea A) da decisão importa começar por referir que onde se lê “...25) nada tem a ver com “…o valor dos trabalhos7obra realizados pelo Autor…”.
6. Na verdade, os trabalhos acordados entre a recorrente e o recorrido encontram-se vertidos no facto provado 6 alíneas a) a ff)
7. E “… o valor dos trabalhos/obra realizados pelo Autor…” resulta do facto provado 37) alíneas a. a x.
8. Assim, encontrando-se já provado os trabalhos e materiais incorporados na obra, bem como o valor dos mesmos (os quais totalizam a quantia de 35.115,40 €) - cfr. facto 37, que plasma a perícia efectuada,
9. E tendo-se ainda em consideração a alteração da matéria de facto acima propugnada facto 25 - no que toca à colocação de uma tela no terraço, que, como se viu, não ocorreu,
10. Não existe qualquer fundamento legal em relegar para ulterior liquidação o que já se encontra líquido, como é feito na alínea A. da decisão.
11. No que tange ao vertido na alínea B. da decisão deve ter-se em consideração o relatório pericial maxime o junto aos autos em 03 de Janeiro de 2023, o qual contém um “ Resumo Obra na Globalidade Habitação + Anexos, obra total antes de IVA”, donde resulta meridianamente claro que, também, os trabalhos constantes dos factos provados 12) a 15) já se encontram contemplados e valorizados no relatório pericial, reitera-se, “obra total” realizada pelo recorrido.
12. Ora, tendo os Srs. Peritos já procedido à avaliação, medição e atribuição de valores a todos os trabalhos e materiais incorporados na obra nenhum fundamento legal existe para relegar para ulterior liquidação o que já se encontra apurado, dado existir nos autos todos os elementos necessários para apurar o quantum a restituir à recorrente.
13. Por fim, tendo a peritagem efectuada concluído que os trabalhos e materiais incorporados na obra ascendiam ao valor de 35.115,40 € mas concluído, também, que parte desses trabalhos foram executados com imperfeições e a correcção destas importa um custo de 3.500,00 € + IVA, aquelas imperfeições desvalorizam a obra nesta exacta medida.
14. Destarte, tendo a recorrente já pago ao recorrido a quantia de 47.000,00 €, como resulta da sentença, facto provado 10) e que os trabalhos deduzidos da desvalorização das imperfeições valem 30.810,40 € [35.110,40 € - 4.305,00 €], deve ser restituída àquela a quantia de 16.189,60 € [47.000,00 € - 30.810,40 €] ex vi da aplicação do art.º 289º do Código Civil.
15. A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou, designadamente, os artigos 289º, do Código Civil, e ainda os artigos 607º, n.º 3 e 4 e 5, 609º, n.º 2, do C. P. Civil.
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Por outro lado, é o seguinte o teor das conclusões das contra alegações do autor/apelado:
1.- A Recorrente alicerça a sua apelação em duas questões: impugna a decisão que recaiu sobre o ponto 25 dos factos provados, requerendo a reapreciação da prova gravada, atendendo ao depoimento prestado pela testemunha CC e, bem assim, entende que a solução jurídica sufragada pelo Tribunal a quo não será a mais ajustada, atendendo ao caso subjudice.
2.- Salvo o devido respeito por douta opinião, entendemos que a sentença proferida não merece qualquer reparo, devendo ser negado provimento à Apelação oferecida e, por conseguinte, ser reafirmada a decisão.
Com efeito,
A.- DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA:
3.- Atendendo ao teor do depoimento prestado pela testemunha CC, dúvidas inexistem de que efectivamente o Autor apenas aplicou a tela nos muros da marquise e que a Ré arrancou a mesma, o que foi presenciado pela testemunha.
4.- A testemunha foi peremptória no seu depoimento, tendo esclarecido onde a tela foi aplicada e que efectivamente viu a ser feito pela Ré, não sendo possível retirar as conclusões avançadas pela Apelante.
5.- Assim sendo, a decisão que recaiu sobre o ponto 25 dos factos provados não merece qualquer reparo, devendo a mesma ser reafirmada, o que se requer.
B.- DA APLICAÇÃO DO DIREITO AO CASO SUBJUDICE:
6.- Mais advoga a Apelante de que a Mma. Juiz a quo não poderia ter relegado para ulterior incidente de liquidação de sentença, uma vez que os autos se acham instruídos por relatório pericial, a qual foi colegial, argumentando que existem elementos suficientes para definir os valores da empreitada em discussão.
7.- Atendendo à fundamentação constante da douta sentença, efectivamente, o Tribunal a quo não poderia ter se alicerçado no relatório pericial para o efeito, uma vez que os Srs. Peritos avançam com um valor global da empreitada, onde se inclui trabalhos ordinários (previamente orçamentados e cujo preço foi acordado) e trabalhos extraordinários (os quais foram solicitados, mas que não se acham orçamentados), sem fazer qualquer destrinça entre os mesmos.
8.- Isto significa que, além do contrato de empreitada nulo por vício de forma, existe um contrato de empreitada válido, referente àqueles trabalhos realizados pelo Apelado, conforme resultou provado aos pontos 12) a 16), sem que tenha sido acordado previamente o respectivo preço.
9.- Cumpre ainda dizer que o somatório que foi realizado pelo Sr. Perito ascende ao valor de €37.115,80 (sem IVA) e não €35.115,40 como alega e insiste a Apelante, cujo montante é irrelevante, pois que o valor correspondente a trabalhos ordinários e extraordinários terá que ser apurado em ulterior liquidação de sentença.
10.- Nesta medida, resulta, pois, que o Tribunal a quo nunca poderia considerar os valores elencados ao pelo Senhor Perito e constantes do ponto 37, tanto mais que o Autor tem direito a haver da Ré/Apelante o preço dos trabalhos executados, onde se incluirá obviamente o valor do lucro e do IVA.
11.- Pelo que bem andou o Tribunal a quo em relegar para ulterior liquidação de sentença o valor dos trabalhos executados ao abrigo do orçamento/obra inicial, quer o valor dos trabalhos que foram executados como extraordinários (factos 12 a 15 dos provados).
Sem prescindir,
12.- A Apelante pretendia ainda que o Autor lhe restituísse ainda €3.500,00, como sendo o valor que traduzirá as imperfeições da obra e o necessário à sua reparação e, por isso, a Apelante pretende deduzir ao valor apurado no relatório pericial pelo perito indicado pelo Tribunal os referidos €3.500,00, o que sempre daria a quantia de €33.615,40 e não €30.810,40, como alega a Apelante.
