Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANABELA LUNA DE CARVALHO | ||
| Descritores: | HERANÇA INDIVISA PODERES DE ADMINISTRAÇÃO ARRENDAMENTO PRÉDIO INDIVISO | ||
| Nº do Documento: | RP201205072051/09.0TBAMT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/07/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Legislação Nacional: | ARTºS 1407º, 2047º, 1024º, Nº 2 DO CÓDIGO CIVIL | ||
| Sumário: | I - Quer o comproprietário quer o sucessível chamado á herança, se ainda não a tiver aceitado nem repudiado tem poderes de administração sobre a coisa. II - O arrendamento do prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só é válido quando os restantes comproprietários manifestem, por escrito e antes ou depois do contrato o seu assentimento. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | APELAÇÃO Nº 2051/09.0 TBAMT.P1 5ª Secção Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I B… e mulher, C…, casados sob o regime de comunhão geral de bens, residentes na Rua …, n.º …/…, …, …, Brasil, D…, solteiro, maior, residente na Rua …, n.º …, …, …, Brasil, E… e marido F…, casados sob o regime de comunhão geral de bens, residentes na Rua …, n.º …. …, …, Brasil, G…, solteiro, maior, residente na Rua …, n.º …, …, …, Brasil, intentaram a presente acção sob a forma de processo sumário contra a H… pedindo:A) Seja reconhecido o direito de propriedade dos AA sobre o prédio que ocupa com tudo o que o compõe e integra; B) Seja reconhecido que a Ré é detentora ilegítima e abusiva do prédio; C) A entregar por isso o prédio que ocupa; D) A pagar aos AA e demais comproprietários uma indemnização à razão de € 180,00 mensais desde a citação até efectiva entrega do imóvel. Alegam para tanto e em suma: Que os AA são proprietários de 3/5 do prédio identificado na petição inicial, que a Ré ocupou o dito prédio, por sua iniciativa e lá mora há cerca de dois anos, de forma abusiva ilegítima e ilegal, tendo já sido notificada para esclarecer a que título ocupa a casa, e que esta nada disse e nem sequer levantou a missiva nos correios. A Ré contestou, impugnando os factos alegados pelos AA. na petição inicial, invocando que tomou de arrendamento o prédio reivindicado à sua legitima proprietária, e que o mesmo nunca pertenceu aos AA., pugnando, a final, pela improcedência da acção. Foi proferido despacho saneador e dispensada a selecção da matéria de facto. Realizou-se audiência de discussão e de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente, e consequentemente, reconheceu-se o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio que a Ré ocupa com tudo o que o compõe; Mais se declarou a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a Ré e I… e reconheceu-se que a Ré é detentora ilegítima e abusiva do prédio, pelo que se condenou a mesma a entregá-lo aos AA; Mais se condenou a Ré a pagar aos AA. uma indemnização à razão de € 100,00 mensais, desde a citação até efectiva entrega do imóvel. Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: 1- Da presunção derivada do registo predial apenas resulta que o direito existe para o titular inscrito, na medida do que consta do registo. 2- Alegando os autores a propriedade de 3/5 indivisos do prédio urbano identificado no nº 1 da petição, sem que do registo resulte a titularidade quanto aos 2º, 3ª e 4º autores; 3- E não estando (tendo) junto aos autos qualquer título do qual resulte a sua qualidade de universais herdeiros dos titulares inscritos J… e mulher K…, não devia o Tribunal dar como provados quanto aos pontos 1, 2 e 3 da petição, mais do que aquilo que consta da certidão do registo predial. 4- Não podendo com base nas certidões de óbito destes e de nascimento dos autores retirar mais do que tais documentos permitem, o óbito de uns e o nascimento e filiação de outros. 5- Inclusivamente não podia concluir que os 2º, 3ª e 4º autores são os únicos e universais herdeiros dos falecidos e que o direito existia no património destes à data do óbito. 6- Tendo em conta desde logo a falta de prova, pelos autores, da aquisição originária do prédio. 7- Impondo-se a alteração da matéria de facto, no que diz respeito aos pontos 1, 2 e 3 da petição, restringindo-os ao teor do que consta do registo predial. 8- Acresce que, da certidão do registo predial, consta como última inscrição, a transmissão de 3/5 do prédio “sem determinação de parte ou direito” a favor dos 1ºs autores e dos referidos J… e mulher, por sucessão hereditária de L… e marido M…. 9- São realidades jurídicas distintas a compropriedade e a comunhão hereditária, sendo esta última a que efectivamente resulta do registo predial. 10- Tendo o Tribunal fixado como provados os pontos 1, 2 e 3 da petição, ultrapassou o teor do registo predial e dos documentos 3 a 7, juntos à petição; 11- E violou normas de direito probatório, nomeadamente dos arts. 82 e 83 do Código do Notariado, 210-A e seguintes do Código do Registo Civil e 364 do Código Civil. 