Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11173/12.0TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: PRESCRIÇÃO
SUB-ROGAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
Nº do Documento: RP2015040911173/12.0TBVNG.P1
Data do Acordão: 04/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A extensão do prazo de prescrição do direito à indemnização por danos resultantes de facto ilícito que também constitua crime, previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil, não é aplicável ao exercício do direito de sub-rogação conferido ao Fundo de Garantia Automóvel pelo artigo 25º n.º1 do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro e actualmente pelo art. 54º n.º1 do DL n.º 291/2007, de 31.06.
II - A remissão do novo n.º 6 do art. 54º DL n.º 291/2007, sem correspondência no anterior DL n.º 522/85, apenas para o n.º 2 do artigo 498º do CC indica que a vontade real do legislador foi afastar a aplicação do n.º 3 do citado artigo 498º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 11173/12.0TBVNG. P1
Relator - Leonel Serôdio (411)
Adjuntos – Fernando Baptista Oliveira
- Ataíde das Neves

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Fundo de Garantia Automóvel intentou acção declarativa com processo ordinário contra B…, Lda incorporada na C…, S.A. e a Herança Jacente de D…, pedindo que os RR sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 198.872,40, acrescida de juros de mora desde a interpelação e ainda no pagamento das despesas que vier a suportar com a cobrança do reembolso, oportunamente liquidadas.
Alega em síntese, que em 23.06.2001 ocorreu um acidente de viação em que intervieram dois veículos automóveis um deles propriedade da Ré sociedade e conduzido por D…, a quem imputa a culpa exclusiva na produção do acidente. Desse acidente resultaram graves lesões para a condutor do outro veículo que lhe vieram a provocar a morte. Mais alega que o veículo da Ré circulava sem estar coberto por seguro válido e eficaz e que o FGA demandado em acção intentada pelos herdeiros do falecido condutor do outro veículo, celebraram uma transacção na sequência da qual lhes pagou a indemnização de € 197.500,00. Mais alega que interpelou os RR para efectuar o pagamento, mas não o fizeram e que gastou com a cobrança do reembolso a quantia de € 1.372,20.

A Herança Jacente de D… citada editalmente não contestou. O MP citado nos termos do art. 21º do CPC também não contestou.
A Ré B…, Lda foi incorporada na C…, S.A. e esta contestou arguindo a sua ilegitimidade e a excepção da prescrição, alegando que o FGA pagou a indemnização no ano de 2008 e a acção apenas foi intentada em 28.12.2012, depois de decorrido o prazo de 3 anos, previsto no n.º 2 do art. 498º do CC, aplicável por força do art.º 54º, nº 6 do D.L. nº 291/2007, de 21/8 e impugnou o alegado na petição.
Concluiu pela improcedência da acção

O FGA replicou, sustentado a legitimidade da Ré pela reconhecida incorporação da outra sociedade e pugnando pela improcedência da excepção da prescrição, defendendo ser aplicável o n.º 3 do art. 489º do CC e ser o prazo de prescrição de 5 anos.

De seguida, foi proferido saneador que julgou a Ré sociedade parte legítima e procedente a excepção da prescrição e absolveu os RR do pedido.

O FGA apelou e terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1. O alargamento do prazo de prescrição previsto no n.º 3 do artigo 489º do CC beneficia o Fundo de Garantia Automóvel;
2. O direito que o FGA exerce é um direito que assistia ao lesado;
3. Os interesses prosseguidos pelo FGA são interesses do lesado;
4. Nas acções intentadas pelo FGA está em causa a discussão da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que envolve o lesado e o lesante;
5. Nas acções intentadas pelas seguradoras para o exercício de um direito de regresso, está em causa uma outra relação controvertida, fundada noutros factos e circunstâncias;
6. A não aplicação do n.º 3 do artigo 498º do CC nas situações em que o FGA indemnize o lesado favoreceria o lesante, encurtando injustificadamente o prazo de prescrição e frustrando as finalidades que presidiram à criação do FGA;
7- Ao não interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou o n.º 3 do art. 498º e art. 593º ambos do CC e o n.º 1 do DL n.º 291/2007, de 21.08.”

A Ré C…, S.A. contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

FUNDAMENTAÇÃO

A questão a decidir é a de saber se ao direito de sub-rogação do FGA é ou não aplicável a extensão do prazo de prescrição do direito à indemnização por danos resultantes de facto ilícito que também constitua crime, nos termos do n.º 3 do art. 489º do CC.

Factualidade provada:

- O acidente de viação em causa ocorreu em 23.06.2001;
- O FGA intentou a presente acção em 28.12.2012;
- O A. indemnizou os herdeiros do lesado no acidente de viação, tendo procedido ao último pagamento a 02.12.2008.

Direito Aplicável

Conforme o n.º1 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31.12, em vigor quando ocorreu o acidente- satisfeita a indemnização por parte do Fundo de Garantia Automóvel, fica este sub-rogado nos direitos do lesado.
O mencionado diploma foi revogado pelo DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto e o actual art. 54º (Sub-rogação do Fundo) estipula:
“1 – Satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica-sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização de sinistro e reembolso.
(…)
6 – Aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do artigo 498º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais que um lesado, a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel.”

No caso, o acidente ocorreu no dia 23.06.2001 e, por isso, numa primeira análise seria aplicável o DL 522/85. Contudo o FGA apenas efectuou o pagamento da indemnização em Dezembro de 2008, já na vigência do DL n.º 291/2007 e como era, entendimento pacífico na jurisprudência, antes da vigência deste diploma, o direito de sub-rogação legal do FGA só nasce com o pagamento e, por isso, o prazo prescricional apenas se iniciava com o último pagamento.
Neste sentido, o Ac do STJ de 25.03.2010, processo n.º 2195-06, relatado pelo Cons. Lopes do Rego, publicado no sítio do CJ, onde se decidiu: “Como resulta do acima exposto, fulcro da sub-rogação e medida dos direitos do sub-rogado é o cumprimento.
Sendo a sub-rogação uma transmissão do crédito, fonte desta transmissão é, em todos os casos, o facto jurídico do cumprimento (Galvão Telles, "Obrigações", 3ª ed., p. 230).
Mas então, se a sub-rogação supõe o pagamento, não pode deixar de entender--se que antes dele não há ... sub-rogação.
Ou seja, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento - enquanto o não fizer não é sub-rogado e, consequentemente, não pode exercer os direitos do credor.”.
E ainda o Ac. do STJ de 10.01 2013, processo 157-E/1996, relatado pelo Cons. João Bernardo, no sítio do ITIJ, onde se decidiu:
“A sub-rogação pressupõe o cumprimento que é uma das formas de extinção da obrigação e daí as discussões sobre a natureza daquela. Seguimos, todavia, em interpretação do artigo 593.º, n.º1 do Código Civil, a orientação mais comum, dita mesmo clássica, de considerar aberta uma brecha na dogmática de que o cumprimento extingue a obrigação, e consequentemente, o nosso entendimento vai no sentido de que tem lugar, não uma extinção, mas uma transmissão do direito.
Permanecendo o mesmo direito, ainda que com alteração subjectiva, o instituto fica diferenciado do chamado "direito de regresso". Este encerra, na verdade, o nascimento dum direito novo e não a manutenção do primitivo.
Já Vaz Serra, porém, escreveu na RLJ, 99, 360, que:
"A sub-rogação supõe o pagamento... e, portanto, o terceiro que paga pelo devedor só se subroga nos direitos do credor com o pagamento. Enquanto não o faz, não é sub-rogado e não pode, por isso, exercer os direitos do credor."
E, mais adiante:
"É que o eventual sub-rogado, enquanto não efectuar o pagamento, não tem crédito contra o terceiro responsável (crédito cujo montante será determinado pelo pagamento que fizer), e não tem sequer um crédito já existente mas ainda inexigível."

Assim sendo e tendo no caso o pagamento da indemnização sido efectuado pelo FGA em Dezembro de 2008, é aplicável o citado art. 54 n.º 6 do DL n.º 291/2007, que remete para o n.º 2 do artigo 498º do CC.

Este artigo 498º integrado na secção da responsabilidade civil por factos ilícitos, estabelece prazos de prescrição.
O n.º 1 estabelece que o direito de indemnização do lesado prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
O nº 2 prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
O nº 3 estabelece que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
Esta situação ocorre no caso dos acidentes de viação, quando a conduta do condutor lesante integre a previsão de crime punível com pena de prisão igual ou superior a 1 ano (designadamente homicídio por negligência ou ofensas à integridade físicas por negligência), em que o prazo de prescrição é de 5 anos (cf. artigos 137º n.º 1 e 118º n.º 1 al c), 137º n.º 1 e 148º n.º 1 do CP, na redacção em vigor na altura do acidente, actualmente art.s 118º n.º 1 al. c), 137º n.º1 e 148º n.º 1 do CP).

A questão de saber se é ou não aplicável ao exercício do direito de regresso previsto no n.º 2, a norma contida no n.º 3, com aplicação de um prazo mais longo de prescrição do que os 3 anos previstos no n.º 2, dividiu a nossa jurisprudência, mas a mais recente publicada do STJ tem decidido de forma constante que o direito de regresso da seguradora está sujeito ao prazo de prescrição de três anos previsto expressamente no n.º 2 do art. 498.º do CC, não se lhe aplicando o prazo mais longo que resulte do previsto no n.º 3 do citado normativo.

Neste sentido o acórdão do STJ de 18.10.2012, proferido no processo n.º 6/10.8TBCVL-A. C1.S1, relatado pelo Cons. Tavares de Paiva, no sitio do ITIJ, com indicação de outros acórdãos, onde se escreveu:
“Sobre esta problemática este Supremo tem vindo a decidir pacifica e uniformemente no sentido de que o direito de regresso da seguradora que satisfaz uma indemnização ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel causador de acidente que originou os danos objecto daquela indemnização, está sujeito ao prazo de prescrição de três anos, previsto no nº2 do art. 498 do C. Civil, não se aplicando ao mesmo prazo a extensão do nº3. (cf. Ac. STJ de 5.06.2012 acessível via www.dgsi.pt Relator Cons. João Camilo, bem como os Acórdãos deste Supremo aí citados).
(…)
Acresce também, como se diz no citado Acórdão, “o direito de regresso em causa tem natureza diversa, é um direito autónomo em relação ao direito do lesado, nascido “ ex novo”, com o pagamento do direito à indemnização ao ofendido, que assim se extinguiu fazendo nascer aquele direito de regresso”
E como se diz no Ac. deste Supremo de 17/11/11 (Pº 1372/10.4T2AVR. C1.S1” Não vale aqui, manifestamente, o argumento de que, enquanto o facto ilícito pode ser discutido em sede penal, deve pode ser apreciado no âmbito da responsabilidade civil. Como se escreveu na sentença “ nenhuma razão existe para lhe aplicar (ao direito de regresso) um alargamento do prazo que pressupõe que a medida dessa responsabilidade possa ser ainda discutida em sede penal.”»
Efectivamente, estamos perante dois direitos bem diferentes, de um lado está o direito do lesado referenciado expressamente no nº1 do citado art. 498 e do outro está o direito do regresso contemplado no nº2.
(…)
Este entendimento foi também sufragado no Acórdão deste Supremo de 29.11.2011 acessível via www.dgsi.pt Relator: Cons. Nuno Cameira, quando depois de considerar que o alongamento do prazo de prescrição do direito à indemnização em consequência de danos ocasionados por facto ilícito que constitua crime (art. 498 nº3 do C. Civil) não vale para o exercício do direito de regresso da alínea c) do art. 19º do DL nº 522/85 de 31-12 concluiu também que embora “o elemento literal da norma não afasta em definitivo a aplicação do nº3 do art. 498 , às situações do nº2 , mas é ilógica essa aplicação, dado que na hipótese de exercício do direito de regresso, só está em aberto o direito da seguradora ao reembolso do que pagou ao lesado e não a determinação da responsabilidade extracontratual do lesante, ponto nesse momento já assente e indiscutido”.
(…)
Termina com as seguintes conclusões:
“1-O direito de regresso da seguradora que satisfez uma indemnização ao abrigo de um contrato de seguro de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, que originou os danos fundamentos daquela indemnização, está sujeito ao prazo de prescrição de três anos previsto expressamente no nº2 do art. 498 do C. Civil , não se lhe aplicando o alongamento do prazo previsto no nº3 do citado normativo.
2-Isto porque aquele direito de regresso compreende apenas o direito da seguradora ao reembolso do que pagou ao lesado, sendo, por isso, um direito diferente do do lesado e, daí que não se justifique aquele alongamento do prazo de prescrição previsto no citado nº3 do art. 498, que diz respeito apenas para o direito do lesado.”

No mesmo sentido publicados no sítio do ITIJ, ainda:
Ac. do STJ de 17.11.2011, processo n.º 1372/10.4T2AVR.C1.S1, relatora Cons. Maria dos Prazeres Beleza, com o seguinte sumário:
“O alongamento do prazo de prescrição do direito à indemnização por danos resultantes de facto ilícito que também constitua crime, previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil, não vale para o exercício do direito de regresso conferido à Seguradora pela al. c) do artigo 19º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro.”
Ac. do STJ de 04.11. 2010, processo n.º 2564/08.1TBCB.A.C1.S1, relator Cons. João Bernardo, com o seguinte sumário: “1. Relativamente ao mesmo sinistrado e ressalvados os casos de indemnização sob a forma de renda, o prazo prescricional da seguradora para exercer o direito de regresso relativamente a indemnização que pagou, faseadamente, no âmbito do seguro obrigatório automóvel, começa a contar-se da data em que foi efectuado o último pagamento. 2. Este prazo é de três anos, não valendo, quanto a ele, o alongamento previsto no n.º3 do artigo 498.º do Código Civil.”
Ac. do STJ de 27.10.2009, proferido no processo n.º 844/07.2TBOER.L1, relatado pelo Cons. Paulo Sá, onde, sobre a questão em apreço, decidiu:
“V - Na acção de regresso, a circunstância do facto ilícito constituir crime não justifica o alargamento do prazo prescricional do n.º 2 do art. 498.º do CC, nos moldes previstos no n.º 3 desse preceito legal, pois não está já em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, que, em rigor, já estará definida, mas antes um segundo momento, subsequente, à definição, em concreto, da dita responsabilidade, não se vislumbrando necessidade ou motivo, quer em termos fácticos como jurídicos, para proceder a tal ampliação do prazo de 3 anos previsto para o direito de regresso.”

Em sentido contrário, o Ac. do STJ de 13.04.2000, no BMJ n.º 496 pág. 246 e 247 que apenas apreciou a questão a titulo argumentativo (cf. pág. 246) e o mais recente encontrado foi o proferido pelo STJ em 03.11.2009, relatado pelo Cons. Silva Salazar no processo n.º 2665/07.3TBPRD.S1, com o seguinte sumário: “O alargamento do prazo de prescrição estabelecido no n.º 3 do art.º 498º do Cód. Civil para o caso de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei fixe prazo de prescrição do procedimento criminal superior a três anos, aplica-se às duas hipóteses previstas nos dois primeiros números daquele artigo, nomeadamente à do direito de regresso entre os responsáveis.”
Contudo, não podemos deixar de salientar que o referido acórdão foi subscrito pelos Conselheiros Nuno Cameira e Sousa Leite, que entretanto alteraram a sua posição, como referem no Ac. de 29.11.2011, proferido no processo n.º 1507/10.7TBPNF.P1.S1, relatado pelo Cons. Nuno Cameira e subscrito pelo Cons. Sousa Leite, como 1º adjunto, onde se decidiu: “I - O alongamento do prazo de prescrição do direito à indemnização em consequência de danos ocasionados por facto ilícito que constitua um crime (art. 498.º, n.º 3, do CC) não vale para o exercício do direito de regresso da alínea c) do art. 19.º do DL n.º 522/85, de 31-12.”

O Apelante sustenta que a sua posição como sub-rogado é distinta da posição das seguradoras titulares de um direito de regresso.
Não está em causa que o direito de regresso não se confunde com o direito que assiste ao sub-rogado.
Contudo, como decidiu o citado acórdão do STJ de 10.01 2013, subjazem para o direito do sub-rogado as mesmas razões da fixação do prazo curto de prescrição que para o titular do direito de regresso.
E tanto subjazem as mesmas razões que o artigo 54.º n.º6 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8, veio a dispor expressamente nesse sentido.

Sobre serem idênticas as razões que implicam a não aplicação do prazo alongado do n.º 3 do art. 498º do CC ao titular do direito de regresso e ao sub-rogado, é esclarecedor o Ac. do STJ de 5.06.2012, processo n.º 32/09.3TBSRQ.L1.S1, relatado pelo Cons. João Camilo, onde se adiantou a seguinte argumentação:
“A razão de ser da introdução do preceito do nº3 em causa visou alargar o prazo de prescrição do lesado quando o facto lesante constituía crime de gravidade acentuada que leve a que o prazo de prescrição do crime seja superior aos três anos fixados no nº 1.
É que se não pode esquecer a existência do princípio da adesão da dedução da indemnização civil no processo criminal e se o prazo de prescrição criminal ainda não decorreu, se não compreenderia que se extinguisse o direito à indemnização civil – conexa com o crime - e ainda estivesse a decorrer o prazo para a prescrição penal operar, onde o legislador entendeu dever ser deduzido o pedido de indemnização civil – dentro de certas limitações constantes das normas penais.
Daqui parece apontar para que a extensão do prazo de prescrição do nº 3 referido apenas se justifica no prazo de prescrição do direito do lesado e não do direito de regresso.
Por outro lado, o direito de regresso em causa tem natureza diversa, é um direito autónomo em relação ao direito do lesado, nascido “ex novo”, com o pagamento do direito à indemnização ao ofendido, que assim se extinguiu fazendo nascer aquele direito de regresso.
Além disso, o momento a partir do qualquer começa a correr o prazo de prescrição daqueles direitos é diverso, sendo no caso do direito do lesado o momento em que este teve conhecimento do direito que lhe compete, enquanto no direito de regresso começa a correr na data do cumprimento da obrigação para com o lesado.
Finalmente diremos que a prescrição é um instituto jurídico pelo qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este exercício não se verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos – art. 304º do Cód. Civil – e este instituto tem como fundamento a reacção da lei contra a inércia ou o desinteresse do titular do direito que o torna indigno de protecção jurídica – cfr. Prof. Almeida Costa, in “Direitos das Obrigações”, 10ª ed. pág. 1123.
Ora no caso do direito de regresso, este nada tem a ver com a fonte da obrigação extinta pela seguradora, cuja satisfação pela seguradora o fez nascer, direito de regresso este que a mesma veio exercer, sendo este direito de regresso independentemente da fonte daquela obrigação extinta que pode ter origem em mera responsabilidade civil – nomeadamente pelo risco – ou pode resultar da prática de um crime grave com prazo alongado de prescrição penal.
Esta autonomia justifica que o interesse da lei em sancionar o credor pouco diligente – no interesse da clarificação, estabilização e segurança das relações jurídicas que está subjacente à adopção daquele instituto – leva a que a extensão do prazo de prescrição do nº 3 mencionado se não justifique aplicar-se ao caso do direito de regresso em face da sua natureza diversa do direito do lesado em relação ao direito de regresso e da autonomia deste em relação à causa ou fonte daquele direito do lesado.

Desta forma se nos afigura que a melhor interpretação dos números 1, 2 e 3 do art. 498º citado aponta para que o prazo de prescrição do direito do lesado é o previsto no nº 1 e pode ser alongado nos termos do seu nº 3, mas que o prazo de prescrição do direito de regresso é sempre o previsto no seu nº 2, mas não se lhe aplica a extensão prevista no nº 3.”
Apenas há que acrescentar que o direito aqui peticionado nem sempre tem sido entendido como direito de regresso, antes tem sido, por vezes, classificado como integrado na sub-rogação legal prevista nos arts.589º e segs. do Cód. Civil.
(…).
O próprio legislador com frequência também confunde os dois conceitos.
Porém, não há aqui que fazer uma análise aprofundada desta problemática, pois quer se trate tecnicamente de um direito de regresso quer de um direito ao abrigo do instituto da sub-rogação, sempre lhe será aplicável o disposto no art. 498º, nº 2 do Cód. Civil e sempre lhe serão aplicáveis as razões para lhe não ser aplicável o disposto no nº 3 do art. 498º referido, conforme tem sido jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal – cfr. acs. de 9-11-2006, no recurso nº 2849/06-2ª secção; de 22-10-2009, no recurso nº 501/09.5YFLSB- 2º secção e de 25-03-2010, no recurso nº 2195706.OTVLSB.L1.S1.
Desta forma quer se classifique o direito da autora como de regresso ou decorrente da sub-rogação legal, sempre tem o prazo de prescrição previsto no nº 2 do art. 498º referido.
E também a esse direito se não aplica o disposto no nº 3 do mesmo artigo, pelas expostas razões.»

Nesta Relação do Porto o aqui relator subscreveu como 2º adjunto, o acórdão de 14.04.2011, relatado pelo Des. Telles de Menezes, processo n.º 797/07.7TBVCD.P1, em que se seguiu o referido entendimento que prescrevia no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis, não se aplicando o alargamento do prazo previsto no n.º 3 do art.º 498.º do Código Civil.
Ainda no mesmo sentido, o acórdão desta Relação de 25.03.2010, processo nº 2783/07.8YXLSB.P1, relatado pelo Des. José Ferraz, com o seguinte sumário: “Estando em causa o exercício do direito de regresso, como garante do credor sub-rogado, o prazo de prescrição “daquele que pagou” é de três anos, sem o alargamento previsto no art. 498º, nº3, do CC.” E mais recentemente o de 27.05.2014, processo n.º 62/10.2TBCNF.P1, relatado pelo Des. Francisco Matos, com o seguinte sumário: “I - O Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado quando satisfaz a indemnização para ressarcimento de danos ocasionados por veículo cujo responsável não beneficie de seguro válido. II - O prazo de prescrição para o exercício deste direito é de três anos, por aplicação analógica do disposto no artº 498º, nº2, do Código Civil, não se aplicando o alongamento do prazo previsto no nº 3 deste artigo.”
Na Relação de Lisboa, Ac. de 06.11.2012, processo n.º 6022/09.9TVLSB.L1-7, relatora Maria do Rosário Morgado, com o sumário: “O Fundo de Garantia Automóvel não beneficia da extensão do prazo prescricional prevista no n.º 3 do art.º 498.º CC.” (todos publicados no sítio do ITIJ).

Não se vislumbram fundamentos consistentes para nos afastarmos da orientação dominante na jurisprudência que, no caso de direito de regresso conferido às seguradoras e ao direito de sub-rogação legal do FGA não é aplicável o alongamento do prazo de prescrição do direito à indemnização por danos resultantes de facto ilícito que também constitua crime, previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil.
Como se referiu a sub-rogação do FGA nasce quando paga a indemnização e esse direito já só indirectamente tem como fundamento o acidente que determinou a indemnização, passando antes a basear-se no seu direito de ser reembolsado daquilo que pagou ao lesado, começando o prazo de prescrição a contar desse pagamento.
Por isso, não tem qualquer fundamento beneficiar do prazo mais longo de 5 anos, que se inicia em regra na data do acidente.
Se o FGA não exerceu o direito dentro do prazo razoável de três anos, a contar do último pagamento, colhe plena justificação a finalidade da prescrição, de sancionar o credor pouco diligente no exercício do direito, tornando-o indigno de protecção jurídica, sem que racionalmente se vislumbrem razões a justificar mais amplo prazo para exercer o direito.
De resto, no caso presente o n.º 6 do citado art. 54º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, já aplicável, expressamente refere que é aplicável o n.º 2 do art. 498º do Código Civil.
Ora, não desconhecendo seguramente o legislador a controvérsia sobre a questão da aplicação ao direito de sub-rogação do FGA do prazo que resulta do n.º 3 do art. 498º, foi propositada a ausência de referência a esse n.º 3. Temos, pois, de concluir que a vontade real do legislador foi afastar a aplicação da extensão do prazo nele previsto para o exercício da sub-rogação do FGA.
Assim e começando o prazo de prescrição em Dezembro de 2008 quando, em 28.12.2012, o Apelante interpõe a acção, já haviam decorridos mais de três anos determinantes da consumação da prescrição.
Pelo que improcede o recurso.

De referir por fim que por se estar perante caso de litisconsórcio necessário o recurso da Ré sociedade aproveita à Ré herança, nos termos do art. 634º n.º1 do CPC.

Decisão

Julga-se a apelação improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Sem custas por dela estar isento o Apelante (art. 4.º n.º 1 al. o) do RCP).

Porto, 09-04-2015
Leonel Serôdio
Fernando Baptista
Ataíde das Neves
_________
Sumário:

- A extensão do prazo de prescrição do direito à indemnização por danos resultantes de facto ilícito que também constitua crime, previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil, não é aplicável ao exercício do direito de sub-rogação conferido ao Fundo de Garantia Automóvel pelo artigo 25º n.º1 do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro e actualmente pelo art. 54º n.º1 do DL n.º 291/2007, de 31.06.
- A remissão do novo n.º 6 do art. 54º DL n.º 291/2007, sem correspondência no anterior DL n.º 522/85, apenas para o n.º 2 do artigo 498º do CC indica que a vontade real do legislador foi afastar a aplicação do n.º 3 do citado artigo 498º.

Leonel Serôdio