13.- Porém, não assiste razão à Apelante, como fundamenta a douta decisão, pois que não pode pretender prevalecer-se da nulidade do contrato, mas depois exigir o cumprimento desse mesmo contrato, como se fosse válido. A pretensão do exercício do direito desta forma sempre consubstanciaria abuso de direito.
14.- Por um lado, para que exista a obrigação do Autor reparar os defeitos ou de assumir o valor necessário a tal reparação pressupõe a validade do contrato e a aplicação do regime legal decorrente do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, pelo que bem andou o Tribunal a quo.
15.- A Apelante pretende agarrar-se aos valores apurados no relatório pericial por forma a conseguir lograr a devolução de montantes que foram pagos por si ao Apelado empreiteiro, ignorando que existem outros trabalhos que tem que liquidar, pois que foram executados e sem qualquer vício.
16.- De notar ainda que a Apelante não recorreu da sentença no que respeita ao apuramento dos trabalhos extraordinários executados pelo Autor, constantes dos factos 12 a 15 dos provados.
17.- Por conseguinte, não pode agora procurar prevalecer-se do relatório pericial, quando sabe que tais trabalhos foram executados pelo Autor, ao abrigo de um contrato de empreitada, diferente do inicialmente acordado. Ora, só este último está ferido de nulidade, por vício de forma.
18.- Qualquer outra decisão, que não fizesse depender de uma nova perícia que determinasse com precisão o valor de todos os trabalhos (sejam eles do primeiro contrato de empreitada, sejam do segundo) conduziria uma decisão profundamente injusta e desproporcional.
19.- Assim sendo, o tribunal a quo não dispunha de elementos para fixar o valor dos trabalhos/obra realizada pelo Autor e que a Ré tem de restituir (facto provado em 25 e 6 al. a) a ee) e uma tela) e o valor dos trabalhos realizados pelo Autor e que a Ré tem de pagar (factos provados em 12) a 15)) e, por isso, bem andou o tribunal em relegar para posterior incidente de liquidação, ao abrigo do preceituado no art.º 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Perante o antes exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A revogação do que ficou decidido nas alíneas A) e B) da decisão proferida e antes melhor descrita.
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É o seguinte o teor da decisão de facto proferida e que agora se impugna:
Factos Provados
1) O Autor dedica-se à actividade da construção civil.
2) No âmbito da sua actividade, em data não apurada entre Julho e Agosto de 2019, o Autor acordou com a Ré a execução de uma obra de remodelação da habitação da Ré sita Rua ..., ... Vila do Conde.
3) Nessa data o Autor não era titular de alvará ou certificado para o exercício da actividade de empreiteiro de obras particulares.
4) O Autor apresentou à Ré um orçamento datado de 17.07.2019, de onde consta:
«Designação dos trabalhos a executar:
Demolição de 7 paredes interiores (nas casas de banho, cozinha/sala, dois quartos), para proceder a alteração de área das divisões;
Construção de novas paredes e revestimento em massa das demais.
Remoção da cerâmica das paredes e pisos da cozinha e das duas casas de banho;
Reboco das paredes e piso;
Colocação de cerâmica nas paredes e pisos da cozinha e das duas casas de banho;
Colocação de loiças nas duas casas de banho, onde se inclui base de chuveiro;
Colocação de torneiras nas duas casas de banho;
Colocação de pladur nos tectos de todas as divisões;
Colocação de iluminação (focos) em todas as divisões;
Envernizamento de madeiras (portas e rodapés não substituídas).
Execução de escadas em betão (acesso ao 1º andar) com revestimento em granito.
Execução de abertura de um vão em parede exterior e colocação de portão basculante de garagem (por eliminação de um quarto);
Remoção da tinta de esmalte das paredes interiores do hall e da sala; Pintura de tectos e paredes de todo o interior;
Colocação de uma porta principal de entrada em alumínio lacado;
Colocação de uma janela em alumínio lacado (voltada para a rua principal);
Construção de muro duplo na marquise.
5) Autor e Ré acordaram na execução dos trabalhos de remodelação referidos em 2), que incluíam os materiais e mão-de-obra.
6) O acordo referido em 2), incluía, pelo menos, os seguintes trabalhos:
«Na casa principal»
a) Demolição algumas paredes interiores da habitação (nas casas de banho, cozinha/sala, dois quartos), para proceder a alteração de área das divisões.
b) Construção de novas paredes e revestimento em massa das demais.
c) Remoção da cerâmica das paredes e pisos das cozinhas e das duas casas de banho.
d) Reboco das paredes e piso.
e) Substituição da canalização (tubagem de água e saneamento) existente e colocação e de cerâmica nas paredes e pisos das cozinhas e das duas casas de banho.
f) Colocação de loiças nas duas casas de banho, onde se inclui base de chuveiro.
g) Colocação de torneiras nas duas casas de banho.
h) Colocação de pladur nos tetos de todas as divisões.
i) Substituição da parte eléctrica e colocação e iluminação (focos) em todas as divisões.
j) Envernizamento de madeiras (portas e rodapés não substituídas).
k) Execução de escadas em betão (acesso ao 1.º andar) com revestimento em granito.
l) Execução de abertura de um vão em parede exterior e colocação de portão basculante de garagem (por eliminação de um quarto).
m) Remoção da tinta de esmalte das paredes interiores do hall e da sala.
n) Pintura de tectos e paredes de todo o interior.
o) Colocação de uma porta principal de entrada em alumínio lacado.
p) Colocação de uma janela em alumínio lacado (voltada para a rua principal).
q) Construção de muro duplo na marquise.
r) Colocação de um quadro eléctrico.
«No anexo»
s) Demolição de uns «arquinhos» existentes na cozinha;
t) Revestimento e reboco em massa das paredes.
u) Remoção das cerâmicas do piso e paredes da cozinha e casa de banho;
v) Colocação de novas cerâmicas nas paredes e piso da cozinha e casa de banho;
w) Colocação de tetos em pladur;
x) Colocação de iluminação (focos) em todas as divisões;
y) Colocação de louças de casa de banho com base de chuveiro;
z) Colocação de tubagem de água e electricidade na cozinha e casa de banho;
aa) Pintura do interior de paredes e tectos de todas as divisões;
bb) Colocação de uma porta em madeira envernizada;
cc) Colocação rodapés em madeira nos quartos;
dd) Reparação de 2 portas de madeira (envernizadas);
ee) Colocação de quadro eléctrico;
ff) Remoção do piso do terraço, aplicação de telas e reaplicação de cerâmica nova.
7) No âmbito do acordo referido em 2), as cerâmicas, louças de casas de banho, acessórios (torneiras e afins), alumínios e granitos foram escolhidos pela Ré, no fornecedor do Autor.
8) Acordaram ainda Autor e Ré que esta liquidaria o valor referido em 5) em prestações, de acordo com o desenvolvimento dos trabalhos.
9) O Autor apresentou à Ré as facturas:
a. nº 14 de 22.08.2019, no valor de € 8.623,53;
b. n.º 15, de 18.11.2019, no valor de € 7.945,80:
c. n.º 16, de 11.12.2019, no valor de € 2.781.56;
d. n.º 19, de 28.01.2020, no valor de € 10.000,00;
e. nº25, de 06.05.2020, no valor de € 7.000,00;
f. n.º 27, de 24.09.2020, no valor de € 4. 948,87;
g. nº 28, de 01.10.2020, no valor de € 5.720,25 e
h. nº29, de 01.10.2020, no valor de € 2.700,00.
10) Assim a Ré liquidou ao Autor, por transferência bancária, o valor global de € 47.000,00, nas seguintes datas:
a. Em 28/08/2019, a quantia de € 20.000,00;
b. Em 18/11/2019, € 2.000,00;
c. Em 27/11/2019, € 8.000,00;
d. Em 27/01/2020, € 10.000,00;
e. Em 06/05/2020, € 7.000,00.
O Autor emitiu ainda as facturas:
a. n.º 30, emitida em 01.10.2020, no valor de € 5.313,60;
b. n.º 32, emitida em 01.10.2020, no valor de € 8.532,15;
c. n.º 34, emitida em 01.10. 2020, no montante de € 1.107,00;
12) Para além dos trabalhos acordados, a Ré solicitou ao Autor, durante a execução da obra, ainda e pelo menos, a abertura de rasgos para colocação do sistema de gás canalizado, junto ao anexo e nas cozinhas da habitação principal e que demolisse a banca da cozinha do anexo.
13) O Autor procedeu com o acordo da Ré à colocação de piso novo nos dois quartos do anexo.
14) Autor e Ré acordaram ainda, posteriormente, que 7 portas interiores da habitação fossem substituídas por portas novas.
15) O Autor procedeu a pedido da Ré à colocação de 7 peitoris e duas soleiras.
16) O preço dos serviços referidos em 12) a 14) e que foram executados pelo Autor não foi previamente orçamentado pelo Autor, ou acordado entre Autor e Ré.
17) O Autor subcontratou os serviços de pichelaria, electricista, carpintaria e pintura, sendo que neste se incluía ainda a colocação do pladur, quer na remodelação da moradia, quer na remodelação do anexo.
18) A Ré acompanhou os trabalhos realizados pelo Autor.
19) Em data não apurada de Setembro de 2020, a Ré apelidou o Autor de «vigarista».
20) O referido em 19) ocorreu na presença de CC, funcionário do Autor que se encontrava a trabalhar no prédio.
21) O Autor sentiu-se enxovalhado.
22) Entretanto, o Autor emitiu as facturas referidas em 11) na factura n.º ....
23) Relativamente ao terraço, o Autor cobrou a tela referida em 25).
24) Dos trabalhos acordados em 5) e 6), o Autor não executou a reaplicação de cerâmica nova no piso do terraço.
25) O Autor colocou a tela no terraço, a qual foi «arrancada» pela Ré.
26) Após o referido em 19) a 21), e em circunstâncias não concretamente apuradas, a Ré disse ao Autor que se não acabasse a obra os seus filhos iriam a casa do Autor.
27) O Autor ficou com receio da Ré.
28) Nos dias seguintes, o Autor não compareceu na obra.
29) A Ré contactou telefonicamente o Autor, de forma insistente, durante os dias seguintes.
30) Em 17.11.2020, o Autor enviou carta registada à Ré, que esta recebeu a 24.11.2020 com o seguinte teor:
«(…)
Sirvo-me da presente para comunicar a resolução do contrato de empreitada com fundamento em coacção física e moral.
V. Exa. ameaçou por diversas vezes que eu teria que executar trabalhos extraordinários sem cobrar qualquer quantia adicional e, para o efeito, invocou que mandaria o seu filho a minha casa “acertar contas comigo”, intimando-me e à minha família, caso não o fizesse, o que sucedeu no mês passado.
No final do mês de Setembro, na presença do meu funcionário, CC, e em vossa casa, V. Exa referiu que a havia roubado, referindo-se ao preço da obra, e mais me disse que era um “ladrão” e um “vigarista”, o que fez em viva voz, tendo sido escutado por vizinhos e por pessoas que passavam na rua.
Tal comportamento antiético violou as regras da boa-fé, por parte do dono de obra, comprometendo de forma irreversível, a relação de confiança, ínsita no agir com lisura, e é legitimadora, e constitui justa causa, de resolução do contrato, por parte do empreiteiro, por, definitivamente, ter comprometido a relação de confiança, que é um dos deveres acessórios de conduta na execução dos contratos.
Porque assim é, e por receio pela minha integridade, deixei de ter condições de executar o contrato de empreitada, motivo pelo qual procedo à sua resolução com justa causa.
Aproveito o ensejo para proceder ao envio da factura e recibo nº ..., no montante de € 5.720,25, a qual já se acha liquidada.
Envio ainda em anexo a factura nº... no montante de € 2.700,00, referente aos serviços de pichelaria e electricidade constantes do orçamento inicial.
Remeto ainda as facturas nº ..., ... e ... referentes aos demais serviços efectuados na V/ moradia e anexo, que dizem respeito aos trabalhos extraordinários solicitados por V. Exa e por mim efectuados.
Tais trabalhos foram devidamente executados e por V. Exa aceites, e ascendem ao montante global de € 17.652,75, que se encontram em dívida e de que solicito a sua liquidação. (…)»
31) Com a referida carta seguiram as facturas n.ºs ..., ..., ..., ... e ... referidas em 8) e 10) dos factos provados.