12- Sendo alteradas as respostas aos pontos 1, 2 e 3 da petição para o teor do registo predial, resulta a ilegitimidade activa dos 2ºs, 3ºs e 4ºs autores para a acção. 13- Estando os 3/5 do prédio registados “sem determinação de parte ou direito”, mantém-se aquela fracção em situação de comunhão hereditária. 14- Sendo titular daquela fracção a Herança Aberta por óbito da L… e M…, representada pelos titulares inscritos no registo, e não cada um dos autores por si. 15- Resultando a ilegitimidade activa de todos os autores para a presente acção. 16- Esta ilegitimidade resulta do teor do registo predial em confronto com os factos alegados pelos autores, quanto à sua contitularidade, que a ré impugnou por desconhecer os respectivos títulos. 17- A ilegitimidade para a acção pode ser conhecida na sentença, não fazendo o despacho saneador tabelar caso julgado. 18- Aos pontos 8 a 11 da contestação foi dada resposta restritiva, não especificando, nomeadamente, o lapso de tempo durante o qual a referida I… tem praticado actos de fruição do prédio. 19- Dos depoimentos prestados por testemunhas arroladas pelos autores N…, O… e P…, resulta que pelo menos há mais 22 anos aquela I… tem efectuado obras e melhoramentos no prédio, tem cedido o seu uso, ora gratuito, ora mediante o pagamento de renda, a várias pessoas. 20- Resulta ainda que esses actos tiveram início depois de a testemunha P… (cujo depoimento está gravado no sistema digital de 00:01 a 05:03), ter ocupado o prédio e ter estado encarregado do mesmo, arrendando-o a um filho da testemunha O…, (estando o depoimento desta gravado no sistema digital de 00:01 a 11:55), o que fazia com autorização de seu cunhado e sua irmã, J… e K…; 21- Ou seja sempre há mais de 22 anos, lapso temporal referido pela testemunha N… (cujo depoimento se encontra gravado no sistema digital desde 00:01 a 16:13), por se recordar do casamento do filho da I…, Q…, que para lá foi viver. 22- Do conjunto de tais depoimentos resulta também que a I… é uma das contitulares do imóvel e que os demais têm estado ausentes, tomando ela a iniciativa da prática dos descritos actos de fruição, originando encargos e proveitos; 23- A prática continuada destes actos conduz à inexistência de oposição à actuação da I…, durante todos estes anos. 24- Sendo também objectivo que tais actos, pela sua natureza, tinham de ser praticados à vista de toda a gente. 25- Assim ao teor do que foi dado como provado aos pontos 8 a 10 da contestação deve ser acrescentado que “a I… desde há mais de 20 anos tem tido o gozo e fruição do prédio, continuadamente, à vista de toda a gente e sem oposição”; 26- E quanto ao ponto 11 da petição deve ser acrescentado “há mais de 22 anos”. 27- Tendo em conta a prática de tais actos, nestes termos, deve ser considerado que eles são adequados a criar no espírito das pessoas que a I… tivesse legitimidade para os praticar. 28- Tanto mais que resulta da própria fundamentação às respostas que nem a I… conhece os autores e que os contitulares do prédio se têm mantido ausentes e desconhecidos das pessoas em geral. 29- Nem os autores fizeram qualquer prova sobre o conhecimento da ré acerca da identidade dos titulares do prédio, que lhes competia. 30- Perante esta situação concreta não era exigível à ré, que via a I… actuar de forma semelhante à de alguém que pode dispor do prédio, que indagasse no momento da celebração do contrato qual a verdadeira qualidade dela relativamente ao prédio. 31- Pelo que ficou provado quanto à actuação pública da I… e do que os Autores não provaram sobre o estado de conhecimento da ré, deve constar da matéria provada, relativamente ao nº 19 da contestação pelo menos que “a Ré estava convicta que a I… era legítima possuidora do imóvel e que podia celebrar o contrato de arrendamento”. 32- A sentença declarou a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a Ré e a I…, com dois fundamentos: falta consentimento dos autores e falta de forma escrita, invocando as normas do artigo 1024, nº 2 do Código Civil e o artigo 7º do RAU – tem-se por lapso de escrita a referência feita ao NRAU. 33- A norma do artigo 1024, nº 2 do C.C. dispõe no interesse dos consortes que não deram o seu consentimento, antes ou depois, à celebração de um contrato de arrendamento, concedendo-lhes a faculdade de invocar a nulidade daí decorrente. 34- Estando estabelecida no interesse dos contitulares não outorgantes no contrato só eles a podem invocar e dela beneficiar; ficando, naturalmente, na sua inteira disponibilidade concordar expressamente, deixar permanecer a situação ou reagir contra ela. 35- Assim, a referida norma protege interesses de natureza privada, a serem exercidos por quem deles beneficia, não sendo de conhecimento oficioso. 36- Razão pela qual tem sido denominada de invalidade mista. 37- Na petição os autores não invocam qualquer facto que constitua tal fundamento para obter a restituição do prédio. 