Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0455241
Nº Convencional: JTRP00037413
Relator: CUNHA BARBOSA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONDENAÇÃO
CONTRADITÓRIO
OMISSÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RP200411290455241
Data do Acordão: 11/29/2004
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - A condenação oficiosa por litigância de ma-fé deve ser precedida de notificação da parte que como tal possa vir a ser sancionada, em obediência ao princípio do contraditório e da plena e efectiva defesa, este consagrado constitucionalmente.
II - Tal notificação deve, sob pena de nulidade e até inconstitucionalidade, indicar os pontos concretos que integrem uma das situações previstas no artº 456, n.2 do Código de Processo Civil, e, consequentemente, justifiquem uma tal condenação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:
No Tribunal Judicial da Comarca de ........., .. Juízo Cível, sob o nº ..../04....., forma instaurados por B.......... uns autos de providência cautelar de alimentos provisórios contra C.......... em que se pedia que fosse este condenado a pagar àquela a quantia mensal de € 3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta euros), a título de alimentos provisórios, ou na quantia que, face às circunstâncias fosse julgada adequada.
Fundamenta o seu pedido alegando, em essência e síntese, que:
- requerente e requerido são casados um com o outro;
- a requerente foi obrigada a sair do lar conjugal em 6.1.2003 devido às constantes ameaças, difamações insultos, maus tratos físicos e morais;
- desde aí, não mais dividiram leito, mesa e habitação;
- entre requerente e requerido corre termos processo de divórcio litigioso;
- requerente e requerido têm um património avaliado em alguns milhões de contos;
- o casal, constituído por requerente, requerido e dois filhos, levava uma vida sem qualquer tipo de restrições;
- a requerente levava uma vida sem preocupações financeiras, sendo que sempre gostou de roupas com marca de conhecidos estilistas e, sempre que via numa montra algo de que gostava, comprava sem olhar ao preço, ia a bons restaurantes, ia, pelo menos, duas vezes por semana ao cabeleireiro e esteticista;
- pagava as suas despesas com cartões de crédito e chegava a comprar, de uma só vez, no início das estações anuais, roupa para si e família no valor de dois ou três mil contos;
- o casal, habitualmente, passava os fins de semana na sua herdade do Alentejo, normalmente com amigos convidados, suportando todas as despesas;
- o requerido, durante o mês de Dezembro de 2002, cortou-lhe o crédito bancário, cancelando-lhe os cartões, deu ordem aos bancos para não pagar os cheques assinados por ela, retirou o dinheiro das contas e procedeu à liquidação e levantamento dos títulos financeiros;
- no final de Janeiro de 2003, só já havia € 211.752,62 nas contas bancárias;
- o requerido procedeu ao levantamento de fundos que apenas podiam ser movimentados pela requerente e sua mãe, designadamente, fundos de dois seguros ‘Rendas 97’ e ‘Super Investimentos 96’ que estavam associados à conta ........ do Banco X........... e só podiam ser movimentados pela Requerente ou sua mãe;
- procedeu ainda à liquidação do seguro ........ em que figurava como pessoa segura e beneficiária a requerente;
- quando saiu de casa, a requerente apenas levou consigo os seus objectos pessoais, nomeadamente roupas e calçado;
- foi viver para casa de um casal, amigo comum de requerente e requerido;
- Viveu a expensas deste casal, que a auxiliaram economicamente, até finais de Abril de 2003;
- a partir do início do mês de Maio de 2003, passou a viver em casa de um familiar, mais concretamente, em casa do seu irmão D......... que está a suportar as suas despesas;
- a requerente não trabalha, não recebe qualquer pensão, subsídio ou outro tipo de rendimento, sendo o seu irmão, que a acolheu, quem lhe dá de comer, lhe empresta o seu veículo automóvel e lhe paga a gasolina;
- a requerente encontra-se doente, padecendo de depressão nervosa;
- a requerente sempre trabalhou nas empresas de família, nunca tendo trabalhado por conta de outrem e, para além disso, nunca soube fazer mais nada, tem 45 anos de idade e com a sua experiência profissional é muito difícil arranjar um emprego;
- para poder levar uma vida compatível com o seu estatuto anterior, a requerente tem necessidade de uma pensão mensal de € 3.250,00 (alimentação - € 900,00; vestuário e calçado € 1.000,00; cabeleireiro e esteticista - € 600,00; produtos de beleza - € 150,00; lavandaria - € 150,00; transportes e deslocações € 200,00; despesas médicas e medicamentosas - € 250,00);
- o requerido, após a separação dos cônjuges, está na gestão corrente de todo o património familiar, apropriando-se de todos os rendimentos;
- o requerido tem rendimentos mensais de vários milhares de contos, os quais ultrapassam, sem dúvida, os € 20.000,00;
- utiliza no seu dia a dia diversos carros de gama alta;
- veste roupa de reputadas marcas internacionalmente conhecidas, às quais se associam preços de venda elevados;
- organiza e suporta as despesas de fim de semana com os amigos na Herdade do casal.
