Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5668/18.9T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: CRÉDITOS LABORAIS
GRUPO SOCIETÁRIO
EMPRESA SEDIADA NO ESTRANGEIRO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RP202202145668/18.9T8MTS.P1
Data do Acordão: 02/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: A sociedade sediada fora de território nacional, numa relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, é responsável solidária pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta sociedade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 5668/18.9T8MTS.P1
Origem: Comarca Porto-Matosinhos-Juízo Trabalho-J2
Relator - Domingos Morais – Registo 959
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
Rui Penha


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

IRelatório
1. - AA intentou a presente acção declarativa com processo comum, na Comarca de Porto-Matosinhos-Juízo Trabalho-J2, contra
O..., S.A.,
P..., S.A.,
O1..., S.A.,
N...,
L..., S.A.,
G..., Lda, todos nos autos identificados, alegando, em resumo, que:
O autor foi admitido ao serviço da 1ª ré em 14.12.1992 para desempenhar as funções de desenhador, tendo estado ao serviço da 2ª ré, no âmbito de um acordo de cedência ocasional desde 1 de Outubro de 2015 até Março de 2017, data em que regressou ao serviço da 1ª ré, tendo ultimamente a categoria de desenhador preparador de obra II, auferindo a retribuição base de €1370,00 e isenção de horário de trabalho no valor de €342,50. Recebia ainda €26,75 por cada dia de trabalho a título de ajudas de custo, reembolsando ainda a 1ª e a 2ª ré o autor das despesas com deslocações em viatura própria. Até 31.12.2017, o autor recebia ainda 50% dos subsídios de férias e de Natal em duodécimos no valor mensal de € 71,35 cada.
A partir de Março de 2017 a ré deixou de lhe pagar a totalidade da retribuição devida, nada tendo mesmo recebido após 21.08.2018, concluindo que ficou por pagar parte da retribuição do mês de Fevereiro de 2018, bem como as retribuições, isenção de horário de trabalho e ajudas de custo referentes aos meses de Março de 2018 em diante, bem como o reembolso das despesas de deslocação respeitantes aos meses de Março de 2016 a Março de 2017 e respeitantes aos meses de janeiro a Outubro de 2018.
Por essa falta de pagamento das retribuições e prestações complementares, o autor comunicou à 1ª ré a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, por carta que a mesma recebeu em 17.10.2018, após o que recebeu da 6ª ré a quantia de € 1 702,12.
Como fundamento para demandar todas as rés solidariamente invoca que as mesmas fazem parte de um grupo estruturado de empresas, liderado pela 4ª ré, mantendo as mesmas uma estrutura organizativa comum, participando no capital umas das outras, tendo a 4ª ré o domínio das demais, exercendo o poder de decisão relativamente aos destinos destas.
Terminou, pedindo: “deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, por via disso:
a) Ser a 1.ª Ré condenada a reconhecer que o A. resolveu o contrato de trabalho com justa causa;
b) Ser a 1.ª Ré condenada a pagar ao A. a respectiva indemnização no montante líquido de €35.402,92 - ut art. 46.º;
«c) Ser a 1.ª Ré condenada a pagar ao A. as retribuições em falta, no montante global líquido de €15.580,11, calculado nos termos do disposto no art. 785.º do Cód. Civil - ut arts. 48.º e 49.º;
d) Ser a 1.ª Ré condenada a pagar ao A. as despesas, no valor líquido de € 835,56 - ut art. 50.º;
e) Ser a 2.ª Ré condenada a pagar ao A. as despesas, no valor líquido de € 1.907,40 - ut art. 50.º;
f) Ser a 1.ª Ré condenada a pagar ao A. a formação profissional não ministrada, no valor ilíquido de €829,90 – ut art. 51.º;
g) Ser a 1.ª Ré condenada a pagar ao A. os respectivos juros de mora, contabilizados desde as datas de vencimento respectivas e até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos na presente data – 16/11/2018 – em €226,33 – ut art. 52.º;
h) Serem as 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª Rés condenadas, em regime de solidariedade, a pagar ao A. os créditos acima identificados que, na presente data, se encontram vencidos há mais de 3 meses;
i) Serem as 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª Rés condenadas, em regime de solidariedade, a pagar ao A. todos os créditos acima identificados que, à data da prolação da decisão, se encontrem vencidos há mais de 3 meses e, bem assim, sob condição, aqueles que, decorridos 3 meses sobre a data do trânsito em julgado da decisão, subsistam em dívida; e
j) Legais consequências.”.
2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, as rés contestaram, conjuntamente, arguindo a ilegitimidade da 4.ª ré por ser uma sociedade de direito estrangeiro, entendendo que, como tal, face ao regime do art. 481.º do Código das Sociedades Comerciais, não pode ser responsabilizada, alegando que as 2.ª a 6.ª rés apenas são responsáveis pelos créditos salariais vencidos há mais de três meses, alegando que a falta de pagamento das retribuições do autor não é culposa por ter resultado de factores completamente alheios à 1ª ré, não tendo, por isso, o autor direito a indemnização e que mesmo que assim não se entenda a indemnização devida, sendo a culpa da 1ª ré diminuta, deve ser fixada no valor mínimo.
As rés impugnam ainda os concretos valores reclamados pelo autor, com excepção do valor referente à formação não ministrada.
Terminaram, concluindo:
A. Deverá o comportamento da Ré acima descrito ser tido, para todos os efeitos, como não culposo, não sendo, por isso, devida ao Autor a indemnização constante do artigo 396.º, n.º 1 do CT.
B. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, a culpa da Ré deverá ter-se por reduzida e, logo, a indemnização a pagar ao Autor nos termos do artigo 396.º, n.º 1 do CT não deverá exceder os 15 (quinze) dias de remuneração por cada ano de antiguidade.
C. Aos montantes peticionados pelo Autor deverão ser subtraídos todos os montantes já pagos pela Ré, bem como aqueles relativamente aos quais o Autor não tem direito.”.
3. - O autor respondeu à contestação, pugnando pela improcedência da ilegitimidade da 4.ª ré, com fundamento no Ac. do Tribunal Constitucional nº 227/2015 de 09/06, que julgou inconstitucional a interpretação conjugada dos arts. 334.º do Código do Trabalho e 481.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora do território nacional, pelos créditos emergentes de relação de trabalho subordinado com uma sociedade portuguesa em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, com aquela, que já havia invocado na petição inicial e alegando que sendo a 4.ª ré sediada num país pertencente à União Europeia tal interpretação sempre violaria não só o princípio da igualdade plasmado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa, com o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade previsto pelo art. 18.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, concluindo que a procedência da excepção da ilegitimidade da 4ª ré com fundamento no art. 481º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, justificará o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, o que peticiona a título subsidiário.
Relativamente à impossibilidade de responsabilização das 2.ª a 6.ª rés pelo pagamento dos créditos não vencidos há mais de 3 meses, o autor alegou que não só há créditos peticionados vencidos há mais de 3 meses, como nada impede a inclusão inicial das sociedades solidariamente responsáveis, ainda que as mesmas só venham a responder pelos créditos vencidos há mais de três meses, sendo a sua obrigação sujeita a termo.
Quanto à falta de culpa da 1.ª ré no atraso de pagamento das retribuições, o autor não só impugna os factos alegados pela 1.ª ré, como reitera a aplicabilidade da presunção inilidível de culpa prevista pelo art. 394.º, n.º 5 do Código do Trabalho.
O autor reitera os valores que lhe foram sendo pagos e as respectivas datas de pagamento, concluindo estarem em dívida as quantias reclamadas calculadas, como já havia referido na petição inicial, por aplicação do disposto pelo art. 785º do Código Civil.
