Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
882/07.5TTGMR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDES ISIDORO
Descritores: INCAPACIDADE
SUBSÍDIO DE ELEVADA INCAPACIDADE
Nº do Documento: RP20100906882/07.5TTGMR.P1
Data do Acordão: 09/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A incapacidade para o trabalho habitual ocorre “quando, por acréscimo a uma certa diminuição da capacidade geral de ganho, a incapacidade se traduz na perda de um estatuto sócio-profissional e económico estabilizado”.
II - Embora a Lei não faça qualquer distinção entre a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho e a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, entende-se que o valor do subsídio por situação de elevada incapacidade deverá ser calculado em função do grau de incapacidade, de modo a que em nenhuma das situações mais graves [IPA e IPATH] o subsídio possa ser inferior a uma situação de IPP, quando igual ou superior a 70%, obviando a que sejam tratadas de forma igual situações desiguais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Registo 455
Proc. n.º 882/07.5TTGMR.P1
Proveniência: TTPNF(..º J.º)


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I –Nestes autos de Acção Especial Emergente de Acidente de Trabalho em que são sinistrado B………. e entidade responsável C………., S.A. , recorreu a companhia de seguros da sentença proferida em 14.12.2009, pela Mmª Juiz a quo, que - na sequência do ordenado em acórdão anulatório desta Relação de 17.12.2008 e após a realização de competente exame por junta médica, diligências e parecer de ortopedia considerados pertinentes -, decidiu que “…o sinistrado encontra-se afectado de uma incapacidade permanente parcial de 30% com incapacidade absoluta para o exercício da profissão habitual…” e em consequência, conden[ou] “…a “C………., S.A.”, a pagar ao sinistrado B……….:
1 – a pensão anual, vitalícia e actualizável, de € 4.351,21, devida desde 01 de Março de 2008, a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, bem como o subsídio de férias e de Natal, igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Maio e Novembro de cada ano, respectivamente, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das prestações;
2 – a quantia de € 4.630,80, a título de subsídio por situação por elevada incapacidade permanente, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde 01 de Março de 2008 e até efectivo e integral pagamento;
3 – a quantia de € 32,00 de despesas com deslocações obrigatória a tribunal, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 08 de Maio de 2008 e até efectivo e integral pagamento;
4 – a renovação da tala de suspensão do braço…”,
Para o efeito, a recorrente finalizou a alegação com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença proferida pelo Tribunal "a quo" violou as disposições legais constantes do artigo 17° da Lei 1 00/97, 13.09, do artigo 389° do Código Civil e do artigo 668°, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil;
2. Perante a unanimidade e maioria das duas Juntas Médicas realizadas nos autos, o MMo. Juiz do Tribunal "a quo'' poderia e deveria ter considerado o sinistrado sem IPATH;
3. A "força probatória" de uma perícia conjunta, constituída por especialistas, terá que se sobrepor a pareceres que surjam em sentido diverso;
4. O MMº Juiz do Tribunal "a quo" apreciou discricionariamente a prova pericial constante dos autos, fundamentando a atribuição de uma IPATH ao sinistrado com base num último parecer que se desconhece a que título foi pedido;
5. Subsistindo dúvidas no espírito do Julgador, deveria ter sido designada a realização de novo Exame por Junta Médica;
6. Entende a ora Recorrente que não é devida ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia resultante de uma IPP de 30% com IPATH.
7. Assim, não é devido um subsídio por elevada incapacidade permanente.
8. Contudo, existiu um erro de cálculo do subsidio por elevada incapacidade permanente na Douta Sentença recorrida;
9. Ao ser fixada uma IPP de 30%, associada a uma IPATH, o apuro do subsidio por elevada incapacidade terá necessariamente de ser ponderado com o grau de IPP para o trabalho residual.

O sinistrado, sob o patrocínio do Ministério Público, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Os factos
Para além dos constantes do relatório que antecede, os seguintes dados como provados pelo Tribunal a quo:
1. O sinistrado sofreu um acidente no dia 20 de Outubro de 2006 …
2. … Quando trabalhava por conta de “D………., Lda.” …
3. … Mediante o salário anual de € 472,50x14 + € 105,00x11.
4. A entidade patronal do sinistrado havia transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a seguradora pelo salário anual referido.
5. Do acidente resultaram as lesões descritas no auto de exame médico de fls. 87.
6. A consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 29 de Fevereiro de 2008.
7. O sinistrado despendeu com deslocações obrigatórias a tribunal a quantia de € 32,00.
8. O sinistrado tem necessidade de renovação da tala de suspensão do braço.
9. O sinistrado nasceu no dia 08 de Abril de 1959.

