Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3904/22.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ASSENTADA
RECLAMAÇÃO
RECORRIBILIDADE DA DECISÃO
PROIBIÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RP202510273904/22.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 10/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A decisão judicial que conhece da reclamação contra a assentada é recorrível, ainda que não de forma autónoma.
II - A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito ou conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
III - A proibição de prova por testemunhas de convenções anteriores, contemporâneas ou posteriores à formação do documento com força probatória plena, que sejam contrárias ou adicionais ao conteúdo desse documento, pressupõe a validade das cláusulas em apreço.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 3904/22.6T8VNG.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 3094/22.6T8VNG.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]

Em 18 de maio de 2022, com referência ao Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto, AA e mulher BB e CC, por si e na qualidade de única herdeira e cabeça de casal da Herança de DD propuseram ação declarativa comum contra A..., Lda., B..., Lda., EE e mulher, FF, GG e marido HH, pedindo que:

- sejam os réus A..., EE e FF solidariamente condenados a pagarem aos autores as rendas dos meses de agosto a dezembro de 2015 e as rendas dos meses de janeiro a maio de 2016, no total de € 50.000,00, acrescidas dos juros de mora calculados à taxa legal, vencidos e vincendos;

- sejam os réus B..., EE, FF, GG e HH solidariamente condenados a pagarem aos autores as rendas dos meses de junho, julho e agosto de 2016, no total de € 15.000,00 acrescidas dos juros de mora calculados à taxa legal, vencidos e vincendos;

- sejam os réus B..., EE, FF, GG e HH solidariamente condenados a pagarem aos autores a totalidade das rendas dos meses de setembro de 2016 a dezembro de 2019, no total de € 38.000,00 de diferenças de renda, acrescida dos juros de mora calculados à taxa legal, vencidos e vincendos;

- se reconheça a cessação do contrato de arrendamento que vigorou entre autores e os réus B..., EE, FF, GG e HH e seja declarado o despejo, condenando-se a ré B... a restituir de imediato aos autores o locado, livre e desocupado de pessoas e bens;

- à cautela, seja declarado resolvido o contrato de arrendamento que vigorou entre autores e os réus B..., EE, FF, GG e HH e ser declarado o despejo, condenando-se a ré B... a restituir de imediato aos autores o locado, livre e desocupado de pessoas e bens;

- em todo o caso, sejam os réus B..., EE, FF, GG e HH solidariamente condenados a pagar aos autores as rendas dos meses de março, abril e maio de 2022, no total de € 15.000,00, acrescida dos juros de mora calculados à taxa legal, vencidos e vincendos, bem como de todas as rendas que entretanto se vencerem.

Para fundamentar as suas pretensões, os autores alegaram, em síntese, que celebraram dois contratos de arrendamento sucessivos tendo como objeto o mesmo imóvel, o primeiro com a ré A..., Lda., como arrendatária e com os réus EE e mulher, FF, como fiadores e o segundo com B..., Lda., na qualidade de arrendatária e EE e mulher, FF, GG e marido HH, estes na qualidade de fiadores, contratos que cessaram, respetivamente, em 31.05.2016 e 28.02.2022, tendo ficado acordado que o valor da renda era reduzido e era definido um período de carência de pagamento face à necessidade de obras e por referência ao valor destas. Os arrendatários não promoveram a realização das obras, não pagaram as rendas relativas ao período de carência, nem pagaram o valor descontado. Mais alegam que, apesar de a ré B... ter denunciado o contrato de arrendamento para o dia 28.02.2022, continua a fazer uso do imóvel, sem pagar as rendas devidas.

Citados, os réus contestaram, alegando terem requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, invocando a ausência de suporte contratual para os pedidos deduzidos pelos autores, a prescrição dos valores de rendas peticionados à 1ª arrendatária, aceitando a cessação de ambos os contratos. Alegaram ainda que as rendas de junho a agosto de 2016 foram pagas e que a ré B... realizou obras no prédio, tendo o licenciamento da atividade sido inviabilizado pelo destino do prédio de acordo com o Plano Diretor Municipal. Invocaram ainda a existência de abuso do direito dos autores e a inexistência de declaração de fiança no segundo contrato.

A ré B... deduziu reconvenção, alegando despesas com obras e valores de coimas pagos por responsabilidade dos autores, que omitiram a realidade dos prédios e induziram a reconvinte em erro, dando causa a prejuízos, cujo ressarcimento peticiona.

Concluem pedindo a improcedência da ação e a procedência da reconvenção, com condenação solidária dos autores reconvindos a pagarem à ré reconvinte a quantia de € 55.246,85, a compensar com qualquer eventual valor que se considere devido pelos réus.

Pedem ainda a condenação dos autores como litigantes de má-fé.

Os autores replicaram, pugnando pela improcedência da exceção de prescrição e das exceções dilatórias de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade, bem como impugnaram a matéria alegada para fundamentar a reconvenção, cuja improcedência pedem e requereram a condenação dos réus como litigantes de má-fé em multa e indemnização não inferior a € 1.000,00.

Os réus ofereceram requerimento em que, além do mais, se pronunciam sobre a litigância de má-fé suscitada pelos autores.

Em 12 de dezembro de 2022, autores e réus vieram dar notícia aos autos da entrega do imóvel cuja restituição era peticionada pelos autores.

Os serviços da Segurança Social vieram informar que os pedidos de apoio judiciários requeridos pelos réus EE e FF foram indeferidos.

Em 19 de janeiro de 2023, os réus vieram comprovar o pagamento da taxa de justiça inicial.

Designou-se audiência prévia e os autores foram convidados para aperfeiçoar o artigo 30º da petição inicial, convite que foi acatado fora do prazo concedido.

Em 13 de março de 2023 dispensou-se a realização de audiência prévia, admitiu-se a reconvenção, fixou-se o valor da causa no montante de € 345.015,83, proferiu-se despacho saneador, julgando-se improcedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial e relegando-se para final o conhecimento da exceção dilatória de ilegitimidade e da exceção perentória de prescrição, julgou-se supervenientemente inútil a pretensão de entrega do locado, identificou-se o objeto do litígio, discriminaram-se os factos que já se podiam considerar assentes, enunciaram-se os temas da prova, com menção às limitações probatórias de alguns deles.

Foi apresentada reclamação pelos réus, que foi indeferida, conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes e designou-se dia para realização da audiência final.

Realizou-se uma sessão da audiência final em 14 de junho de 2023, tendo os autores, a ré A..., Lda. e os Senhores Advogados das partes outorgado transação, comprometendo-se o Senhor Advogado dos réus ausentes a oferecer procuração com poderes especiais no prazo de cinco dias, tendo sido proferida sentença homologatória da transação, ordenando-se, além do mais, o cumprimento do disposto no nº 3 do artigo 291º do Código de Processo Civil.

Em 20 de junho de 2023, os réus B..., Lda., EE e mulher, FF vieram declarar que não ratificavam a transação outorgada em sua representação, e que por isso constituíam novo Advogado.

Em 04 de julho de 2023, proferiu-se despacho a dar sem efeito a transação celebrada em 14 de junho de 2023 e designou-se audiência final.

A audiência final realizou-se em duas sessões e em 19 de dezembro de 2023 foi proferida sentença[2] que terminou com o seguinte dispositivo:

Nos termos e fundamentos expostos, julgo a ação parcialmente procedente por provada e a reconvenção improcedente, por não provada, e, em consequência:

I) condeno solidariamente os réus B..., LDA., EE, FF, GG e HH a pagarem aos autores AA e mulher BB e CC, por si e na qualidade de única herdeira e cabeça-de-casal da HERANÇA DE DD, a quantia de 40.000,00 EUR (quarenta mil euros) a título de indemnização pelo atraso na restituição do locado, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data de citação dos réus para os termos da presente ação até efetivo e integral pagamento, absolvendo os identificados réus dos demais pedidos contra si deduzidos;

II) absolvo a ré A..., LDA da totalidade dos pedidos contra si deduzidos;

III) absolvo os autores/reconvindos da reconvenção deduzida pela ré B..., LDA

Não há sinais de má-fé.


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Custas da ação a cargo de autores AA, BB e CC e réus B..., LDA., EE, FF, GG E HH, na proporção de 3/5 para os primeiros e 2/5 para os segundos (art.º 527º, nº2 do Código de Processo Civil).

Custas da reconvenção a cargo da reconvinte B..., LDA. (art.º 527º, nº1 do Código de Processo Civil).

Em 12 de fevereiro de 2024, inconformados com a sentença cujo dispositivo precede, AA e mulher BB e CC, por si e na qualidade de única herdeira e cabeça de casal da Herança de DD interpuseram recurso de apelação, terminando as alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Em 12 de fevereiro de 2024, também inconformados com a sentença cujo dispositivo se transcreveu anteriormente, B..., Lda., GG e marido HH interpuseram recurso de apelação pedindo a fixação de efeito suspensivo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

A..., Lda., B..., Lda., EE e mulher, FF, GG e marido HH responderam ao recurso interposto pelos autores pugnando pela sua improcedência e suscitando a litigância de má-fé dos autores.

Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo, indeferindo-se o incidente de prestação de caução requerido por B..., Lda., GG e marido HH, decisão que estes impugnaram.

Entretanto, em 10 de outubro de 2024, no apenso nº 3094/22.6T8VNG-A.P1 foi proferido acórdão que anulou o processado posterior à apresentação do recurso e do requerimento de prestação de caução interpostos por B..., Lda., GG e marido HH.

Na sequência da deliberação que precede, em 08 de novembro de 2024, estes autos foram remetidos ao tribunal a quo a título devolutivo.

Recebidos os autos no tribunal recorrido, foi proferido despacho convidando os réus recorrentes a concretizarem a alegação de prejuízo constante do requerimento para prestação de caução, convite que foi acatado, tendo os novos factos alegados merecido a oposição dos autores.

Em 03 de dezembro de 2024 foi proferido despacho indeferindo a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto pelos réus recorrentes.

Em 06 de janeiro de 2025, B..., Lda., GG e marido HH interpuseram recurso da decisão que precede, recurso que não foi admitido em 13 de janeiro de 2025, tendo sido admitido o recurso interposto por estes recorrentes em 12 de fevereiro de 2024.

Inconformados com a não admissão do recurso interposto em 06 de janeiro de 2025, B..., Lda., GG e marido HH vieram reclamar contra o despacho proferido em 13 de janeiro de 2025, tendo sido proferida em 25 de fevereiro de 2025, neste Tribunal da Relação, decisão singular a confirmar o despacho reclamado.

Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta os objetos dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Recurso dos autores:

2.1.1 Reclamação contra a assentada e impugnação dos pontos 1 a 4 dos factos não provados;

2.1.2 Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto nas pretensões dos autores.

2.2 Recurso dos réus B..., Lda., GG e marido HH:

2.2.1 Impugnação dos pontos 8 a 12 dos factos não provados;

2.2.2 Repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto na pretensão reconvencional da primeira recorrente;

2.2.3 Da proporção na divisão da responsabilidade pelas custas da ação.

3. Fundamentos

3.1 Reclamação contra a assentada e impugnação dos pontos 1 a 4 dos factos não provados (recurso dos autores) e impugnação dos pontos 8 a 12 dos factos não provados (recurso dos réus recorrentes)

Os autores impugnam a decisão proferida pela Sra. Juíza a quo no que respeita à redação da assentada na sequência do depoimento prestado pelo autor AA. Além disso, impugnam os factos não provados nºs 1 a 4.

Os autores fundamentam a impugnação da decisão da reclamação contra a assentada referindo, em síntese, que o teor da assentada está descontextualizado na medida em que tendo o autor declarado que não lhe passou pela cabeça que as arrendatárias não executassem as obras a que se haviam obrigado, não se colocou a questão de saber o que sucederia se essas obrigações não fossem cumpridas.

No que respeita à impugnação dos pontos 1 a 4 dos factos não provados os autores recorrentes abonam-se com o teor dos documentos 1 a 4 oferecidos com o requerimento de 24 de março de 2023 e também com o depoimento da testemunha II nas passagens da gravação que localizam temporalmente e transcrevem.

Os réus recorrentes impugnam os pontos 8 a 12 dos factos não provados, sustentando a impugnação no depoimento da testemunha JJ, nas passagens da gravação que localizam temporalmente e transcrevem.

Os pontos de facto impugnados têm o seguinte teor:

- Por ocasião da celebração dos contratos de arrendamento referidos em b) e g), ficou acordado entre as partes que a renda era de € 5 000,00, mas teria descontos do primeiro ao quarto ano pois seriam realizadas as obras necessárias à adaptação do imóvel à atividade pretendida e o valor da carência de rendas e desconto nas rendas correspondia ao valor das obras necessárias (ponto 1 dos factos não provados);

- A carência de rendas atribuída aos contratos de arrendamento foi acordada no pressuposto e sob condição da realização de obras de adaptação pelas arrendatárias (ponto 2 dos factos não provados);

- As rés arrendatárias não promoveram a realização de obras no prédio (ponto 3 dos factos não provados);

- Pela ré B... era devido o pagamento, nos anos de 2016 a 2019, da quantia correspondente à diferença entre as rendas estipuladas no contrato e a quantia de € 5 000,00 (ponto 4 dos factos não provados);

- E ficou nessa ocasião a saber que o processo de licenciamento inicial não tinha sido concluído, faltando a licença de edificação do prédio (ponto 8 dos factos não provados);

- Realizado um conjunto de diligências, a ré “B..., Ldª” constatou que era inviável legalizar a sua atividade, face não só ao facto de as construções serem ilegais como ao facto de não existirem  condições técnico administrativas e económicas para a sua adequada legalização (ponto 9 dos factos não provados);

- A ré B... efetuou no prédio obras no valor de € 109.000,00 (ponto 10 dos factos não provados);

- De entre as obras realizadas pela ré B..., foram feitas obras que são irrecuperáveis e que beneficiam o imóvel, no valor de € 30.487,00 e existem equipamentos e outros materiais incorporados no prédio no valor de € 14 226,14 (ponto 11 dos factos não provados);

- Os autores sempre omitiram a realidade concreta, física e administrativa dos prédios, em particular que a generalidade da área construída era ilegal, bem como omitiram o facto de tal área não ter licença de construção concluída e estarem localizados numa zona de Vila Nova de Gaia destinada a outro fim (ponto 12 dos factos não provados).

O tribunal recorrido motivou os pontos de facto impugnados da forma que segue:

A prova das alíneas o) e p) assentou, quer no acervo documental junto pelos réus à contestação sob os nº10 a 15, que incluem diligências junto da C... e despesas tidas com obras, faturadas à ré B... na morada do imóvel (os valores provados foram reduzidos por referência aos documentos juntos), quer no depoimento particularmente coerente e credível de JJ, desenhador que acompanhou os projetos e as obras realizadas pela ré B... sob contratação desta, que descreveu todo o processo conduzido com vista à legalização da atividade, as dificuldades encontradas e as despesas tidas, bem como a razão que determinou a desistência por parte da ré B... em relação à conclusão do processo de licenciamento – elevados custos envolvidos que se tornavam injustificados perante a circunstância de se tratar de um prédio arrendado.

Estes elementos contribuíram ainda para a não prova do facto 3, por ser evidente, à luz dos documentos e dos depoimentos, que os réus efetuaram obras, quer para dar início à atividade, quer ao longo do período em que diligenciavam pela legalização da atividade

No mais, no que respeita aos factos não provados sob os números 1, 2 e 4, tal como havia sido referido aquando da enunciação dos temas da prova, não só os autores não corroboraram documentalmente qualquer acordo celebrado no sentido de permitir firmar a convicção do tribunal quanto à definição contratual de pagamento dos valores de carência ou dos valores descontados às rendas caso as obras não fossem realizadas, como o próprio autor AA referiu que nunca foi por si antevisto (não lhe passou pela cabeça) que os réus tivessem que pagar os valores deduzidos caso as obras não fossem realizadas, conforme ficou plasmado em assentada.

A não prova dos factos 5 a 9 e 12 a 14, assentou na conjugação entre o acervo documental junto aos autos pelas partes (de que resulta, não só a consulta pelos réus do processo de licenciamento que havia sido iniciado antes da celebração dos contratos, como a ponderação da dificuldade de licenciamento em fase anterior a esta celebração), com os depoimentos prestados.

Assim, no que respeita aos documentos, resulta do documento 10, p. 2 e última página, anexo à contestação, que a ré A..., não só consultou e pediu cópias do processo de licenciamento anterior, como dirigiu à Câmara, em janeiro de 2015, um pedido de informação simples sobre a possibilidade de alteração do “uso residencial” do imóvel para lar de idosos, tendo então pleno conhecimento do uso a que o mesmo se encontrava afeto, tendo tido nessa ocasião todas as condições para aceder à situação do imóvel. Nesta sequência, a ré GG, em comunicação datada de 07.04.2015, dá conhecimento a II, familiar dos autores que tratava da questão do arrendamento, que tinha consultado o processo de licenciamento que havia sido desenvolvido anteriormente, bem como de diligências que terá desenvolvido junto das autoridades para aferir da possibilidade de obtenção de alvará, referindo que a possibilidade de obter alvará de funcionamento para lar de idosos reclama um projeto complexo em termos burocráticos e com valores orçamentais bastante elevados, que a levam a renunciar ao negócio nos termos inicialmente sugeridos. Daqui resulta, não só que os autores haviam dado conhecimento à referida ré do facto de o licenciamento não existir (estava em curso um processo para o efeito), como também que os réus tinham conhecimento de todas as dificuldades que iriam surgir, ponderando, nessa ocasião, renunciar ao negócio.

Por outro lado, o documento anexo ao requerimento de 27.03.2023, referência nº35197381, evidencia que o processo de legalização não era inviável ou impossível, antes implicando custos elevados e realização de obras no domínio público que reclamavam uma caução de valor alto, que, como resultou do depoimento de JJ, a serem somados a todos os demais custos, conduziram à desistência por parte da ré do processo de legalização.

No que respeita à prova testemunhal:

- KK, cunhado da ré BB e antigo sócio gerente da residencial B..., que tinha a chave do imóvel e o mostrava aos interessados, designadamente à ré GG (que foi a face visível das negociações de ambos os contratos), confirmou que o imóvel tinha sofrido alterações que não se encontravam licenciadas (parte nova dos quartos), facto de que foi dado conhecimento, tendo a ré pedido para ver os projetos antigos. O depoimento, porque coerente com os sobreditos documentos, mereceu credibilidade;

- JJ, já referido supra, que acompanhou o processo de obras e colaborou no projeto de arquitetura e participou de reuniões na Câmara e na Segurança Social, descreveu o que existia no imóvel quando se iniciou o arrendamento (bens ligados à atividade anterior de residencial), o projeto de legalização que já tinha corrido na Câmara em relação às obras que já tinham sido executadas em fase anterior (área traseira) – confirmando que a ré já conhecia o projeto dos autores -, explicou a natureza das obras realizadas e definiu como única “surpresa” a necessidade de obras no domínio público, em relação às quais achavam que o projeto estava aprovado, o que não sucedeu, porque a câmara exigiu novos alinhamentos, que implicavam um investimento de dezenas de milhares de euros, o que levou à decisão de não execução do projeto (já realizado pelo próprio e aprovado) – ficou apto a licenciar. Explicou as particulares exigências quando o licenciamento envolve uma atividade de lar de idosos, que obriga a pareceres da câmara e da segurança social e que sofre alterações cada vez que se alteram os responsáveis, descrevendo ainda as obras que foram realizadas por imposição da segurança social. Embora tenha referido que as obras implicaram um gasto superior a 100.000,00 €, a ausência de corroboração documental ou pericial tornou o depoimento insuficiente como suporte de prova do facto 10. Referiu ainda que a Câmara nunca disse que a zona era destinada a turismo ou que havia limitações de PDM em relação ao licenciamento da atividade. Teve grande relevância na formação da convicção do tribunal;

- LL, que assumiu funções como diretora técnica do Lar B... desde 2016 até à saída, em outubro de 2022, descreveu os bens que existiam no imóvel quando o visitou pela 1ª vez em 2015 e que ainda ali permaneciam quando se iniciou o arrendamento; explicou as obras visíveis ali realizadas. Mostrou-se credível;

- MM e NN, ambas funcionárias do lar até ao encerramento em outubro de 2022, descreveram as obras que tiveram lugar no imóvel e os bens que tiveram de retirar da atividade anterior de residencial, que permaneciam no espaço. Mereceram credibilidade;

- II, sobrinho e afilhado dos primeiros autores e primo da autora CC, que tratou das negociações em representação dos autores, incluindo as questões relacionadas com a emissão de recibos (é o seu nome que surge nas comunicações trocadas para negociação do contrato, designadamente nos documentos 3 a 9 anexos ao requerimento de 24.03.2023), aludiu ao processo de legalização de uma parte do imóvel que havia sido iniciado em fase anterior à celebração dos contratos de arrendamento, as negociações havidas com a ré GG e o conhecimento que lhe foi dado desse processo (cuja consulta desde logo autorizaram), que terá inicialmente causado um recuo no interesse da ré, ao perceber que as obras iriam ter um custo elevado, tendo sido renegociado, com escalonamento de rendas e alargamento do período do contrato – documentos 3 e 4 anexos ao requerimento de 24.03.2023. Explicou ainda o pedido da ré GG para alteração do titular do contrato de arrendamento, que levou à assinatura de um novo contrato, confirmando ainda que não há rendas anteriores a março de 2022 por pagar. Mereceu credibilidade.

Não houve qualquer prova segura, quer quanto à negociação de um acordo de restituição de valores caso um qualquer tipo específico de obras não fosse realizado por parte dos arrendatários, quer em relação a um qualquer desconhecimento que os réus teriam no que respeita às dificuldades e custos de licenciamento da atividade ou de legalização dos imóveis, a que expressamente aludiram na fase de negociação do contrato.

Em relação ao facto não provado sob o nº3, como se referiu, encontram-se documentadas obras realizadas, como resulta das faturas emitidas que tais obras beneficiam o imóvel e, consequentemente, os autores, já que abarcaram canalizações, ligações à rede pública, cobertura, novo sistema de abastecimento de água no exterior, abertura de roços e montagem de rede de água nova, canalização de água do poço, materiais para esgotos, plataforma elevatória, corrimões, entre outras realizadas com vista a permitir o prosseguimento da atividade da ré B....

Porém, dessa prova não advém base suficiente que permita a prova do facto 11 – não é viável com base na prova produzida definir o grau de valorização do imóvel ou o custo de equipamentos incorporados.

Em relação ao facto 10, não existe faturação que reflita o indicado valor, não sendo a menção ao mesmo por parte da testemunha JJ suficiente como base de prova do facto.

Cumpre apreciar e decidir.

A reclamação contra a assentada está prevista no nº 2 do artigo 463º do Código de Processo Civil.

No domínio do Código de Processo Civil de 1939, o Professor Alberto dos Reis sustentava a irrecorribilidade da decisão que decidisse a reclamação contra a assentada[3], com base num argumento por identidade de razão extraído do então § único do artigo 578º do referido diploma legal, correspondente, em parte, ao atual nº 2 do artigo 462º do Código de Processo Civil e ainda porque, dada a oralidade da produção da prova, sem meios de registo direto, salvo os casos de obscuridade na assentada, não ser viável o controlo da decisão que conhece da reclamação.

Embora persista no vigente Código de Processo Civil a irrecorribilidade da decisão judicial que conhece a oposição à formulação de certa pergunta ao depoente (o já citado nº 2 do artigo 462º do Código de Processo Civil), existem hoje meios de registo da prova que permitem seja sindicada a decisão que conhece da reclamação contra a assentada.

Atenta a excecionalidade dos casos em que não é admissível recurso, por um lado e, por outro, o maior impacto da decisão que conhece da reclamação contra a assentada em contraponto com a que conhece da oposição à formulação de certa pergunta ao depoente[4], afigura-se-nos que a doutrina do Professor Alberto dos Reis acima referida não mantém atualidade, razão pela qual se nos afigura que a decisão judicial que conhece da reclamação contra a assentada é recorrível, ainda que não de forma autónoma e irá conhecer-se dela depois de ouvido o depoimento em causa.

A impugnação da decisão da matéria de facto sujeita o impugnante a variados ónus processuais que, em caso de inobservância, implicam a rejeição dessa pretensão na parte em que ocorra tal “incumprimento”[5].

Assim, em primeiro lugar, o impugnante deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto impugnados (artigo 640º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil), especificação que também deve ser feita nas conclusões das alegações de recurso já que se trata de elementos conformadores do objeto do recurso[6].

Em segundo lugar, o recorrente deve indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que sustentem a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto (artigo 640º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil), especificação que não tem de constar das conclusões do recurso[7].

Em terceiro lugar, o impugnante deve especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (artigo 640º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil), especificação que dominantemente se tem entendido não ter que constar das conclusões das alegações[8].

Em quarto lugar, fundando-se a impugnação da decisão da matéria de facto em meios de prova que hajam sido gravados, o recorrente deve, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte em que se verifique a inobservância do ónus, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (artigo 640º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil).

No caso dos autos, tanto os autores recorrentes, como os réus recorrentes observam suficientemente os ónus que recaem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto.

E será toda a matéria impugnada pelos recorrentes passível disso?

Reproduzindo, em parte e com alterações, o que se deixou escrito no acórdão proferido no processo nº 833/11.2TVPRT.P1, proferido a 09 de Julho de 2014 e acessível no site do IGFEJ, o atual Código de Processo Civil teve a nítida preocupação de simplificar a fase do processo que se segue ao termo dos articulados, quando o processo esteja em condições de seguir para a audiência final, eliminando a necessidade de proceder à organização da base instrutória que deveria conter a matéria de facto relevante para a boa decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (veja-se o artigo 511º, nº 1, do anterior Código de Processo Civil). Para tanto, criou a figura dos temas da prova, pretendendo com esta designação uma referenciação genérica do objeto da instrução (veja-se a primeira parte do artigo 410º do Código de Processo Civil).

Não obstante esta alteração de paradigma que, na nossa perspetiva, apenas transfere as dificuldades que surgiam no termo dos articulados para a audiência final, parece que o objeto da instrução continua agora como dantes a ser constituído pelos factos[9], incluindo-se nestes as ocorrências da vida real exterior e passíveis de perceção, as ocorrências da vida interna das pessoas, como sejam as intenções, os conhecimentos, as dores, as alegrias, etc…, as situações virtuais, seja no passado, seja no futuro, como sucede, por exemplo, na determinação da vontade conjetural em caso de redução ou conversão do negócio jurídico e, finalmente, os juízos periciais de facto, isto é, as apreciações de certos factos efetuadas por pessoas dotadas de conhecimentos científicos e com base nesses conhecimentos[10].

Dos factos ou enunciados de facto deve distinguir-se toda aquela operação que não consiste na perceção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno[11], mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual[12]. Dentro desta matéria conclusiva, devem em nosso entender, distinguir-se os juízos de facto periciais[13], dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos[14].

Esta distinção justifica-se, em nosso entender, porque pode ser objeto de prova pericial a apreciação de factos[15], quando para tanto sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (artigo 388º do Código Civil).

Na verdade, as partes continuam oneradas à alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções deduzidas (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil), estando o tribunal limitado na sua atividade por tal factualidade essencial e apenas podendo considerar, além dela, a factualidade instrumental, os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa e desde que sobre os mesmos as partes tenham tido a oportunidade de tomar posição, os factos notórios e os factos de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Pelo contrário, no que respeita à matéria de direito, o tribunal não está subordinado às alegações das partes, sendo livre[16] no que tange a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), ainda que nalguns casos, deva observar o prescrito no nº 3, do artigo 3º, do Código de Processo Civil.

O anterior Código de Processo Civil operava uma cisão rigorosa entre o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito, correspondendo esta cisão, em dado momento da evolução do nosso processo civil a uma diversidade de entidades que procediam a uma e a outra tarefa[17].

No atual processo civil, à semelhança do que se passa no processo penal desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal aprovado pelo decreto-lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro[18], o julgamento da matéria de facto e de direito deixa de ocorrer em ciclos processuais distintos, surgindo toda essa atividade concentrada numa única peça processual: a sentença final.

Neste novo contexto processual, bem se percebe que tenha desaparecido a previsão do nº 4, do artigo 646º do anterior Código de Processo Civil e que tinha por fim precípuo delimitar o âmbito de cognição do tribunal que procedia ao julgamento da matéria de facto, com base em meios de prova sujeitos à sua livre apreciação (artigo 655º, nº 1, do anterior Código de Processo Civil), do âmbito que competia ao juiz que lavrava a sentença e que além do julgamento da matéria de direito, propriamente dito, procedia também à valoração das provas não sujeitas à livre apreciação do julgador (artigo 659º, nº 3, do anterior Código de Processo Civil).

No entanto, o desaparecimento daquela previsão legal não significa que a fundamentação de facto da sentença, tal como delineada na primeira parte do nº 3 e no nº 4, do artigo 607º, do atual Código de Processo Civil, tenha passado a poder incidir também sobre matéria de direito.

Ao contrário do que por vezes se vê apregoado, a tanto quanto possível separação rigorosa da matéria de facto e de direito não é tributária de uma postura formalista[19] e arcaica, antes é uma decorrência indeclinável de “qualidade” e genuinidade na instrução e decisão da causa. De facto, se não houver rigor na delimitação destes campos, as testemunhas serão chamadas a emitir juízos de valor, inclusive de ordem legal, procedendo assim a uma verdadeira usurpação de funções consentida, porquanto, assim atuando, demitir-se-á o julgador da função que lhe é própria, transferindo-a, à margem da lei, para as diversas entidades operantes em sede de instrução.

Na nossa perspetiva, a inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito ou conclusiva determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.

Ora, no caso dos autos, afigura-se-nos que nem toda a matéria impugnada pelos recorrentes integra matéria de facto, havendo alguma que é matéria de direito ou conclusiva, pelo que, por definição, não é passível de prova e, consequentemente, não pode ser objeto de impugnação, antes deve ser extirpada dos fundamentos de facto em que haja sido indevidamente incluída (veja-se o nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil).

Assim sucede, a nosso ver, com o ponto 4 dos factos não provados.

Neste ponto questiona-se se certa ré deve ou não certos valores.

Ora, saber se alguém deve ou não certo valor é uma conclusão jurídica que se extrai desde que esteja assente uma fonte obrigacional apta a fazer nascer um tal dever jurídico.

Conclui-se assim que o ponto 4 dos factos não provados deve ser retirado dos fundamentos de facto, ex vi alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, em virtude de conter matéria que não é passível de prova, integrando antes um juízo normativo a extrair em sede de fundamentação jurídica e em conformidade com a factualidade provada.

Também o ponto 9 dos factos não provados contém, na nossa perspetiva, matéria conclusiva e de direito.

A afirmação da ilegalidade de certas construções é um juízo normativo que implica, de um lado, a concreta descrição das construções a que respeita e, de outro lado, a identificação de um ou de vários instrumentos normativos que tenham sido violados na execução de tais edificações. Do mesmo modo, a alegada inexistência de condições técnico-administrativas e económicas para a pretendida legalização implica que sejam detalhadas essas condições que se afirma inexistirem, a fim de se poder emitir o juízo normativo de inviabilidade de legalização de uma certa atividade à luz das normas aplicáveis.

Assim, face ao exposto, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, deve retirar-se dos fundamentos de facto, o ponto 9 dos factos não provados.

Finalmente, o ponto 12 dos factos não provados, na parte em que refere que “em particular que a generalidade da área construída era ilegal”, contém um claro juízo normativo que deve ser extraído dos fundamentos de facto.

À semelhança do que se escreveu relativamente ao ponto 9 dos factos não provados, a afirmação da existência de uma ilegalidade implica a descrição de uma situação de facto que, em face das normas aplicáveis, se conclui desconforme com estas, conclusão a extrair em sede de fundamentação de direito.

Assim, também este segmento do ponto 12 dos factos não provados deve ser retirado dos fundamentos de facto, ex vi artigo 662º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil.

A restante matéria impugnada, não obstante as amputações antes mencionadas, caso se prove, é juridicamente relevante e pode determinar a procedência das pretensões das recorrentes, não constituindo o conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto, neste circunstancialismo, um ato inútil.

Por força da exclusão dos fundamentos de facto dos pontos 4 e 9 dos factos não provados e do segmento do ponto 12 dos mesmos factos, a impugnação da decisão da matéria de facto cinge-se aos pontos 1 a 3, 8 e 10 a 12 (este com a amputação do segmento antes identificado), todos dos factos não provados.

Procedeu-se à análise crítica da prova documental pertinente para o conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto requerida nestes autos destacando-se os documentos nºs 6[20] e 7[21] oferecidos pelos autores com a petição inicial, o documento nº 10 oferecido pelas rés contestantes[22], e documentos nºs 2[23], 3[24] e 4[25], oferecidos pelos autores com o requerimento de 24 de março de 2025.

Procedeu-se à audição da prova pessoal produzida em duas sessões da audiência final.

Comecemos por conhecer da impugnação da decisão que indeferiu a reclamação contra a assentada.

O teor da assentada objeto de reclamação é o seguinte:

“Foi dito pelo Autor que os valores das rendas fixados no contrato tinham em vista permitir a realização das obras de legalização, que tinham um custo e eram do interesse dos Autores, porém, nunca passou pela cabeça do depoente que caso as obras não fossem feitas os Réus tivessem que devolver os valores que foram reduzidos ou os valores de carência.”

Ouvido o depoimento de parte do autor AA do minuto 7 e 20 segundos ao minuto 8 e 15 segundos e do minuto 13 ao minuto 15 e 30 segundos, verifica-se que a assentada traduz fielmente o depoimento de parte do autor AA prestado à Sra. Juíza que presidiu à audiência.

Posteriormente, quando ouvido pelo Sr. Advogado dos Autores, induzido, afirmou que a carência e a redução das rendas tinha em vista a legalização de obras no imóvel arrendado e que nunca lhe passou pela cabeça que essas obras não fossem efetuadas[26].

Porém, logo aquando do depoimento prestado à Sra. Juíza, o depoente foi muito claro ao afirmar que não foi combinado que caso as obras não fossem realizadas, a inquilina teria que devolver os valores correspondentes ao período de carência e às reduções nas rendas.

Assim, atendendo à forma espontânea como o depoente respondeu à Sra. Juíza que presidiu à audiência, deve manter-se a matéria constante da assentada que, sublinhe-se, nunca poderia fazer prova plena, por apenas provir de um dos autores na causa que, à semelhança dos restantes autores, é um litisconsorte necessário (artigo 353º, nº 2 do Código Civil).

Apreciemos agora a impugnação da decisão da matéria de facto, começando pelos pontos 1 a 3 dos factos não provados impugnados pelos autores recorrentes.

Aquando da enunciação dos temas da prova, a Sra. Juíza que elaborou esta peça processual teve o cuidado de alertar as partes de que dois dos temas da prova estavam sujeitos a restrições probatórias[27].

Na verdade, de acordo com o disposto no nº 1, do artigo 394º do Código Civil, “[é] inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas deles, quer sejam posteriores.”

Sublinhe-se que a proibição de prova por testemunhas de convenções anteriores, contemporâneas ou posteriores à formação do documento com força probatória plena, que sejam contrárias ou adicionais ao conteúdo desse documento, pressupõe a validade das cláusulas em apreço[28].

As limitações probatórias à produção da prova testemunhal são extensivas à prova por presunções (artigo 351º do Código Civil) e, por identidade de razão, à prova por declarações de parte, sempre que sujeitas à livre apreciação do tribunal, ou seja, quando não tenham caráter confessório (artigo 466º, nº 3, do Código de Processo Civil) e ainda à prova por confissão quando seja livremente apreciada (vejam-se os artigos 358º, nºs 3 e 4 e 361º, ambos do Código Civil).

Esta proibição de produção de prova testemunhal e, reflexamente, da prova por presunção (artigo 351º do Código Civil), bem como da prova por declarações de parte e por confissão, nos termos antes enunciados, aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores, não sendo aplicável a terceiros (nºs 2 e 3, do artigo 394º do Código Civil).

A doutrina maioritária[29] e a jurisprudência[30] têm flexibilizado a previsão do nº 1, do artigo 394º, do Código Civil[31], admitindo a produção de prova testemunhal nos casos aí previstos, pelo menos sempre que exista um começo de prova por escrito[32].

Tem-se entendido que esta prova adminicular documental corroboradora da prova pessoal livremente apreciada deve ser proveniente da parte contra quem é oposta e deve tornar verosímil o facto alegado.

Não obstante o que se concluiu quanto à validade das cláusulas objeto dos temas da prova I e II, prevenindo um outro enfoque à luz das regras da boa-fé e do instituto do abuso do direito, na modalidade de inalegabilidade formal, à cautela, ir-se-á avaliar se existe qualquer princípio de prova documental, proveniente dos recorridos que permita a valoração da prova pessoal que haja sido produzida sobre esta matéria.

Analisada a correspondência eletrónica trocada aquando dos preliminares dos contratos ajuizados, não se deteta nela qualquer vinculação por parte das arrendatárias no sentido de na eventualidade de não serem realizadas as obras necessárias à legalização do locado perderem os benefícios do não pagamento e de redução das rendas ou sequer de uma condição ou pressuposição entre as partes com esse conteúdo.

Anote-se que estava em causa matéria que não se pode considerar de somenos para cada uma das partes. Assim, atentando no segundo contrato celebrado em 01 de junho de 2016, uma tal estipulação representaria para os senhorios um crédito de € 53 000,00[33] e uma correspondente dívida da arrendatária desse mesmo montante, valores que em muito superam os que estão em jogo nos nºs 4 das cláusulas sétima de cada um dos contratos.

Ao invés, o detalhe dos nºs 4 das cláusulas sétimas de cada um dos contratos de arrendamento celebrados entre as partes, em matéria conexa com a que se discute nestes autos, mas de muito menor impacto financeiro, apontam inequivocamente no sentido da inexistência do acordo a que se referem os temas da prova I e II ou de qualquer pressuposição das partes, no mesmo sentido.

Pelo exposto, ainda que as cláusulas vertidas nos pontos I e II dos temas da prova se devessem considerar válidas, sempre faltaria um princípio de prova por escrito que permitisse a valoração de prova pessoal oferecida e produzida para prova dessa matéria.

Neste circunstancialismo probatório, de não corroboração documental mínima, que inviabiliza a valoração de qualquer prova pessoal que sobre a matéria haja sido produzida, improcede a impugnação dos pontos 1 e 2 dos factos não provados.

Apreciemos agora a impugnação do ponto 3 dos factos não provados.

No que respeita esta matéria, o autor AA reconheceu que foram efetuadas algumas obras no arrendado, obras que, porém, ficaram aquém do necessário para permitir a pretendida legalização da utilização do imóvel.

Também a testemunha JJ, profissional da área da construção civil, e que desde 2015 prestou serviços às arrendatárias referiu de forma espontânea a execução de variadas obras pelas arrendatárias.

Assim, neste contexto probatório, improcede a impugnação do ponto 3 dos factos não provados.

Apreciemos agora a impugnação do ponto 8 dos factos não provados.

No que respeita esta matéria, como bem se evidenciou na motivação da decisão da matéria de facto da sentença recorrida, existe prova documental que inequivocamente dá conta de que muito antes da celebração de qualquer dos arrendamentos as arrendatárias tinham conhecimento de que o prédio dado de arrendamento carecia de legalização, pois que logo em 15 de janeiro de 2015 foi requerida informação prévia sobre a possibilidade de legalização do imóvel (última página do documento nº 10 oferecido com a contestação). Além disso, resulta das mensagens eletrónicas de 07 de abril de 2015 e 04 de julho de 2015, que as arrendatárias estavam bem cientes da complexidade do processo de licenciamento que teriam de realizar, chegando ao ponto de manifestar desinteresse pela celebração do arrendamento.

Esta prova documental infirma o depoimento da testemunha JJ, única prova que os impugnantes relevam para sustentar a alteração deste ponto de facto.

Vejamos agora os pontos 10 e 11 dos factos não provados.

Os impugnantes oferecem como única prova o depoimento da testemunha JJ, que avaliou o custo das obras realizadas no arrendado em mais de cem mil euros.

Porém, não existe nos autos prova documental que corrobore estas declarações e não foi produzida prova pericial desta matéria e que sempre teria outra fiabilidade.

Por isso, neste contexto probatório, improcede a impugnação dos réus recorrentes dos pontos 10 e 11 dos factos não provados.

Debrucemo-nos agora sobre a parte subsistente do ponto 12 dos factos não provados.

No que tange este ponto de facto, existe abundante prova documental, já antes mencionada na motivação do ponto 8 dos factos não provados, que contraria e infirma o depoimento da testemunha JJ invocado pelos impugnantes.

Os preliminares documentados dos contratos de arrendamento e os nºs 3 e 4 das cláusulas quarta de cada um dos contratos de arrendamento evidenciam à saciedade que as arrendatárias estavam bem cientes da necessidade de licenciamento do arrendado e da complexidade e onerosidade desse processo, infirmando deste modo o depoimento da testemunha JJ.

Pelo exposto, improcede também a impugnação deste ponto dos factos não provados, improcedendo a totalidade da impugnação da decisão da matéria de facto requerida por autores e réus recorrentes, excluindo-se dos fundamentos de facto os pontos 4 e 9 dos factos não provados e bem assim o segmento antes assinalado do ponto 12 dos mesmos factos.

3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida, com exclusão dos pontos 4 e 9 dos factos não provados e do segmento do ponto 12 dos mesmos factos, nos termos antes assinalados, mantendo-se no mais a decisão da matéria de facto dada a improcedência da sua impugnação

3.2.1 Factos provados


3.2.1.1

Os autores são donos dos seguintes imóveis:

i. Prédio urbano, sito na Rua ..., na União de Freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, correspondente a uma casa no rés do chão e dois andares, com jardim, logradouro e terreno contíguo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o registo número ...;

ii. Prédio rústico, sito em ..., na União de Freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, a confrontar a norte com herdeiros de OO, a sul limite da freguesia com ..., a nascente com herdeiros de PP e a poente com QQ, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o registo número ...;

iii. Prédio rústico, sito em ..., na União de Freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, a confrontar a norte com a estrada, a sul limite da freguesia com ..., a nascente com RR e a poente com SS, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o registo número ....


3.2.1.2

Por documento escrito designado como “CONTRATO DE ARRENDAMENTO COM PRAZO CERTO E FIANÇA”, datado de 24 de julho de 2015, em que intervieram, como primeiros outorgantes, os autores, como segundo outorgante a ré A..., Ld.ª e, como terceiros outorgantes, os réus EE e FF, foram pelos autores, na qualidade de donos dos imóveis referidos em a), cujo conjunto se identifica como constituindo uma unidade económica de utilização, dados tais imóveis de arrendamento à segunda outorgante, pelo prazo de 20 anos, estabelecendo-se que a renda mensal era a seguinte: no primeiro ano, de € 3.000,00; no segundo e terceiro anos, de € 4.000,00; no quarto ano, de € 4.500,00; no quinto ano, de € 5.000,00; no sexto ano e seguintes, de € 5.000,00, acrescido do que resultar da aplicação do coeficiente de atualização anual, comunicando os senhorios ao inquilino, por escrito e com a antecedência de 30 dias, o referido coeficiente e a renda dele resultante, mais se declarando que com assinatura do referido contrato o segundo outorgante liquidaria o valor de 3 rendas – € 9.000,00 – correspondentes aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2016, beneficiando de carência de rendas até ao dia 31.12.2015, período no qual deverá promover as obras necessárias à adaptação do imóvel à atividade de lar de terceira idade, cuja autorização os primeiros outorgantes concedem, devendo o segundo promover o seu licenciamento junto das entidades competentes, nos termos constantes da cláusula quarta do documento nº 6 anexo à petição inicial.

3.2.1.3

Nos termos da cláusula quinta do contrato aludido em b) [3.2.1.2], o pagamento da respetiva renda deverá ser efetuado nos termos da lei, iniciando-se o pagamento no dia 1 de janeiro de 2016, o qual reportaria ao mês de abril do mesmo ano.

3.2.1.4

Da cláusula sexta do contrato aludido em b) [3.2.1.2] consta que os terceiros outorgantes se constituem fiadores para garantia do cumprimento do referido contrato, incluindo renovações, aumentos de renda ou quaisquer outras obrigações do inquilino para com os senhorios decorrentes do arrendamento, declarando que assumem a obrigação principal e solidária de pagamento, renunciando ao benefício da excussão prévia.

3.2.1.5

Na cláusula sétima, pontos 3 e 4, foi declarado pelos outorgantes que competia à segunda outorgante o licenciamento do locado para a atividade de lar de idosos, consignando-se que, caso a mesma não logre as indispensáveis licenças administrativas, poderá de imediato denunciar o contrato, a comunicar aos primeiros outorgantes com a antecedência de 30 dias, caso em que deverá liquidar todas as rendas contabilizadas desde o início do contrato até ao último mês em que permanecer no locado.

3.2.1.6

O contrato referido em b) [3.2.1.2] vigorou até ao dia 31.05.2016, data em que cessou por acordo das partes.

3.2.1.7

Por documento escrito designado como “CONTRATO DE ARRENDAMENTO COM PRAZO CERTO E FIANÇA”, datado de 01.06.2016, correspondente ao documento nº 7 anexo à petição inicial, em que intervieram como primeiros outorgantes os autores, como segundo outorgante B..., Ldª e como terceiros outorgantes EE e FF, GG e HH, foi pelos autores, na qualidade de donos dos imóveis referidos em a) [3.2.1.1], cujo conjunto se identifica como constituindo uma unidade económica de utilização, dados tais imóveis de arrendamento à segunda outorgante, pelo prazo de 20 anos, estabelecendo-se, na cláusula quarta do contrato, que a renda mensal era a seguinte: até dezembro de 2016, de € 3.000,00; nos anos de 2017 e 2018, de € 4.000,00; no ano de 2019, de € 4.500,00; em 2020, de € 5.000,00; nos anos seguintes, de € 5.000,00, acrescido do que resultar da aplicação do coeficiente de atualização anual, comunicando os senhorios ao inquilino, por escrito e com a antecedência de 30 dias, o referido coeficiente e a renda dele resultante, mais se declarando que a 01.06.2016 a segunda outorgante liquidará o valor da renda de setembro de 2016, no valor de € 3.000,00, beneficiando de carência de rendas até ao dia 31.08.2016, período no qual deverá promover as obras necessárias à adaptação do imóvel à atividade de lar de terceira idade, cuja autorização os primeiros outorgantes concedem, devendo o segundo promover o seu licenciamento junto das entidades competentes, nos termos constantes da cláusula quarta do documento nº 7 anexo à petição inicial.

3.2.1.8

No referido contrato consta como teor que os réus EE, FF, GG e HH, terceiros outorgantes se constituíram fiadores da Ré B..., Ldª, segunda outorgante para garantia do cumprimento do contrato e durante a sua vigência, incluindo renovações e aumentos de renda, ou quaisquer outras obrigações da segunda outorgante para com os autores, decorrentes do arrendamento, declarando que “aceitam a fiança, assumindo, assim, a obrigação principal e solidária de pagamento, renunciando ao benefício da excussão prévia”, nos termos da cláusula sexta do contrato junto como documento nº 7 anexo à petição inicial.

3.2.1.9

Na cláusula sétima, pontos 3 e 4, foi declarado pelos outorgantes que competia à segunda outorgante o licenciamento do locado para a atividade de lar de idosos, consignando-se que, caso a mesma não logre as indispensáveis licenças administrativas, poderá de imediato denunciar o contrato, a comunicar aos primeiros outorgantes com a antecedência de 30 dias, caso em que deverá liquidar todas as rendas contabilizadas desde o início do contrato até ao último mês em que permanecer no locado.

3.2.1.10

O contrato referido em h) [3.2.1.8] vigorou até ao dia 28/02/2022, tendo sido cessado por denúncia da ré B..., Ldª, que foi comunicada aos autores por carta datada de 30 de agosto de 2021.

3.2.1.11

Em 31.10.2022 os imóveis referidos em a) [3.2.1.1] e as respetivas chaves foram entregues aos autores, nos termos constantes do auto de entrega anexo aos requerimentos de 12.12.2022, nas condições espelhadas nas fotografias anexas ao aludido auto.

3.2.1.12

Entre 28.02.2022 e 31.10.2022 a ré B... manteve a ocupação do locado sem pagamento de qualquer quantia.

3.2.1.13

A ré arrendatária do contrato referido em b) [3.2.1.2], A... pagou a renda mensal de € 3.000,00 desde janeiro de 2016 até à cessação do contrato, em maio de 2016.

3.2.1.14

Os 3 meses de rendas adiantados pela ré A... aquando da celebração do contrato não foram devolvidos aquando da celebração do contrato aludido em g) [3.2.1.7], tendo os autores emitido recibos das rendas pagas nos meses de junho, julho e agosto de 2016 em nome da A....

3.2.1.15

A ré “B..., Ldª”, desenvolveu diligências junto da Segurança Social e da Câmara ... e realizou obras com vista a licenciar a área de construção e proceder à subsequente adaptação à sua atividade.

3.2.1.16

No período compreendido entre a celebração do contrato de arrendamento e a sua denúncia, a ré B... despendeu em diligências na C..., prestação de serviços de arquitetos e engenheiros, cerca de € 5.000,00; efetuou o pagamento de taxas em valor superior a € 4.000,00; realizou plano segurança da obra, taxa projeto segurança, no que despendeu € 184,50 e realizou obras no prédio arrendado, no que despendeu mais de € 40.000,00.

3.2.2 Factos não provados


3.2.2.1

Por ocasião da celebração dos contratos de arrendamento referidos em b) [3.2.1.2] e g) [3.2.1.7], ficou acordado entre as partes que a renda era de € 5.000,00, mas teria descontos do primeiro ao quarto ano pois seriam realizadas as obras necessárias à adaptação do imóvel à atividade pretendida e o valor da carência de rendas e desconto nas rendas correspondia ao valor das obras necessárias.

3.2.2.2

A carência de rendas atribuída aos contratos de arrendamento foi acordada no pressuposto e sob condição da realização de obras de adaptação pelas arrendatárias.

3.2.2.3

As rés arrendatárias não promoveram a realização de obras no prédio.

3.2.2.4

A área de construção dos imóveis arrendados, na sua maioria, reconduzia-se a construções ilegais[34], sem qualquer licenciamento, tendo as rés sociedades constatado após a celebração dos contratos que apenas o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., e na Conservatória do Registo Predial sob a ficha ... da Freguesia ..., tinha licença de habitabilidade.

3.2.2.5

A legalização do imóvel era impossível porque grande parte da área de construção existente não satisfazia os regulamentos de edificação urbana.

3.2.2.6

No decurso da legalização a ré B... ficou a saber que o edifício estava implantado numa área que se destinava a fim diverso do pretendido – área turística - em terreno qualificado no PDM de Gaia para essa atividade.

3.2.2.7

E ficou nessa ocasião a saber que o processo de licenciamento inicial não tinha sido concluído, faltando a licença de edificação do prédio.

3.2.2.8

A ré B... efetuou no prédio obras no valor de € 109.000,00.

3.2.2.9

De entre as obras realizadas pela ré B..., foram feitas obras que são irrecuperáveis e que beneficiam o imóvel, no valor de € 30.487,00 e existem equipamentos e outros materiais incorporados no prédio no valor de € 14 226,14.

3.2.2.10

Os autores sempre omitiram a realidade concreta, física e administrativa dos prédios, bem como omitiram o facto de tal área não ter licença de construção concluída e estarem localizados numa zona de Vila Nova de Gaia destinada a outro fim.

3.2.2.11

Os autores sabiam e não comunicaram ou informaram a ré “B..., Ldª” da dificuldade ou inviabilidade de licenciar para o local um estabelecimento que esta ré pretendia levar a efeito.

3.2.2.12

Os autores. induziram em erro a ré “B..., Ldª” quanto à situação real dos prédios.

3.2.2.13

E causaram à ré B... prejuízos no valor de € 55.246,85.

3.2.2.14

A ré “A..., Ldª”, durante o período de vigência do seu contrato, suportou € 25.696,34 de encargos com obras realizadas no prédio.

4. Fundamentos de direito

4.1 Da repercussão da eventual alteração da decisão da matéria de facto nas pretensões dos autores e da pretensão reconvencional da ré recorrente

No que respeita à sorte final da ação e da reconvenção, os recorrentes estribaram o sucesso das suas pretensões recursórias exclusivamente no deferimento da alteração da factualidade vertida nos pontos 1 a 4 e 8 a 12 dos factos não provados, não aduzindo qualquer argumento estritamente jurídico para infirmar a decisão recorrida em face dos factos que lhe serviram de base.

Neste circunstancialismo, na falta de quaisquer outros fundamentos aduzidos para revogação da decisão sob censura e não se divisando quaisquer motivos para isso de conhecimento oficioso deste tribunal, dada a vinculação deste tribunal na sua esfera de cognição à delimitação objetiva resultante das conclusões dos recursos, deve concluir-se, sem mais, pela total improcedência dos recursos, no que respeita à decisão de mérito da ação e da reconvenção, com exceção da condenação tributária proferida pelo tribunal a quo quanto à repartição das custas da ação e que foi impugnada pelos recorrentes B..., Lda., GG e marido HH.

4.2 Da proporção na divisão da responsabilidade pelas custas da ação

Os recorrentes B..., Lda., GG e marido HH insurgem-se contra a condenação referente às custas da ação repartindo-as na proporção de três quintos para os autores e de dois quintos para os réus.

Os recorrentes afirmam que as pretensões dos autores improcederam em cerca de 90%, pugnando por isso que essa proporção seja fixada em quatro quintos para os autores e em um quinto para os réus[35].

O valor da causa foi fixado no despacho saneador por decisão transitada em julgado no montante de € 345 015,83, montante que corresponde à soma do valor da ação de € 289 768,98 ao do valor da reconvenção de € 55 246,85.

Cumpre apreciar e decidir.

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 527º do Código de Processo Civil, “[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

No caso dos autos, os autores formularam pedidos líquidos de condenação dos réus ao pagamento de quantias no montante global de cento e dezoito mil euros.

Porém, o montante de cinquenta mil euros respeita exclusivamente à ré A..., Lda. e respetivos fiadores, tendo aquela ré sido absolvida da totalidade do pedido.

Os réus recorrentes foram condenados a pagar aos autores a quantia de quarenta mil euros, a título de indemnização pelo atraso na restituição do locado, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data de citação dos réus para os termos da presente ação até efetivo e integral pagamento. Esta condenação respeita a montantes ilíquidos na data da propositura da ação e correspondem à uma indemnização pela demora de oito meses na entrega do locado, à razão mensal de cinco mil euros (8 meses x € 5.000,00 = € 40.000,00).

Daqui se conclui que os réus recorrentes foram absolvidos da totalidade dos pedidos líquidos formulados pelos autores na petição inicial no montante global de sessenta e oito mil euros.

Importa ainda ter em conta o pedido de restituição do locado que foi julgado supervenientemente inútil no despacho saneador em consequência da entrega do local em 31 de outubro de 2022, sendo a inutilidade superveniente da lide imputável à ré arrendatária, a sociedade B..., Lda.

A ação é de despejo, pelo que, além dos pedidos líquidos já mencionados, se deveria ter em atenção o disposto no nº 1 do artigo 298º, do Código de Processo Civil, ascendendo este último valor ao montante de € 150.000,00 e que adicionado aos pedidos líquidos totalizaria € 268.000,00, valor que fica aquém do montante de € 289.768,98 que os autores atribuíram à ação, mas que tem de ser respeitado por ter transitado em julgado o despacho que fixou o valor da causa.

Assim, tudo sopesado, os autores decaíram na totalidade dos pedidos líquidos formulados no montante de € 118.000,00, enquanto os réus deram origem à inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de restituição do locado.

Uma vez que o valor do pedido de restituição do locado que terá sido atribuído pelos autores excede em € 21.768,98 o que seria o valor legal, a sucumbência dos autores ascende ao montante de € 139.768,98, ou seja, 48,234624%, que arredondado por defeito totaliza 48,2%, enquanto a sucumbência dos réus recorrentes ascende a € 150.000,00, ou seja, 51,765375%, que arredondado por excesso totaliza 51,8%.

Assim, face ao que precede, verifica-se que a condenação tributária dos réus recorrentes ficou aquém do que seria devido, pelo que, atenta a proibição da reformatio in pejus, improcede esta questão recursória.

Em conclusão, o recurso dos autores e bem assim o recurso dos réus recorrentes improcedem totalmente, sendo a responsabilidade das custas de cada um dos recursos da responsabilidade dos respetivos recorrentes (artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedentes os recursos de apelação interpostos por AA e mulher BB e CC e por B..., Lda., GG e marido HH e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 19 de dezembro de 2023, nos segmentos impugnados.

Custas dos recursos a cargo de cada grupo de recorrentes, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, às taxas de justiça dos recursos.


***

O presente acórdão compõe-se de trinta e oito páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.


Porto, 27/10/2025
Carlos Gil
Fátima Andrade
Teresa Fonseca
_________________
[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 20 de dezembro de 2023.
[3] Veja-se Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Coimbra Editora 1981, em anotação ao então artigo 579º do Código de Processo Civil, último parágrafo da página 158.
[4] Sendo lavrada assentada pode daí decorrer força probatória plena do que aí for exarado.
[5] As aspas justificam-se na medida em que a não observância de um ónus processual não constitui a violação de um dever jurídico, a prática de um ato ilícito, mas antes o não acatamento de prescrições de ordem processual que determinam desvantagens processuais para o sujeito processual que não observa essas determinações.
[6] Sobre esta exigência veja-se Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, página 201, alínea b) e nota 346.
[7] A propósito veja-se Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, página 201, alínea c) e nota 347.
[8] Neste sentido veja-se Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, página 201, alínea e).
[9] Ou para os mais puristas, enunciados de facto. É evidente que dizer que se prova um facto é uma expressão redutora e simplificadora do que efetivamente sucede, pois que nunca se tem acesso direto ao real, muito menos com palavras, salvo se estas forem o próprio objeto probando. O acesso ao real é sempre mediado, seja pelas palavras, seja pelos próprios órgãos de perceção. Sobre esta problemática leia-se La Prueba, Marcial Pons 2008, Michele Taruffo, páginas 19 e 20, nº 5.
[10] Michele Taruffo, in Simplemente la verdad, El juez y la construcción de los hechos, Marcial Pons 2010, páginas 53 a 56 [existe tradução portuguesa desta obra de 2012, encontrando-se a passagem citada nas páginas 59 a 62], reduz os factos aos históricos e aos psicológicos, afirmando que os enunciados de facto que os veiculam são apofânticos, no sentido de que podem ser verdadeiros ou falsos, não aludindo aos denominados factos hipotéticos, nem aos juízos periciais de facto, a que se refere, por exemplo, J.P. Remédio Marques in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora 2009, páginas 524 a 527.
[11] Referimo-nos aos factos psíquicos.
[12] As operações aritméticas são também matéria conclusiva, sendo matéria de facto a prova das parcelas necessárias à efetivação de tais operações. A aritmética, enquanto tal, por razões óbvias, não constitui objeto de prova, sendo constituída por regras que são do conhecimento geral.
[13] Como exemplos destes juízos periciais de facto podem referir-se a incapacidade para o trabalho, o perigo de ruína (artigo 1226º nº 1 do Código Civil) e a graduação do quantum doloris e do dano estético.
[14] Incluir-se-ão nestes os factos hipotéticos ou conjeturais que não careçam de conhecimentos especiais para serem emitidos, como sucede relativamente à vontade hipotética ou conjetural das partes (artigos 292º, parte final, 293º, parte final e 2202º, parte final, todos do Código Civil).
[15] Não se objete contra esta afirmação que os juízos de valor não são passíveis de prova, sendo apenas fundados ou infundados, como afirma Michele Taruffo in La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, cuarta edición 2011, páginas 118 e 129, pois é a própria lei substantiva que inclui na matéria da instrução a apreciação de factos em sede de prova pericial. Assim, incluindo-se estes juízos periciais de facto nos temas da prova, a instrução destinar-se-á a determinar se são fundados ou não, não sendo de excluir a inserção em tal peça de juízos periciais de facto contraditórios, destinando-se a instrução, entre outras finalidades, precisamente à determinação do juízo que se reputa fundado ou mais fundado.
[16] Esta liberdade é relativa, na medida em que tem que ser dogmaticamente sustentada.
[17] Nessa fase, em processo ordinário, o julgamento da matéria de facto era efetuado por um tribunal coletivo, enquanto que a elaboração da sentença pertencia a um juiz singular, ao juiz que presidia ao coletivo.
[18] Esta afirmação apenas é correta se referida ao processo de querela, já que no processo correcional e nos processos menos solenes, não existia tal cisão.
[19] A propósito da acusação sempre fácil e expedita contra o formalismo no direito, convém não perder de vista as seguintes sábias palavras de Rudolph von Ihering, retiradas de Abreviatura de El Espíritu del Derecho Romano, Marcial Pons 2005, página 213: “Enemiga de la arbitrariedad, la forma es hermana gemela de la libertad; es el freno que detiene a los que quieren convertir la libertad en licencia, la que contiene y protege. El pueblo que ama la libertad comprende instintivamente que la forma no es un yugo, sino el guardián de su libertad. La forma supone siempre un contenido; es el contenido desde el punto de vista de su visibilidad. Por otro lado, está la voluntad jurídica, que sólo se conoce por su manifestación exterior. No existe acto de voluntad sin forma, porque en este caso sería la espada de Bernardo, que ni pincha ni corta.
[20] Trata-se de um contrato denominado “Contrato de Arrendamento com Prazo Certo e Fiança”, datado de 24 de julho de 2015, com prazo inicial de vinte anos, em que são outorgantes, como senhorios, AA e esposa BB e Herança de DD, representada pela sua cabeça de casal e única herdeira CC e como arrendatária, A..., Lda. e, como fiadores, EE e esposa FF. Deste contrato destacam-se as seguintes cláusulas: “Terceira (…) 2. O presente contrato de arrendamento, e findo o seu termo renovar-se-á automaticamente por períodos sucessivos de 2 (dois) anos, sem prejuízo da denúncia promovida por qualquer um dos Outorgantes por carta registada com aviso de recepção. Para o exercício do direito de Denúncia os senhorios, Primeiros Outorgantes e a arrendatária, Segunda Outorgante deverão proceder à comunicação de tal facto à parte contrária, nos termos previstos nesta cláusula, com a antecedência mínima de 6 meses com relação ao termo inicial do contrato ou de qualquer das suas renovações. A segunda Outorgante arrendatária, decorridos que sejam cinco anos a contar da presente data, poderá denunciar o contrato a todo o tempo, devendo para o efeito comunicar tal facto aos senhorios com a antecedência mínima de 180 dias. (…) Quarta 1. A renda mensal, no primeiro ano, será de 3.000,00€ (três mil euros); no segundo e no terceiro anos, será de 4.000,00€ (quatro mil euros); no quarto ano, será de 4.500,00€ (quatro mil e quinhentos euros); no quinto ano, será de 5.000,00€ (cinco mil euros); no sexto ano e seguintes, será de 5.000,00€ (cinco mil euros) acrescido do que resultar da aplicação do coeficiente de atualização anual, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística no Diário da República até 30 de Outubro de cada ano, comunicando os Senhorios ao Inquilino, por escrito e com a antecedência mínima de 30 dias, o referido coeficiente e a nova renda dele resultante. 2. Com a assinatura do presente contrato de arrendamento o Segundo Outorgante liquidará o valor de três rendas, a saber, 9.000,00€ (nove mil euros), correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2016. 3. O Segundo Outorgante beneficiará de carência de rendas até ao dia 31 de Dezembro de 2015, período no qual aquele deverá promover as obras necessárias à adaptação do imóvel à actividade pretendida – a saber, um lar de terceira idade-, cuja autorização os Primeiros Outorgantes desde já concedem, devendo ainda o Segundo Outorgante promover o seu licenciamento junto das entidades competentes. (…) Sétima (…) 3. Competindo à Segunda Outorgante (nos termos da cláusula 4ª, nº 3 do presente contrato), o licenciamento para a actividade de lar de idosos a que se destinará o objecto do presente contrato, caso esta não logre as indispensáveis licenças administrativas, poderá de imediato denunciar o mesmo contrato, devendo no entanto comunicar tal facto com 30 dias de antecedência aos Primeiros Outorgantes. 4. Na hipótese do número anterior deve a Segunda Outorgante/inquilina liquidar todas as rendas contabilizadas desde a assinatura do presente contrato até ao último mês que permanecer no locado, sem prejuízo do estabelecido na anterior cláusula quarta, sendo que, caso tal hipótese se verifique até 31 de Dezembro de 2015 os Primeiros Outorgantes Senhorios não terão que restituir as rendas entregues nesta data. Oitava As benfeitorias realizadas pela Segunda Outorgante ficam pertença do imóvel, não podendo aquele alegar direito de retenção ou pedir por elas qualquer indemnização.”
[21] Trata-se de um contrato denominado “Contrato de Arrendamento com Prazo Certo e Fiança”, datado de 01 de junho de 2016, com prazo inicial de vinte anos, em que são outorgantes, como senhorios, AA e esposa BB e CC, como arrendatária, B..., Lda. e, como fiadores, GG e marido HH, EE e esposa FF. Deste contrato destacam-se as seguintes cláusulas: “Terceira (…) 2. O presente contrato de arrendamento, e findo o seu termo renovar-se-á automaticamente por períodos sucessivos de 2 (dois) anos, sem prejuízo da denúncia promovida por qualquer um dos Outorgantes por carta registada com aviso de recepção. Para o exercício do direito de Denúncia os senhorios, Primeiros Outorgantes e a arrendatária, Segunda Outorgante deverão proceder à comunicação de tal facto à parte contrária, nos termos previstos nesta cláusula, com a antecedência mínima de 6 meses com relação ao termo inicial do contrato ou de qualquer das suas renovações. A segunda Outorgante arrendatária, decorridos que sejam cinco anos a contar da presente data, poderá denunciar o contrato a todo o tempo, devendo para o efeito comunicar tal facto aos senhorios com a antecedência mínima de 180 dias. (…) Quarta 1. A renda mensal até Dezembro de 2016, será de 3.000,00€ (três mil euros); no anos de 2017 e 2018, será de 4.000,00€ (quatro mil euros); em 2019, será de 4.500,00€ (quatro mil e quinhentos euros); em 2020, será de 5.000,00€ (cinco mil euros); nos anos seguintes, será de 5.000,00€ (cinco mil euros) acrescido do que resultar da aplicação do coeficiente de atualização anual, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística no Diário da República até 30 de Outubro de cada ano, comunicando os Senhorios à Inquilina, por escrito e com a antecedência mínima de 30 dias, o referido coeficiente e a nova renda dele resultante. 2. A 1 de Junho de 2016 a Segunda Outorgante liquidará o valor da renda de Setembro de 2016, a saber, 3.000,00€ (três mil euros). 3. A Segunda Outorgante beneficiará de carência de rendas até ao dia 31 de Agosto de 2016, período no qual aquele deverá promover as obras necessárias à adaptação do imóvel à actividade pretendida – a saber, um lar de terceira idade-, cuja autorização os Primeiros Outorgantes desde já concedem, devendo ainda o Segundo Outorgante promover o seu licenciamento junto das entidades competentes. (…) Sétima (…) 3. Competindo à Segunda Outorgante (nos termos da cláusula 4ª, nº 3 do presente contrato), o licenciamento para a actividade de lar de idosos a que se destinará o objecto do presente contrato, caso esta não logre as indispensáveis licenças administrativas, poderá de imediato denunciar o mesmo contrato, devendo no entanto comunicar tal facto com 30 dias de antecedência aos Primeiros 4. Na hipótese do número anterior deve a Segunda Outorgante/inquilina liquidar todas as rendas contabilizadas desde a assinatura do presente contrato até ao último mês que permanecer no locado. Oitava As benfeitorias realizadas pela Segunda Outorgante ficam pertença do imóvel, não podendo aquele alegar direito de retenção ou pedir por elas qualquer indemnização.”
[22] Trata-se de documento intitulado “Pedido de Informação Simples”, datado de 15 de janeiro de 2015, subscrito por A..., Lda. e endereçada ao Presidente da Câmara Municipal ... e em que é formulada a seguinte pretensão: “A requerente solicita informação sobre a possibilidade de alteração de uso da Residencial ... localizada na Rua ... Freguesia ..., para lar de idosos. No seguimento de informação favorável, a requerente irá submeter à apreciação, projeto de licenciamento das instalações.”
[23] Este documento é cópia de uma mensagem de correio eletrónico datada de 06 de maio de 2015, remetida por ..........@..... para ..........@....., com o seguinte teor: “Bom dia Sr. TT, Conforme acordado serve o presente para resumir o princípio de acordo alcançado para arrendamento da propriedade da antiga Residencial ...: Período do contrato: 10 anos renovável por períodos de 2 anos, prazo de denúncia até 180 do final do contrato ou renovações: - valor de rendas: 1º ano € 3.000,00/mês 2º ano € 3.500,00/mês 3º ano € 4.000,00/mês 4º ano € 4.500,00/mês 5º ano € 5.000,00 6º ano se seguintes (€ 5.000,00 + atualização legal)/mês – Início do contrato 01/01/2016; - contrato promessa de arrendamento a efetuar de imediato; - Pagamento antecipado de 3 meses de rendas com assinatura do contrato promessa; - Pagamento da próxima renda a 01/01/2016 referente ao mês de Abril de 2016; - Carência de rendas até 31/12/2015 para execução de obras necessárias à adaptação do imóvel à atividade pretendida (“Residência …”) com prévia comunicação ao senhorio, e o seu licenciamento junto das entidades estatais competentes; - Garantias do contrato: fiadores idóneos ou apresentação de Garantia Bancária; - Opção de compra do imóvel até 30/06/2017 pelo valor acordado de € 1.000.000,00; - Julgo estarem resumidas as principais linhas do princípio de acordo sendo que caso exista vontade para se avançar para a formalização do contrato, necessitamos de saber se pretendem ficar com algum do equipamento existente e o valor a oferecer pelo mesmo.”
[24] Cópia de mensagem de correio eletrónico datada de 07 de abril de 2015, remetida por ...........@..... para ..........@....., com o seguinte teor: “Bom dia Sr. II, Acusamos a recepção do seu e-mail relativo ao contrato de arrendamento do V/imóvel, que mereceu a nossa melhor atenção. Como poderão compreender, tratando-se de um projecto de alguma envergadura, necessitámos de alguns dias para que os técnicos pudessem estudar as alterações a efectuar no edifício, e efectuarmos diligências junto das entidades competentes, quer no sentido de verificar o estado do V/processo de pedido de licenciamento, quer da possibilidade de obter alvará de funcionamento para Lar de Idosos. Deste trabalho, e da auscultação das entidades consultadas, concluímos estar perante um projecto complexo a nível burocrático, e com valores orçamentais bastante elevados. Depois de reflectir sobre a situação, e confrontando a V/proposta com a oferta do mercado, concluímos que a situação nos é desfavorável, pelo montante dos valores envolvidos face ao prazo e ao valor do arrendamento e ao preço e prazo para compra do imóvel, pelo que renunciamos à concretização deste negócio. Agradecemos que transmita o teor da nossa decisão ao seu pai, Sr. KK, e ao Sr. AA.” Cópias de mensagem de correio eletrónico remetida por ..........@..... para ...........@....., datada de 29 de junho de 2015, com o seguinte teor: “Boa tarde Dª GG. Pelo presente confirmo os termos do pré acordo existente, já transmitido telefonicamente: - Período do contrato: 12 anos renovável por períodos de 2 anos (ou outro), prazo de denúncia até 180 do final do contrato ou renovações; - - valor de renda € 5.000,00/mês actualizável pelo coeficiente legal após 1º ano; Pagamento antecipado de 3 meses de renda com assinatura do contrato/contrato promessa; - Pagamento da próxima renda a 01/01/2016 referente ao mês de Abril de 2016; - Carência de rendas até 31/12/2015 para execução de obras necessárias à adaptação do imóvel à atividade pretendida (“Residência Sénior”) com prévia comunicação ao senhorio, e o seu licenciamento junto das entidades estatais competentes; - Garantias do contrato: fiadores idóneos ou apresentação de Garantia Bancária; - Opção de compra do imóvel até 30/12/2017 pelo valor acordado de € 1.000.000,00; - Julgo estarem resumidas as principais linhas do princípio de acordo sendo que caso exista vontade para se avançar para a formalização do contrato, necessitamos de saber se pretendem ficar com algum do equipamento existente e o valor a oferecer pelo mesmo.” Mensagem de correio eletrónico de 29 de junho de 2025, remetida por ..........@....., com o seguinte teor: “Boa noite, Pelo presente corrijo a informação transmitida no email infra, e como acordado, a opção de compra é até 31/12/2016 e não 31/12/2017.” Mensagem de correio eletrónico de 25 de junho de 2015, remetida por ...........@..... para ..........@....., com o seguinte teor: “No seguimento da nossa reunião de hoje, venho junto de V. Exas. confirmar formalmente o meu interesse no arrendamento da Residencial ..., com vista à instalação de um Lar de Idosos, nos seguintes moldes: Renda Mensal: 5.000,00 € - Período de carência: 6 meses – a terminar em 31/12/2015 – Relativamente à duração do contrato de arrendamento, e atendendo ao elevado valor que terá de ser investido para adequação à actividade a que se destina, pensamos que o período de 10 anos é insuficiente. Propomos um período de duração renovável de 15 anos. Relativamente à possibilidade de aquisição da propriedade pelo valor de 1 milhão de euros, propomos que nos seja concedido um prazo de 5 anos para efectuar esta compra.”
[25] Mensagem de correio eletrónico datada de 18 de julho de 2015, remetida por ...........@..... para ..........@....., com o seguinte teor: “Boa noite Sr. II. Na sequência da nossa conversa telefónica, informo que até ao momento não recebi a minuta do contrato, para apreciação pelos advogados, conforme tínhamos combinado. Fico a aguardar as suas notícias.” Mensagem de correio eletrónico datada de 17 de julho de 2015, remetida por ..........@..... com o seguinte teor: “Bom dia Dª GG, Conforme acordado serve o presente para resumir o princípio de acordo alcançado para arrendamento da propriedade da antiga Residencial ...: - Período do contrato 20 anos - valor de rendas: 1º ano € 3.000,00/mês 2º ano € 4.000,00/mês 3º ano € 4.000,00/mês 4º ano € 4.500,00/mês 5º ano € 5.000,00 6º ano e seguintes (€ 5.000,00 + atualização legal)/mês; - contrato “promessa de arrendamento”/definitivo a efetuar de imediato; - Pagamento antecipado de 3 meses de rendas com assinatura do contrato promessa/definitivo; - Pagamento da próxima renda a 01/01/2016 referente ao mês de Abril de 2016; - Carência de rendas até 31/12/2015 para execução de obras necessárias à adaptação do imóvel à atividade pretendida (“Residência Sénior”) com prévia comunicação ao senhorio, e o seu licenciamento junto das entidades estatais competentes; - Garantias do contrato: fiadores idóneos ou apresentação de Garantia Bancária; - Opção de compra do imóvel até 30/12/2016 pelo valor acordado de € 1.000.000,00; - Julgo estarem resumidas as principais linhas do princípio de acordo sendo que caso exista vontade para se avançar para a formalização do contrato, necessitamos de saber se pretendem ficar com algum do equipamento existente e o valor a oferecer pelo mesmo. Já solicitamos a elaboração da minuta do contrato contudo seria importante enviarem-nos os elementos da empresa e seus representantes bem como dos avalistas propostos. Lembramos que até há data estes elementos ainda não nos foram apresentados pelo que urge a sua disponibilização, evitando assim atrasos desnecessários.” Mensagem de correio eletrónico datada de 04 de julho de 2015, remetida por ...........@..... para ..........@..... com o seguinte teor: “Bom dia Sr. II, Acusamos a recepção do seu e-mail relativo ao contrato de arrendamento do V/imóvel que mereceu a nossa melhor atenção. Como poderão compreender, tratando-se de um projecto de alguma envergadura, necessitámos de alguns dias para que os técnicos pudessem estudar as alterações a efectuar no edifício, e efectuarmos diligências junto das entidades competentes, quer no sentido de verificar o estado do V/processo de pedido de licenciamento, quer da possibilidade de obter alvará de funcionamento para Lar de Idosos. Deste trabalho, e da auscultação das entidades consultadas, concluímos estar perante um projecto complexo a nível burocrático, e com valores orçamentais bastante elevados. Depois de reflectir sobre a situação, e confrontando a V/proposta com a oferta do mercado, concluímos que a situação nos é desfavorável, pelo montante dos valores envolvidos, face ao prazo e ao valor do arrendamento, e ao preço e prazo para compra do imóvel, pelo que renunciamos à concretização deste negócio. Agradecemos que transmita o teor da nossa decisão ao seu pai, Sr. KK, e ao Sr. AA. Gostaríamos ainda de agradecer a amabilidade e o tempo de que dispuseram para nos receber, e ao seu pai, Sr. KK, o nosso agradecimento muito especial pela amabilidade e disponibilidade com que sempre nos recebeu.”
[26] Neste enquadramento conclui o Sr. Advogado dos Autores que como nunca passou pela cabeça do depoente que as obras não fossem realizadas, também não cogitou que a inquilina tivesse que devolver os valores correspondentes à carência e à redução das rendas. Ora, salvo melhor opinião, o que importava determinar era o que as partes acordaram relativamente a esta matéria, sendo inequívoco, pelo depoimento prestado pelo depoente, que nada foi acordado quanto a isto.
[27] O primeiro e o segundo temas da prova têm o seguinte teor: “I) Por referência ao contrato referido em b), ficou acordado entre as partes que a renda era de € 5.000,00, mas teria descontos do primeiro ao quarto ano por efeito da realização pela ré segunda outorgante de obras necessárias à adaptação do imóvel à atividade pretendida, correspondendo o valor da carência de rendas e o desconto nas rendas ao valor das obras necessárias (prova limitada nos termos previstos pelo art.º 394º, nº1 do Código Civil); II) Por referência ao contrato referido em h), ficou acordado entre as partes que a renda era de € 5.000,00, mas teria descontos nos anos de 2016 a 2019, nos valores ali referidos, pois seriam realizadas pela ré segunda outorgante as obras necessárias à adaptação do imóvel à atividade pretendida, correspondendo o valor da carência de rendas e o desconto nas rendas ao valor das obras necessárias (prova limitada nos termos previstos pelo art.º 394º, nº1 do Código Civil)”.
[28] Esta limitação probatória incide sobre as estipulações verbais acessórias que se possam considerar válidas (vejam-se os artigos 221º e 222º, ambos do Código Civil e o Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, página 891, anotação IV; em sede de trabalhos preparatórios, já o Sr. Professor Vaz Serra fazia esta distinção, como se vê da leitura do que escreveu in Provas (Direito Probatório Material), separata do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa 1962, páginas 534 e 535, nº 133). No caso em apreço, tratando-se de arrendamento urbano, contrato solene por força do disposto no artigo 1069º do Código Civil, na redação que vigorava nas datas da celebração dos contratos de arrendamento objeto destes autos, as cláusulas a que se referem os temas da prova I e II, ou as condições ou pressuposições, tal como alegadas pelos autores, sempre seriam nulas, patologia que obstaria a que pudessem ser de per si operantes, ainda que provadas em conformidades com os constrangimentos probatórios do nº 1 do artigo 394º do Código Civil.
[29] Vejam-se: Provas (Direito Probatório Material) separata do Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa 1962, Adriano Paes da Silva Vaz Serra, páginas 574 a 588, escrito produzido em sede de trabalhos preparatórios do atual Código Civil; Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, páginas 891 e 892, anotações VII e VIII. Em sentido aparentemente oposto, não admitindo qualquer flexibilização desta regra legal, pronunciam-se Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, Reimpressão, Coimbra Editora, Fevereiro 2011, página 344, anotações 4, 5 e 6.
[30] Vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 22 de maio de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos no processo nº 82/04-6TCFUN-A.L1.S2; de 09 de julho de 2014, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Paulo Sá, no processo nº 28252/10.0T2SNT.L1.S1; de 15 de abril de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Pires da Rosa, no processo nº 28247/10.4T2SNT-A-L1.S1, todos acessíveis na base de dados do IGFJ.
[31] Sublinhe-se que à luz do argumento histórico esta flexibilização é discutível. Na verdade, em consonância com o estudo já citado, o Sr. Professor Vaz Serra propunha um artigo 49º em que se admitia a prova por testemunhas para prova de convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de um documento autêntico ou de um documento particular tido como verdadeiro, fossem tais convenções anteriores, contemporâneas ou posteriores à formação dos citados documentos nos seguintes termos: “1.º - Quando, em consequência de haver um começo de prova por escrito, proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante, ou da qualidade das partes, da natureza do contrato ou de outra circunstância, seja verosímil que tenham sido feitas as ditas convenções; 2.º - Quando o contraente esteve moral ou materialmente impedido de se munir de uma prova escrita das mesmas convenções.” Porém, esta normação não foi recebida no Projeto de Código Civil que viria a dar origem ao atual Código Civil (veja-se Projecto de Código Civil, Lisboa 1966, artigo 394º, páginas 115 e 116).
[32] A propósito, na doutrina, vejam-se: Da Simulação no Direito Civil, Almedina 2014, A. Barreto Menezes Cordeiro, páginas 131 a 137; Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Aumentada, Almedina 2019, coordenação de Ana Prata, anotação 2 ao artigo 394º do Código Civil, da autoria de José Lebre de Freitas, página 514 e Direito Probatório Material Comentado, Almedina 2020, Luís Filipe Pires de Sousa, páginas 217 a 222; na jurisprudência vejam-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, todos acessíveis na base de dados do IGFEJ: acórdão de 17 de junho de 2003, processo nº 03A1565; acórdão de 22 de maio de 2012, processo nº 82/04-6TCFUN-A.L1.S2; acórdão de 09 de julho de 2014, processo nº 5944/07.6TBVNG.P1.S1.
[33] Concretizando: carência de rendas de três meses (cláusula quarta, nº 3) no montante de € 15 000,00; redução das rendas no ano de 2016 no período compreendido entre setembro e dezembro de 2016 no montante de € 8.000,00 – 4 x € 2.000,00 = € 8.000,00 – ; redução das rendas nos anos de 2017 e 2018 no montante de € 24.000,00 – 24 meses x € 1 000,00= € 24.000,00 – ; redução das rendas no ano de 2019 no montante de € 6.000,00 – 12 meses x € 500,00 = € 6.000,00. Somando os montantes parcelares (€ 15.000,00 + € 8 000,00 + € 24.000,00 + € 6.000,00 = € 53.000,00), obtém-se o valor total de € 53.000,00.
[34] Este ponto de facto não foi impugnado. No entanto, pelos fundamentos já deduzidos, desconsiderar-se-á a qualificação das construções como ilegais.
[35] A matemática dos réus recorrentes é algo incongruente na medida em que um decaimento de noventa por cento equivale a uma sucumbência de nove décimos, valor que excede em muito quatro quintos que correspondem percentualmente apenas a oitenta por cento.