4. - As rés pronunciaram-se pela inadmissibilidade da resposta à contestação na parte em que excedeu a pronúncia sobre a invocada excepção da ilegitimidade da 4ª ré, o que mereceu a discordância do autor e foi julgado improcedente.
5. - Na audiência preliminar, foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade processual da 4ª ré e dispensada a organização da matéria de facto com vista à produção de prova em julgamento.
6. - Por decisão de 11.03.2020, em virtude da respectiva declaração de insolvência, foi: (i) a instância julgada extinta por inutilidade superveniente da lide quanto às rés O..., S.A. (1.ª ré), P..., S.A. (2.ª ré) e X..., S.A. (5.ª ré); (ii) julgada improcedente a absolvição das restantes rés requerida pela ré N... com fundamento na inutilidade superveniente da lide relativa à 1ª ré e (iii) julgada extemporânea a arguição da ilegitimidade da 4ª ré com fundamento no facto que veio alegar em 16.01.2020, de ter deixado de ser titular, desde 06.12.2018, das acções da O1..., S.A., que por sua vez detinha a totalidade do capital social da O..., S.A., não podendo, pois, ser responsabilizada, solidariamente, com a O... nos presentes autos.
7. – Realizada a audiência de julgamento, sem representação das rés O1..., S.A. e G..., Lda., e tendo as partes prescindido da produção de toda a prova testemunhal, a Mma Juiz proferiu decisão:
“(J)ulgo a acção procedente e em consequência decido:
I – reconhecer a justa causa para a resolução do contrato de trabalho que vinculava o autor, AA à O..., S.A.
II - condenar as rés O1..., S.A., N... e G..., Lda solidariamente a pagar ao autor AA:
a) a quantia de €35 302,92 (trinta e cinco mil quatrocentos e dois euros e noventa e dois cêntimos) a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa;
b) a quantia líquida de €15 580,11 (quinze mil quinhentos e oitenta euros e onze cêntimos) a título de retribuições em falta;
c) a quantia líquida de €1 907,40 (mil novecentos e sete euros e quarenta cêntimos) a título de despesas referentes ao período de Março de 2016 a Março e 2017;
d) a quantia líquida de €835,56 (oitocentos e trinta e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos) a título de despesas referentes ao período de Janeiro a Outubro de 2018;
e) a quantia ilíquida de €829,90 (oitocentos e vinte e nove euros e noventa cêntimos) a título de formação não ministrada;
d) os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, calculados sobre as quantias referidas nas alíneas a) a e), desde os respectivos vencimentos até integral pagamento, perfazendo os vencidos até 16/11/2018 a quantia de €226,33 (duzentos e vinte e seis euros e trinta e três cêntimos).
Custas pelas rés – art. 527º do Código de Processo Civil.
Valor da acção: €54.782,22 (cinquenta e quatro mil setecentos e oitenta e dois euros e vinte e dois cêntimos).”.
8. – A ré N..., apresentou recurso de apelação, concluindo:
1.ª A Recorrente não aceita a sentença proferida pelo douto Tribunal, pois esta é claramente desprovida de justiça.
2.ª Questão relevante e fundamental nos presentes autos, e que desde já se impugna expressamente, é a decisão de verificação dos requisitos de responsabilidade solidária da Ré N... e a aplicação do disposto no artigo 334.º CT, e em consequência, a responsabilização/condenação da recorrente pelo peticionado pelo Autor.
3.ª A douta decisão recorrida não pode ser aplicada à Recorrida N..., resultando inequívoco a inaplicabilidade do disposto no artigo 334.º CT conjugado com o disposto no artigo 481.º CSC nos presentes autos.
4.ª A Recorrente N... é uma sociedade comercial constituída ao abrigo das leis do Luxemburgo, registada sob o n.º B…..40, com o NIPC ..., com sede na Rue ....
5.ª Expressamente, o art. 481.º CSC, refere no seu n.º 2 que o presente título se aplica apenas a sociedades com sede em Portugal.