III – O Direito
Consabidamente o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que no caso em apreço se não vislumbram (arts 684º/3 e 690º/1 do CPCivil).
Ante o exposto, compulsadas as conclusões da recorrente, constata-se que in casu são duas as questões por ela suscitadas:
1. Da atribuição ao sinistrado da IPATH;
2. E saber se é devido o subsídio por situação de elevada incapacidade e, na afirmativa, qual o seu montante.

1. Da atribuição ao sinistrado da IPATH.
Entende a recorrente que se efectuou uma incorrecta apreciação dos factos subjacentes à fixação da incapacidade, sustentando que o Mmo Juiz do Tribunal "a quo'' poderia e deveria ter considerado o sinistrado sem IPATH, já que a "força probatória" da perícia colegial, constituída por especialistas, terá que se sobrepor a pareceres que surjam em sentido diverso.
Ora, porque esta questão radica antes de tudo numa questão de facto, urge outrossim trazer à colação o que a seguir se transcreve tal como decorre dos elementos fornecidos pelo processo (cfr. art. 712º/1-b) do CPC, que neste particular mantém a redacção anterior ao DL 303/2007, de 24.08):
-Frustrada a tentativa de conciliação por divergência da seguradora e sinistrado quanto ao grau de incapacidade atribuida pelo perito singular, que considerou o sinistrado afectado de uma IPP de 30%, com incapacidade para a profissão habitual de motorista.
-A seguradora, requereu, por isso, exame por junta médica que veio a considerar, por unanimidade (cfr. fls 87), o sinistrado afectado de uma IPP de 45% (30% x 1,5), o que foi acolhido na sentença adrede proferida.
-Não se conformando com tal decisão, apelou o sinistrado para o Tribunal da Relação do Porto, que na sua procedência, anulando a sentença, ordenou se levassem a cabo as diligências que considerasse pertinentes, nomeadamente, repetindo a junta médica, para suprir a insuficiência notada quanto à eventual incapacidade permanente absoluta para o exercício da profissão habitual de motorista.
-Procedeu-se, em conformidade, a novo exame colegial, no qual os ‘peritos médicos nomeados’ foram de parecer que “… o examinado mantém capacidade para a condução de veículos ligeiros, com as necessárias adaptações a serem definidas pela Autoridade de Saúde do concelho da sua residência, nos termos da lei”,
No mesmo laudo pelo perito médico do sinistrado foi afirmado que “… nas condições actuais, concordo com o parecer do gabinete Médico-Legal de fls. 50, o qual o considera incapaz para a profissão habitual de motorista”.
-Por despacho de fls 178, o Tribunal solicitou à Autoridade de Saúde do concelho da área de residência do sinistrado que se pronunciasse “quanto à sua capacidade ou incapacidade para o exercício da sua profissão habitual de motorista e, no primeiro caso, quanto às adaptações a serem introduzidas na viatura por si conduzida.”
-Foi então junto aos autos o documento de fls. 180 e seguintes, no qual a mencionada Autoridade de Saúde consignou que o sinistrado tem aptidão física e mental para a condução de veículos automóveis categoria B – Grupo 1, com as seguintes limitações: deslocação limitada com velocidade não superior a 90 Km/h; transmissão automática; dispositivos de comandos modificados; direcção assistida, esclarecendo que não lhe competia pronunciar-se quanto à incapacidade para o exercício da profissão.
-Solicitados pelo tribunal esclarecimentos quanto à viatura conduzida pelo sinistrado na distribuição de pão e adaptações a introduzir, veio a respectiva entidade patronal informar tal não ser possível por estar avariada, não estar interessado na sua reparação. tendo aliás procedido à sua alienação (cfr. fls 189).
-Por despacho de fls. 196, determinou ainda o Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 139º/7 do CPT, a realização de parecer de especialidade de ortopedia, para “saber se o sinistrado se encontra absolutamente incapaz para o exercício da sua profissão habitual de distribuidor de pão/motorista”
-Neste parecer, o perito médico nomeado considerou que “… face às limitações acentuadas da mobilidade do ombro direito, objectivada por acentuada atrofia do músculo deltóide, sou de opinião que o examinado está totalmente incapaz para a profissão de motorista, o que o deverá impedir de manter o seu trabalho de motorista/distribuidor de pão”.

Com base nestes pressupostos, vejamos o que a propósito da questão da IPATH se refere na sentença impugnada: “… a questão que nos é colocada é a de saber se o sinistrado, em virtude das sequelas resultantes do acidente sofrido, se encontra ou não absolutamente incapaz para o exercício da sua profissão habitual.
Como já se anotou, as opiniões médicas expendidas nos autos divergem.
Assim, enquanto que os Srs. Peritos Médicos que realizaram o exame médico singular na fase conciliatória do processo, indicado pelo sinistrado na junta médica e que elaborou o parecer de fls. 197 respondem afirmativamente a tal questão, os Srs. Peritos Médicos indicados pelo IML e pela seguradora na junta médica respondem negativamente.
Como refere Carlos Alegre [Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 96], a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual consiste numa «… incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, actividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra actividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio, diminuta».
Citando o AC TRP de 14.04.2008 [www.dgsi.pt], «em face da indefinição do que se possa entender por “trabalho habitual”, continuam actuais as palavras de Vítor Ribeiro “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Rei dos Livros, 1994, pag. 29, para quem a incapacidade para o trabalho habitual ocorre “quando, por acréscimo a uma certa diminuição da capacidade geral de ganho, a incapacidade se traduz na perda de um estatuto sócio-profissional e económico estabilizado”».
Assim, e continuando a citar o mencionado acórdão, «a tutela da incapacidade para o trabalho habitual prende-se, pois, com o facto de o sinistrado ter de se adaptar a outra profissão ou função, ter de aprender a fazer outra coisa, o que implica um “investimento” em termos de formação profissional ou o não recebimento de qualquer remuneração enquanto não for enquadrado noutro sector ou função».
Ora, no caso presente temos que a profissão do sinistrado era, à data do acidente, a de motorista/distribuidor de pão.
O acidente sofrido provocou-lhe “… dismorfia da cintura escapular com diminuição do volume das massas musculares do ombro direito, bem como rigidez de movimentos do ombro no plano axial e coronal e nas rotações”. O sinistrado “leva com dificuldade a mão à nuca e ao dorso e apresenta diminuição de 2 centímetros no perímetro do braço”.
Ou seja, o sinistrado apresenta “limitações acentuadas da mobilidade do ombro direito, objectivada por acentuada atrofia do músculo deltóide”.
Sendo estas as sequelas apresentadas pelo sinistrado e considerando a profissão por si exercida – motorista/distribuidor de pão – cremos ser possível afirmar que em consequência daquelas o mesmo ficou incapaz para o exercício da sua profissão habitual.”
E acrescenta-se, precisando as razões que determinaram tal apreciação da prova pericial: “ Com efeito, a tarefa de condução de um veículo automóvel, nomeadamente, com as características daquele que era habitualmente por si conduzido – “Toyota ………., com contentor fechado, com capacidade de 3.500 Kg, sem transmissão automática, dispositivos de comandos modificados e direcção assistida” – exige necessariamente destreza de movimentos, designadamente, ao nível do ombro, mobilidade esta que, como ficou demonstrado clinicamente nos autos, o mesmo não possui.
Acresce que de acordo com a própria informação prestada no processo pela Autoridade de Saúde competente, o sinistrado apenas estaria apto a conduzir determinada categoria de veículos – categoria B, grupo 1 – e, mesmo assim, com a introdução de várias restrições.
De todo modo, não podemos esquecer que esta aptidão para a condução não pode, sem mais, ser feita coincidir com a capacidade para o exercício da profissão habitual, pois que em causa estão realidades distintas – por um lado, a possibilidade de uma pessoa com as limitações do sinistrado poder conduzir veículos ligeiros, por outro lado, o exercício de uma profissão, o que implica que a pessoa em causa vai fazer dessa mesma condução o seu modo de vida, exercitando-a durante um longo período diário – certamente que são situações distintas aquela em que uma pessoa, com as limitações em causa, utiliza um veículo automóvel para se dirigir para o seu trabalho e aquela outra que utiliza esse mesmo veículo para trabalhar.
Ora, e como se refere no próprio preâmbulo do diploma legal que aprovou a TNI, na determinação da capacidade ou incapacidade para o exercício duma profissão não nos podemos abstrair duma visão humanista e integral do sinistrado, enquanto indivíduo como um todo físico e psíquico.
Deste modo, por tudo quanto se expôs e tendo-se em consideração todos os elementos constantes dos autos, conclui este Tribunal que o sinistrado, em consequência do acidente de trabalho sofrido, se encontra absolutamente incapaz para o exercício da profissão habitual.”[realce a negrito nosso]

Sufragamos, no essencial, a fundamentação transcrita.

E, como vimos, nem argumente a recorrente que a força probatória de uma pericia conjunta, constituída por especialistas, terá que se sobrepor a pareceres que surjam em sentido diverso.
Dispõe, com efeito, o art. 140º/1 do CPT, que o juiz profere decisão sobre o mérito realizando os exames referidos no artigo anterior, fixando a natureza e o grau de desvalorização.
Por outro lado, estipula o art. 139º /1 e 7 do mesmo diploma adjectivo laboral que o exame por junta médica, constituída por três peritos, é presido pelo Juiz que se o considerar necessário pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos.
Já a força probatória da prova pericial é apreciada livremente pelo tribunal, como estabelecem os arts 381º do CCivil e 591º do CPCivil.
Ou seja, impera, neste domínio, o princípio da livre apreciação das provas ou da prova livre. E nada obsta que o Juiz ordene a realização de exames ou pareceres que julgue mais convenientes e próprios à determinação da sua. convicção.
Para além disso, como escreve Leite Ferreira[1], pode o magistrado exercer sobre as provas coligidas a sua actividade crítica, movendo-se na sua apreciação, com inteira liberdade e sem outros limites que não sejam os que lhe são impostos pela sua convicção intima ou pelo seu próprio juízo. Como nada impede que o julgador se desvie do parecer dos peritos, apenas se exigindo, neste caso, que deixe consignada nos autos a sua motivação, isto é, os fundamentos ou razões por que o faz - arts 653º/4 e 655º do CPCivil.
Ora, in casu, a Mª Juiz a quo antes de apreciar a prova pericial produzida nos autos - e por forma a melhor se esclarecer sobre a questão de saber se o sinistrado se encontra absolutamente incapaz para o exercício da sua profissão habitual de distribuidor de pão/motorista - cuidou de obter previamente o parecer de médico especialista em ortopedia, o qual veio precisar que o sinistrado estava totalmente incapaz para a profissão de motorista/distribuidor de pão.
E desta sorte, parece-nos, também, que antes de tomar a decisão de considerar o sinistrado incapaz para a profissão habitual, a Mª Juiz fundamentou de forma clara e precisa quais as razões que a levaram a apreciar a prova pericial da forma como o fez, carecendo assim de razão a afirmação de que ultrapassou, de forma discricionária, os poderes legalmente impostos da livre apreciação daquela prova.
E, neste particular, comungando com o sentido da decisão impugnada, a solução é da improcedência das conclusões 1ª a 6ª adrede formuladas.

2. Do subsídio de elevada incapacidade
Trata-se pois de saber se é devido o subsídio por situação de elevada incapacidade e, na afirmativa, qual o seu montante.
Em função da resposta dada à questão anterior, é, inquestionavelmente, devido o subsídio por situação de elevada incapacidade, tal como decorre declarativamente do disposto na parte final do art. 17º/1-b) da L 100/97, de 13.09[2], segundo o qual:
«1. Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este terá direito às seguintes prestações:
b) Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual: pensão anual e vitalícia compreendida entre 50% e 70% da retribuição, conforme maior ou menor capacidade funcional residual apara o exercício de outra profissão compatível e subsídio por situações de elevada incapacidade.»[negrito nosso]
Todavia, sendo devido tal subsídio, vejamos, pois, se existiu erro no respectivo cálculo, porquanto - entende a recorrente - que ao ser fixada uma IPP de 30% associada a uma IPATH, o apuro do subsídio por elevada incapacidade terá necessariamente de ser ponderado com o grau de IPP para o trabalho residual.
Ora, ressalvando sempre o devido respeito, e revendo posição anterior[3] (também na senda do acórdão do STJ de 26.02.2006[4]) -, parece-nos, agora, que, quanto a esta pretensão, a razão assiste à recorrente.
Efectivamente, conjugado com o normativo atrás transcrito, prescreve o art. 23º da LAT, sob a epígrafe ‘subsídio por situações de elevada incapacidade permanente’ que “a incapacidade permanente absoluta ou a incapacidade permanente parcial ou superior a 70% confere direito a um subsídio igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida à data do acidente, ponderado pelo grau de incapacidade fixado, sendo pago de uma só vez aos sinistrados nessas situações”.
Ponderando o teor das disposições legais transcritas, e cotejando o citado acórdão da Relação do Porto[5], concluí-se que no caso de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e de uma IPP de 30%, o montante do subsídio por situação de elevada incapacidade deve ser fixado entre a remuneração mínima anual integral e 70% do seu valor, considerando-se igualmente a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão, já que haverá que distinguir os casos de incapacidade permanente absoluta para qualquer trabalho dos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, que retratam situações objectivamente diferentes.[6]
Diga-se ainda, apesar de não ser aplicável ao caso em apreço, que o art. 67º da Lei nº 98/2009, de 04.09 (diploma que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro) -, veio no seu nº 3 consagrar o entendimento, aqui e agora defendido, ao consignar que “a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre 70% e 100% de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível”, prescrevendo, outrossim, no nº 2 do aludido normativo, que só “[a] incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho confere ao sinistrado o direito a um subsídio igual a 12 vezes o valor de 1,1 IAS.”
Assim - e sublinhando – diremos que, embora a lei não faça qualquer distinção entre a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho e a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, englobando-as na referência genérica de incapacidade permanente absoluta, afigura-se-nos inequívoco que o valor do subsídio de elevada incapacidade permanente será função da ponderação do grau de incapacidade, de modo a que em nenhuma daquelas situações mais graves (IPA e IPATH) o subsídio em causa possa ser inferior a uma situação de IPP, quando igual ou superior a 70%, obviando a tratar igualmente situações desiguais.[7]

Desta sorte – e como sucede no caso em apreço – face a uma situação de IPATH, associada a uma IPP, o subsídio em causa será igual a 70% do SMN, mais a diferença entre 100% e 70% do SMN, ponderado o grau de IPP para o trabalho residual.[8]

Logo, na concretização deste mais razoável e objectivo critério e sem olvidar que -
O acidente dos autos ocorreu em Outubro de 2006, sendo o SMN de 385.90(DL DL238/2005, de 30.12) e que, em consequência do sinistro, foi fixada ao sinistrado uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e uma IPP de 30%, - temos que o cálculo do subsídio de elevada incapacidade será efectuado do seguinte modo:
€ 4.630,08 (€ 385,90 x 12) RMA à data do acidente
€ 4.630,08 x 70% = € 3.241,56
€ 1388,52 (4 630,08-3 241,56) diferença entre 100% e 70%
Ponderado o grau de IPP in casu de 30%= € 416,56 (1.388,52x 30%)
O montante do subsídio será assim = € 3.658,12 (€3 241,56 + 416,56).

Do exposto decorre - em conclusão - que, procedendo, nesta parte a apelação, e mantendo-se no mais, tem a sentença recorrida de ser alterada no que diz respeito ao subsídio por situação de elevada incapacidade que assim se fixa no quantum de € 3.658,12.
***
IV – Decisão
Termos em que se decide julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
-Manter no mais a sentença recorrida; e
-Alterá-la quanto ao subsidio por elevada incapacidade que assim se fixa em € 3.658,12.
Condenar na proporção pela recorrente e recorrido, sem prejuízo da isenção de que este beneficia.

Porto, 2010.09.06
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho (Voto vencida conforme declaração anexa)
José Carlos Dinis Machado da Silva (com dispensa de visto)

______________________
[1] Apud CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO, anotado, 4ª edição, p. 627 e
[2] Brevitatis causa doravante apenas ‘LAT’.
[3] Tal como aliás decorre já no acórdão desta Relação de 19.04.21010, Proc. nº 203/08.0TTGDM.P1 (Fernanda Soares)
[4] Proferido no Processo 05S3820, disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[5] Cfr. supra nota 3.
[6] Neste sentido, os acórdãos de 7.6.2004 e de 13.12.2004, publicados em ACIDENTES DE TRABALHO Jurisprudência 2000-2007, ps. 260 e 263, respectivamente.
[7] Cfr, para além do já referido acórdão de 2004-06-07 (nota 6), ainda estoutros da RPorto, de 2003-03-24 em CJ: XXVIII-2-222 e o da RCoimbra de 22-05-2003, na CJ:XXVIII-3-57, respectivamente.
[8] No mesmo sentido o acórdão da Relação do Porto de 26-01-2004,no respectivo site da Internet.


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Voto vencida quanto à 2ª questão (subsídio de elevada incapacidade) pelas razões aduzidas no Acórdão desta Relação de 11.01.2010, proferido no Processo 154/06.2TTAVR.P1, relatado pela ora subscritora, mais entendendo que à solução que perfilho não obsta o disposto no art. 67º da Lei 98/2009, de 04.09, que não é aplicável ao caso em apreço (art. nº 1, da citada lei).

Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho