Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANTÓNIO GAMA | ||
Descritores: | DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE IRRECORRIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP2014012112/12.1TXPRT-J.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/21/2014 | ||
Votação: | RECLAMAÇÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | DEFERIDA | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Despacho de mero expediente é “aquele que se destina a (1) prover ao andamento regular do processo (2) sem interferir no conflito de interesses entre as partes” (n.º 4 do art.º 156º do Código Processo Civil) ou, no corrente entendimento jurisprudencial, aquele que, proferido pelo juiz, não decide qualquer questão de forma ou de fundo, e se destina principalmente a regular o andamento do processo. II – O despacho de mero expediente tem uma finalidade - prover ao andamento regular do processo - e um pressuposto - sem interferir no conflito de interesses entre as partes. III - O despacho que, a pretexto de dar andamento ao processo, o faz de forma não regular, não preenche tal conceito; neste caso, o despacho não é de mero expediente pois que o juiz não actua de forma livre mas no cumprimento de uma actuação vinculada que se traduz na obrigação de ter de dar andamento ao processo no estrito cumprimento das “regras” processuais. IV - Não é de mero expediente e, por isso, é recorrível, o despacho proferido pelo juiz do TEP, que entende, ou tem subjacente o entendimento, que a pendência de inquérito, onde o condenado é arguido, impede a realização de conselho técnico porque a sua situação jurídica não está estabilizada. | ||
Reclamações: | Reclamação 12/12.1TXPRT-J.P1 TEP Porto. Reclama o condenado de decisão de não admissão de recurso interposto. A marcha processual relevante: Em 23 de Maio de 2013 o condenado, alegando que já cumpriu mais de ½ da pena a que foi condenado, requereu liberdade condicional. Em 5.6.2013 o Ex.mo juiz ordenou a abertura de vista ao Ministério Público. Na oportunidade o Ministério Público promoveu se solicite informação sobre o estado dos autos ao processo 891/09.0JAPRT. Foi solicitada a informação tendo sido informado que os autos aguardam a realização de diligências de investigação, nomeadamente o envio de documentos originais (…) para posterior realização de exame de perícia à letra. Perante tal informação o Ministério Público foi de parecer que atento o facto de o recluso manter situação jurídica não estabilizada somos de parecer [que] não deve ser designado CT para apreciação da liberdade condicional. Porém, promove-se se oficie ao proc 891/09.0JAPRT solicitando os bons ofícios para a sua urgente conclusão, atento o facto de a sua pendência estar a protelar a apreciação da liberdade condicional do aqui recluso (…). Na sequência foi proferido o despacho recorrido: Proceda como promovido pelo Ministério Público informando que a pendência do inquérito em causa está a protelar a apreciação da liberdade condicional ao recluso (…). O condenado interpôs recurso. O despacho reclamado é do seguinte teor: (…) Nos termos do disposto no art.º 414º, n.º2 do Código de Processo Penal “o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar motivação. Por outro lado, nos termos do art.º 235º, n.º1 do CEP “das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei”. Ora o despacho de folhas 620, proferido em 9.12.2013, destinando-se a regular a marcha do processo, constitui um despacho de mero expediente, o qual, por isso, não dá lugar à formação de caso julgado (cf. O artigo 400º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Penal). Como despacho de mero expediente, o mesmo não admite recurso nos termos do disposto no artigo 400º do Código de Processo Penal. Pelo exposto, não admito o recurso interposto em 19.12.2006 [lapso manifesto], constante de folhas 632 e seguintes. Na reclamação diz o reclamante, entre o mais, que “não se trata de um despacho de mero expediente, já que não se limita a ordenar que a secção envie um ofício ao processo 891/09.0JAPRT vai muito mais longe, o tribunal “a quo” não convoca o conselho técnico para ser ouvido o recluso, porque existe um processo pendente, o qual se encontra ainda em fase de inquérito, há já vários anos, desconhecendo-se, pelo menos nos autos inexiste qualquer respaldo aos eventuais indícios criminais que podem ser imputados ao recluso, sendo certo que a medida de coacção que aí lhe foi aplicada foi apenas de termo identidade e residência. (…) Através de tal despacho [o tribunal a quo] continua a dar guarida ao entendimento (…) de não ser designado CT por o recluso manter a sua situação jurídica não estabilizada. O tribunal (…) considera que, por o recluso manter a sua situação jurídica não estabilizada, não deve ser designado CT. Ora, entender-se que tal despacho é de mero expediente, é permitir ao tribunal que discricionária e arbitrariamente, desde que considere que a situação jurídica de um qualquer recluso não esteja estabilizada, protelando [protele] indefinidamente a convocação do CT, obrigando, assim, como na situação em apreço, que o recluso cumpra a totalidade da pena, sem que lhe seja apreciado o almejado pedido de liberdade condicional. Quid juris? Parece deduzir-se do despacho reclamado que a [única] razão de não admissão do recurso foi a circunstância de o mesmo ser entendido como de mero expediente, art.º 400º, n.º1, al. a) do Código de Processo Penal. No despacho reclamado, de modo expresso, não se invoca outro motivo de não admissão do recurso. Importa analisar se o despacho recorrido é ou não de mero expediente. Despacho de mero expediente é “aquele que se destina a (1) prover ao andamento regular do processo (2) sem interferir no conflito de interesses entre as partes” n.º 4 do art.º 156º do Código Processo Civil, aqui aplicável por dupla remissão subsidiária, art.º 239º do CEPMPL e art.º 4º do Código de Processo Penal, ou no corrente entendimento jurisprudencial, aquele que, proferido pelo juiz, não decidindo qualquer questão de forma ou de fundo, se destina principalmente a regular o andamento do processo. Tem uma finalidade – prover ao andamento regular do processo – e um pressuposto – sem interferir no conflito de interesses entre as partes –. Ambos verificados, estamos perante um despacho de mero expediente. Só o despacho que prover ao andamento regular do processo é que integra o conceito de “mero expediente”. O despacho que a pretexto de dar andamento ao processo, o faz de forma não regular, não preenche tal conceito; neste caso, o despacho não é de mero expediente. O juiz não actua de forma livre mas no cumprimento de uma actuação vinculada que se traduz na obrigação de ter de dar andamento ao processo no estrito cumprimento das “regras” processuais. Na vigência do anterior n.º 2 do art.º 679º do C. P. C., definia-se como despacho de mero expediente aquele que se destinava a regular, de “harmonia com a lei”, os termos do processo. Os despachos de mero expediente, “destinam-se a promover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes”. É noção mais completa do que a que constava do anterior art. 679-2 (“os que se destinam a regular, em harmonia com a lei, os termos do processo”)[1]. Alberto dos Reis, no Código Processo Civil, V, p. 249 e 250, dizia que “por meio deles o juiz provê ao andamento regular do processo”, não sendo “susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros”, isto é, que se tratava de “despachos banais, que não põem em causa interesses das partes, dignos de protecção”. Com a supressão da expressão “em harmonia com a lei” procurou-se reforçar a nitidez da figura, em detrimento da margem de admissibilidade do recurso dum despacho de mero expediente com fundamento na não observância da lei em que ele se funda (Castro Mendes, DPC, III, p. 44-45), sem prejuízo da sua anulabilidade, nos termos gerais do art.º 201, por ter sido proferido quando a lei não consentia no momento processual em que o foi». Estes despachos só são irrecorríveis se forem proferidos de acordo com a lei; se o não forem, por admitirem, em determinado processo, actos ou termos que a lei não prevê para ele, ou sendo previstos, se forem praticados com um condicionalismo diferente do legalmente previsto, já esses despachos admitirão recurso”[2]. Numa primeira análise parece que o despacho sindicado é de mero expediente. O caso concreto – o despacho recorrido –, não deve porém ser visto separado do processo onde foi proferido, da sequência processual. Processo é um encadeamento de actos com vista à consecução de um determinado objectivo: obter uma decisão judicial; uma actividade desenvolvida segundo uma unidade intencional[3]. Nessa contextualização o despacho recorrido foi proferido num processo relativo a liberdade condicional do condenado, aqui reclamante, e veicula um entendimento, concretamente identificado na reclamação, que parece obstar a que, sequer, se aprecie a liberdade condicional do condenado nos momentos legalmente determinados, art.º 61º, n.º2 e 3 do Código Penal e 180º do CEP. O efeito associado a um mero dizer proceda como promovido pelo Ministério Público informando que a pendência do inquérito em causa está a protelar a apreciação da liberdade – quando o Ministério Público de modo expresso tinha dito que, pelo facto de o recluso manter situação jurídica não estabilizada, somos de parecer [que] não deve ser designado CT para apreciação da liberdade condicional – leva em direitas contas a que enquanto pender o proc 891/09.0JAPRT não se convoque o CT para apreciar a liberdade condicional do condenado. Sendo assim, parece-nos, não estamos perante despacho banal, que não põe em causa interesse do condenado, pelo contrário, o despacho recorrido ao dar como assente que não estão verificadas as condições para reunir o CT, inviabilizando a liberdade condicional é, no mínimo, limitador de um direito do condenado. Pertinente e a merecer ponderação, a alegação do reclamante de que, segundo o entendimento subjacente ao despacho recorrido, mantendo-se a pendência do inquérito mesmo sem acusação – o que é hipótese muito séria dado que ainda se “vai realizar” exame pericial no Laboratório de Polícia Científica, a fim de se aferir se foi algum dos arguidos a proceder a eventual falsificação de documentos, fls. 29 – se pode esgotar o cumprimento da pena sem sequer se convocar sequer o CT, sem se decidir de fundo quanto é liberdade condicional, pois estamos perante uma pena de seis anos e já foram ultrapassados os dois terços da pena, art.º 61, n.º3 do Código Penal. Prefigurando-se este último caso, e sem querermos avançar o que quer que seja, pois a tal não se destina a reclamação, com o concreto entendimento inviabiliza-se uma decisão sobre a liberdade condicional e do mesmo passo pode estar a negar-se ao condenado as condições necessárias para a sua reintegração na sociedade, com eventual vulneração do princípio da socialização dos condenados, princípio derivado do fundamental princípio da dignidade da pessoa humana, art.ºs 1º e 25º, n.º1 da Constituição. Esta é já matéria para a superior apreciação e decisão do TRP – caso previamente decida a admissibilidade do recurso – concluindo-se pela nossa parte que estão reunidas as condições para tal. Conclui-se assim que não é de mero expediente o despacho, proferido pelo juiz do TEP, que entende, ou tem subjacente o entendimento, que a pendência de inquérito, onde o condenado é arguido, impede a realização de conselho técnico porque a sua situação jurídica não está estabilizada. Donde sem necessidade de outras considerações se defere a reclamação. Decisão: Julgo procedente a reclamação. Sem tributação Porto, 21 de Janeiro de 2013. Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto. António Gama Ferreira Ramos _______________ [1] LEBRE de FREITAS, Código Processo Civil Anotado, p. 277, Decisão de reclamação no TRG de 14.11.2003. [2] AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, p. 111. [3] MANUEL ANDRADE, Noções Elementares de processo civil, 1976, p. 364-5 e CASTANHEIRA NEVES, Sumários…, p. 3. | ||
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Decisão Texto Integral: |