Conclui pela procedência da providência.
*
Na sua contestação, o requerido defende-se por excepção, alegando a existência de caso julgado, e por impugnação, contrariando os factos alegados pela requerente.
Conclui pela improcedência da providência.
*
A fls. 121, no início da diligência de inquirição de testemunhas, foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção de caso julgado.
Finda a produção da prova testemunhal, foi proferida decisão sobre a matéria de facto, fixando-se os factos considerados provados e, bem assim, indicando a respectiva motivação.
*
Após tal decisão, veio a ser proferido despacho do seguinte teor:
“...
Tendo em conta a matéria de facto provada e a que foi alegada pela requerente no requerimento inicial, o Tribunal entende que a mesma é susceptível de configurar, por parte da requerente, litigância de má fé por alegar factos que necessariamente sabia serem falsos. Por tal motivo e a fim de evitar uma condenação com efeito surpresa, notifica-se a mesma para se pronunciar quanto à litigância de má fé, o que pode fazer de imediato, ou querendo, no prazo de 10 dias.
...”
*
Notificada de tal despacho, a requerente veio alegar que não foi dado cumprimento ao formalismo legal exigido pelo artº 456º do CPCivil, uma vez que a referência à litigância de má fé por parte do Tribunal foi insuficiente, vaga, genérica e abstracta, quando deveria fazer referência expressa a factos concretos, requerendo-se que fosse ordenada nova notificação que indicasse os factos concretos susceptíveis de determinar uma condenação por litigância de má fé.
*
No seguimento de tal requerimento, veio a ser proferido novo despacho – cfr. fls. 158 - em que se decidiu da seguinte forma:
“...
Entendo que não assiste razão à requerente.
De facto, a notificação da parte para se pronunciar quanto à existência de litigância de má fé – cuja necessidade é até discutível, cf. António Santos Abrantes Geraldes, ‘Temas Judiciários’, I vol., pg. 332 e ss. – visa obstar a que seja proferida uma decisão-surpresa para a mesma. No caso concreto a requerente ao ser notificada nos termos em que o foi tem todos os elementos necessários para se pronunciar quanto ao referido instituto – conhece os factos por si alegados e conhece já todos os factos considerados provados, nada mais se impondo ao Tribunal.
Pelo exposto, indefere-se o pedido de nova notificação.
...”.
*
Na mesma ocasião – cfr. fls. 159 a 167 -, veio a ser proferida decisão final quanto à requerida providência cautelar, julgando-o improcedente, e, bem assim, se conheceu da litigância de má fé, por parte da requerente, nos seguintes termos:
“...
Atentos os factos provados quanto à situação económica da requerente e os factos alegados pela mesma no requerimento inicial – artº 34º, 36º a 38º e 42º - e como resulta da fundamentação à resposta à matéria de facto é manifesto que a requerente veio alegar factos que sabia falsos para fundamentar o seu pedido.