38- Invocam o seu direito de propriedade sobre o prédio e que a Ré o ocupa sem título e abusivamente. 39- Mesmo quando confrontados com a defesa da ré que reconhece não ser dona do prédio mas invoca a existência do contrato de arrendamento, os autores não seguem uma via processual que lhes permitisse alegar a falta de consentimento para a celebração de tal contrato e invocar em seu favor a respectiva nulidade. 40- Assim, o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação da norma do artigo 1024, nº 2 do Código Civil; 41- E por outro lado, a sentença conheceu de questão que não foi colocada nos autos, nem tinha de conhecer por não se tratar de interesse de ordem pública, incorrendo na nulidade prevista no artigo 668, nº 1-d) do C.P.C. 42- Também não ocorre qualquer nulidade do contrato por falta de forma. 43- O contrato de arrendamento em causa foi celebrado no mês de Janeiro de 2006, sendo-lhe aplicável, quanto à forma, as disposições legais em vigor nessa data. 44- Sendo certo que o nº 1 do artigo 7º do RAU prevê a forma escrita para o contrato de arrendamento, o nº 2 do mesmo artigo dispõe que a inobservância de forma só pode ser suprida pelo recibo de renda. 45- Está provado que a Ré tem pago a renda e que a I… emite os respectivos recibos, aliás juntos aos autos. 46- Ao admitir o recibo como modo de suprir a falta de forma o legislador admite, excepcionalmente, a validade do contrato e a sua prova por exibição do recibo. 47- O que a ré fez e ficou assente na matéria de facto. 48- Por isso não devia a sentença declarar a nulidade do contrato, com fundamento na falta de forma. 49- Tendo-o feito violou o disposto na citada norma do RAU. 50- Finalmente, provada a existência de contrato de arrendamento validamente celebrado, não ocorre uma ocupação ilegítima e abusiva do prédio pela Ré. 51- Carecendo de fundamento, por falta dos pressupostos para a responsabilidade civil, a condenação da Ré em indemnização aos autores, sem prejuízo da invocada ilegitimidade activa dos autores. 52- Estando a Ré a pagar uma renda à I…, também ela contitular do prédio, há-de ser nas relações entre todos os contitulares que esta deve prestar contas, das despesas e dos rendimentos. 53- Ainda assim, e sem conceder, nunca os AA podiam exigir um valor superior à sua quota-parte no prédio; o que, como resulta do já alegado sobre o registo, não está demonstrado quanto a todos eles. 54- Condenando em indemnização a sentença violou as normas e princípios relativos à responsabilidade civil: não existindo facto ilícito, não existe obrigação de indemnizar excepto nos casos especificados na lei. Termos em que devem as conclusões ser julgadas procedentes e concedendo provimento ao recurso, deve ser revogada a sentença recorrida. Foram apresentadas contra-alegações nas quais os AA. pugnam pela improcedência da apelação com total manutenção do decidido. II São os seguintes os factos julgados provados pelo Tribunal “a quo”:1. Encontra-se registado a favor dos autores a aquisição de 3/5 indivisos do prédio urbano, sito no …, freguesia de …, composto de rés-do-chão e andar, para habitação, com a área coberta de 41 m2, coberto de gado com 40,50 m2 com quintal, constituído por duas leiras, com 200 m2, a confrontar do norte com caminho público, do sul com caminho público, do nascente com S… e do poente com caminho público, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o número 894/20080911 e inscrito na matriz sob o artigo 5.º. 2. Os 3/5 indivisos de que os autores se arrogam titulares, estão registados a favor dos primeiros autores, e de J… e mulher, K… nos termos da inscrição ap. 11 de 2008/09/11. 3. Os contitulares, J… e sua mulher, K… faleceram, respectivamente, a 30 de Março de 1996 e 19 de Agosto de 2005, sem testamento ou disposição equivalente por morte, tendo deixado a suceder-lhe como únicos e universais herdeiros: D…, E…, casada na comunhão geral de bens com F…, e G…. 4. A Ré instalou-se no prédio acima referido. 5. T…, enviou à Ré, a carta registada com aviso de recepção junta aos autos a fls. 26 e 27, cujo teor se dá por reproduzido, que foi devolvida ao remetente (Na mesma pode ler-se, entre o mais: “Exmª Senhora (…) Venho por este meio (…) pedir-lhe o especial favor de me indicar a que título ocupa a casa onde reside e por ordem de quem e, se tem título que justifique a posse e ocupação, me envie cópia do mesmo: arrendamento, comodato, mera autorização ou o que tiver. Mais a informo que esta carta só tem um sentido nela expressa: se a casa estiver arrendada a senhora continuará se cumprir o contrato, se comodatada transformamos o contrato em arrendamento, se autorizada fazemos o título. Sou titular da casa, mais da quinta, tenho registo do meu direito e corre termos acção especial de divisão de coisa comum no processo nº 2080/08.1 TBAMT do 2ª Juízo do Tribunal Judicial de Amarante. Detenho 4/5 da quinta por compra e mais a posição com os demais interessados em 1/5(…)”. 6. O prédio id. em 1) é susceptível de produzir uma renda, pelo menos não inferior a 100,00 Euros. 7. A Ré está consciente que a coisa não lhe pertence. 8. I…, teve o gozo e fruição daquele prédio, nele habitando o seu filho, e agora a Ré, e nele vem efectuando reparações e beneficiando-o. 9. A D. I… fez obras no imóvel, antes do seu filho ir residir naquele prédio. 10. A D. I… em Janeiro de 2006, cedeu à Ré o gozo e fruição do prédio id. na p.i. mediante a renda mensal de 100,00 euros. 11.A Ré paga essa renda, emitindo a D. I… os respectivos recibos de renda. III Na consideração de que o objecto do recurso é delimitado pelo teor das conclusões das alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir:- Da impugnação da matéria de facto. - Da ilegitimidade activa dos Autores para a acção. - Do conhecimento de questão de que não podia a sentença conhecer. - Da existência de um arrendamento válido. - Da inexistência dos pressupostos de responsabilização da Ré em indemnização aos Autores I- Da impugnação da matéria de facto Impugna a Autora/Recorrente, parcialmente, os pontos 1, 2 e 3 da petição inicial, alegando que não há por onde concluir que os 2º, 3º e 4º Autores são os únicos e universais herdeiros dos falecidos e que o direito existia no património destes. Além de que, do registo não resulta a titularidade quanto aos 2º, 3º e 4º autores. Vejamos: Deu o Tribunal como provado que: «1. Encontra-se registado a favor dos autores a aquisição de 3/5 indivisos do prédio urbano, sito no …, freguesia de …, composto de rés-do-chão e andar, para habitação, com a área coberta de 41 m2, coberto de gado com 40,50 m2 com quintal, constituído por duas leiras, com 200 m2, a confrontar do norte com caminho público, do sul com caminho público, do nascente com S… e do poente com caminho público, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o número 894/20080911 e inscrito na matriz sob o artigo 5.º. 2. Os 3/5 indivisos de que os autores se arrogam titulares, estão registados a favor dos primeiros autores, e de J… e mulher, K… nos termos da inscrição ap. 11 de 2008/09/11. 3. Os contitulares, J… e sua mulher, K… faleceram, respectivamente, a 30 de Março de 1996 e 19 de Agosto de 2005, sem testamento ou disposição equivalente por morte, tendo deixado a suceder-lhe como únicos e universais herdeiros: D…, E…, casada na comunhão geral de bens com F…, e G…» Ora, do confronto entre a matéria descrita nos pontos 2 e 3 e, a descrita no ponto 1, resulta desde logo que o ponto 1 lido isoladamente contém uma imprecisão, pois que, os 3/5 indivisos do referido prédio urbano apenas se encontram registados a favor dos dois primeiros Autores: B… e mulher C… e ainda a favor de J… e sua mulher K…, os quais, de acordo com as certidões juntas aos autos a fls. 19 e 22, já faleceram, tendo ambos deixado três filhos maiores. Do registo predial, cuja certidão se mostra junta como doc. 1 da p.i., não constam como sujeitos activos os nomes de D…, E… e marido F…, respectivamente, 2º, 3ª e 4º Autores, pelo que, se impõem corrigir o ponto 1. Assim, do mesmo deve constar o seguinte texto, em respeito do que consta da certidão de registo predial: “1- Encontra-se registado a favor dos primeiros Autores B… e mulher C…, e ainda a favor de J… e mulher, K… a aquisição de 3/5 indivisos do prédio urbano, sito no …, freguesia de …, composto de rés-do-chão e andar, para habitação, com a área coberta de 41 m2, coberto de gado com 40,50 m2 com quintal, constituído por duas leiras, com 200 m2, a confrontar do norte com caminho público, do sul com caminho público, do nascente com S… e do poente com caminho público, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o número 894/20080911 e inscrito na matriz sob o artigo 5.º. Concede-se, igualmente, face às certidões de óbito de J… e mulher K…, falecidos respectivamente em 30/03/1996 e 09/08/2005, e não estando junto aos autos qualquer título do qual resulte a sua qualidade de “únicos e universais herdeiros”, que não se pode atribuir tal qualidade aos Autores D…, E… e G…. Das certidões de nascimento juntas aos autos resulta apenas e inequivocamente a sua qualidade de filhos daqueles e, por isso, do ponto 3 da factualidade provada deverá ser eliminada a expressão “únicos e universais herdeiros”. Por sua vez da certidão de óbito do falecido J… resulta o desconhecimento quanto à existência de testamento e, da certidão de óbito de K…, resulta que não deixou nem testamento nem bens, pelo que, não sendo esses os factos que tais certidões visam comprovar, importa realçar tão só, o óbito e a existência dos três filhos, que as certidões de nascimento confirmam. O ponto 3 passará, assim, a ter a seguinte redacção: “3. Os contitulares, J… e sua mulher, K… faleceram, respectivamente, a 30 de Março de 1996 e 19 de Agosto de 2005, tendo deixado a suceder-lhes seus filhos: D…, E…, casada na comunhão geral de bens com F…, e G…». Inexiste fundamento para alterar o ponto 2 da factualidade provada, que se mantém. A apelante impugna também e parcialmente a matéria reportada nos pontos 8 a 11 da contestação que, no seu entender, devem ser dados como provados integralmente e sem qualquer restrição. Passemos a apreciar. O tribunal deu como provado que: «8. i…, teve o gozo e fruição daquele prédio, nele habitando o seu filho, e agora a Ré, e nele vem efectuando reparações e beneficiando-o. 9. A D. I… fez obras no imóvel, antes do seu filho ir residir naquele prédio. 10. A D. I… em Janeiro de 2006, cedeu à Ré o gozo e fruição do prédio id. na p.i mediante a renda mensal de 100,00 euros». Considera a apelante que face à prova produzida tal factualidade se mostra insuficiente, impondo-se a sua alteração em conformidade com o que alegou na sua contestação. Nos artºs 8º a 11º da contestação escreveu: “8 – I… sempre teve o gozo e fruição daquele prédio, nele habitando pessoas às suas ordens, efectuando no mesmo reparações, pagando as contribuições e beneficiando de todas as utilidades que o mesmo pode proporcionar”; “9 - A D. I… pratica tais actos, por si há mais de 30 anos, continuadamente, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja”; “10 – E actua de forma a fazer crer a Ré e todas as outras pessoas daquelas imediações que está a exercer um direito próprio e com a convicção de não prejudicar direito alheio”. “11 – Aliás, antes de a Ré ocupar aquele prédio, a D. I… procedeu a uma remodelação total do prédio, substituindo o telhado, o soalho, construindo uma casa de banho, pavimentando o exterior, renovando as ligações eléctricas e fazendo as ligações à rede pública de água e saneamento, etc”. Remetamo-nos para a prova produzida em audiência de julgamento: Ouvida a própria I…, pessoa que deu a casa de arrendamento à Ré, declarou a mesma que, sabe que os AA. são da família. Dos familiares remotos que viviam no Brasil, conheceu o J… que veio cá com a mãe. Quem arrendou a casa à Ré foi a própria, por contrato de boca. A Ré sabia que a casa lhe pertencia. Quem representava os herdeiros era a testemunha. Primeiro representava os de cá, depois representava os de lá. Declarou ainda ter uma procuração a representar os antigos que já morreram. Os do Brasil vieram cá (o J… mais a sua mãe, tia da testemunha) há mais de trinta anos. Restaurou aquilo tudo e eles aceitaram. O meu irmão foi a minha casa e disse “aquilo está numa miséria, o P… saiu e aquilo está tudo destruído”. Fomos ver, portas abertas e resolvemos fazer as obras, mas falou primeiro com o irmão. Passaram trinta anos. Que não disse à Ré que aquilo não era só dela, ou que tinha de falar com os demais herdeiros. Nos últimos vinte e tal, trinta anos veio outro tio, veio a K…, antes do Sr. P… lá ter estado. Depois disso não veio mais ninguém. Nunca mais ninguém escreveu ou telefonou. Ela escrevia e nada “desaparecidos”. Que não tinha procuração dos brasileiros, nem estava autorizada por eles, mas por outros tios e antigos donos (U…, V…, L……). À partilha daqui veio essa L… e o filho J… tomar conta do bem. Eles viram a casa e autorizaram-me, entregaram-me a casa para zelar por aquilo. Os herdeiros são de lá e de cá. Mais diz ser a cabeça-de-casal, desta herança”. Tal depoimento, um pouco confuso quanto à definição de papéis e responsabilidades assenta, contudo, na convicção da depoente de que é igualmente herdeira de tal bem, o que, poderá acontecer considerando possíveis relações familiares com os demais titulares inscritos, que aqui não são autores (caso de W… e X…). Por outro lado, deixa indicações de que a partilha foi feita, e foi incumbida de zelar pelo bem. Daí ter feito obras e arrendado a casa. E que tal “autorização” por parte dos demais herdeiros que vieram do Brasil, duraria há cerca de trinta anos. A testemunha O…, agricultor, viveu em vizinhança com o prédio, o que já não acontece há 34 anos. Declarou que naquela casa viveu um tal P…, cerca de 3, 4 anos, procurador dos brasileiros e cunhado deles. Um filho da testemunha também lá viveu quando casou, após a casa lhe ter sido arrendada por esse P…, tal aconteceu há cerca de trinta anos. A D. I… sabia que nessa altura estava lá um caseiro. A testemunha N…, tem 70 anos e mora em frente da casa dos autos. Disse que a casa ficou para os brasileiros, os irmãos chegaram a vir a Portugal, tinha a testemunha 15 anos. Houve um procurador que os representou. Um filho da anterior testemunha viveu na casa e quem lha arrendou foi o filho da D. I… (contrariando o que disse a testemunha anterior), que é um dos proprietários e herdeiro. O único procurador que lá esteve a habitar a casa foi o P…. Antes da Ré habitou lá um filho da I… (Q…) e depois um casal. Tudo por ordem da I… e Y…. A I… diz muita vez que aquilo que é dela, mas a testemunha sabe que não é dela. Ela por uma vez fez obras, pintaram a casa. P…, pedreiro, tio de dois autores da acção, disse que a casa fora da irmã e de mais parentes. A irmã e o cunhado chegaram a vir a Portugal. A testemunha viveu lá autorizado pela irmã, tendo-lhe passado procuração para a administrar. Teve a procuração em seu poder até há menos de dez anos e depois mandou-a para o Brasil. A D. I… disse que também tinha direito, que tomava conta e tomou. A propriedade pertence a muitos herdeiros, entre os quais a D. I…. Ela deve saber da existência dos outros herdeiros. Disse ainda que a irmã e cunhado vieram a Portugal há mais de trinta anos. Na casa esteve um Z…, construtor civil, consentido pela testemunha. Depois ele saiu e a D. I… tomou conta da casa. Pôs lá o filho Q…, depois esteve lá outra pessoa e agora a D. H…. AB…, filho da Ré H…, mas que, não obstante, depôs de forma isenta, disse que ele tal como a mãe achavam que a casa era da D. I…. Não sabe se a casa foi arrendada só em nome dela, ou em nome dela e de outros. AC…, filha da D. I…, revelou-se igualmente uma testemunha isenta. Disse conhecer a casa porque lá viveu o seu irmão H… há 23 anos. A mãe sempre reparou tudo (wc, cozinha, colocação de vidros, etc). Nos últimos 30 e tal anos não veio nenhum familiar do Brasil. A mãe sempre se relacionou bem com os irmãos dela e nenhum se opôs. Os do Brasil também nunca reclamaram a mãe ter feito benfeitorias. Na aldeia diziam que aquilo era da mãe, embora esta soubesse que aquilo não era só dela. Da prova testemunhal produzida no seu conjunto e, em particular do depoimento da própria testemunha I…, que se afigurou verdadeiro e no que concerne à convicção com que esta actuou, com consciência de que outros herdeiros existem, mas que ela própria também é herdeira, resulta uma procedência parcial da impugnação quanto aos factos em análise. Assim, os pontos 8, 9 e 10 da base instrutória passarão a ser substituídos pelos seguintes: 8 – I… teve o gozo e fruição daquele prédio, nele habitando pessoas às suas ordens, nomeadamente o seu filho e agora a Ré, efectuando no mesmo reparações e beneficiando-o com obras; 9- A D. I… pratica tais actos, por si, há mais de 22 anos, continuadamente, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, convicta de que o bem igualmente lhe pertence e actua de forma a fazer crer à Ré e a outras pessoas daquelas imediações que está a exercer um direito próprio. 10. A D. I… em Janeiro de 2006, cedeu à Ré o gozo e fruição do prédio id. na p.i mediante a renda mensal de 100,00 euros». Pretende ainda a apelante que, pelo que ficou provado quanto à actuação pública da I… e do que os Autores não provaram sobre o estado de conhecimento da Ré, deve constar da matéria provada, relativamente ao nº 19 da contestação pelo menos que “a Ré estava convicta que a I… era legítima possuidora do imóvel e que podia celebrar o contrato de arrendamento”. Cremos que o facto cuja inclusão se pretende na factualidade apurada, resulta, sem esforço, do desenvolvimento da factualidade assente em 9) e fundamenta-se entre o mais, no depoimento da testemunha AB…, filho da Ré, e cujo depoimento isento já realçamos. Assim, mostra-se justificada a inclusão de tal matéria, pelo que deverá ser aditada à factualidade provada esta outra, constante do artigo 9º da contestação: “A Ré estava convicta que a I… era legítima possuidora do imóvel e que podia celebrar o contrato de arrendamento”. Decidida a procedência parcial da impugnação da matéria de facto, importa ora apreciar a segunda questão. II- Da ilegitimidade activa dos Autores para a acção. Pretende a Ré que os 2ºs, 3ºs e 4ºs autores são parte ilegítima para a acção por não terem qualquer direito no registo predial. E que estando os 3/5 do prédio registados “sem determinação de parte ou direito”, mantém-se aquela fracção em situação de comunhão hereditária, sendo titular da mesma a Herança Aberta por óbito da L… e de M…, representada pelos titulares inscritos no registo, e não cada um dos autores por si, daí resultando a ilegitimidade activa de todos os autores para a acção. Mas não tem razão. Os Autores invocam e provam que os 3/5 de que são titulares estão registados a favor dos primeiros Autores B… e mulher, C… e dos terceiros J… e mulher, K…, estes já falecidos. Ora, nos termos do artigo 7º do Código de Registo Predial “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Presumindo-se os titulares registados proprietários do bem e, podendo o proprietário exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (art. 1311º nº 1 do Código Civil), assegurada está a legitimidade daqueles. Mais invocam e provam que os demais Autores D…, E…, casada com F… e G… são herdeiros dos terceiros finados, titulares inscritos J… e K…. Ora, reconhecidos estes como herdeiros dos indicados titulares inscritos, a sua legitimidade para a acção advém-lhes do preceituado no n.º 1 do artigo 2078º do Código Civil, ao dispor que, sendo vários herdeiros, qualquer um deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens não lhe pertencem por inteiro. Infundada se mostra assim a invocada excepção de ilegitimidade activa. III- Do conhecimento de questão de que não podia a sentença conhecer. Invoca ainda a apelante que o tribunal não podia conhecer da ausência do consentimento dos demais consortes no arrendamento de prédio indiviso, recorrendo à norma do artigo 1024 nº 2 do Código Civil, por tal conhecimento lhe estar vedado pelo disposto no art. 668º nº 1 do CPC. Mal se entende tal invocação de nulidade pois que, a alusão a tal norma é feita na sentença, como mero exercício académico, ou seja, considerando-se uma hipótese que logo se afastou por, na opinião do Mmº Julgador, não se colocar no caso concreto. Assim, referiu este que: “Por seu lado, dispõe o art.º 1024.º n.º 2 do CC que “ o arrendamento do prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores, só se considera válido, quando os restantes comproprietários manifestem, antes ou depois do contrato o seu assentimento. Ora, não se provou sequer que a referida D. I…, fosse também, sequer proprietária do prédio reinvindicado pela A. Mas mesmo que o fosse, o contrato por esta celebrado nunca seria valido, pois os restantes comproprietários, ora AA. não deram assentimento à celebração do dito acordo, o que é imposto pela citada disposição legal” (sublinhado nosso). Assim, inexiste tal nulidade. IV - Da existência de um arrendamento válido. Defende a apelante que, o arrendamento celebrado entre a Ré e a I… é válido. Assenta tal validade na substância e na forma. Quanto à primeira, pretende que se reconheça que enquanto proprietária, a I… está investida duma qualidade que lhe permite dar a casa em arrendamento. Quanto à forma, pretende que se reconheça, que a lei em vigor à data da celebração do contrato, permite a prova do mesmo, na ausência da sua redução a escrito, pelos respectivos recibos de renda. Vejamos primeiro se o contrato é formalmente válido. O contrato de arrendamento foi verbal (de boca) e foi celebrado em Janeiro de 2006, sendo-lhe aplicável, quanto à forma, as disposições legais em vigor nessa data. Dispõe o Artigo 7.º do RAU, então em vigor que: “1 - O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito. 2 – A inobservância da forma escrita só pode ser suprida pela exibição do recibo de renda e determina a aplicação do regime da renda condicionada, sem que daí possa resultar aumento de renda. 3 – (…)”. O actual regime consta do artigo 1069 do Código Civil (reposto pela Lei nº 6/2006, de 27/12) e tem a seguinte redacção: “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito desde que tenha a duração superior a seis meses”. Ora, considerando o regime aplicável por força do art. 12º do C.Civil - o nº 1 do artigo 7º do RAU - o mesmo prevê a forma escrita para o contrato de arrendamento, mas o nº 2 do mesmo artigo dispõe que a inobservância de forma pode ser suprida pelo recibo de renda. Está provado que a Ré paga a renda, emitindo a D. I… os respectivos recibos de renda, os quais, de resto, mostram-se juntos aos autos. Assim, à partida e independentemente da legitimidade da D. I… para receber as rendas e emitir os recibos, o contrato será formalmente válido. Legitimidade, essa, que ora importa apreciar. Como vimos na presente acção de reivindicação a Ré/apelante pretende ver legitimada a sua ocupação relativamente ao imóvel dos autos pela existência de um contrato de arrendamento. A restituição pode ser recusada nos casos previstos na lei (nº 2 do art. 1311 do Código Civil), sendo um desses casos a existência de um contrato de arrendamento. Contudo, o arrendamento só será substantivamente válido se quem der de arrendamento tiver a necessária legitimidade negocial para dar de arrendamento. Ora, só tem legitimidade negocial para dar de arrendamento aquele que puder dispor do uso da fruição da coisa, como sejam, o proprietário (art. 1305° C. Civ.), o fiduciário (art. 2290º, n° 1, C. Civ.), o usufrutuário (art. 1446° C. Civ.) e ainda aquele que for administrador do bem a arrendar, neste caso até ao limite de 6 anos (art. 1024º, n° 1, C. Civ.) Como administrador do bem temos, entre outros, o cabeça de casal da herança (art.s 2079° e 2087° C. Civ.), os pais relativamente a bens dos filhos que estejam sob a sua administração (art.s 1888° e 1897° do C. Civ.), o curador provisório ou definitivo dos bens do ausente (art.s 94°, n° 1 e 110° C. Civ.), o tutor (art.s 1935° n° 1 C. Civ.) o mandatário (art. 1159°, n° 1, C. Civ.), etc. Na acção de reivindicação incumbe ao réu provar que quem lhe deu de arrendamento o imóvel reivindicado tinha legitimidade negocial para o fazer, nos termos do artigo 342°, n° 2, do Código Civil.