Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DOS PRAZERES SILVA | ||
Descritores: | VIDEOVIGILÂNCIA PROVA PROIBIDA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP20171011636/15.5T9STS.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/11/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 730, FLS 12-20) | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Não constitui prova proibida nem é ilícita a captação de imagens por aparelho de videovigilância, se esta captação não ocorre em local privado mas antes para local acessível ao publico e os acontecimentos filmados não atingem o núcleo essencial da intimidade da vida privada. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n. º 636/15.5T9STS.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO: Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, foram submetidas a julgamento as arguidas B... e C..., tendo sido proferida sentença que condenou as arguidas pela prática de um crime de falsidade de testemunho, previsto e punido no artigo 360.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos seguintes: - na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo a quantia global de €960,00 (novecentos e sessenta euros), a arguida B...; - na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a quantia global de €770,00 (setecentos e setenta euros), a arguida C.... * Inconformada com a sentença condenatória, a arguida C... interpôs recurso, apresentando a motivação que remata com as seguintesCONCLUSÕES: PRIMEIRA Salvo o devido respeito, a arguida não pode concordar com o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo donde se extrai que a visualização de imagens é lícita. SEGUNDA Com efeito, é notório de que se trata de um escritório e não de um local de acesso ao público. TERCEIRA A jurisprudência tem entendido, de modo pacífico que a obtenção de fotogramas será admissível em caso de documentar a prática de uma infração criminal. QUARTA No caso em apreço, verificamos que o local não corresponde ao estabelecimento comercial, mas a uma sala de reuniões. Por outro lado, a câmara em apreço não tem em vista registar imagens para proteção dos bens ou integridade física de quem aí se encontre. QUINTA O crime de que a arguida vem acusada ocorreu em momento posterior a quando da tomada de declarações à arguida e recorrente. SEXTA Acresce que as imagens registaram momentos da vida particular da arguida B... e D... que se traduzem numa alegada discussão entre o casal. SÉTIMA Por isso, parece existir uma contradição na sentença que refere que “O crime consuma-se logo que pelo agente sejam prestadas as declarações contrárias à verdade.” Ou seja, o crime não está documentado na captação das imagens. OITAVA Importa reter o teor do documento de fls. 268 donde se extrai os termos da autorização da C.N.P.D. a qual não permite a colocação de câmaras em salas de reuniões ou zonas de espera. NONA Mais uma vez, constatamos que o local não de acesso público. DÉCIMA Para este juízo, o Tribunal a quo não terá apreciado e valorado o depoimento da coarguida acima citado. DÉCIMA PRIMEIRA Assim, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts 167.º n.º 1 e art. 125.º e 126.º do C.P.P. e art. 32.º n.º 8.º da CRP que impedem a utilização da captação das imagens e dos fotogramas como meio de prova. DÉCIMA SEGUNDA Se assim não fosse entendido, não teria qualquer utilidade os limites da Autorização da CNPD, nem o sentido da lei que a limita. DÉCIMA TERCEIRA Da audiência de julgamento não foram inquiridas testemunhas da Acusação Pública. Logo, sobram apenas as declarações da arguida (acima identificadas) que confirmam a prática de atos suscetíveis de integrar o crime de violência doméstica; o teor das declarações da Testemunha E.... DÉCIMA QUARTA De notar que da participação consta também a imputação à testemunha D... de ter proferido injúrias. Facto este que é confirmado pelas declarações da coarguida B... (acima identificadas) que o Tribunal a quo não valorizou, mas que abunda prova nesse sentido. DÉCIMA QUINTA Mas mesmo que assim não se entenda, verificamos que no documento de fls. 12 constata-se que a arguida C... não foi advertida das consequências penais das eventuais falsas declarações. DÉCIMA SEXTA Assim, consideramos que o elemento subjetivo do tipo de ilícito não se encontra preenchido. DÉCIMA SÉTIMA Por todo o exposto, dever-se-á considerar como não Provado os pontos 8., 9., 10., 11., 12. DÉCIMA OITAVA Mas mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que a participação da arguida é diminuta e pouco esclarecida, como vimos acima. Por isso, a medida da pena e a intensidade do dolo deverá ser considerada diminuta. DÉCIMA NONA Também a medida da pena não teve em conta os rendimentos da recorrente de cerca de €150,00 mensais. VIGÉSIMA O Tribunal a quo, sem conceder, sempre deveria ter reduzido ao mínimo legal o quantitativo diário da pena de multa. Ao não decidir como propugnado, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.s 40.º, 47.º e 71.º do CP. TERMOS EM QUE DEVERÁ A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E, EM SUA SUBSTITUIÇÃO SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE ABSOLVA A ARGUIDA, COMO SUPRA PROPUGNADO, OU SE ASSIM NÃO FOR ENTENDIDO E SEM CONCEDER, REDUZIR AO MÍNIMO A MEDIDA DA PENA. * O Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta, na qual pugnou pelo não provimento do recurso.* Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no qual pugnou pela procedência parcial do recurso, quanto à redução da taxa diária da multa ao mínimo legal.* Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta, na qual a recorrente invoca que o parecer não aborda todas as questões colocadas no recurso e afirma concordância com a redução da pena ao mínimo legal.* Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.* II. FUNDAMENTAÇÃO:A. A decisão recorrida fixou os seguintes Factos Provados: 1) O processo de Instrução n.º 516/14.1PIPRT iniciou-se com o auto de denúncia por violência doméstica em que B... denunciou, além do mais, que D..., no dia 19 de março de 2014, cerca das 17.00, no escritório do edifício industrial da empresa F..., situado na Rua ..., na cidade da Trofa, na sequência de uma discussão desferiu-lhe «(..) diversos socos no peito e nos braços ao mesmo tempo que proferia as seguintes palavras: "Ó caralho, não há mulher nenhuma", "Ó filha da puta, eu não tenho ninguém." (..)».2) Nessa denúncia apresentou como testemunha C..., que presenciou os factos denunciados. 3) O auto de denúncia deu lugar ao inquérito por violência doméstica com o n.º 516/14.1PIPRT, onde a B... era ofendida, foi constituído arguido D... e testemunhou C.... 4) Procedeu-se ao competente inquérito e a ora arguida B..., no dia 26 de Março de 2014, prestou declarações, perante a autoridade policial, apôs ter sido devidamente advertida de que estava sujeita ao dever da verdade e à responsabilidade penal pela sua violação e de seguida prestou declarações dizendo «confirmar o teor do auto de denúncia, que neste auto lhe foi lido por corresponder inteiramente à verdade», mais declarando que «(..) Que no início do relacionamento tudo corria dentro da normalidade, sendo que, nos últimos 12 anos, o relacionamento tem-se degradado progressivamente, ocorrendo vários episódios de violência doméstica anteriores «onde ocorreram agressões verbais e físicas»» que culminaram nos acontecimentos do passado dia 19 do presente mês e ano (...)» 5) A ora arguida C..., depondo sobre a matéria em causa naqueles autos, perante a autoridade policial, no dia 17 de Junho de 2014, e na qualidade de testemunha do inquérito n.º 516/14.1PIPRT, apôs ter sido devidamente advertida de que estava sujeita ao dever da verdade, declarou que «(..) no último dia 19 de março, que estava em casa da ofendida B..., sita na Rua ..., .., 1.º Esq., Porto, e esta lhe pediu que a acompanhasse até ao seu estabelecimento na cidade da Trofa, a fim de falar com o seu marido. Logo que chegaram, a B... entrou para o escritório, onde se encontrava o seu marido, e de imediato começaram a discutir, tendo a depoente ouvido parte da conversa, pois o marido da ofendida faz uso de aparelho auditivo e fala muito alto, tendo que as pessoas também faiar no mesmo tom para ele ouvir, dizendo o marido da ofendida o seguinte "eu não tenho ninguém, já não falo com ela há muito tempo". De seguida, o marido da ofendida sai do escritório e é seguido pela ofendida, continuando ele a dizer "caralho não tenho ninguém, não falo com ela há muito tempo" e em simultâneo, desfere vários empurrões atingindo a ofendida na zona do peito. Perante isto, a depoente diz ao marido da ofendida "Sr. D... não lhe faz mais nada" e este vai para o parque exterior, introduz-se no seu carro e abandona as instalações do estabelecimento (..).» 6) Na sequência da prova produzida no inquérito foi deduzida acusação contra o D... imputando-lhe, além do mais, que no dia 19 de Março de 2014, cerca das 17.00, no escritório do edifício industrial da empresa F..., situado na Rua ..., na cidade da Trofa, na sequência de uma discussão, o arguido atingiu a ofendida com diversos socos no peito e nos braços e ainda lhe dirigiu as seguintes expressões: "Ó caralho, não há mulher nenhuma", "Ó filha da puta, eu não tenho ninguém.". 7) No entanto, requerida que foi por D... a abertura da instrução e realizada a prova, nomeadamente, visualizado um CD que continha as imagens recolhidas no sistema instalado no local de trabalho do arguido D..., no local onde os factos denunciados e descritos na acusação atinentes ao dia 19 de Março de 2014 sucederam, resulta inequívoco que foi a arguida B..., que no dia 19 de Março de 2014 se deslocou ao trabalho do D..., quem iniciou com ele uma acesa discussão e quem o empurrou, por inúmeras vezes, colocando-lhe as mãos no peito, o que sucedeu perante a passividade da testemunha C.... 8) As imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância instalado no local evidenciam a postura da ofendida, que dirige o dedo em riste, gesticulando, provocando e empurrando o D..., ali arguido, não obstante as tentativas de afastamento encetadas por este, o que sucede, nomeadamente, quando saem do escritório. 9) Da visualização das imagens ficou demonstrado que B... e C..., ora arguidas e ali, respetivamente, ofendida e testemunha, declararam falsamente que o D..., empurrou a B..., no peito e braços, bem como que aquele tenha sido alertado pela C... para parar com as agressões. 10) As arguidas prestaram assim falso testemunho relativamente a factos sobre as quais depuseram, o que quiseram e fizeram, bem sabendo que declaravam factos que não correspondiam à verdade. 11) Agiram as arguidas livre e conscientemente, bem sabendo da indispensabilidade de deporem com verdade. 12) Atuaram as arguidas com o propósito de faltar à verdade no que diz respeito às declarações prestadas, sabendo que, dessa forma, praticavam ato proibido e punível por lei. Quanto à arguida B... 13) É reformada, auferindo a quantia mensal de €280,00 de pensão. 14) Vive sozinha em casa própria. 15) Tem a 4.ª classe como habilitações literárias. 16) Não tem antecedentes criminais. Quanto à arguida C... 17) Trabalha como empregada doméstica, auferindo cerca de €150,00 mensais. 18) Vive sozinha numa casa emprestada, nada pagando para aí residir. 19) Tem a 4.º classe como habilitações literárias. 20) Tem uma filha com 24 anos de idade. 21) Não tem antecedentes criminais. * B. Foram fixados os seguintesFactos Não Provados: a) Na situação referida em 5) supra foi advertida de que incorria em responsabilidade penal por faltar à verdade.* C. Da decisão consta a seguinte Motivação da decisão de facto: Na formação da sua convicção o Tribunal analisou de forma livre, crítica e conjugada, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127.º do Código de Processo Penal.Em concreto, relativamente aos factos constantes dos pontos 1) a 12) supra, assentamos a nossa convicção no teor da certidão do processo de instrução n.° 516/14.1PIPRT, da qual consta o auto de denúncia, os autos de declarações/inquirição, o despacho de acusação, bem como a ata do debate instrutório, no qual foi proferida decisão de não pronúncia, tudo conforme foi provado nos pontos 1) a 7) supra. O teor destes documentos não foi contrariado por nenhum elemento probatório, sendo certo que as arguidas reafirmaram os depoimentos que prestaram no âmbito do referido inquérito. No que diz respeito à falsidade de tais depoimentos, a nossa convicção formou-se com base na visualização das gravações de videovigilância constantes do CD junto aos autos a fls. 29 (dos quais se retiraram os fonogramas de fls. 46 a 57). Quanto a esta matéria, as arguidas suscitaram a invalidade dessas gravações enquanto meio de prova, sobre o que já nos pronunciámos por despacho proferido na sessão da audiência de discussão e julgamento de 02/02/2017 e consignado na ata de fls. 260/264. Importa, contudo, reafirmar a nossa posição relativamente à validade das mesmas. Com efeito, da certidão do processo de instrução n.º 516/14.1PIPRT de fls. 267 a 277 destes autos resulta que as imagens constantes do CD visionado foram captadas pelo sistema de videovigilância existente no estabelecimento da sociedade F..., S.A., sito na rua ..., ..., ....-... Trofa, colocado a coberto da autorização concedida pela Comissão Nacional de Proteção de Dados. Essa autorização é a que consta de fls. 268 a 272 e as fotografias de fls. 274 a 276 confirmam a existência dos avisos informativos da existência de videovigilância. Das imagens resulta que os espaços onde foram colocadas as câmaras que captaram as imagens visualizadas estão dentro dos limites fixados pela autorização. O primeiro parece tratar-se de uma zona interna de circulação, já que dela se acede do parque de estacionamento até aos escritórios, e o segundo é o próprio parque de estacionamento. Assim, estas gravações são lícitas, não violando a referida autorização nem qualquer das disposições previstas na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro. Contudo, como também já dissemos, a ilicitude dessas gravações enquanto meio de prova em processo penal não se afere pela sua conformidade com tais disposições administrativas e legais. Como tem vindo a ser afirmado pela jurisprudência maioritária, a verificação da existência ou não da autorização concedida pela Comissão Nacional de Proteção de Dados para a colocação de câmaras de vigilância nos estabelecimentos comerciais "não define, por si só, a ilicitude ou a ilicitude penal da recolha ou utilização dessas imagens, pois que a tipificação penai das gravações ou fotografias ilícitas encontra-se no artigo 199.º do Cód. Penai e não noutros preceitos de natureza não penal (cf. acórdão do Tribunal da relação do Porto de 23/01/2013, proc. 932/07.5TAVRL.P1, in www.dgsi.pt). Ou seja, nos termos do artigo 125.º do Código Processo Penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. No artigo 126.º do mesmo diploma descrevem-se os casos em que as provas são nulas não podendo ser utilizadas, incluindo-se no n.º 3, as provas obtidas mediante a intromissão na vida privada, no domicílio e na correspondência das telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular. Contudo, esse n.º 3 ressalva expressamente dessa proibição os casos legalmente previstos na lei. Da mesma forma, de acordo com o artigo 167.º, n.º 1, do Código Processo Penal: as reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo gerai, quaisquer produções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas nos termos da lei penal. E, diz o n.º 2 do mesmo preceito legal, que não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior, as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no Título III do CPP. Os factos ou coisas reproduzidas em violação da lei penal são as se integram no art.º 199.º do Código Penal. Ora, o n.º 2 deste preceito prevê a punição de quem, sem consentimento, fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado. Tutela-se neste ilícito, o direito à imagem com consagração constitucional no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa e também protegido no artigo 79.º, n.º 1 do Cód. Civil, segundo o qual o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, produzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela. Porém, essa necessidade de consentimento sofre as exceções previstas no n.º 2 do artigo 79.º do Código Civil, que refere que não é necessário o consentimento de pessoa retratada quando assim o justifiquem na sua notoriedade, o cargo que desempenhem e em particular, neste caso, as exigências de polícia ou de justiça, finalidade científicas, didácticas ou culturais ou quando a reprodução de imagem vier enquadrada em lugares públicos ou onde há de facto interesse público que haja o pedido publicamente. É o próprio artigo 79.º, n.º 2 que prevê, então, a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada nas situações aí previstas, o que terá que ser considerado extensível ao Direito Penal face à natureza fragmentária e aos princípios de intervenção mínima e da unidade da Ordem Jurídica, sob pena de contradição dentro do próprio sistema jurídico, artigo 31.º, n.º 1 do Cód. Penal, daí decorrendo não ser penalmente ilícito aquilo que qualquer outro ramo declara lícito. Assim, como refere Costa Andrade, na determinação da área de tutela típica do direito à imagem deve ainda atender-se ao disposto no artigo 79.º, n.º 2, do CC, e portanto nas situações contempladas neste artigo, de facto, não se pode falar em fotografias/imagens ilícitas. Ora, tendo em conta que a finalidade das gravações era a protecção de pessoas e bens (como já constava da autorização dada pela CNPD), isto é, exigências de polícia e de justiça, e que se tratam de espaços de acesso ao público, e ponderando ainda os valores em causa, designadamente dos factos comprovados por aquele meio de prova integrarem o próprio crime que aqui estamos a julgar, julgamos que tais imagens não são penalmente ilícitas, não sendo também por isso, prova nula. Ora, da visualização objetiva de tais imagens (que se efectuou durante a audiência de julgamento e perante as arguidas) resulta inevitavelmente que nas circunstâncias de tempo e de lugar indicadas pela ora arguida B... na sua denúncia e, depois, no seu depoimento (em que confirma o teor da denúncia), D... não a agrediu fisicamente, designadamente, não lhe desferiu qualquer empurrão ou soco nos braços ou no peito. Todo o contacto físico entre B... e D... é da iniciativa daquela, limitando-se este a fugir e a afastá-la, já que é a própria que chega a empurrar aquele D.... A qualidade destas imagens pode não ser excepcional, mas está muito longe de ser imprestável e de comprometer o resultado da análise objetiva que acima expusemos. Tais factos resultam claramente dessas imagens. E tendo em consideração que a presença das arguidas naquelas circunstâncias de tempo e de lugar está confirmada pelas imagens (constatando-se a correspondência física com as arguidas presentes na audiência) e pelas próprias, que à medida que visualizávamos as mesmas iam dando mostras de se reconhecer naquelas imagens (indicando-se até uma à outra), as mesmas não podiam deixar de saber o que ali se passou, e mais concretamente o que ali não se passou, designadamente, que naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, D... não agrediu fisicamente B.... Por isso, também não podiam deixar de saber que ao dizer o contrário, estavam a faltar à verdade. Para além deste elemento probatório, foram inquiridas duas testemunhas G... e E.... O primeiro é filho da arguida B... e o segundo motorista de táxi que habitualmente conduz aquela arguida. Nenhum presenciou os factos relatados pelas arguidas quando inquiridas na qualidade de testemunhas, nem observou qualquer tipo de lesão que a mesma tivesse, sendo os seus depoimentos insusceptíveis de infirmar o que resulta da visualização do CD. A circunstância de a arguida B... se ter deslocado dias depois ao Hospital ... (como referiu a testemunha E..., que a conduziu) e de se queixar das agressões do arguido ao seu filho, também não infirma a verdade demonstrada por tais imagens. Assim, não podemos deixar de afirmar que as declarações das arguidas durante a audiência de julgamento, reafirmando tais agressões e localizando-as no momento e no espaço evidenciado pelas imagens, postura que a arguida B... manteve mesmo após a visualização das imagens, não corresponde minimamente à verdade dos factos. Quanto à matéria relativa ao elemento subjectivo, constante dos pontos 10) a 12) supra, tivemos em consideração, por um lado, o facto de constar dos respectivos autos de inquirição que as ora arguidas foram antes advertidas da obrigação de falar com verdade (e no caso da arguida B..., também das consequências penais de faltar à verdade do seu depoimento), por outro lado, das próprias regras de experiência comum, sendo do conhecimento da generalidade dos cidadãos, com o mínimo de capacidade intelectual (o que as arguidas garantiram ter durante a audiência) que ao serem submetidas a uma inquirição realizada em posto policial, por um militar da GNR, e que depois assinam tal auto, estão sujeitas à obrigação de falar com verdade e de que a violação desta obrigação acarreta consequências penais. Os factos relativamente às condições pessoais das arguidas resultam das declarações prestadas pelas próprias, as quais, nesta parte, não foram infirmadas pelos restantes elementos probatórios. Relativamente à ausência de antecedentes criminais, valoramos o teor dos certificados de registo criminal de fls. 235 e 236. O facto não provado supra resultou da ausência de prova no seu sentido, tanto mais que tal advertência não consta do auto de inquirição de fls. 11/12. * D. Apreciação do recurso:Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pela recorrente, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso. No presente recurso submete-se à apreciação deste tribunal ad quem as questões seguintes: > Valoração de prova proibida; > Impugnação da matéria de facto; > Subsunção jurídica dos factos; > Dosimetria da pena. 1.ª Questão A recorrente revela-se inconformada com o decidido relativamente à validade da captação e visualização das imagens, obtidas por videovigilância, como meio de prova do ilícito pelo qual a arguida C... foi condenada, invocando a violação das disposições dos artigos 125.º, 126.º, 167.º do Código Processo Penal, e artigo 32.º, n.º 8, da CRP. Face à matéria de facto provada e ao teor da motivação de facto, a questão colocada pela recorrente reporta-se à valoração, como meio de prova, das imagens captadas por sistema de videovigilância, instalado em local próximo dos factos onde as arguidas situaram os acontecimentos imputados à autoria de D..., de que se reclamava vítima B... e do que figurava como testemunha C..., no âmbito do processo onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos. Vejamos. As normas processuais convocadas pelo recorrente permitem distinguir duas realidades diversas, às quais corresponde tratamento jurídico diferenciado, embora possam conduzir a um resultado comum, qual seja o não aproveitamento da prova recolhida contra o regime legal imposto. Assim, as regras de proibição de prova obtida por intromissão na vida privada, sem o consentimento do respetivo titular, consagradas no artigo 126.º, n.º 3, do Código Processo Penal, dirigem-se às instâncias formais de controlo, designadamente aos investigadores e autoridades judiciárias, mormente ao Ministério Público e ao Juiz de Instrução. Trata-se de normas que visam disciplinar a investigação e o procedimento penal, definindo os limites de interferência na vida privada com o objetivo de recolher prova, e que constituem orientações a observar no âmbito do processo penal. No tocante às provas obtidas por particulares e à tutela da vida privada não existe regulamentação que decorra de norma processual penal, antes o legislador remete para a tipificação dos ilícitos penais previstos no Código Penal, na tutela do direito fundamental à privacidade, como decorre do disposto no artigo 167.º, n.º 1, do Código Processo Penal[1]. Portanto, a validade da prova fica, nestes casos, dependente da sua não ilicitude à face da legislação penal, ou seja, a exclusão deste tipo de prova depende da sua configuração como um acto ilícito em função da integração de tipos legais de crime que visam a tutela de direitos de personalidade como é o caso do direito à intimidade[2]. Por conseguinte, não se enquadrando a obtenção das imagens debatida nestes autos na previsão legal do artigo 126.º, n.º 3, do Código Processo, a validade da prova questionada no recurso está condicionada à inexistência de atividade criminosa na sua aquisição. Pelo que, na eventualidade de se concluir que a conduta traduzida na captação das imagens configura um ilícito penal, então não poderá ser atribuído valor probatório a tal gravação de imagens. No concernente a gravações ilícitas a norma incriminadora corresponde ao artigo 199.º do Código Penal, onde se tutela o direito à palavra e à imagem, contra a sua gravação e reprodução sem o consentimento do visado. Como se sabe, o preenchimento, em abstrato, dos elementos constitutivos do ilícito criminal, pode ser afastado pela verificação, em concreto, de causa de justificação ou exclusão da ilicitude ou da culpa, sendo, em tal caso, considerada válida a gravação de imagens efetuada por particulares sem o consentimento do visado, bem como julgada válida a prova recolhida por esse meio[3]. Como refere o tribunal a quo[4], em plano distinto da tipicidade penal situam-se as questões atinentes à observância ou não das normas inseridas na legislação de proteção de dados, posto que essas normas não definem a licitude ou ilicitude da recolha ou utilização das imagens[5]. No caso sub judice, a gravação em causa documenta os acontecimentos ocorridos no escritório e parque de estacionamento do edifício onde estava instalado o local de trabalho de D..., consistindo os factos captados na movimentação das arguidas e de D..., sendo percetível a atuação de B... dirigida a D..., que não é coincidente com a descrição feita pelas arguidas no âmbito de processo criminal instaurado contra o último. A visualização das imagens em causa determinou a não pronúncia do arguido D... pelo crime de que estava acusado naquele processo e, por outro lado, deu origem a instauração do presente processo criminal contra a ali queixosa e a testemunha, com base na falsidade dos relatos que fizeram dos acontecimentos captados na gravação. Perante as circunstâncias descritas, a captação das imagens não ocorre em local privado, sendo direcionada para local acessível ao público, e os acontecimentos filmados não atingem o núcleo essencial da reserva da intimidade privada[6]. Ademais, as imagens documentadas na gravação obtida por videovigilância comprovam os acontecimentos ocorridos na data, local e envolvendo as pessoas correspondentes ao mesmo pedaço de vida que deu origem à imputação de um crime a D.... Neste seguimento não se considera possível concluir pelo preenchimento dos elementos constitutivos do referido tipo de crime, mediante a gravação das mencionadas imagens, assim como a sua reprodução, com a finalidade de aferir da correspondência dos relatos produzidos pelas pessoas envolvidas com a realidade, constitui ação criminalmente atípica. Por conseguinte, não existe obstáculo legal à valoração pelo tribunal a quo da gravação de imagens, mesmo que obtidas sem consentimento e contra a vontade da ora arguida, e à sua reprodução em audiência, sendo certo que a visualização, na audiência de julgamento, do conteúdo da gravação foi precedida de decisão judicial[7] fundamentada e que não foi objeto de impugnação. Em face do exposto, não merece reparo a decisão do tribunal a quo respeitante à validade da prova ora questionada, carecendo de fundamento a pretensão recursiva. 2.ª Questão A recorrente revela-se inconformada com a decisão da matéria de facto, nomeadamente quanto aos factos provados dos pontos 8, 9, 10, 11 e 12. Os poderes de cognição deste tribunal abrangem a matéria de facto e de direito, nos termos do artigo 428.º do Código Processo Penal. Como se sabe, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: a) no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento; b) na impugnação ampla, com base em erro de julgamento, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência[8]. A segunda modalidade de impugnação não permite nem visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, ou seja, não pressupõe uma reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados[9]. Neste contexto, as indicações exigidas no artigo 412.º, n.º 3 e 4, do Código Processo Penal são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto, de uma forma vaga ou genérica[10]. No caso presente, a recorrente não invoca vícios decisórios e baseia a impugnação na desconsideração da prova recolhida mediante a gravação por videovigilância, por um lado, e por outro, nas declarações da arguida e no depoimento da testemunha E.... Ora, relativamente à valoração da prova contida na gravação de imagens, nos termos já assinalados, não assiste razão à recorrente. Depois, os excertos das declarações da arguida e do depoimento da testemunha E..., que se encontram reproduzidos na motivação do recurso, foram objeto de exame crítico pelo tribunal a quo, segundo critérios de objetividade e de acordo com as regras da experiência comum. Acresce ainda que reanalisada a prova indicada, a mesma não impõe alteração do decidido, sendo que a alegação recursiva assenta na valoração subjetiva da prova que não pode prevalecer sobre o juízo probatório formulado pelo tribunal a quo, sob pena de violação do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do Código Processo Penal. Carece, pois, de fundamento a impugnação da matéria de facto. 3.ª Questão A recorrente questiona a subsunção jurídica dos factos, alegando que a arguida C... não foi advertida das consequências penais de eventuais falsas declarações, o que exclui a verificação do elemento subjetivo do tipo de ilícito. Analisada a sentença recorrida não se reconhece fundamento a tal censura, posto que a incriminação da apurada conduta da arguida não exige a mencionada advertência. Na verdade, o tribunal considerou como facto não provado ter sido efetivada à arguida C... a advertência de incorrer em responsabilidade penal no caso de faltar à verdade, porém, a existência dessa advertência apenas é exigível para o preenchimento do tipo de crime agravado, previsto no n.º 3, do artigo 360.º, do Código Penal, já não integrando os elementos constitutivos do tipo de crime de falsidade de testemunho imputado à arguida e previsto no n.º 1, do mesmo artigo 360.º, do Código Penal. Assim, nenhum reparo merece a subsunção jurídica dos factos apurados realizada na sentença recorrida. 4.ª Questão Insurge-se a recorrente contra o quantitativo diário da pena de multa fixado, pugnando pela sua redução ao mínimo legal. A determinação da pena concreta obedece aos parâmetros legais previstos no artigo 71.º do Código Penal, tendo como referências fundamentais a culpa e a prevenção, nos termos do artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal. A fixação da taxa diária da pena de multa depende da situação económica do condenado e dos seus encargos, nos termos do artigo 47.º do Código Penal. No caso concreto, o tribunal a quo ponderou as condições económico-financeiras da arguida e fixou em 5,50€ o quantum diário da pena de multa. Da matéria de facto provada resulta quanto à situação económico-financeira da arguida: Trabalha como empregada doméstica, auferindo cerca de €150,00 mensais; Vive sozinha numa casa emprestada, nada pagando para aí residir. Face aos factos apurados considera-se justificada a redução da taxa fixada para o mínimo legal, pensado pelo legislador para as situações de extrema carência económica, em que se considerada inserida a situação pessoal da arguida, atento o valor dos rendimentos mensais que aufere do seu trabalho. Assim, procede, nesta parte, o recurso. * III. DECISÃO:Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, determinam a alteração da decisão relativamente ao quantitativo diário da pena imposta, fixando a taxa diária da pena de multa em 5€ (cinco euros), confirmando, quanto ao mais decidido, a sentença recorrida. Sem custas. * Porto, 11-10-2017Maria dos Prazeres Silva Borges Martins ________________ [1] Vd. Neste sentido Código Processo Penal Comentado, Almedina, 2016, comentário ao artigo 167.º, elaborado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Santos Cabral, pág. 648; vd. também Acórdão do STJ de 28-09-2011, proc. 22/09.6YGLSB.S2; e ainda Acórdão da Relação de Lisboa de 28-05-2009, proc. 10210/2008-9; Acórdão da Relação do Porto de 03-12-2010, proc. 371/06.5GBVNF.P1, disponíveis em www.dgsi.pt. [2] Como se refere no citado comentário, Código Processo Penal Comentado, e no Acórdão do STJ de 28-09-2011, «pode-se dizer, de forma redutora, que a gravação (..) que não é crime, é admissível como prova». [3] Vd. Acórdão do STJ de 28-09-2011, proc. 22/09.6YGLSB.S2; Acórdão desta Relação de 23-10-2013, proc. 585/11.6TABGC.P1, disponíveis em www.dgsitpt. [4] Vd. Motivação de facto supra reproduzida [5] Vd., ainda, Código Processo Penal Comentado, pág. 648. [6] Vd. Acórdão da Relação de Lisboa de 10-05-2016, proc. 12/14.7SHLSB.L1.L1-5, disponível em www.dgsi.pt. [7] Vd. Despacho proferido na ata de audiência de 02-02-2017, a fls. 260-264 dos autos. [8] Cfr. Acórdãos do STJ de 05-06-2008, proc. 06P3649; de 14-05-2009, proc. 1182/06.3PAALM.S1, disponíveis em www.dgsi.pt. [9] Cfr. Acórdãos do STJ de 29-10-2008, proc. 07P1016 e de 20-11-2008, proc. 08P3269, disponíveis em www.dgsi.pt. [10] Cfr. Acórdão do STJ de 19-05-2010, proc.696/05.7TAVCD.S1, disponível em www.dgsi.pt. |