32) O Autor enviou ainda a Ré carta registada datada de 17.12.2020 e por esta recebida em 18.12.2020, da qual resulta que:
«(…)
Venho pela presente dar conhecimento a V. Exa que fui contactada pelo m/ cliente acima identificado, para cobrança do montante de € 17.652,75, referente às facturas vencidas e não pagas, no âmbito do contrato de empreitada celebrado, acrescido de juros vencidos, a taxa legal em vigor, no montante de € 148, 96, perfazendo o montante total em dívida de € 17.801,71 …) da responsabilidade de V. Exa.
Assim e como é timbre deste escritório, convido V. Excia a regularizar esta situação de débito para com o m/ cliente, no prazo máximo de 5 dias, sob pena de, esgotado o prazo sem que V. Exa me tenha contactado em tal sentido, proceder judicialmente para cobrança do valor em falta, sem qualquer outro aviso. (…) »
A Ré respondeu à carta de 17.11.2020, por carta datada de 12.02.2021, de onde consta que:
«…
Acuso a recção da sua missiva datada de 17 de Novembro de 2020.
Relativamente ao teor da mesma, antes do mais, importa começar por referir que repudio frontal e veementemente todas as imputações, falsas, de coacção física e moral, sendo as mesmas apenas um pretexto para que V. Exa. não concluísse os trabalhos, referentes ao contrato de empreitada em causa.
No que tange ao aludido contrato de empreitada e interpelação para pagamento impõe-se desde logo esclarecer que o contrato de empreitada é nulo, por inobservância da forma escrita, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, na redacção que lhe deu o artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, em conjugação com a Portaria n.º 1371/2008, de 2 de Dezembro, que consagra a forma escrita para o contrato de empreitada de obra particular de construção civil, com o valor superior a 16.600,00 o que para todos os legais efeitos se invoca.
Assim, por força da supra invocada nulidade, importará fazer operar os efeitos decorrentes da mesma, ou seja, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Deste modo, não devo a V. Exa. o que quer que seja, antes pelo contrário, sou credora de V. Exa., na medida em que, por um lado, o valor que lhe paguei é superior à obra que executou e, por outro lado, a obra que executou padece de graves defeitos que necessitam de ser eliminados, o que despenderei, pelo menos, a quantia de 24.250,00 € e, ainda, nos prejuízos decorrentes daqueles defeitos, designadamente com as infiltrações que se verificam no imóvel, que implicam, desde já uma intervenção urgente, a fim de evitar um acumular de prejuízos.
Com efeito, neste momento, são já evidentes os seguintes defeitos:
- A entrada para a garagem e a dimensão da mesma, foram feitas de tal modo que o veículo automóvel nem sequer lá cabe.
- As paredes demolidas e reconstruídas não têm qualquer impermeabilização, o que permite infiltração de água, principalmente na zona da cozinha.
- Toda a pintura exterior e interior foi executada sem previamente as paredes terem sido devidamente rebocadas, pelo que estão notoriamente irregulares.
Acresce ainda que, não se concebe como não tendo V. Exa. executado parte dos trabalhos a que se havia obrigado, nomeadamente, a reparação do telhado e a reparação do terraço e tendo recebido a quase totalidade do valor integral da obra, ainda apresente facturas para trabalhos a maís para obra inicialmente orçamentada que, como bem sabe, pressupunha que a obra me fosse entregue pronta a utilizar, chave na mão, para o fim a que se destina.»
34) Dos trabalhos realizados pelo Autor, as paredes interiores, o reboco, os estuques e as portas esmaltadas apresentam imperfeições.
35) Para corrigir o referido em 34) é necessário despender € 3.5000,00 acrescido de IVA.
36) A colocação de telas e cerâmica no terraço terá um custo de € 4.000,00 mais IVA.
37) Os materiais incorporados na obra realizada pelo Autor na casa e anexo da Ré têm o seguinte valor, sem IVA incluído:
a. Instalação eléctrica, TV, telecomunicações e iluminação: € 4.620,00;
b. Rede de águas e esgotos: € 3.100,00;
c. Pintura em paredes: € 2.573,20;
d. Pintura em tectos € 1.127,00;
e. Material cerâmico em paredes € 1.821,89;
f. Material cerâmico em pavimentos € 1.204,85.
g. Mão de obra e materiais de colagem em rodapé cerâmico e 903,20.
h. Material rodapé maron € 334,08.
i. Mão de obra e materiais de colagem e juntas e trabalhos cerâmicos paredes € 1.815,38.
j. Mão de obra e materiais de colagem e juntas e trabalhos cerâmicos em pavimentos € 1.435,00.
k. Tectos falsos sem isolamento € 2.737,00.
l. Caixilharia e porta e portão da garagem € 1.950,00.
m. Louças, torneiras, acessórios, resguardos e outros € 2.225,70.
n. Demolição de escada em madeira € 250,00.
o. Demolição de paredes € 1.039,50.
p. Novas paredes € 800.40.
q. Escadas em betão e pedras salgadas € 1.300,00.
r. Peitoris € 548,00.
s. Soleiras € 175,00.
t. Carpintarias acabadas € 2.600,00.
u. Terraço (inacabado) € 1.400,00.
v. Estuques e emassamentos em paredes existentes € 1.490,00.
w. Estuques em paredes novas € 765,60.
x. Montagem de loiças e equipamentos € 900,00.
*
Factos não provados:
a) No âmbito da sua actividade, o Autor acordou com a Ré apenas a execução de uma obra de remodelação do interior da habitação da casa principal da Ré.
b) Apesar de o valor global da obra ordinária acordado entre Autora e Réu ascender a € 49.700,00, a obra iria ser executada de forma fraccionada e por fases, uma vez que se tratava da reabilitação de diferentes áreas/compartimentos da casa da Ré.
c) A Ré negociou e aceitou o orçamento referido em 3).
d) O acordo referido em 2) e 5) incluía ainda a colocação de corrimão nas escadas de acesso ao 1.º andar da habitação, esmaltar as sanefas de todas as janelas e pintar as molduras da fachada principal da porta, portão da garagem e janela.