De facto alegou que saiu de casa apenas com objectos pessoais como roupa e calçado, viveu a expensas de casal amigo e que à data de propositura da acção vivia em casa de um irmão e a expensas deste quando tal não resultou provado e foi peremptoriamente negado pelo irmão.
Mais, não colhe o argumento de que a requerente apenas indicou como sua residência do mesmo como a sua residência do cabeçalho do requerimento inicial e não teria alegado que vivia com o mesmo e, muito menos, a expensas do mesmo.
Tem, assim, a mesma uma postura fortemente censurável, alegando factos que sabia serem inverídicos e procurando obter um direito que sabia não lhe pertencer.
Tal postura, porque contrária aos princípios da boa fé processual não pode ficar incólume – art. 266º-A e 456º do Código Processo Civil.
De facto, em tempos de crise no sistema judicial, há pretensões justas que sofrem atrasos e perdem acuidade pela morosidade causada por alegações comprovadamente infundadas, como a dos autos que devem ser combatidas – Ac. STJ de 05.07.94, in ‘Novos Estilos’, nº 7-9, pág. 163.
Deve, por isso, a requerente ser condenada como litigante de má fé.
... .
Como litigante de má fé condeno a requerente a pagar a multa de 20 UC.
...”
*
Não se conformando com esta decisão de condenação por litigância de má fé, dela a requerente interpôs o presente recurso de agravo e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
1ª - O despacho de fls. , apenas diz “... tendo em conta a matéria dada como provada e a que foi alegada pela Requerente no Requerimento Inicial, o tribunal entende que a mesma é susceptível de confirmar por parte da Requerente litigância de má fé...”;
2ª - O tribunal ‘a quo’ não especificou os factos concretos que entendia susceptíveis de serem enquadráveis no instituto da litigância de má fé;
3ª - Sem essa concretização não pôde a Requerente defender-se correctamente;
4ª - Para dar cumprimento ao artº 456º/Código de Processo Civil, nomeadamente à interpretação que o Tribunal Constitucional dele fez no Ac. nº 303/01, de 3.07.2002, não basta fazer considerações genéricas a toda a matéria alegada e provada;
5ª - A interpretação que o tribunal ‘a quo’ fez do art. 456º/Código de Processo Civil – no sentido que basta fazer uma referência genérica à intenção de condenar a parte como litigante de má fé, isto é, assegurar-lhe no plano formal o direito de audição – é inconstitucional;
6ª - Violou, entre outros, o art. 32º/10 da lei fundamental;
sem prescindir,
7ª - O tribunal ‘a quo’ condenou a Requerente como litigante de má fé por ter alegado, no seu entendimento, factos falsos, nomeadamente aqueles constantes dos artigos 34º, 36º, 38º e 42º do RI;
8ª - Acontece que, na sua grande maioria, esses mesmos factos estão dados como provados – 15º, 16º, 17º e 18º dos factos provados;
9ª - Pelo que, não litigou a Recorrente como litigante de má fé nos presentes autos.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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2. Conhecendo do recurso (agravo):
2.1 – Dos factos assentes:
Com relevância para o conhecimento do recurso, mostram-se assentes os seguintes factos:
a) – A requerente alegou, no seu requerimento inicial, os seguintes factos:
“...
34 – Quando saiu de casa, a Requerente apenas levou consigo os seus objectos pessoais, nomeadamente roupas e calçado.
...
36 – Viveu a expensas deste casal, que a auxiliaram economicamente, até finais do mês de Abril de 2003.
37 – A partir do início do mês de Maio de 2003, passou a viver em casa de um familiar,
38 – Mais concretamente, em casa do seu irmão D.......... que está a suportar as suas despesas.
...
42 – Como supra se relatou, o irmão acolheu-a em sua casa, dá-lhe de comer, empresta-lhe o seu veículo automóvel, paga-lhe a gasolina.