[1] Vejamos se a Ré prova ser a D. I…, pessoa que lhe deu a casa de arrendamento, detentora de uma qualquer dessas qualidades. Está provado que: “8 – I… teve o gozo e fruição daquele prédio, nele habitando pessoas às suas ordens, nomeadamente o seu filho e agora a Ré, efectuando no mesmo reparações e beneficiando-o com obras; 9- A D. I… pratica tais actos, por si há mais de 22 anos, continuadamente, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, convicta de que o bem igualmente lhe pertence e actua de forma a fazer crer à Ré e a outras pessoas daquelas imediações que está a exercer um direito próprio”. Tais factos induzem uma posse (corpus e animus) da D. I… sobre o imóvel em causa, por mais de 20 anos. É certo que o animus possidendi por parte desta, não tem carácter pleno, ou seja, a D. I… admite que tal bem lhe pertence mas não por inteiro, concorrendo com outros herdeiros. Em rigor, considera-se herdeira duma herança que integra uma quota daquele bem. Tal circunstância não é impeditiva de uma posse susceptível de conduzir à usucapião. De resto, não estando a titularidade do bem definida de forma completa no registo predial, desde logo porque 2/5 do bem “pertencerão” a titulares entretanto falecidos, mas cuja sucessão não se mostra ainda registada, resulta que, face a tal vazio, tal posse nem sequer conflitua com a presunção derivada do registo predial. Desse modo, pode considerar-se que a Ré conseguiu provar que o prédio possuído por mais de 20 anos, pelo exercício de actos materiais próprios de quem é dono e, com a convicção de o ser, pertence, pelo menos em parte, à I…, por força das regras da usucapião (artºs 1287º e 1296º do Cód. Civil). Ora, quer o comproprietário (art. 1407º C.Civ), quer o sucessível chamado à herança, se ainda não tiver aceitado nem repudiado (art. 2047º C.Civ.) têm poderes de administração sobre a coisa, nomeadamente se do retardamento das diligências puderem resultar prejuízos. Considerando o tempo decorrido sem que a casa estivesse habitada, poderemos admitir, pelas regras da experiência e da normalidade, que as obras realizadas pela I… se impuseram para evitar maiores prejuízos, e que a ocupação da casa pela Ré, é susceptível de prevenir tais males. Assim, a I…, nesse contexto, exerceu legitimamente actos de administração. Impunha-se-lhe, contudo, que obtivesse por escrito, a posteriori, o necessário assentimento para o arrendamento junto dos demais consortes. O arrendamento do prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só é válido quando os restantes comproprietários manifestem, por escrito e antes ou depois do contrato o seu assentimento, nos termos do art. 1024 nº 2 do C.Civ.. E, não se diga que a ausência de autorização teria de ser invocada pelos Autores, pois que, como supra referimos, na acção de reivindicação incumbe ao réu provar que quem lhe deu de arrendamento o imóvel reivindicado tinha legitimidade negocial para o fazer, nos termos do artigo 342°, n° 2, do Código Civil. Assim, não tendo a Ré provado que a D. I… se encontrava autorizada pelos demais consortes a celebrar o arrendamento, deve a mesma desocupá-lo, porquanto a sua manutenção no locado não se mostra legitimada, por falta de poderes da locadora. V - Da inexistência dos pressupostos de responsabilização da Ré em indemnização aos Autores Finalmente, defende a apelante carecer de fundamento, por falta dos pressupostos para a responsabilidade civil, a condenação da Ré em indemnização aos Autores. E que, ainda assim, nunca os AA. podiam exigir um valor superior à sua quota-parte no prédio, o que, como resulta do já alegado sobre o registo, não está demonstrado quanto a todos eles. A indemnização pedida pela ocupação ilegítima assenta no princípio geral da responsabilidade civil estabelecido no art. 483º do C.Civil. Bem andou o tribunal a quo ao considerar que a ocupação ilegítima do imóvel origina um dano equivalente à renda que o mesmo é susceptível de gerar (artºs 562º e 563º C.Civ.). Contudo, porque a Ré estava convicta que a I… era legítima possuidora do imóvel e que podia celebrar o contrato de arrendamento, convicção essa que tinha assento nas palavras e no comportamento da I…, perante toda a colectividade e, no decurso de muitos anos, criando na Ré e em toda a gente, a convicção da existência desses poderes, não sendo razoável exigir à Ré, nas circunstâncias, maior cautela, terá de considerar-se a inexistência de dolo ou mera culpa da Ré, em data anterior à prolação do presente acórdão, pelo que o valor indemnizatório só será devido com a notificação deste. Assim, condena-se a Ré a pagar aos AA. uma indemnização de 100,00 mensais desde a notificação do presente acórdão até efectiva desocupação do locado (e não desde a citação como se fixara na sentença). IV Termos em que, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e revogar a decisão recorrida, tão só na parte em que define o período temporal a partir do qual a indemnização é devida, mantendo-se tudo o mais decidido. Custas pela apelante e apelados na proporção de 4/5 e 1/5. Porto, 7 de Maio de 2012 Anabela Figueiredo Luna de Carvalho Rui António Correia Moura Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate ______________ [1] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo: 549/03, Data: 18-11-2003, in www.dgsi.pt. |