e) A Ré solicitou ao Autor a execução de diversos trabalhos extraordinários, e que foram os seguintes:
«Anexo»
a) Demolição das paredes divisórias da casa de banho e cozinha para alteração da área das divisões;
b) Construção de novas paredes e revestimento em massa das demais;
c) Remoção das cerâmicas do piso e paredes da cozinha e casa de banho;
d) Reboco das paredes e piso;
e) Colocação de novas cerâmicas nas paredes e piso da cozinha e casa de banho;
f) Colocação de tectos em pladur;
g) Colocação de iluminação (focos) em todas as divisões;
h) Colocação de louças de casa de banho com base de chuveiro;
i) Colação de tubagem de água e electricidade na cozinha e casa de banho;
j) Pintura do interior de paredes e tetos de todas as divisões;
k) Colocação de uma porta em madeira envernizada;
l) Colocação rodapés em madeira nos quartos;
m) Reparação de 2 portas de madeira (envernizadas);
n) Colocação de portão de acesso ao quintal em alumínio de 1,20x0,90m.
o) Colocação de quadro eléctrico;
«Casa principal»
p) Substituição e colocação de 9 portas em madeira envernizadas;
q) Remoção do piso do terraço, aplicação de telas e reaplicação de cerâmica nova»
f) O Autor apresentava as facturas correspondentes aos trabalhos que iam sendo realizados e a Ré liquidava as mesmas.
g) A Ré atestou e verificou que o Autor executava a obra sem quaisquer vícios.
h) À medida que ia solicitando ao Autor novos serviços, este questionava a Ré como pretendia fazer o pagamento desses serviços, pois que teria que facturá-los e a Ré ainda não havia liquidado ao Autor a totalidade dos trabalhos iniciais ou ordinários.
i) A Ré referiu inicialmente ao Autor que aguardasse algum tempo, e que depois acordariam como seria feito o pagamento, quer do valor ainda em falta, correspondente aos trabalhos iniciais, quer dos serviços extraordinários, que já se encontravam entretanto executados.
j) Após nova insistência do Autor na facturação de tais serviços, que já se encontravam concluídos, a Ré dirigiu-se ao Autor, de forma agressiva e imprópria, apelidou-o de “ladrão”.
k) E mais referiu ao Autor que os serviços extraordinários eram caros e que não tinha intenção de os liquidar.
l) Tais expressões de “ladrão” e “vigarista”, foram ditas de viva voz, sendo audível pelos vizinhos e por quem passava na rua.
m) Por virtude de tal comportamento da Ré referido em 19) a 21) o Autor facturou de imediato a totalidade dos trabalhos prestados, que foram executados e que se mostravam concluídos.
n) Alguns dias após, o Autor voltou a insistir com a Ré que teria que liquidar tais trabalhos, os quais, além da mão de obra, contemplavam diversos materiais que o Autor havia adquirido e aplicado (portas em madeira, soleiras em granito, portão de alumínio, cerâmicas, louças de casa de banho, serviços de eletricista, pichelaria e outros serviços de carpintaria, etc).
o) A Ré disse o referido em 26), caso o Autor insistisse em cobrar os trabalhos extraordinários, e que incumbiria o filho de “acertar contas com o Autor” e o assunto ficaria resolvido.
p) O Autor passou a temer pela sua integridade física e sossego, bem como da sua mulher e filhas.
q) O referido em 28) deixou o Autor ainda mais intimidado e receoso.
r) Os trabalhos de construção civil prestados pelo Autor à Ré foram cobrados pelo Autor da Ré por um preço correspondente à média do mercado da construção civil.
s) A Ré despendeu € 615,00 com a colocação do corrimão nas escadas.
t) Todos os trabalhos foram realizados de acordo com o solicitado pela Ré, e a sua vontade, e acham-se conformes às regras e arte da boa construção.
u) A abertura e divisão que o autor executou para a garagem não cumpre com as dimensões necessárias para que o veículo automóvel da ré lá caiba.
v) O valor médio da margem de lucro do empreiteiro na construção civil em Portugal é de cerca de 15%.
w) A Ré solicitou ao autor o alvará ou certificado para instruir o pedido de licenciamento da obra, a realizar pelo mesmo, junto da Câmara Municipal ....
x) A Ré aceitou a obra tal como foi executada pelo Autor e pagou-a no final da sua execução e com a recepção da mesma.
*
O demais alegado pelo Autor e pela Ré constitui matéria de direito, de negação ou conclusiva ou é irrelevante para a decisão.
*
Como antes já vimos, neste seu recurso a Ré impugna a decisão de facto proferida no que toca ao ponto 25) dos factos provados, cujo teor é recorde-se, o seguinte:
“25) O Autor colocou a tela no terraço, a qual foi «arrancada» pela Ré.”
Para tanto cumpre devidamente os ónus previstos no art.º 640º do CPC.
Vejamos, pois, do fundamento de tal pretensão.
O tribunal “a quo” fundamenta do seguinte modo a sua resposta a tal ponto de facto:
“…, sendo que o provado em 25) resultou do depoimento de CC, que, como explicamos, supra, nos mereceu total credibilidade pela espontaneidade e naturalidade com que depôs, e porque relatou, de forma espontânea, que estava a trabalhar na cozinha quando viu arrancar a tela do terraço. É certo que mais ninguém o corroborou, e a Ré negou (mas não se antevia que o fosse confirmar), mas ainda assim, atendendo ao referido mereceu-nos credibilidade e por demos esta matéria como provada.”
No entendimento da Ré a resposta a tal matéria não pode ser afirmativa pelo seguinte conjunto de razões:
- Porque, contrariamente ao que afirma a Sr.ª Juiz “a quo”, tal não decorre do depoimento prestado pela testemunha CC;
- Porque a resposta afirmativa a tal ponto de facto contradiz o que resultou provado e consta dos pontos 6) e 24).
Importa pois saber se a Ré tem ou não razão nesta sua argumentação.
Assim e desde logo importa interpretar de forma correcta o que foi dito pela identificada testemunha e que foi, recorde-se, sumariamente o seguinte:
“Lá em cima foi um bocado de muros – 2 muros na parte de cima …
Ela arrancou aquilo fora… A tela estava lá e ela arrancou a tela…
Não havia tela no chão …a tela estava por baixo da tijoleira… só foi no muro…à volta da marquise…a tela era no muro, não tinha tela no chão … a tela era no muro…no terraço, não tem tela na placa…
(….)
Nunca ouvi falar de pôs tela na placa.”
No seu depoimento a testemunha em apreço afirma, claramente, que quando estava a trabalhar na cozinha, viu a tela a ser arrancada.
Do mesmo depoimento também resulta que a tela que viu ser arrancada foi a tela do muro à volta da marquise.
Mais, afastou a possibilidade de existir tela no chão do terraço e daí a impossibilidade desta ser arrancada pela Ré.
Nestes termos, não pode pois a matéria inscrita no ponto 25) dos factos provados resulta, sem mais, do depoimento prestado pela testemunha CC.
Por outro lado, tem razão a Ré quando afirma que a resposta afirmativa a tal factualidade contradiz o que foi dado como provado no ponto 24).
Acresce que a resposta afirmativa ao facto do ponto 25) não resulta de nenhuma outra prova produzida nos autos, como aliás é assumido pela Sr.ª Juiz “a quo” na motivação da decisão de facto.
Em suma e por todo este conjunto de razões, merece pois ser acolhido nesta parte o recurso aqui interposto pela Ré.
Desta forma, altera-se a decisão proferida, determinando-se que a matéria inscrita no ponto 25) passe de provada a não provada.
Quanto ao mais merece a nossa adesão o modo como na sentença recorrida foram interpretadas e aplicadas as normas jurídicas correspondentes.
Tudo isto sem prejuízo das alterações a que por força do que antes ficou decidido relativamente à matéria do ponto 25) teremos que proceder.
Nestes termos e transcrevendo o que de mais relevante foi feito consta na mesma decisão e que foi o seguinte:
“Ante o que se deixou exposto e atentos os factos provados em 2) e 5) já se verifica que entre o Autor e a Ré foi celebrado um contrato de empreitada, no âmbito do qual o Autor acordou com a Ré a execução de uma obra de remodelação da habitação da Ré sita Rua ..., ... Vila do Conde, a que acresce que Autor e Ré acordaram na execução dos trabalhos de remodelação referidos em 2), que incluíam os materiais e mão-de-obra, pelo montante global de
Assim sendo, dúvidas não temos, pois, de que o contrato celebrado haverá de qualificar-se como de empreitada, regendo-se pelas disposições dos arts. 1207.º e ss. do Código Civil.
Isto posto, temos que de acordo com o disposto no art.º 406.º do Código Civil o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes.
Antes de prosseguirmos com a responsabilidade que possa ser assacada à Ré e que o Autor pretende ver reconhecida iremos aferir se o contrato é nulo por vício de forma.
Para o efeito importa considerar o disposto no art.º 26.º da Lei n.º 41/2015, de 14 de Junho:
«1 - Os contratos de empreitada e subempreitada de obra particular sujeitos à lei portuguesa, cujo valor ultrapasse 10 /prct. do limite fixado para a classe 1, são obrigatoriamente reduzidos a escrito, neles devendo constar, sem prejuízo do disposto na lei geral, o seguinte:
a) Identificação completa das partes contraentes;
b) Identificação dos alvarás, certificados ou registos das empresas de construção intervenientes, sempre que previamente conferidos ou efectuados pelo IMPIC, I. P., nos termos da presente lei;
c) Identificação do objecto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver;
d) Valor do contrato;
e) Prazo de execução da obra.
2 - Incumbe sempre à empresa de construção contratada pelo dono da obra assegurar o cumprimento do disposto no número anterior, incluindo nos contratos de subempreitada que venha a celebrar.
3 - A inobservância do disposto no n.º 1 determina a nulidade do contrato, não podendo, contudo, esta ser invocada pela empresa contratada pelo dono da obra.
4 - As empresas de construção são obrigadas a manter em arquivo os contratos por si celebrados para a realização de obras particulares em território nacional, pelo prazo de 10 anos a contar da data de aceitação das mesmas.»
Por sua vez, na Portaria n.º 119/2012, de 30.04.2012, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 27/2012, de 30.05.2012 estão definidas as classes das habitações, dispondo que a classe 1 vai até € 166.000,00.
Ora, do citado art.º 26.º, n.ºs 1 e 3 resulta que é ao empreiteiro que cabe certificar-se da redução a escrito do contrato de empreitada, mesmo nos casos em que venha a celebrar-se um contrato de subempreitada, sendo que o incumprimento da redução a escrito, o contrato é nulo, mas tal nulidade não pode ser invocada pelo empreiteiro.
Na situação em apreço, visto que o contrato de empreitada celebrado foi para uma obra de remodelação da habitação da Ré e que o valor do contrato de empreitada foi de € 49.7000,00, temos de concluir que o dito contrato, porque excede 10% do limite fixado para a classe 1) das Portaria n.º 119/2012, devia o mesmo ter sido reduzido a escrito.
E não se diga, como fez o Autor na réplica, o que também não provou (conforme decorre do facto não provado em b)), que não se trata de um contrato de empreitada, mas de vários contratos de empreitada, porque a obra iria ser executada de forma fraccionada e por fases.
Assim não tendo sucedido, está o mesmo ferido de nulidade nos termos do art.º 220.º do Código Civil e a Ré podia, como fez, invocar a respectiva nulidade.
E de acordo com o disposto no art.º 289.º, n.º 1 do Código Civil «Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.»
«A retroactividade da declaração de nulidade, bem como da anulação, obrigando à restituição das prestações efectuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado (…) distingue radicalmente estes dois vícios do negócio do fenómeno designado por enriquecimento sem causa. No enriquecimento sem causa não há a restituição retroactiva, mas apenas a devolução daquilo com que alguém esteja locupletado à custa de outrem» (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, pág. 266).
Considerando as consequências da nulidade e sendo o contrato nulo, as partes têm de restituir tudo o que tiver sido prestado e não sendo possível a restituição em espécie, tem então de ser restituído o valor correspondente.
Ora, como é evidente os trabalhos que o Autor realizou na moradia da Ré não podem ser restituídos em espécie por esta e, por isso, nos termos supra referidos, a mesma apenas tem de restituir o valor correspondente aos trabalhos realizados.
Posto isto, e quanto aos trabalhos incluídos no dito contrato de empreitada, que é nulo por vício de forma, o Autor apenas tem direito a receber os trabalhos que fez, sem a margem de lucro e sem o IVA (ver neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 16.05.2019, processo n.º 2966/16.0T8PTM.E1.S2 e do T.R.Coimbra de 12.04.2023, processo n.º 81924/19.3YIPRT.C1, ambos publicados in www.dgsi.pt.
Todavia, importa considerar que Autor e Ré celebraram um contrato de empreitada pelo preço de € 49.7000,00, já com IVA incluído, que abrangia os trabalhos descritos em 6) dos factos provados e por isso, só quanto aos trabalhos realizados ao abrigo do contrato de empreitada nulo, por vício de forma, é que a Ré tem de restituir o valor correspondente. Ou seja, o Autor apenas terá direito a receber o valor dos materiais incorporados e dos trabalhos realizados referentes às obras descritas em 5), com excepção do ff), que não se provou ter executado na integra. Assim, o Autor terá direito a receber os trabalhos realizados e descritos em 5), a) a ee) e ainda a colocação de uma tela no terraço, atendendo ao que se provou em 24) e 25).
Todavia, não é possível apurar, desde já, qual é esse valor, porquanto na factualidade provada em 37), de onde constam os valores dos trabalhos realizados e dos materiais incorporados em obra – sem margem de lucro do Autor e sem IVA – estão incluídos trabalhos que não se enquadram no âmbito do dito contrato de empreitada e supra dados como provados em 25), como é o caso do material cerâmico no piso de dois quartos do anexo, peitoris e soleiras, e sete portas interiores.
Com efeito, para além do contrato de empreitada nulo por vício de forma supra referido, provou-se ainda que a Ré solicitou outros trabalhos ao Autor, conforme provado em 12) a 16), sem que tenha sido acordado previamente o respectivo preço.
Ou seja, conforme provado, para além dos trabalhos abrangidos e realizados no âmbito do aludido contrato de empreitada nulo, o Autor e a Ré acordaram que o Autor procederia à abertura de rasgos para colocação do sistema de gás canalizado, junto ao anexo e nas cozinhas da habitação principal e que demolisse a banca da cozinha do anexo; colocasse piso novo nos dois quartos do anexo, procedesse ao fornecimento de 7 portas interiores da habitação e fornecesse e colocasse 7 peitoris e duas soleiras.
Mais se provou que o preço dos serviços referidos e que foram executados pelo Autor não foi previamente orçamentado pelo Autor, ou acordado entre Autor e Ré.
Por outro lado, estabelece ainda o art.º 1211.º, n.º 1 do Código Civil que «É aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 883.º.»
Acresce que de acordo com o art.º 883.º, n.º 1 do Código Civil que «se o preço não estiver fixado por entidade pública, e as partes o não determinarem nem convencionarem o modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deva cumprir; na insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade.»
Assim e quanto a estes trabalhos supra referidos que não estão incluídos no contrato de empreitada nulo por vício de forma, e não se tendo provado o preço que o Autor normalmente praticava à data, terão de ser pagos pela Ré ao valor de mercado no momento e lugar do contrato. Desconhece-se o valor de mercado de tais trabalhos à data da celebração do contrato (e sendo que, nesta parte, o preço de mercado inclui, evidentemente, a margem de lucro e o IVA).
Contudo, tal como se provou em 10), a Ré já pagou ao Autor a quantia de € 47.000,0o e por isso, não é possível, neste momento, saber se há ainda algum valor a receber pelo Autor, seja no âmbito do contrato de empreitada nulo por vício de forma, seja no âmbito dos trabalhos realizados para além desse contrato de empreitada.
Posto isto, temos então que assiste parcial razão ao Autor e à Ré, cabendo à Ré restituir ao Autor o valor dos materiais incorporados e dos trabalhos realizados no âmbito do contrato de empreitada nulo (e supra referidos em 6), a) a ee) e ainda a colocação de uma tela no terraço) e ainda o pagamento dos trabalhos descritos em 12) a 15) ao valor de mercado nos termos do art. 883.º do Código Civil.
Todavia, uma vez que a Ré já pagou € 47.000,00 ao Autor, só terá de restituir/pagar ao Autor o valor que exceda o montante já pago de € 47.000,00.
E sendo o valor inferior aos € 47.000,00 é o Autor que te de restituir à Ré, a diferença entre o valor que se vier a apurar e os € 47.000,00 já pagos.
Por fim, a Ré pede que o Autor lhe restitua ainda € 7.5000,00, que entende ser o valor necessário à reparação dos defeitos que a obra apresenta.
Ora, nesta parte, consideramos que não assiste razão à Ré.
A Ré ou bem que invoca o regime da nulidade do contrato de empreitada (como fez) e apenas fica obrigada a restituir ao Autor o valor dos trabalhos e materiais que o mesmo realizou na sua habitação.
Ou bem que se prevalece da validade do contrato – o que não fez, nem pretende – e então pede que o Autor seja condenado a reparar os defeitos ou a pagar o valor necessário a tal reparação.
Em nosso entender, e sem prejuízo de melhor entendimento, a obrigação do Autor de reparar os defeitos ou de assumir o valor necessário a tal reparação pressupõe a validade do contrato e a aplicação do regime legal decorrente do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio (compra e venda e empreitada de consumo, como seria o caso).
Sem prejuízo de considerarmos que não impende sobre o Autor, tal obrigação, a tal acresce que não tendo o Autor cumprido com a sua obrigação de colocação de telas (ou melhor, o Autor colocou e a Ré arrancou, conforme provado em 25)) e cerâmica no terraço, não pode a Ré agora pedir que o Autor assuma uma obrigação que o mesmo não cumpriu num contrato que é nulo. Se não fez o trabalho, a Ré nada tem a restituir e por isso, o Autor também não tem, agora, de assumir tal pagamento. E por isso, nunca poderia ser assacada ao Autor qualquer responsabilidade nesse valor.
No que diz respeito às portas esmaltadas, a situação é semelhante. O Autor forneceu as portas mas não foi a pessoa responsável pelo esmalte (pintura) das mesmas, uma vez que tal não foi contratado entre Autor e Ré e não se provou que o Autor realizou tal trabalho e por isso, também nunca o Autor poderia ser responsabilizado pelo valor necessário à reparação de um defeito pelo qual não foi responsável. Com efeito, o Autor forneceu as 7 portas interiores em madeira, num trabalho que não foi objecto do contrato de empreitada nulo, mas sim, de um pedido posterior, mas as imperfeiçoes são relativas ao esmalte e não tendo sido o Autor a realizar o esmalte das mesmas, não tem de ser responsabilizado pelo pagamento da reparação das imperfeições existentes no esmalte.
Por fim, a invocação pela Ré da nulidade do contrato de empreitada, não constitui qualquer abuso de direito, uma vez que nada se provou que permita considerar o disposto no art.º 334.º do Código Civil.
Por todo o exposto, não dispomos de elementos para fixar o valor dos trabalhos/obra realizada pelo Autor e que a Ré tem de restituir (facto provado em 25), a) a ee) e uma tela) e o valor dos trabalhos realizados pelo Autor e que a Ré tem de pagar (factos provados em 12) a 15)) e, por isso, temos de relegar para posterior incidente de liquidação, nos termos do art.º 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Sendo que o valor a pagar/receber depende ainda da diferença entre o valor já pago de € 47.000,00 e o valor que se vier a apurar.”
Resulta evidente para todos que a alteração operada no ponto 25) e a consequente alteração de tal matéria como não provada determina, necessariamente, uma alteração do que ficou decidido em A.
Concretizando:
Ficou já visto que a Sr.ª Juiz “a quo” na alínea A) da decisão relegou para ulterior liquidação de sentença “… o valor dos trabalhos/obra realizados pelo Autor e melhor descritos em 25), als. a) a ee) e ainda a colocação de uma tela no anexo…”.
Para além do mais, no que toca a esta alínea importa referir que estamos perante um lapso manifesto que importa que seja corrigido.
Assim, resulta evidente que no citado segmento da decisão não ficou a constar que as alíneas a) a ee) são as do ponto 6) dos factos provados.
Nestes termos o citado ponto A. deve ser lido do seguinte modo:
“Relegar para ulterior liquidação de sentença os valores dos trabalhos/obra realizados pelo Autor e melhor descritos em 25) e 6) alíneas a) a ee) e ainda a colocação de uma tela no anexo.”
Ora é sabido por todos que face ao antes decidido na impugnação da decisão de facto, já não pode ser considerado o trabalho melhor identificado na alínea ff) por não ter sido realizado pelo Autor.
E daí que tenha de ser suprimida do ponto A. da decisão a referência aos trabalhos/obra melhor descritos em 25), mantendo-se tudo o restante.
Quanto ao resto que sustenta o recurso não existem razões para acolher a pretensão da Ré.
Vejamos:
Contrariamente ao que defende a Ré, continuamos sem elementos para apurar com rigor qual o valor dos trabalhos executados pelo Autor.
Assim importa recordar que, para além do contrato de empreitada declarado nulo por vício de forma, existe um contrato de empreitada que é válido e que corresponde aos trabalhos realizados pelo Autor (cf. pontos 12) a 16) dos factos provados) e relativamente ao qual não foi previamente acordado qualquer preço.
Sabemos ainda que o Autor realizou para a Ré outros trabalhos, que não estavam orçamentados, e que por isso estão excluídos daqueles que foram incluídos na obra inicial e que são os seguintes:
a) A abertura de rasgos para colocação do sistema de gás canalizado, junto ao anexo e nas cozinhas da habitação principal;
b) A demolição da banca da cozinha do anexo;
c) A colocação de piso novo nos dois quartos do anexo;
d) O fornecimento de 7 portas interiores da habitação;
e) O fornecimento e colocação de 7 peitoris e duas soleiras.
A ser deste modo, não podia o Tribunal “a quo” considerar os valores elencados ao pelo Senhor Perito e constantes do ponto 37.
E isto quanto mais não seja, porque o Autor tem direito a haver da Ré o preço dos trabalhos executados, onde se deve incluir o valor do seu respectivo lucro e do IVA a pagar ao Estado.
Para além disso e porque tais trabalhos não foram orçamentados terá que se apurar qual o valor dos mesmos na data em que o acordo para a sua realização foi celebrado.
Nestes termos, bem andou a Sr.ª Juiz “a quo” quando relegou para ulterior liquidação de sentença o valor dos trabalhos que foram executados ao abrigo do orçamento/obra inicial.
E o mesmo ocorre quanto ao valor dos trabalhos que que não cabem neste orçamento/obra inicial.
Também já vimos que é pretensão da Ré a restituição da quantia de € 3.500,00, o qual corresponde na sua ideia às imperfeições da obra e o custo necessário para a sua reparação.
Tudo e desde logo porque a Ré não pode “querer ter o melhor de dois mundos” ou seja, querer fazer valer a nulidade do contrato, mas depois exigir o cumprimento do mesmo como se este fosse válido.
Por outro lado o relatório pericial em que a Ré se apoia não pode sem mais ser considerado, por existiram trabalhos extraordinários que foram executados, ao abrigo de um contrato válido, o que determina que se inclua no preço dos mesmos e como já ficou dito, o valor do lucro e do IVA a pagar ao Estado.
Mais ainda:
A obrigação do Autor reparar os defeitos ou de assumir o valor necessário a tal reparação a existir pressupõe sempre que o contrato seja válido o que determina a aplicação ao acaso do regime legal decorrente do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.
Como antes já dissemos, a Ré sustenta a sua pretensão nos valores que constam no relatório pericial, sendo com este fundamento que requer a devolução de montantes que foram pagos por si ao Autor, mas esquece a existência de outros trabalhos que tem que liquidar por terem sido executados sem qualquer vício.
Impõe-se também referir que a Ré não recorreu da sentença na parte relativa aos aludidos trabalhos extraordinários que o Autor executou, que constam dos pontos 12 a 15 dos provados e que extravasam o contrato inicialmente acordado, este sim declarado nulo por vício de forma.
Em suma e concluindo como iniciamos: o Tribunal “a quo” não dispunha de elementos para fixar o valor dos trabalhos/obra realizada pelo Autor e que a Ré tem de restituir (facto provado em 6 alíneas a) a ee) e o valor dos trabalhos realizados pelo Autor e que a Ré tem de pagar (factos provados em 12) a 15)), razão pela qual bem discorreu quando ao abrigo do disposto no nº2 do art.º 609º do CPC, decidiu relegar para posterior incidente de liquidação, o apuramento do seu respectivo valor.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso aqui interposto e pela parcial procedência da acção condena-se a Ré:
1) A pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença referente aos trabalhos/obras realizadas pelo Autor e melhor descritos em 6 alíneas a) a ee) dos factos provados.
2) No mais confirma-se tudo o que anteriormente ficou decidido.
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Custas por Autor e Ré na proporção do respectivo decaimento (cf. artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 6 de Junho de 2024
Carlos Portela
Paulo Duarte Teixeira
Isabel Silva