6.ª O artigo 3.º, n.º 1, do CSC, é a regra de conflitos nuclear em matéria de sociedades comerciais, estipulando que as sociedades têm como lei pessoal a lei do Estado onde se encontre situada a sede principal efetiva da sua administração.
5.ª Dúvidas não existem que o legislador ordinário português não excluiu (nem previu) a responsabilidade das sociedades estrangeiras ao abrigo Título V do Código das Sociedades Comerciais e, por conseguinte, do artigo 334.º do Código do Trabalho.
6.ª Ao invés, o legislador ordinário português, através de uma regra de direito dos conflitos, apenas se limitou a não estender a aplicação da lei portuguesa a sociedades estrangeiras, nomeadamente, em matéria de responsabilidade. E isto porque o legislador português não opera qualquer diferenciação infundada de regimes de responsabilidade entre sociedades estrangeiras e sociedades portuguesas, pois, repise-se, o legislador português limita-se a não estender a aplicação da lei material portuguesa a sociedades estrangeiras.
7.ª E ainda que se julgue inconstitucional a interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais no sentido de impedir “(…) a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura (…)” – o que apenas se admite para efeitos de raciocínio – a verdade é que o disposto nos referidos artigos sempre impediria, (até porque nunca foram votadas a um juízo de inconstitucionalidade) que o regime previsto nos artigos 481.º e ss do Código das Sociedades Comerciais e, por conseguinte, do artigo 334.º do Código do Trabalho se aplica-se às sociedades estrangeiras.
8.ª Em última ratio, não pode o nosso ordenamento jurídico português violar o «TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA» a que se vinculou, mormente o disposto no artigo 18.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, discriminando negativamente e em razão da nacionalidade as empresas com sede noutro Estado Membro da União.
9.ª Em conclusão, à luz do quadro legal vigente, não restam dúvidas de que a Recorrente não é parte legítima na presente acção, não podendo ser, de modo algum, responsabilizada e/ou condenada a qualquer pagamento peticionado pelo Autor.
10.ª Assim, a aqui recorrente não pode estar de acordo com o douto tribunal, sendo inquestionável que o tribunal interpretou e aplicou de forma errónea e contra legem as normas que fundamentam a sua decisão nos presentes autos.
Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências não deixarão de doutamente suprir, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a sentença ora proferida revogada, e em consequência, ser a Ré/Recorrente N... absolvida in totum do pedido formulado pelo A., Tudo, como é de Direito e de SÃ JUSTIÇA!”.
9. – O autor contra-alegou, concluindo:
A interpretação dos artigos 334.º do C.T. e 481.º, n.º 2 do C.S.C. no sentido de excluir a responsabilidade solidária da Recorrente, com diminuição das garantias do Recorrido, pelo simples facto de aquela, enquanto sociedade dominante da entidade patronal do Recorrido, ter sede noutro Estado-Membro, por comparação a uma sociedade, com sede em Portugal, que exerce o controlo e que é responsável com o empregador pelos créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencidos há mais de três meses, nos termos do art. 334.º do C.T. estabeleceria uma diferenciação entre as sociedades que seria violadora do princípio da igualdade, sem fundamento material bastante, não só violando o princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP, como também o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, constante do art. 18.º do TFUE. Termos em que, face ao exposto, deve ser negado provimento ao recurso, devendo, por isso, manter-se na íntegra a douta sentença posta em crise, por não lhe dever ser feito qualquer reparo, COMO É DE JUSTIÇA!”.
10. - O M. Público, junto deste Tribunal, não emitiu parecer nos termos que antecedem.
11. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida decisão sobre a matéria de facto que aqui damos por reproduzida, por não impugnada e atento o particular objecto do recurso.

III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões dos recorrentes, supra transcritas.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2.Objecto do recurso:
- Da não responsabilidade solidária da ré recorrente, nos presentes autos, por inaplicabilidade do disposto no artigo 334.º Código do Trabalho (CT), conjugado com o disposto no artigo 481.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
3. - Da inaplicabilidade do disposto no artigo 334.º do CT, conjugado com o disposto no artigo 481.º do CSC.