...”;
b) – Na decisão sobre a matéria de facto, proferida no tribunal de 1ª instância, deu-se como provado entre outros os seguintes factos:
“...
27 – A requerente após Janeiro de 2003 comprou e vendeu ouro.
28 – A um fornecedor comprou ouro no valor de 15.000,00 Euros.
29 – Quando a requerente abandonou o requerido e o lar conjugal levou consigo jóias, designadamente, colares, pulseiras em diamantes e anéis no valor aproximado de 50.000,00 Euros.
30 – Bem como em ouro em valor não apurado.
31 – A requerente vendeu duas jóias pelo valor de 11.223 euros.
32 – A requerente quando saiu de casa levou consigo dinheiro.
33 – A mesma afirmou ter dinheiro para 6 meses a 1 ano.
...”;
c) – Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, extractou-se o seguinte:
“...
Foi também relevante, o depoimento de D.........., irmão da requerente, que afirmou que a mesma não vive consigo pelo menos desde Setembro de 2003 e que não entrega à mesma qualquer quantia para o seu sustento, ... .
...”.
2.2 – Dos fundamentos do recurso:
De acordo com as conclusões formuladas, as quais delimitam o objecto do recurso – cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º do CPCivil, temos que são duas as questões a resolver no âmbito do presente recurso, como sejam, saber se: com a notificação da requerente, para se pronunciar quanto a uma susceptível situação determinativa de litigância de má fé, se deu cumprimento pleno ao disposto no artº 456º, 3º e 3º-A do CPCivil (observância do princípio do contraditório); se verificam os pressupostos que determinam a condenação por litigância de má fé.
a) – Da observância ou não do princípio do contraditório:
Na decisão em que se julgou improcedente a providência cautelar, foi a requerente/agravante condenada como litigante de má-fé na multa de 20 UC’s, depois de a mesma ter sido notificada expressamente para se pronunciar sobre essa questão pelo despacho proferido a fls. 143.
Pretende a requerente/agravante que, apesar de ter sido notificada para se pronunciar sobre tal questão, isto é, da susceptibilidade de vir a ser condenada como litigante de má fé, tal notificação, efectuada no seguimento do despacho proferido a fls. 143, não foi de molde a dar plena satisfação ao princípio do contraditório, porquanto lhe não permitiu o exercício efectivo de uma defesa plena e eficaz uma vez que lhe não foram indicados os pontos concretos em que se poderia basear uma tal condenação.
Vejamos se à requerente/agravante assiste ou não razão.
Dispõe-se no artº 456º, do CPCivil que
“…
1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) – Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) – Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) – Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) – Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
…”.
É entendimento pacífico, em face de tal normativo, que o juiz pode oficiosamente condenar qualquer das partes processuais em multa por litigância de má fé, ainda que já o mesmo não possa fazer quanto à condenação em indemnização, porquanto esta, como resulta da parte final do nº 1 daquele normativo, está dependente de pedido a formular pela parte contrária.
A situação dos autos enquadra-se abertamente na situação de condenação oficiosa em multa por litigância de má fé, isto é, sem que tal questão houvesse sido suscitada por qualquer das partes.
A citada disposição legal não prevê qualquer formalismo a seguir em tais situações, designadamente não estabelece directamente que haja de proceder-se à notificação prévia da parte, que possa vir a ser sancionada por conduta integradora de litigância de má fé, para que se pronuncie sobre tal questão, acautelando dessa forma o seu direito de defesa.
Porém, é hoje entendimento pacífico na jurisprudência que, por força do disposto nos arts. 3º e 3º-A do CPCivil e sob pena de inconstitucionalidade por violação do disposto no artº 20º da Constituição da República Portuguesa (vejam-se, entre outros, Acs. do TC nº 440/94, DR II Série, nº 202, de 1.9.94, nº 357/98, DR II Série, nº 162, de 16.7.98, nº 289/02, DR II Série, nº 262, de 13.11.02), o juiz, sempre que oficiosamente entenda existir uma situação susceptível de fundamentar uma condenação como litigante de má fé, deve determinar a audição prévia da parte que possa por tal vir a ser sancionada, a fim de que esta se possa pronunciar sobre tal questão, afastando-se, inclusivamente e por essa via, a vulgarmente denominada ‘decisão-surpresa’ .
Aliás, diga-se, em abono da verdade, que foi esse o entendimento seguido pela juiz do tribunal de 1ª instância, pois, mau grado a referência efectuada no despacho proferido a fls. 158 quanto à sua discutível necessidade, a mesma ordenou, através do despacho proferido a fls. 143, a notificação da requerente/agravante para que se pronunciasse quanto à susceptibilidade de vir a ser condenada por litigância de má fé; daí que, ‘prima facie’ e numa perspectiva meramente formal e abstracta, se possa afirmar que não houve preterição absoluta do direito fundamental de defesa.
Mas será que tal notificação, face ao teor do despacho que a ordenou e como veio a ser concretizada, dá cabal satisfação à exigência do princípio do contraditório, isto é, garantia à requerente/agravante a possibilidade de um efectivo exercício do direito fundamental de defesa?
Afigura-se-nos que a resposta a tal questão haverá de ser negativa.
Na realidade, o despacho em que se ordena a notificação da requerente/agravante para se pronunciar sobre a susceptibilidade de ser sancionada como litigante de má fé, o qual veio a ser notificado a esta, é do, como já se deixou referido supra, seguinte teor:
“...
Tendo em conta a matéria de facto provada e a que foi alegada pela requerente no requerimento inicial, o Tribunal entende que a mesma é susceptível de configurar, por parte da requerente, litigância de má fé por alegar factos que necessariamente sabia serem falsos. Por tal motivo e a fim de evitar uma condenação com efeito surpresa, notifica-se a mesma para se pronunciar quanto à litigância de má fé, o que pode fazer de imediato, ou querendo, no prazo de 10 dias.
…”.
Em tal despacho, como facilmente se concederá, não se faz a mínima referência a qualquer razão ou facto concreto em que se possa basear a eventual condenação da requerente/agravante como litigante de má fé nele referida; deste modo, a requerente/agravante vê-se colocada perante uma situação de impossibilidade de vir a exercer uma efectiva (defesa) oposição ao entendimento perfilhado no mencionado despacho, porquanto a mesma desconhece, por não serem mínima ou sumariamente referidos, quais os factos concretos (provados e alegados pela parte) que se encontram subjacentes ao juízo de valor, quanto a tal questão, vertido no mesmo despacho.
Ora, como de forma explícita e eloquente se refere no Ac. do STJ de 17.12.02 [www.dgsi.pt/jstj (proc nº 02A3992 e nº convencional JSTJ000)], o «… respeito do princípio do contraditório, que está ao serviço da igualdade das partes e se conjuga com a ideia de proibição de indefesa, estava e está reflectido no art. 84º, nº 5 e 6 (hoje, 6 e 7) da Lei do Tribunal Constitucional, e está presente e bem explicitado, hoje, no artº 3º, nº 2 e 3 do CPC. / Daí que alguém só pode ser condenado como litigante de má fé, depois de, previamente, ser ouvido, a fim de se poder defender da acusação de má fé (cfr. Ac. do TC de 12/05/98, in DR, II Série, de 16/07/98). / Para ser eficaz e cumprir o desiderato legal subjacente às normas e princípios constitucionais fundantes destas decisões do Tribunal Constitucional, a acusação ou comunicação da intenção de sancionar a parte por má fé deve permitir-lhe completa defesa, o que só acontecerá se a parte for notificada de factos concretos, de comportamentos individualizados e integradores de uma ou mais previsões legais fixadas nas al. a) a d) do nº 2 do art. 456º CPC. …». (sublinhado nosso)
Assim, óbvio se torna concluir pela existência de irregularidade na notificação ordenada e realizada com vista a que a requerente/agravante se pronunciasse quanto à susceptibilidade de vir a ser condenada como litigante de má fé, irregularidade essa que se consubstancia na não concretização das razões e/ou factos concretos justificadores daquela possível condenação e equivale, portanto, à omissão de audição prévia da requerente/agravante sobre tal questão, para além de poder ser considerada susceptível de influenciar no exame ou decisão da questão, integrando, por isso, a nulidade prevista no artº 201º, nº 1 do CPCivil determinativa da anulação do acto de notificação em causa e, bem assim, da decisão na parte em que condena a requerente/agravante como litigante de má fé – cfr. artº 201º, nº 2 do CPCivil [Cfr., neste sentido, Ac. STJ de 28.2.2002, CJSTJ, Ano X, Tomo I, pág. 113].
Concluindo, face ao exposto, procedem as conclusões 1ª a 6ª (inclusive), pelo que se anula a decisão que determina a notificação da requerente/agravante para se pronunciar quanto à susceptibilidade de vir a ser condenada como litigante de má fé e, consequentemente, a notificação efectuada no seu seguimento e, bem assim, a decisão na parte em que a condena como litigante de má fé, devendo ser proferido novo despacho em que se indiquem as razões e/ou factos concretos susceptíveis de fundamentar uma condenação da requerente/agravante como litigante de má fé, após o que se proferirá decisão apreciando tal questão.
b) – Da existência ou não de pressupostos que justifiquem a condenação por litigância de má fé:
O conhecimento da presente questão mostra-se prejudicado pela solução que veio a ser dada à questão anterior, sendo que, como dela se vê, foi determinada, também, a anulação da decisão na parte em que condenava a requerente/agravante como litigante de má fé, devendo ser proferida nova decisão sobre tal matéria, após cumprimento regular do princípio do contraditório.
Assim, ao abrigo do disposto no artº 660º, nº 2 do CPCivil, não se conhece da presente questão face à solução que foi dada à anterior.
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Concluindo e resumindo:
- A condenação oficiosa por litigância de má fé deve ser precedida de notificação da parte que como tal possa vir a ser sancionada, em obediência ao princípio do contraditório e da plena e efectiva defesa, este consagrado constitucionalmente.
- Tal notificação deve, sob pena de nulidade e até inconstitucionalidade, indicar os pontos concretos que integrem uma das situações previstas no artº 456º, nº 2 do CPC, e, consequentemente, justifiquem uma tal condenação.
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3. Decisão:
Nos termos supra expostos, acorda-se em:
a) – dar provimento ao agravo e, em consequência, anula-se o despacho que ordenou a notificação da Requerente/agravante para se pronunciar quanto a uma possível condenação como litigante de má fé e, bem assim, a notificação realizada e a decisão na parte em que a condena como tal, devendo ser proferido um outro despacho em que se indiquem os pontos concretos ou condutas processuais da requerente/agravante susceptíveis de justificar uma tal condenação, a notificar a esta e após o que se deverá apreciar de novo tal questão;
b) – Sem custas – artº 2º, nº 1, al. g) do CCJ.
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Porto, 29 de Novembro de 2004
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale (Vencido: Concordando, em tese, com a posição sustentada no acórdão, entendo, todavia, que, no caso dos autos ocorreu – ainda que de forma indirecta – a concretização fáctica a que se faz menção.
O entendimento contrário conduz – salvo o muito respeito – à “deificação” e hiper valorização dos princípios emergentes dos arts. 3º e 3ºA do CPC, em contraposição à valorização da boa fé e sentido de cooperação que a todos os intervenientes processuais são impostos pelos arts. 266º e 266ºA do mesmo Cód. – Razões estas por que negaria provimento ao agravo).
António Manuel Martins Lopes