Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5659/23.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
COISA ALHEIA
VALOR A RESTITUIR
Nº do Documento: RP202403215659/23.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O enriquecimento sem causa consignado no artigo 473º, do CC, pressupõe (i)haver um enriquecimento, (ii) carecer este de causa justificativa, (iii) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a sua restituição - o que é diferente de se exigir que haja empobrecimento - pode não haver diminuição do património do dono da coisa e nem sequer privação dum aumento dele, e haver lugar a se afirmar que o enriquecimento foi obtido à custa de outrem.
II - Em casos de intromissão ou ingerência em coisa alheia, pode existir o enriquecimento sem causa ainda que se não verifique uma efetiva diminuição do património do empobrecido ou, nem sequer, a privação do aumento do seu património. Trata-se da figura de “enriquecimento por ingerência ou intromissão em coisa alheia”.
III - O valor da restituição com base no enriquecimento sem causa tem como limites o montante do enriquecimento e do empobrecimento do titular dos bens não podendo ser superior ao quantitativo deste empobrecimento.
IV - Na determinação do quantum a restituir deve atender-se ao enriquecimento efetivo ou patrimonial (aquele que resulta da comparação entre a situação real e a situação hipotética, sendo esta a que existiria se a deslocação se não tivesse verificado) o que supõe o abatimento das despesas e proveitos que o enriquecido não realizou por causa da ocupação (artigos 479º nº 2 e 480º ambos do CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 5659/23.8T8PRT.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUIZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

Banco 1..., SA demandou AA, BB, e outros, na presente ação, formulando os seguintes pedidos
i – ser declarado que o autor "bcp" é o legítimo e exclusivo proprietário do prédio rústico, com a área de 504m2, sito na freguesia ..., no concelho de gondomar, no Lugar ..., descrito na conservatória do registo predial de gondomar, sob o n.º ... e inscrito na matriz predial rústica sob o art. ...;
ii – serem condenados os réus a reconhecer o direito de propriedade do autor sobre o imóvel referido no número anterior;
iii – serem condenados os réus a restituir ao autor, livre de pessoas e bens, o prédio rústico melhor descrito no antecedente n.º i e a abster-se da prática de qualquer ato que coloque em causa a posse do autor;
iv – ser declarado que os réus estão na posse ilegítima do imóvel referido no número i desde 1 de dezembro de 2015;
v – ser declarado que, por força da referida posse ilegítima, o autor é titular dos seguintes direitos de crédito sobre os réus:
1. € 160.382,01 (cento e sessenta mil, trezentos e oitenta e dois euros e um cêntimo) a título de enriquecimento sem causa pelo uso do imóvel referido no antecedente n.º i, desde 1 de dezembro de 2015 até à presente data, sendo € 140.096,00 (cento e quarenta mil e noventa e seis euros) relativos a capital e o remanescente relativo a juros;
2. € 1.592,00 (mil, quinhentos e noventa e dois euros) por cada mês contado desde a presente data até à data da entrega, livre de pessoas e bens, do imóvel referido no antecedente n.º i ao autor, a título de enriquecimento sem causa;
vi – serem condenados os réus, a título solidário, a pagar ao autor as quantias referidas no número anterior, acrescidas de juros de mora calculados à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento;
vii – serem condenados os réus, solidariamente, no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória e ao abrigo do art. 829.º-a n.º 1 do código civil, da quantia de € 100,00 (cem euros), por cada dia de atraso na entrega, livre de pessoas e bens, do imóvel referido no antecedente n.º i.
viii – serem condenados os réus, solidariamente e ao abrigo do art. 609.º n.º 2 do cpc, a pagar ao autor a indemnização que vier a ser liquidada relativamente aos danos existentes no imóvel referido no antecedente n.º i e que tenham ocorrido ou tenham fundamento no período da sua posse ilegítima.
ix – ser declarado que o autor, enquanto proprietário do prédio rústico referido no antecedente n.º i, confinante com o prédio urbano pertencente à herança indivisa de CC e DD, de que os réus são beneficiários, tem, nomeadamente, direito a murar, valar, rodear de sebes e tapar o referido prédio rústico (art. 1356.º do cc), designadamente através da construção de paredes divisórias e de muros divisórios;
x – serem condenados os réus a reconhecer os direitos do autor referidos no número anterior;
xi - serem condenados os réus, ao abrigo do art. 1353.º do cc, a concorrer para a demarcação das estremas entre o prédio rústico referido no antecedente n.º i (de que o autor é proprietário) e o prédio urbano, sito na Rua ..., descrito na conservatória do registo predial de gondomar sob o n.º ..., freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... (de que são proprietárias as heranças indivisas de DD e CC), definindo-se a linha divisória que vier a resultar dos títulos de cada um e dos meios de prova a produzir nos presentes autos e que, no mínimo, corresponderá a uma linha reta paralela ao muro situado na extremidade norte do imóvel do autor, havendo uma separação entre as duas extremidades (norte e sul do imóvel) de 9,85 metros.
a título subsidiário face ao pedido formulado sob o n.º xi e na impossibilidade de determinar a linha divisória entre o prédio rústico referido no antecedente n.º i (pertencente ao autor) e o prédio urbano, sito na Rua ..., descrito na conservatória do registo predial de Gondomar sob o n.º ..., freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... (pertencente às heranças indivisas de DD e CC), requer-se a v. exa., ao abrigo do art. 1354.º n.º 2 do código civil, que a linha divisória entre os dois imóveis seja definida através da divisão da sua área total em partes iguais.
Citados, os RR não contestaram.
Após tramitação legal foi proferida sentença que, no que ao pedido de “condenação dos RR no pagamento da indemnização que vier a ser liquidada relativamente aos danos existentes no imóvel que tenham ocorrido ou tenham tido fundamento no período da sua posse ilegítima” declarou a ineptidão da petição inicial com a nulidade de todo o processado, absolvendo os réus da instância (artigos 193º, nºs 1 e 2, al. a) e 288º, n.º 1, al. b), do CPC).
No mais decidiu a sentença:
1) Julga-se inepta a petição inicial, quanto ao pedido de condenação solidária dos réus “no pagamento da indemnização que vier a ser liquidada relativamente aos danos existentes no imóvel do qual sustenta ser proprietário e que tenham ocorrido ou tenham tido fundamento no período da sua posse ilegítima”, absolvendo-os da respetiva instância.
2) Declara-se o autor, Banco 1..., SA - Sociedade Aberta, como exclusivo proprietário do prédio rústico com a área de 504 m2, sito na freguesia ..., no Concelho de Gondomar, no Lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o n.º... e inscrito na matriz predial rústica, sob o artigo ....
3) Condenam–se os réus a reconhecer o direito de propriedade do autor sobre o imóvel referido no número anterior.
4) Condenam-se os réus a restituir ao autor, livre de pessoas e bens, o prédio referido em 2) e a absterem-se da prática de qualquer acto que coloque em causa a posse do autor.
5) Condenam-se os réus (herdeiros de DD e CC) a concorrer para a demarcação das estremas entre o prédio referido em 2) e o prédio urbano, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., ficando pela presente sentença definida a linha divisória como correspondendo a uma linha recta, paralela ao muro situado na extremidade norte do imóvel referido em 2), situada a 9,85 metros a sul desse mesmo muro (havendo uma separação entre as extremidades norte e sul do imóvel do autor de 9,85 metros).
6) Declara-se que o autor tem o direito a murar, valar, rodear de sebes e tapar o prédio referido em 2), designadamente através da construção de paredes divisórias e de muros divisórios.
7) Condenam-se os réus (herdeiros de DD e CC) a reconhecerem os direitos do autor referidos em 6).
8) Declara-se que os réus estão na posse ilegítima do imóvel referido em 2) desde 2015/12/01.
9) Absolvem-se os réus do mais peticionado.
Foram declarados provados os seguintes factos ao abrigo do disposto no artigo 567/1, do CPC:
1. O autor dedica-se à atividade bancária.
2. Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o n.º ..., com a propriedade aí definitivamente inscrita a favor do autor, pela Ap. ... de 2015/12/11, o prédio rústico, denominado “...”, constituído por terreno a bravio com 504m2, sito na freguesia ..., no concelho de Gondomar, no Lugar ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art. ....
3. Não existe qualquer divisão física entre este e o imóvel com o qual confina na sua extremidade sul.
4. Este outro imóvel constitui o prédio urbano, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ..., freguesia ..., concelho de Gondomar, e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..., que se encontra registado em nome de DD, casado na comunhão geral com CC sob a Ap. ... de 1987/05/20.
5. DD e CC eram casados no regime da comunhão geral de bens e tinham apenas uma filha, a ré AA.
6. A 5 de Janeiro de 1998, faleceu CC, deixando como herdeiros: a) DD, seu marido; b) AA, sua única filha.
7. Mais tarde, a 9 de janeiro de 2013, faleceu DD.
8. A 25 de Março de 2011 e perante a Notária EE, DD instituiu "os seus netos, FF e GG, filhos únicos da sua única filha, AA, herdeiros da quota disponível da sua herança".
9. A ré AA aceitou tanto a herança da sua mãe como a herança do seu pai e os réus FF e GG aceitaram a herança do seu avô DD, sendo que ambas as heranças permanecem por partilhar.
10.AA é casada, desde 5 de Fevereiro de 1984, com BB, no regime de comunhão geral de bens.
11.Os réus ocupam ambos os imóveis.
12.Não existe separação física entre o imóvel referido em 2 e o imóvel com o qual aquele confina na sua extremidade a sul, porque a casa existente neste último imóvel foi ampliada para o imóvel, referido em 2 e porque metade de uma piscina encontra-se no terreno referido em 2 e a outra metade encontra-se no outro terreno.
13.Após a morte dos seus pais, a 1.ª ré AA decidiu, em conjunto com o 2.º réu BB (e com a concordância da 3.ª ré FF e do 4.º réu GG), ampliar a casa que, então, existia apenas no prédio urbano, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ..., freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ....
14.A ampliação desta casa foi realizada com a construção no terreno correspondente ao prédio rústico, denominado “...”, constituído por terreno a bravio com 504m2, sito na freguesia ..., no concelho de Gondomar, no Lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o n.º ... e inscrito na matriz predial rústica sob o art. ....
15.A 1.ª ré AA e o 2.º réu BB contrataram o empreiteiro que realizou as obras, indicando, ao certo, o modo como pretendiam que fosse realizada a ampliação.
16.A ampliação da casa permitiu acrescentar novas divisões, nomeadamente quartos e uma sala.
17.E foi igualmente construída uma piscina, sendo que uma das metades encontra-se no terreno do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o n.º ..., freguesia ... e a outra metade encontra-se no terreno do prédio urbano, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ..., freguesia ....
18.Na data das obras de ampliação, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar, sob o n.º ..., freguesia ..., era da propriedade da 1.ª ré AA e do 2.º réu BB; já o prédio urbano, sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ..., freguesia ..., era parte integrante das heranças indivisas de DD e CC.
19.As obras de ampliação foram realizadas com materiais adquiridos pelos réus AA e BB, assumindo todas as despesas.
20.A 1 de Dezembro de 2015, já se encontrava concluída a construção que agora existe no imóvel referido em 2.
21.O imóvel encontra-se murado, não existindo qualquer acesso a partir da via pública.
22.O acesso ao logradouro e à casa do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ... apenas pode ser concretizado através do portão existente no imóvel contíguo, isto é, no prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ..., freguesia ....
23.O autor nunca conseguiu aceder ao logradouro e à casa do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ..., não só por não existir qualquer porta/portão junto à via pública, mas também porque o mesmo se encontra a ser ocupado pelos réus AA e BB e pelos seus filhos FF e GG.
24.Os réus nunca permitiram aos representantes do autor o acesso ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ....
25.Apesar de muitas terem sido as tentativas para aceder ao referido imóvel.
26.Desde 1 de Dezembro de 2015 (data em que foi emitido título de adjudicação desse imóvel ao autor, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ... e respetivos processos apensos) até à presente data, os réus têm utilizado, de forma ininterrupta, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ....
27.É neste imóvel que os réus vivem e realizam as suas necessidades básicas (comem, dormem, recebem visitas).
28.Os réus têm noção que o proprietário deste imóvel é o autor, que nunca os autorizou a utilizá-lo.
29.No concelho de Gondomar, o valor médio mensal do metro quadrado para efeitos de arrendamento habitacional é de € 6,00 (seis euros).
30.A parte da casa habitada pelos réus que se encontra implantada no imóvel do qual é proprietário o autor tem, no mínimo, 146 m2.
31.Os réus usufruem, igualmente, do logradouro do imóvel pertencente ao autor, onde se encontra metade de uma piscina, tendo a área de 358 m2.
32.O arrendamento de um logradouro como aquele que é utilizado pelos réus nunca seria possível por um valor inferior a € 2,00 por metro quadrado.
33.Os réus nada pagam ao autor.
34.Nas suas extremidades a norte, a nascente e a poente, o prédio rústico encontra-se perfeitamente delimitado, conforme se discrimina: a) a norte e a nascente, por muros divisórios, confinando com outros imóveis; b) a poente, existe um muro divisório que confronta com a Rua ....
35.Nas suas extremidades a sul, a nascente e a poente, o prédio urbano encontra-se perfeitamente delimitado, conforme se discrimina: a) a sul e a nascente, por muros divisórios, confinando com outros imóveis; b) a poente, existe um muro divisório que confronta com a Rua ....
36.De acordo com a certidão do registo predial e a caderneta predial, o prédio rústico referido em 2 tem 504 m2.
37.De acordo com a certidão do registo predial, o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ..., freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... tem a área total de 900 m2 e, segundo a caderneta predial, tem a área total de 897 m2.
38.O prédio rústico referido em 2 e o prédio urbano referido em 4 confrontam, em linha reta, na extremidade sul daquele e na extremidade norte deste último.
39.Entre a extremidade norte do imóvel da propriedade do autor e entre a sua extremidade sul distam, pelo menos, 9 metros e 85 centímetros, sendo possível gizar uma linha exatamente paralela ao muro situado a norte.
APELOU O AUTOR DA PARTE DA SENTENÇA QUE DECRETOU A IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL SOB OS NºS V E VI, TENDO FORMULADO AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
1.1. Estes pedidos tinham como causa de pedir os factos que foram dados como provados na sentença recorrida sob os nºs 26 a 33.
1.2. Embora na petição inicial o autor/recorrente tenha reconduzido estes factos ao instituto do enriquecimento sem causa, o Tribunal a quo optou por só os analisar do prisma da responsabilidade civil extracontratual.
1.3. Olhando desta perspetiva para a factualidade provada, o Tribunal a quo entendeu que, não tendo o recorrente sofrido um dano da privação do uso do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ..., freguesia ..., da qual é proprietário, este não poderia recorrer “ao instituto do enriquecimento sem causa face à natureza subsidiária deste último (sendo igualmente certo que, face ao que se acaba de expor também não se verificaria a diminuição patrimonial por este exigida)”.
1.4. No nosso entendimento, a inexistência de um dano da privação do uso – que sempre foi reconhecida pelo autor/recorrente – não permite excluir, sem mais, a aplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa.
1.5. Pelo contrário, é precisamente por não existir um dano da privação do uso que teremos de apreciar, com especial acuidade, o preenchimento dos pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa, dado o seu caráter subsidiário face às restantes fontes das obrigações (como é o caso da responsabilidade civil extracontratual) (art. 474.º do Código Civil).
1.6. A utilização ilícita e gratuita do imóvel da propriedade do autor/recorrente permite aos réus/recorridos poupar uma despesa, o que constitui o seu enriquecimento.
1.7. Enriquecimento que é concretizado à custa do autor/recorrente, porque os recorridos aproveitam-se de um imóvel que só àquele pertence.
1.8. Por não serem titulares de qualquer direito que autorize a utilização do imóvel, o Enriquecimento dos recorridos não tem qualquer causa justificativa.
1.9. Assim, estão preenchidos todos os pressupostos do enriquecimento sem causa (previstos no art. 473.º n.º 1 do Código Civil), o que impõe aos recorridos a obrigação de restituírem "aquilo com que injustamente" se locupletaram.
1.10. Concretizando-se o enriquecimento dos recorridos na poupança de uma despesa, cabe-lhes restituir ao recorrente a quantia que pouparam à custa deste (art. 479.º n.º 1), isto é, o montante que, em condições normais e de legalidade, teriam de pagar pelo arrendamento do imóvel pertencente ao recorrente.
1.11. O valor locativo mensal do imóvel utilizado pelos recorridos ascende a €1.592,00(mil, quinhentos e noventa e dois euros) - cfr. factos provados sob os nºs 29
1.12. Considerando os meses decorridos entre a data da ocupação ilícita do imóvel (1 de dezembro de 2015) e a data da instauração da ação (22 de março de 2023), os recorridos Têm de restituir ao recorrente a quantia de € 160.382,01 (cento e sessenta mil, trezentos e oitenta e dois euros e um cêntimo), sendo € 140.096,00 (cento e quarenta mil e noventa e seis euros) relativos a capital e o remanescente relativo a juros.
1.13. Entre a data da instauração da ação (22 de março de 2023) e a data da prolação da sentença (28 de outubro de 2023) decorreram, aproximadamente, 7 (sete) meses, o que obriga os recorridos a restituir ao recorrente a quantia de € 11.144,00 (onze mil, cento e quarenta e quatro euros) (€ 1.592,00 x 7 meses).
1.14. Por cada mês que venha a passar até à data da entrega efetiva do imóvel ao recorrente, os recorridos terão de pagar a quantia adicional de € 1.592,00 (mil, quinhentos e noventa e dois euros), sob pena de se continuarem a locupletar à custa daquele.
1.15. À obrigação de pagamento do capital em dívida acresce a obrigação de pagar juros pelo tempo já decorrido, à taxa legal de 4%, desde:
a) a data da instauração dos presentes autos (22 de março de 2023), no que diz respeito à quantia de € 140.096,00 (cento e quarenta mil e noventa e seis euros), relativa a capital em dívida;
b) o final de cada mês decorrido entre a data da instauração da ação (22 de março de 2023) e a data da entrega efetiva do imóvel ao recorrente, sobre o capital de € 1.592,00 (mil, quinhentos e noventa e dois euros); já que os recorridos têm plena consciência da falta de causa do seu enriquecimento, aplicando-se os arts. 480.º, al. b), 805.º e 806.º n.ºs 1 e 2 do código civil.
1.16. Deste modo, os factos considerados provados pelo Tribunal a quo, em especial sob os nºs 26 a 33, eram suficientes para a procedência dos pedidos formulados na petição inicial sob os nºs V e VI.
1.17. Não decidindo desta forma, o Tribunal a quo interpretou e aplicou de forma errada os arts. 473.º, 474.º, 479.º, 480.º, 805.º e 806.º do Código Civil.
Termos em que se requer a v. exa. que seja julgado procedente o presente recurso, revogando a decisão recorrida na parte em que absolveu os réus dos pedidos formulados sob os nºs v e vi do petitório constante da petição inicial e substituindo-a por outra que julgue os mesmos pedidos procedentes, sendo:
i) declarado que, por força da referida posse ilegítima, o autor/recorrente é titular dos seguintes direitos de crédito sobre os réus/recorridos:
1. € 160.382,01 (cento e sessenta mil, trezentos e oitenta e dois euros e um cêntimo) a título de enriquecimento sem causa pelo uso do prédio rústico, com a área de 504m2, sito na freguesia ..., no concelho de Gondomar, no Lugar ..., descrito na conservatória do registo predial de Gondomar, sob o n.º ... e inscrito na matriz predial rústica sob o art. ..., desde 1 de dezembro de 2015 até à data da instauração desta ação (22 de março de 2023), sendo € 140.096,00 (cento e quarenta mil e noventa e seis euros) relativos a capital e o remanescente relativo a juros já vencidos;
2. € 1.592,00 (mil, quinhentos e noventa e dois euros) por cada mês contado desde a data da instauração da presente ação judicial (22 de março de 2023) até à data da entrega, livre de pessoas e bens, do imóvel referido no número anterior ao autor, a título de enriquecimento sem causa;
ii – condenados os réus/recorridos, a título solidário, a pagar ao autor/recorrente as quantias referidas no número i, acrescidas de juros de mora calculados à taxa legal de 4%, desde:
1. a data da instauração da presente ação (22 de março de 2023), sobre o capital em dívida de € 140.096,00 (cento e quarenta mil e noventa e seis euros);
2. o final de cada mês decorrido entre a data da instauração da presente ação (22 de março de 2023) e a data da entrega efetiva do imóvel ao recorrente, sobre o capital de € 1.592,00 (mil, quinhentos e noventa e dois euros), até efetivo e integral pagamento.
Nada obsta ao mérito.
O OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões da recorrente a única questão a decidir é a de saber se a ocupação pelos RR do prédio do Autor- não tendo havido dano de privação do uso- gera a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa e em que medida.

O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I
O enriquecimento sem causa
I.1
A sentença e o recorrente estão de acordo, o que secundamos, que no caso dos autos não se aplica o instituto da responsabilidade civil extracontratual e (segundo depreendemos da conclusão 1.4) que inexiste dano de privação de uso.
O Recorrente vem sustentar no enriquecimento sem causa o seu direito ao ressarcimento, pelo que, é à luz deste instituto que apreciaremos o recurso.
Ora, no que ao enriquecimento sem causa diz respeito, podemos assentar que este pressupõe (i) haver um enriquecimento, (ii) carecer este de causa justificativa, (iii) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a sua restituição (o que é diferente de se exigir que haja empobrecimento - pode não haver diminuição do património do dono da coisa e nem sequer privação dum aumento dele, e haver lugar a se afirmar que o enriquecimento foi obtido à custa de outrem).
Essencial é fixar que o enriquecimento carece de causa justificativa quando, segundo a lei, deve pertencer a outra pessoa sendo que o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial; «tudo quanto os bens sejam capazes de render ou produzir, pertence, em princípio, ao respetivo titular» - (vd., P. Lima-A. Varela in CC Anot, 3ª edição I/pp. 454 a 457).
I.2
A deslocação patrimonial é todo o ato por virtude do qual se aumenta o património de alguém à custa de outrem, seja qual for a forma por que o aumento se opera, podendo consistir até numa poupança de despesa ou de uso, indevido e sem qualquer contrapartida, de coisa alheia, caso em que não haverá, propriamente, um valor a sair do património de um para entrar no do outro.
O enriquecimento não tem de advir sempre e necessariamente duma prestação do empobrecido ou de terceiro.
“A ação de enriquecimento sem causa não visa remover o dano do património do credor, mas o enriquecimento do património do devedor” (…) (Pereira Coelho O Enriquecimento e o Dano, Almedina, Coimbra 1999 pp.44/45).
Em casos como é manifestamente o dos autos, de intromissão ou ingerência em coisa alheia, pode existir o enriquecimento sem causa ainda que se não verifique uma efetiva diminuição do património do empobrecido ou, nem sequer, a privação do aumento do seu património. Trata-se da figura de enriquecimento por ingerência ou intromissão em coisa alheia.
“O lucro obtido mediante intervenção no direito alheio é feito à custa do titular do direito sempre que se apresenta como realização do valor económico, que lhe pertence, do mesmo direito, e isto mesmo que doutro modo o titular do direito nunca tivesse feito esse lucro (…) o que é preciso é que, segundo, o seu conteúdo de destinação o direito violado queira justamente reservar para o seu titular o respetivo aproveitamento económico (…) decerto que a propriedade reserva ao seu titular o aproveitamento económico do bem, todas as utilidades e vantagens de uso da coisa “,(ibidem pp 45/46).
Com efeito, segundo a teoria da destinação, afetação ou ordenação que caracteriza os direitos reais, tudo quanto diga respeito à rentabilização e ao destino dos bens cabe, em principio, ao respetivo proprietário, de maneira que se um terceiro se intromete no uso do bem, sem o consentimento daquele, ficará, por isso, obrigado a indemnizá-lo, restituindo-lhe o valor de exploração, ainda que o proprietário não tenha tirado qualquer proveito desses bens.
I.3
O enriquecimento é injusto porque, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outro.
Neste sentido Acórdão do STJ de 21-09-2006 (FERREIRA GIRÃO) 06B2035/DGSI Também o ACSTJ de 26-05-2009 (MOREIRA ALVES) 531/09/DGSI, afirmou: “I -Se, por facto ilícito de terceiro, o proprietário do prédio está impedido, durante um certo período, de o usar, como pretendia, essa perturbação do seu direito de propriedade gera, segundo as regras da experiência comum e do bom senso, prejuízos na sua esfera jurídica, havendo, consequentemente que repôr a situação anterior através da indemnização correspondente à perda temporária dos poderes de gozo e fruição.

(…)V - Pode colocar-se uma outra situação em que não será necessário alegar-se e provar-se que se pretendia usar a coisa para dela usufruir determinada utilidade que ela era suscetível de proporcionar. Trata-se dos denominados casos de lucro por intervenção de terceiros que darão lugar à restituição por enriquecimento sem causa, embora possa não ocorrer empobrecimento do titular do direito, visto que, mesmo então, a deslocação patrimonial carece de causa justificativa e foi obtida à custa do titular.
No mesmo sentido o acórdão do TRL de 11-03-2003 (ABRANTES GERALDES) 683/2003-7/DGSI refere: (…) “diversos autores que se têm debruçado sobre a ingerência ou intervenção de uma pessoa nos direitos ou bens alheios.(Entre estes autores, cumpre destacar Pereira Coelho que na sua obra O Enriquecimento e o Dano afirma que mesmo fora dos quadros da responsabilidade civil, que impõe a existência de um dano, “o titular do direito poderá ainda, com base nos princípios do enriquecimento sem causa, exigir ao interventor o enriquecimento deste, até ao limite do valor de uso feito ...” (pág. 67), sendo “justo que o interventor pague ao titular do direito os bens alheios que utilizou, restituindo-lhe o valor objetivo do uso” (pág. 70).
O Acórdão do STJ, de 28-2-02, (Quirino Soares) 283/02 /DGSI, esclarece que a :"ilícita privação do uso e fruição do prédio pode ser causa de responsabilidade civil se priva o respetivo proprietário do exercício efetivo daqueles poderes, ou pode constituir obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, ... caso não haja lugar a responsabilidade civil, por inexistência de dano (o que acontecerá, p. ex., se, em todo o caso, o titular não usaria nem fruiria o prédio".
Do exposto e de acordo com a jurisprudência e doutrinas citadas podemos concluir que o Autor goza do direito à compensação pelo uso indevido que os RR fazem do seu prédio desde 1 de dezembro de 2015, ao abrigo, das regras do enriquecimento sem causa.
II
Determinação do valor da restituição
II.1.
Cumpre determinar a medida deste direito que há ser igual à medida do enriquecimento, ou não se logrando apurar esta, fixada de acordo com a equidade.
O montante a restituir, como dimana da letra da lei (artº 479º/2 do CC) não pode exceder a medida do locupletamento atual.
“O beneficiado não é obrigado a restituir todo o objeto da deslocação patrimonial operada (ou o valor correspondente, quando a restituição em espécie não seja possível). Deve restituir apenas aquilo com que efetivamente se acha enriquecido, podendo haver diferença — e diferença sensível — entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento atual (…). O enriquecimento assim delimitado corresponderá à diferença entre a situação real e atual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada» (Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 3ª ed vol. I, págs. 466 e Acs. do STJ de 14.07.2009 e de 09.03.2010, in dgsi.pt, apud Acórdão do TRC de 23-02-2021 (CARLOS MOREIRA) 4158/17.1T8CBR.C1 /dgsi
“Na verdade, o quantum da restituição com base no enriquecimento sem causa tem como limites o enriquecimento e o empobrecimento atendendo-se não ao enriquecimento real (que corresponde ao valor objetivo e autónomo da vantagem adquirida) mas ao enriquecimento efetivo ou patrimonial (aquele que resulta da comparação entre a situação real e a situação hipotética, sendo esta a que existiria se a deslocação se não tivesse verificado), mas não podendo ser superior ao quantitativo do empobrecimento do lesado” – cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed. pgs.327 e 345(…)
Admite-se, in extremis que uma vez que a pretensão deste preceito é fazer com que o enriquecimento obtido seja devolvido ao empobrecido, a obrigação de entregar, o obtido, os proveitos e o que se adquiriu deste, o commodum de substituição, o valor, não existe na medida em que o enriquecimento do accipiens tenha desaparecido – (Vaz Serra, BMJ, 82º, 190”, ibidem).
Nesta senda, Antunes Varela (ob citada pp 405) esclarece que o enriquecido “deve restituir apenas aquilo com que efetivamente se acha enriquecido. O locupletamento efetivo e atual que serve para determinar o limite da obrigação de restituir nos termos dos artigos 479º/2 e 480º distingue-se da coisa ou valor obtido, num duplo aspeto.
Por um lado, no próprio momento da deslocação patrimonial, podem ser diferentes o valor objetivo da vantagem alcançada e o montante do efetivo enriquecimento que ela proporciona ao beneficiário.
Uma coisa é o valor locativo da casa que a pessoa por julgar erroneamente que ela lhe foi atribuída ocupou, na partilha: outra, o valor locativo da casa que ela arrendaria, sem o erro de que foi vítima (…)Por outro lado, pode também haver diferença entre o enriquecimento do beneficiado à data da deslocação patrimonial e o enriquecimento atual referido a algum dos momentos previstos nas alíneas a) b) do artigo 480º
Os bens podem ter diminuído entretanto de valor, ter perecido ou sofrido deterioração, sem que o possuidor tenha recebido qualquer compensação, e pode inclusivamente a vantagem alcançada pelo beneficiário não ter enriquecido o seu património por uma de várias circunstâncias: porque alienou gratuitamente os bens recebidos (cfr. art. 481º); porque se limitou a fazer despesas supérfluas, que de outro modo não faria e que nenhum proveito trouxeram ao seu património (lautius vivit sed non locupletavit); porque se limitou a usar as coisas, mas sem ter poupado com isso qualquer despesa, visto que normalmente as não usaria; porque teria conseguido obter gratuitamente a mesma vantagem, por outra via; etc. . Ao montante da restituição haverá que abater ainda todas as despesas (de transporte, de documentação, de taxas alfandegárias, impostos, etc.) que o enriquecido porventura tenha suportado por causa da aquisição que fez. ou seja forçado a realizar para cumprir a sua obrigação de restituir (!).
Ao enriquecimento assim delimitado chamam alguns autores enriquecimento patrimonial (por contraposição ao enriqueci mento real), definindo-o a doutrina como a diferença entre a situação real e atual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse a deslocação patrimonial operada”.
No que respeita a benfeitorias prossegue o mesmo autor que a doutrina corrente tem aludido a um outro limite da obrigação da restituir, fundado no empobrecimento do lesado.
Assim, se as benfeitorias realizadas pelo possuidor tiverem valorizado a coisa em 10, mas tiverem custado apenas 8, será este valor de 8, e não o do enriquecimento obtido pelo proprietário que define o montante da restituição”.
II.2
Isto posto,
Apreciemos os factos apurados e pretensão deduzida no recurso, tendo presente as linhas de orientação anteriormente referidas.
O autor pretende que lhe sejam atribuídos 1.592,00€, mensais desde a ocupação do imóvel até efetiva entrega, tendo fixado à data da petição inicial (22-03-2023) o valor global de 140,096,00€, requerendo ainda a condenação em juros de ora vencidos e vincendos à taxa legal.
Fundamenta esta sua pretensão nos factos provados 26 a 33 a saber:
26.Desde 1 de Dezembro de 2015 (data em que foi emitido título de adjudicação desse imóvel ao autor, no âmbito do
processo de execução fiscal n.º ... e respetivos processos apensos) até à presente data, os réus têm utilizado, de forma ininterrupta, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ....
27.É neste imóvel que os réus vivem e realizam as suas necessidades básicas (comem, dormem, recebem visitas).
28.Os réus têm noção que o proprietário deste imóvel é o autor, que nunca os autorizou a utilizá-lo.
29.No concelho de Gondomar, o valor médio mensal do metro quadrado para efeitos de arrendamento habitacional é de € 6,00 (seis euros).
30.A parte da casa habitada pelos réus que se encontra implantada no imóvel do qual é proprietário o autor tem, no mínimo, 146 m2.
31.Os réus usufruem, igualmente, do logradouro do imóvel pertencente ao autor, onde se encontra metade de uma piscina, tendo a área de 358 m2.
32.O arrendamento de um logradouro como aquele que é utilizado pelos réus nunca seria possível por um valor inferior a € 2,00 por metro quadrado.
33 Os RR nada pagam ao Autor.
Os factos convocados respeitam ao valor locativo de um imóvel para habitação conjugado o valor da casa e do logradouro, o qual de acordo com o teor dos pontos 29 e 32 dos factos provados carece de referência quanto a este valor locatício nos anos anteriores- a partir do início da ocupação ( 2015), pelo que, não é de modo algum um valor determinado de acordo com as regras do enriquecimento, já que o valor locativo dos imóveis varia anualmente sendo a soma desse valor locativo anual que determina o montante do enriquecimento atual.
Ainda, que assim não fosse, o valor encontrado não respeita ao imóvel adquirido pelo Autor, que como resulta do ponto 2 da matéria de facto é um prédio rustico constituído por terreno bravio de 504 m2.
É sobre a ocupação deste prédio rústico que os RR respondem a título de enriquecimento sem causa, devendo o enriquecimento ser medido na ausência de elementos sobre a real vantagem adquirida a este titulo pelos mesmos, pelo valor locativo correspondente à sua natureza rustica e não outra, tendo como resultado a soma deste valor calculado ano a ano até à presente data.
II.2.1
Acresce que os RR à sua custa e com materiais adquiridos, por si, construíram benfeitorias que se traduziram na implantação de parte de uma casa constituindo uma ampliação do imóvel do prédio contíguo (factos 12, 14, 15 e 19) e de parte de piscina (facto 17) cujo montante de acordo com o supra referido deve ser avaliado e o respetivo custo deduzido ao que vier a ser devido pela ocupação, pois só assim se poderá determinar a medida do enriquecimento patrimonial dos RR.
II.2.2
Com efeito, estas construções no prédio do Autor devem ser consideradas benfeitorias úteis. Prescreve o artigo 1273.º do CC que “tanto o possuidor de boa fé, como o de má fé têm o direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que tenham feito, podendo inclusive levantar as benfeitorias úteis, desde que o façam sem detrimento para a coisa. Esclarecendo no n.º 2 que, “quando para evitar o detrimento da coisa, não possa haver lugar ao levantamento das benfeitorias, o titular deverá satisfazer o possuidor na medida do valor dessas benfeitorias, calculado nos termos do enriquecimento sem causa”.
O artigo 216.º do CC dispõe que “são benfeitorias todas as despesas realizadas para conservar ou melhorar a coisa”. O legislador, dentro destas despesas distinguiu ainda entre benfeitorias necessárias, as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; das benfeitorias úteis, que são as que não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam o valor; das benfeitorias voluptuárias, entendidas como as que não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, nem acrescentando valor à coisa, servem apenas para recreio do benfeitorizante.
II.2.3
As construções implantadas no prédios do Autor integram o conceito de benfeitorias, e de entre as benfeitorias elencadas na lei, as benfeitorias úteis, (artigo 216.º do CC).
Por outro lado, resulta também evidente das regras da experiência a impossibilidade de levantar essas benfeitorias sem evitar o detrimento da coisa.
No caso destes autos, não estamos a apreciar autonomamente o direito ao ressarcimemto por benfeitorias, uma vez que nada foi requerido nessa sede, mas este valor das benfeitorias é introduzido porquanto é indispensável ao cálculo da medida do enriquecimento a efetuar, impondo-se a subtração do custo total da obra implantada pelos RR ao valor do proveito obtido com a utilização pelos mesmos, no prédio do Autor, podendo até no final o resultado ser de soma nula, (ver, Vaz Serra BMJ 82º pp 190).
Finalmente quanto aos juros peticionados sempre se dirá que no enriquecimento sem causa os juros são devidos nos termos do artigo 480º do CC, o que determinaria desde logo a improcedência parcial do respetivo pedido dados os moldes em que é formulado, sendo certo, que no caso presente, atento, que o valor a restituir é pendente de liquidação a regra aplicável é a do artigo 805º/3 do CC pelo que, só após a liquidação do devido se poderá falar em vencimento de juros.
Pelo que no que ao mesmo pedido diz respeito não é de acolher a apelação, uma vez que não são devidos os juros peticionados.
Daqui que, se possa concluir pelo acolhimento da apelação apenas, parcial, quanto ao direito à restituição do enriquecimento indevido, pois a medida da restituição terá de ser apurada em liquidação, nos termos do disposto no artigo 609º/ 2, do Código de Processo Civil, conforme decorre do exposto, com o limite do pedido nos termos formulados na petição quanto ao capital.
SEGUE DELIBERAÇÃO:
PROCEDE PARCIALMENTE O RECURSO.
REVOGA-SE A SENTENÇA NA PARTE EM QUE NEGOU AO AUTOR O DIREITO À RESTITUIÇÃO DO VALOR DO ENRIQUECIMENTO DOS RR PELOS FACTOS DOS AUTOS, RECONHECENDO-SE ESSE DIREITO DO AUTOR, MAS EM MONTANTE A LIQUIDAR, CUJO LIMITE MÁXIMO É O VALOR DO PEDIDO FORMULADO NA PETIÇÃO QUANTO AO CAPITAL LIQUIDATÓRIO NOS TERNOS TERMOS DO ARTIGO 609/1 E 2 DO CPC E DE ACORDO COM OS CRITÉRIOS SUPRA MENCIONADOS EM II.2.1, II.2.2 E II.2.3.
Custas pelo Autor e RR na proporção do vencimento

Porto, 21de março, de 2024
Isoleta de Almeida Costa
Judite Pires
Francisca Mota Vieira