3.1. – Sobre este particular objecto do recurso, a Mma Juiz consignou na sentença recorrida:
“(…), o que importa é decidir se se verificam os requisitos da referida responsabilidade solidária, se a ré N..., tendo sede no Luxemburgo pode ainda assim, ser responsabilizada pelo pagamento e se a responsabilidade das rés, a existir, é restrita aos créditos vencidos três meses antes da propositura da acção.
Dispõe o art. 334º do Código do Trabalho que “Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos arts. 481º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.”
As relações de participações recíprocas estão definidas no art. 485º, as relações de domínio estão previstas pelo art. 486º e as relações de grupo estão previstas no art. 488º e 489º, todos do Código das Sociedades Comerciais.
As rés reconheceram, tal como se deixou provado, que fazem parte de um grupo estruturado de empresas liderado pela ré N..., subsumindo-se as suas relações ao disposto pelo art. 488º do Código das Sociedades Comerciais.
Ainda que assim não fosse, considerando o que se apurou quanto à titularidade das acções e das quotas das rés (pontos 22) a 25) dos factos provados), sempre seria de reconhecer existir entre a entidade empregadora do autor relações de domínio tal como definido pelo art. 486º do Código das Sociedades Comerciais, sendo dominante a ré N... em relação à O1..., S.A. e por via desta, em relação à entidade empregadora e à G..., Lda.
Por isso, ainda que nenhuma das rés que remanescem seja entidade empregadora do autor, ao abrigo do disposto pelo citado art. 334º do Código do Trabalho, todas são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos créditos reclamados pelo autor.
O art. 481º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, dispõe, contudo, que as disposições do capítulo relativo às relações entre sociedades se aplica a penas a sociedades com sede em Portugal, motivo pelo qual, a ré N... veio invocar que não pode ser responsabilizada pelo pagamento dos créditos do autor.
Discorda-se, contudo, desta posição da ré, concordando-se inteiramente com a posição do Tribunal Constitucional vertida no Ac. nº 227/2015 de 09/06, que decidiu “Julgar inconstitucional a interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, da CRP”.
Na verdade, admitir outra solução seria admitir uma dualidade de regimes - sem fundamento justificável - relativos às garantias de créditos laborais, em função do lugar da sede da empresa dominante do empregador, dotando os créditos de trabalhadores de empresas sediadas ou dominadas por empresas sediadas em Portugal, de maiores garantias do que os daqueles trabalhadores de empresas dominadas por empresas estrangeiras, em manifesta oposição quer à ratio do art. 334º do Código do Trabalho, quer ao princípio constitucional da igualdade plasmado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, quer, nos casos como o dos autos em que está em causa um grupo dominado por uma empresa sediada num Estado membro da União Europeia, ao princípio comunitário plasmado pelo art. 18º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia da não discriminação com fundamento na nacionalidade.
Conclui-se, pois, que o disposto pelo art. 334º do Código do Trabalho é aplicável mesmo que as sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou grupo, com o empregador, não tenham sede em Portugal, pelo que, improcede a pretensão da ré N..., com fundamento no facto de ter sede no estrangeiro.”.
3.2. – A ré recorrente, sediada no Luxemburgo, invoca o disposto no artigo 481.º, n.º 2, do CSC, para afastar a sua responsabilidade solidária no pagamento dos créditos reconhecidos ao autor na sentença recorrida, por força do artigo 334.º do CT.
3.3.Quid iuris?
O artigo 334.º do Código do Trabalho dispõe:
Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos arts. 481º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.”.
E o artigo 481.º, n.º 2, do CSC, prescreve:
2 - O presente título aplica-se apenas a sociedades com sede em Portugal, salvo quanto ao seguinte:
a) A proibição estabelecida no artigo 487.º aplica-se à aquisição de participações de sociedades com sede no estrangeiro que, segundo os critérios estabelecidos pela presente lei, sejam consideradas dominantes;
b) Os deveres de publicação e declaração de participações por sociedades com sede em Portugal abrangem as participações delas em sociedades com sede no estrangeiro e destas naquelas;
c) A sociedade com sede no estrangeiro que, segundo os critérios estabelecidos pela presente lei, seja considerada dominante de uma sociedade com sede em Portugal é responsável para com esta sociedade e os seus sócios, nos termos do artigo 83.º e, se for caso disso, do artigo 84.º;
d) A constituição de uma sociedade anónima, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 488.º, por sociedade cuja sede não se situe em Portugal.”.
As dúvidas que têm sido suscitadas nos Tribunais nacionais em torno da exclusão do âmbito subjectivo da responsabilidade solidária, prevista no citado artigo 334.º do CT, das sociedades que não têm sede em Portugal, por força do estatuído no citado n.º 2 do artigo 481.º do C.S.C, foram esclarecidas pelo Tribunal Constitucional, não só no Acórdão n.º 227/2015, de 09.06.2015, citado na sentença recorrida, mas, sobretudo, no Acórdão n.º 272/2021, de 05.05.2021, processo n.º 1161/2019, no qual foi decidido “declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da interpretação conjugada das normas contidas no artigo 334.º do Código do Trabalho e no artigo 481.º, n.º 2, proémio, do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impede a responsabilidade solidária da sociedade com sede fora de território nacional, em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com uma sociedade portuguesa, pelos créditos emergentes da relação de trabalho subordinado estabelecida com esta, ou da sua rutura, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.”. (negrito nosso)
Em resumo, a referida declaração de inconstitucionalidade tem como fundamento:
“Do ponto de vista dos trabalhadores da sociedade dominada, a garantia dos créditos laborais contemplada no artigo 334.º do CT concretiza-se no direito a verem transferido para a sociedade dominante o risco de insolvência do empregador, ao invés de o suportarem eles próprios. À perda de autonomia económica do empregador decorrente da sua subordinação a uma direção unitária externa o legislador faz corresponder uma intensificação da garantia patrimonial dos créditos laborais dos respetivos trabalhadores, obviando assim a que tal garantia seja negativamente afetada pela relação de dependência intersocietária.
Desde logo pela conexão que o direito à retribuição mantém com a subsistência do trabalhador (cfr. João Caupers, Os direitos fundamentais dos trabalhadores e a Constituição, Coimbra, Almedina, 1985, p. 115) e esta com os meios necessários a uma existência condigna, tal garantia não é de pequena importância. Através dela, confere-se aos trabalhadores de sociedades dominadas, dependentes ou agrupadas a faculdade de reclamarem os seus créditos laborais de quem não é seu empregador, mas está com ele coligado, evitando-se que sobre os mesmos se projete o risco de vulnerabilização do património da sociedade empregadora que deriva da respetiva sujeição a um diretório empresarial unitário. Assim, ao limitar o âmbito de aplicação da garantia prevista no artigo 334.º do CT aos casos em que ambas as sociedades coligadas tenham a sua sede localizada em território nacional, o legislador coloca, assim, os trabalhadores da sociedade-filha na impossibilidade de obterem a satisfação dos seus créditos laborais da sociedade-mãe cuja sede se encontre situada em país estrangeiro, debilitando relevantemente a respetiva posição sempre que o património daquela se torne insuficiente para tal efeito.
Ora, a medida da diferença de tratamento a que nestes termos são sujeitos os trabalhadores das sociedades subordinadas portuguesas não mantém com o valor subjacente ao fim que para ela se invoca a «relação de equitativa adequação» exigida pelo princípio da igualdade (Acórdão n.º 330/1993). Para além de não assumir um relevo constitucional autónomo, o interesse na captação de capitais estrangeiros, embora legítimo, não dispõe de peso suficiente para justificar que a trabalhadores em igual posição e com igual dignidade social sejam atribuídas diferentes garantias salariais. Conclusão tanto mais evidente quanto certo é que, na concretização e conformação destas garantias, o legislador não se move num «terreno constitucionalmente neutro, mas antes num domínio informado pela «relevância constitucional da retribuição» e pela «preocupação da Constituição em proteger a autonomia dos menos autónomos na relação de trabalho» (Rui Medeiros, in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, volume I, 2.ª edição revista, Universidade Católica Editora, 2017, anot. XXV ao artigo 59.º, p. 1168). Em face do que se dispõe no artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, a captação de investimento estrangeiro não constitui, em suma, uma razão suficientemente forte e ponderosa para justificar, no âmbito do direito aplicável à coligação de sociedades, tanto a intensidade quanto a extensão da desigualdade de tratamento que deriva da atribuição de distintas garantias pelos créditos emergentes do incumprimento do contrato de trabalho aos trabalhadores de sociedades dominadas, dependentes ou agrupadas, consoante a sociedade com esta coligada tenha a sua sede localizada em pais estrangeiro ou em território nacional. É por originar tal espécie de desequilíbrio que a norma sindicada viola o princípio da igualdade.” – fim de citação.
Considerando que a mencionada declaração de inconstitucionalidade, tem força obrigatória geral, e considerando o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil - “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” - entendemos que não assiste razão à ré recorrente, pelo que é de confirmar a sua responsabilidade solidária no pagamento dos créditos reconhecidos ao autor na sentença recorrida.
Uma nota final:
Na 8.ª conclusão do recurso, a recorrente alegou:
8.ª Em última ratio, não pode o nosso ordenamento jurídico português violar o «TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA» a que se vinculou, mormente o disposto no artigo 18.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, discriminando negativamente e em razão da nacionalidade as empresas com sede noutro Estado Membro da União.”.
A recorrente não só não concretizou qual a alegada “discriminação negativa em razão da nacionalidade das empresas”, como o alegado “artigo 18.º do «TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA»”, na sua “versão consolidada”, que consta da base de dados, não versa sobre esse tema, mas sobre a nomeação, pelo Conselho Europeu, do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.
De todo o modo, sobre a harmonização de normas nacionais e internacionais sobre o regime da responsabilidade solidária, pode ler-se no citado Acórdão do TC:
Do mesmo modo, também não colhe o argumento segundo o qual a diferenciação se justifica pela dificuldade de mobilização de institutos próprios do direito internacional privado - designadamente, substituição enquanto correspondência de tipos sociais regulados por lei estrangeira àqueles que, na lei portuguesa, estão submetidos ao regime da responsabilidade solidária. Com efeito, com dificuldade maior ou menor, a verdade é que o direito internacional privado dispõe das ferramentas para a solução do problema, cabendo ao julgador proceder à substituição ou transposição do tipo social estrangeiro no equivalente mais próximo da lei portuguesa (cf. Baptista Machado, "Problemas na aplicação do direito estrangeiro - adaptação e substituição", Boletim da Faculdade de Direito, vol. XXXVI, 1960, p. 339). Tarefa que, não sendo em si mesma insuperável, se encontra, além do mais, em larga medida facilitada pelos próprios instrumentos do direito da União, em particular aqueles que, de modo a permitir a aplicação em cada Estado-Membro da disciplina uniformizada relativa às sociedades comerciais, contêm uma tabela de correspondência entre os tipos societários previstos em cada um deles (cf. Anexos I e II da Diretiva 2013/34/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações financeiras consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas, que altera a Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 78/660/CEE e 83/349/CEE do Conselho)”.
Improcede, assim, o recurso de apelação deduzido pela ré recorrente.

IV.A decisão
Atento o exposto, acordam os Juízes, que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, julgar improcedente a apelação da ré recorrente.

Custas a cargo da ré recorrente.

Porto, 2022.02.14
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha