Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO PROENÇA | ||
Descritores: | DEPÓSITO BANCÁRIO CONTA SOLIDÁRIA TITULARIDADE DO DEPÓSITO ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RP202502114245/20.9T8PRT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Resulta do art.º 516.º do CCivil que se duas pessoas fizerem um depósito bancário em conta solidária, se presume que cada um dos depositantes é titular de metade do depósito, podendo essa presunção legal ser ilidida mediante prova de que as importâncias depositadas são pertença exclusiva de um dos titulares ou de um terceiro. II - Essa regra de repartição do ónus da prova pode, em determinadas circunstâncias, alterar-se, em situações de recusa de colaboração para a descoberta da verdade, justificando a inversão do ónus da prova a que alude o n.º 2 do art. 344.º do C.Civil. III - Sem tal recusa de cooperação, sempre susceptível de um juízo de censurabilidade, não pode invocar-se a inversão do ónus da prova. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 4245/20.9T8PRT-B.P1– Apelação Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Em inventário a que se procede por óbito de AA e de BB, veio a cabeça-de-casal CC, apresentar aditamento à relação de bens, no sentido de aí ser incluída uma conta bancária existente na Banco 1... em nome da inventariada BB e do interessado DD, seu filho, e conta esta constituída exclusivamente por dinheiro próprio da primeira titular, e que à data do óbito apresentava o valor de 29.423.96 euros. Alegou, em síntese, que o saldo dessa deve ser relacionado pela totalidade porque todo o dinheiro era exclusivamente proveniente dos vencimentos e reforma de professora da inventariada. Respondeu o interessado DD, dizendo que os valores da referida conta bancária, que tinha associada uma conta poupança, devem ser relacionados pela metade porque são contas solidárias, cabendo-lhe a si a outra metade do valor. Mais alega ter dado pagamento às despesas da herança que enumerou com o valor depositado na conta. Ambas as partes apresentaram prova documental. Realizada uma audiência prévia, a Mma. Juíza proferiu despacho nos seguintes termos: Na sequência da discussão entre os interessados e na justa medida em que a cabeça de casal tem poderes para, junto das diferentes entidades bancárias, obter quaisquer documentos e informações relativas às contas dos inventariados, e recai sobre a mesma a obrigação de apresentar a relação de bens, fixo o prazo de 30 dias para que, obtendo todas as informações que reporte necessárias, apresentar de forma definitiva a relação de bens nos autos. A cabeça-de-casal ainda veio requerer a prorrogação do prazo para apresentar nova relação de bens. Decorrido o prazo concedido, nada mais tendo a cabeça-de-casal apresentado ou requerido, foi proferida decisão nos seguintes termos: julgo a reclamação apresentada pelo interessado DD parcialmente procedente e determino que seja relacionado o dinheiro da herança aberta por óbito da inventariada da seguinte forma: Verba n.º1 - saldo da conta-poupança da Banco 1... n.º..., no valor de 14.711,98€; Verba n.º 2 - saldo da conta de depósito à ordem da Banco 1... n.º..., no valor de 244,23€. Inconformada, interpõe a cabeça de casal recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. Pretende a requerente impugnar a matéria de facto "dada como provada e não provada" quer por falta de fundamentação, quer por indevido ajuizamento do ónus de prova a imputar a cada uma das partes, tendo em consideração a posição das partes neste processo, a recorrente como cabeça de casal e o recorrido como reclamante. 2. Através de prova documental inserida nos autos, e por confissão do recorrido em audiência prévia para prova dos factos a ajuizar, verifica-se que a douta sentença ignorou toda a documentação com excepção do extracto de conta entre 4 de Fevereiro de 2019 e 14 de Março de 2020. 3. E que considerou simplificadamente que a mesma foi aprovisionada para além do valor das transferências com menção da C.G.A. (Caixa Geral de Aposentações). 4. Ocorre que, junto aos autos estão anexados todos os documentos explicativos das sucessivas transferências demonstrativas, só por si, que o reclamante, não introduziu nessas diversas contas qualquer depósito com o seu dinheiro próprio. 5. E isto apesar de a recorrente ter requerido expressamente, como decorre desta alegação e nos autos, que o reclamante juntasse aos autos ao abrigo do artigo 341º e 342º, nº 1 e 2, 346º, in fine do Código Civil, o comprovativo documental dos depósitos que constituíra cada uma dessas contas e que a aqui recorrente não tem acesso, nem lhe é lícito aceder às contas bancárias do reclamante, mas que este acabou por confessar de 00:15:02 até 00:15:55 da prova gravada. 6. Requerimento a que a Senhora Juíza a quo, ignorou, impedindo o acesso à prova. 7. Os documentos anexados, e atrás alegados, demonstram que o reclamante foi beneficiado com uma transferência da conta solidária no valor de 40.000,00 euros, valor este transferido para o seu exclusivo património, valor este que terá de devolver à herança nos termos do nº 1 do artigo 2104º do Código Civil, prova documental e prova gravada em 00:10:11. 8. Ao efectuar o esvaziamento das acima citadas contas, o recorrido bem sabia que, tais contas não lhe pertenciam. 9. Nos termos dos artigos 342º, nº 1 e 2 e 346º, in fine, de harmonia com o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. nº 447/09.7TJCBR.C1 de 12.7.2022, "o ónus da prova dos factos que permitam determinar a titularidade económica, dado que a propriedade jurídica, essa, pertence ao banqueiro - de dinheiro depositado junto de um banco, vincula a parte a quem essa titularidade permite produzir um efeito que a favorece (artigo 342º, nº 1 e 346º, nº 2 in fine). 10. "Um dos aspectos essenciais na partilha de qualquer património, máximo do património hereditário, é a determinação dos bens que hão-de figurar na partilha, porque dessa determinação depende a satisfação efectiva desse património". 11. "A transparência patrimonial é, assim, uma condição indispensável ao êxito e à justiça de qualquer partilha, e por isso, não admira a visualização de cabeça de casal a este fundamental dever: o de relacionar os bens ou todos os bens que hão-de figurar no inventário. Pelo que chegado o momento capital de relacionação dos depósitos plurais de que era titular o autor da herança, se verifica que no momento da sua morte permaneciam com saldo, facto que o vincula à relacionação - ou o beneficiário último das quantias objecto do depósito - extrai a conclusão de que o saldo das contas plurais identificados pelo respectivo banco é de montante certo e determinado, não lhe cabendo (ao cabeça de casal) ajuizar se os fundos depositados são exclusivamente dos autores da herança ou também dos outros co-titulares". 12. "A saída do dinheiro da conta não tem a virtude de, só por si, distrair esse bem do património hereditário, excepto se se demonstrar a existência a favor do beneficiário último da transferência, de um qualquer negócio aquisitivo ou transmissível oponível ao verdadeiro titular da propriedade económica do dinheiro e a que se associe o efeito licito - de perimir o direito real da propriedade daquele sobre esse dinheiro ou de transmitir para outrem esse mesmo dinheiro." A circunstância de o reclamante estar autorizado a movimentar um depósito bancário, não legitima o levantado, se a propriedade económica do dinheiro não lhe pertencer, ou não lhe pertencer por inteiro, a apropriar-se dele ou a descaminhá-lo. 13. A cabeça de casal executou a sua função executada nos termos acima referidos, cabendo ao reclamante a prova do negócio lícito e que "na falta de prova de um negócio - lícito apontado - deve entender-se que o dinheiro continua integrado na herança e deve ser objecto de partilha por vários interessados de harmonia com a respectiva vocação sucessiva". 14. Só assim se atingindo o principio sob cujo tipo deve decorrer a partilha: o da justiça ou da equidade, princípios constitucionalmente consagrados nos artigos 13º, 20º e 202º, nº 2 da C.R.P., princípios esses feridos com a douta decisão proferida nestes autos. 15. Também o reclamante, podendo embora, por contrato apenas com o banqueiro, movimentar a conta, com o óbito da inventariada (na sua tese, que se repudia) só teria acesso à propriedade dos fundos constituídos, por 1/3, ou na sua óptica por metade, facto que o deveria impedir de movimentar as contas bancárias correspondentes ao património da inventariada, devendo, como tal, devolver à herança, todos os levantamentos efectuados após 4 de Abril de 2019, data do óbito da inventariada BB. II FACTOS ALEGADOS E PROVADOS DOCUMENTALMENTE POR CONFISSÃO DO RECORRIDO: 16. Devem ser considerados como provados os factos constantes em IV, 1 a 32, factos que conforme consta dos autos, estes provados por documentos, documentos referenciados por cada item constante nos n.ºs 1 a 32, e que aqui se dão como reproduzidos. 17. Por força do ónus da prova dos factos que permitem determinar a titularidade económica, se é do património hereditário ou do reclamante, no todo ou em parte, incumbe ao reclamante que requereu, sem provar com qualquer documento ou outro meio probatório, que o dinheiro depositado no banco nas contas descritas e anexadas aos autos, era proveniente "para ele", "de um qualquer negócio aquisitivo ou transmissível oponível ao verdadeiro titular da propriedade económica do dinheiro e a que se associe o efeito - lícito - de perimir o direito real da propriedade daquele sobre esse dinheiro ou de transmitir para outrem esse dinheiro". 18. A circunstância de o reclamante estar autorizado a movimentar um depósito bancário, não legitima o dinheiro levantado, se a propriedade económica do dinheiro não lhe pertence, ou não lhe pertencer por inteiro a apropriar-se dele ou a descaminhá-lo. Pelo que 19. Deverá ser dado como não provado que o interessado DD é proprietário da metade do dinheiro depositado nas contas da Banco 1... no ...; ... e das demais contas, neste ou noutros bancos, em que o reclamante figure como 3º ou 2º titular com a autora da herança BB.(aludida confissão na prova gravada sob o nº 00:15:02 até 00:15:55) 20. Que seja dado como provado que a conta nº ..., possuía à data do óbito o saldo de 29.423,96, conforme documento junto aos autos com a relação de bens, "sendo que a cabeça de casal executava a sua função exactamente nos termos referidos na conclusão 12.ª, "que a vincula à relacionação de que o saldo das contas plurais identificadas pelo respectivo banco é de montante certo e determinado não lhe cabendo ajuizar se os fundos depositados são exclusivamente dos autores da herança ou também dos outros co-titulares". 21. Que seja dado como provado que a conta nº ..., à data do óbito tinha o saldo de 488,45 euros (prova documental, constante da relação de bens. 22. Que seja dado como provado que o interessado DD em 30.10.2012, recebeu da conta poupança nº ... da Banco 1..., pertencente à herança, 25.000,00 euros por transferência para sua conta nº ... (dct. de 19.08.2023) sem que tal quantia se justificasse como proveniente de qualquer negócio aquisitivo ou transmissivo lícito, pelo que constituiu tal transferência uma doação sujeita a colação nos termos do artigo 2104º, nº 1 do Código Civil, devendo o recorrido devolver à herança o valor desta transferência. 23. Confessa o reclamante, na acima citada prova gravada, e na sua reclamação datada de 15.1.2021 (referência 421029770) no artigo 8º, que da conta da Banco 1... nº ..., retirou 14.800,00 euros acrescido de mais 5.000,00 euros, pelo que, decorrendo do acima alegado de que o ónus da prova de harmonia com os artigos 341º, 342º, nº 1 e 2, 346º in fine do Código Civil, e da Jurisprudência e doutrina atrás citada, incumbe ao reclamante que se aproveita do efeito que a favorece o respetivo ónus da prova de que o dinheiro depositado na conta é proveniente do seu património pessoal, e em que proporção. 24. Pelo que, o reclamante além da transferência de 25.000,00 euros para uma sua exclusiva conta, retirou mais 14.800,00 euros, ilicitamente, valor que em conjunto somam 39.800,00 euros, valor que terá de devolver à herança. 25. Que seja dado como provado documentalmente, que as contas tituladas pelo Banco 2... S.A., conta ordenado do de cujus AA, n.ºs ... e ... eram tituladas como 1º titular pelo referido AA e como 2º titular, BB. 26. Que seja dado como provado os factos constantes dos documentos anexados sob a referência 439469768 de 23.8.2022, as três primeiras folhas aí inseridos como dct.1 e relativos à conta da Banco 1... nº ....(de que o recorrido era co-titular mas que o valor aí depositado era exclusivamente dos AA da herança) 27. Que seja dado como provado que a conta da Banco 1... nº ..., foi movimentada exclusivamente pelo aqui recorrido desde o dia seguinte ao óbito da mãe (4.4.2019) até 20.8.2019, no valor global de 30.400,00 euros (dct. nº 2 anexado em 23.8.2022 cuja referência é a mesma da conclusão anterior). 28. Bem como os demais factos constantes nos documentos juntos sob essa mesma referência, documentos numerados com 3, 4, 5, 6, 7 e 8. 29. Que seja dado como provado que o recorrido por não ser comproprietário de qualquer valor depositado nas contas em que foi co-titular com BB (após a morte do AA) e antes de 26.1.2012, também com este, 2º titular, e que os saldos que movimentou nessas contas o foram com consciência de prejudicar patrimonialmente as heranças dos de cujus. III 30. Em conformidade com os factos considerados como devendo ser reapreciados mais doutamente por este douto Tribunal da Relação, os factos dados como provados pela douta decisão, sem curar da prova documental que foi muito para além dos documentos anexados na relação de bens, investindo o ónus de prova, que deve recair sobre o reclamante atenta a sua posição de parte beneficiada com o proveito obtido pela reclamação, da omissão do pronunciamento quanto ao requerimento da recorrente para ouvir o recorrido sobre a dominialidade patrimonial dos fundos depositados nos autos acima descritos, impedindo desta forma o acesso à prova e uma abstenção ao principio da Justiça ou equidade, constitucionalmente consagrados nos artigos 13º, 20º e 202º, nº 2 da C.R.P., atendendo aos valores dados e apropriados pelo recorrido, e à sua confissão em audiência prévia, prova gravada citada, que devem ser restituídos à herança quer por efeito da colação, quer pela causa da sonegação de bens, devendo ser dado provimento ao presente recurso e da conformidade julgados como provados e não provados os factos acima deduzidos. 31. Termos em que, provados os factos requeridos como tal e não provado o facto de que o interessado DD é proprietário de metade do dinheiro depositado na conta da Banco 1... sob os n.ºs ... e ..., bem como das demais contas em que figure com 2º titular após 26 de Janeiro de 2012, sendo a 1ª titular a BB, e considerando que foram violados os preceitos legais acima invocados e que aqui se dão por transcritos, se fará Justiça e igualação da partilha! *** Não foram apresentadas contra alegações.Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** Sendo pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, são questões a resolver a reapreciação da prova, quanto à matéria julgada não provada, e se deve o dinheiro existente nas contas bancárias ser descrito pela totalidade como pertencendo à herança..*** A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:1) A inventariada e o interessado DD eram titulares da conta-poupança da Banco 1... n.°.... 2) Esta conta tinha ã data do óbito da inventariada o saldo de 29.423,96€. 3) A inventariada e o interessado DD eram titulares da conta de depósito à ordem da Banco 1... n.°.... 4) Esta conta tinha ã data do óbito da inventariada o saldo de 488,45€. E considerou não provado: - A conta mencionada em 1) era aprovisionada apenas com valores provenientes dos vencimentos e reforma de professora da inventariada. *** A presente apelação tem como escopo principal declarado a modificação do decidido pela 1.ª instância sobre matéria de facto respeitante às duas contas bancárias, com inversão para “provado” do ponto único julgado não provado, pretendendo vê-lo substituído pelos factos que discrimina sob IV do corpo das alegações, 1 a 32,. Nos termos do art. 662º, n.º 1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:“(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. Baseando a recorrente sua posição, antes de mais, na confissão do recorrido em audiência prévia, deve desde já precisar-se que não foi aí prestado depoimento de parte pelo interessado DD, como resulta da respectiva acta, nem há nas suas intervenções nessa diligência, incluindo nas invocadas passagens de min. 00:15:02 até 00:15:55, matéria de relevo confessório dos pontos sob impugnação. De resto, só a confissão judicial escrita goza de valor probatório de prova plena contra a parte que confessa certo facto (art. 358º, n.º 1, do CC), diversamente do que sucede com a confissão judicial não escrita, que é, nos termos gerais, livremente apreciada pelo julgador (art. 358º, n.º 4, do CC). Para tal, o depoimento de parte, nos termos do art. 466º, n.º 2 do CPC, é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória (art. 463º, n.º 1, do CPC), mesmo que se encontre gravado, ficando a constar em acta e sendo comummente conhecido por assentada (n.º 3 do art. 463º do CPC). E sendo certo que a falta de redução a escrito do depoimento de parte não impede que a declaração prestada pela parte revista força probatória contra o confitente, livremente valorada pelo tribunal, tal como dispõe o aludido n.º 4 do art. 358.º do CC, nenhum erro de valoração se alcança, por parte da Mma. Juíza, ao não considerar confessada a matéria em apreço. Tão pouco pode considerar-se que o recorrido tenha admitido tal matéria na informação aos autos datada de 12-01-2001. Aí se refere o recorrido às duas contas bancárias – de poupança e de depósito à ordem - aludidas em 1) e 3) nos seguintes termos: “6. Ora, a referida conta - com o n.º ... da Banco 1... - foi constituída e titulada por mim e pela SM M/Mãe/Inventariada, em 2000 tendo associado uma poupança - com o n.... - em 2014, conforme documento do Banco de Portugal em anexo, que se dá por integralmente reproduzido (anexo 2, página 4) e conforme informação confirmada no comprovativo de movimentos da conta da Banco 1... (anexo 3). 7. Trata-se de conta solidária e a estes depósitos são aplicáveis os princípios da solidariedade activa, que estabelecem, que se trata de comparticipação em partes iguais no crédito - ou seja, cada um dos depositantes é titular de metade da conta (cfr. Ac. STJ, 17,06.99, CJSTJ, II, p. 152). Se tal não se verificasse, eu nunca teria tido a intenção e possibilidade de a movimentar. 8. Ora, do montante total de 29.912,41€, transferi o valor de 14.800€, ou seja, os 50% da minha titularidade, conforme informação da Banco 1... e, do restante valor, transferi 5.000€ para a cabeça de casal e 5000€ para mim, considerando a qualidade de herdeiros, perfazendo um total de 24.800 €, tendo permanecido a conta activa e com saldo, por acordo verbal entre ambos (co-herdeiros), para suportar despesas de herança, tudo esclarecido por carta, datada de 22 de julho de 2020, cuja cópia anexo e se dá por integralmente reproduzida (anexo 4). 9. Do valor que permaneceu em conta, informo então que promovi o pagamento das despesas - já comprovadas junto da cabeça de casal - conforme comprovativos em anexo: (…) Total de todas as despesas: 7.647,96€; 10. Não tive nem tenho nada a opor à inclusão das contas n.º ... e ..., na relação de bens, na parte proposta da referida verba de 1/2, no modelo 1 de imposto de selo, pelos motivos acima referidos e conforme minha carta de 11/11/2020”. Assim, o recorrido mais não faz que contrariar frontalmente a versão que a recorrente havia apresentado no seu requerimento com a REFª 37270640, em que havia alegado que todo o dinheiro existente à data do óbito da inventariada BB pertence à herança e deve ser descrito pela totalidade como sendo da herança, por ser da sua exclusiva proveniência, constituída por vencimentos e reforma de professora. A prova documental que instruiu o recurso em separado – comprovativos dos movimentos da conta à ordem n.º ... da Banco 1... no período de 2019-02-04 a 2020-04-20 e talões de consulta de movimentos e operações multibanco de 27/1/2020 e – tão pouco confirma a versão de que todo o dinheiro aí depositado provinha exclusivamente de vencimentos e reforma de professora da inventariada: além de transferências da CGA existem aí outros movimentos a crédito, designadamente de “A...” (desconhecendo-se se os mesmos podem associar-se ao recorrido ou à inventariada, por exemplo a título de pensão de sobrevivência) e outras transferências a crédito sem menção de origem. Relativamente a datas mais recuadas, como a de 30-10-2012, os documentos juntos são ainda menos esclarecedores quanto à origem e titularidade dos fundos que provisionaram essas contas. Em conformidade, tomando exclusivamente por base a prova documental junta, ela não se afigura suficiente para concluir, como a recorrente, que a propriedade do dinheiro depositado nas contas Banco 1... n.º ... e Banco 1... n.º ..., era pertença exclusiva da inventariada na data do respectivo óbito. Ora, resulta do art.º 516.º do CCivil que se duas pessoas fizerem um depósito bancário em conta solidária, se presume que cada um dos depositantes é titular de metade do depósito. Essa presunção legal pode ser ilidida por prova em contrário, ou seja, pode ser feita a prova de que as importâncias depositadas são pertença exclusiva de um dos titulares ou até de um terceiro (vd., além de outros, Ac. STJ de 17,06.99, ib CJSTJ, II, p. 152 e Ac. RG de 2009.06.01, Proc. nº 2757/08-1). A presunção legal dispensa quem a tem a seu favor de provar o facto a que ela conduz – art.º 350.º, n.º 1, do C.Civil. Em tese geral, semelhante regra de repartição do ónus da prova pode, porém, em determinadas circunstâncias, alterar-se, em situações de recusa de colaboração para a descoberta da verdade, justificando a inversão do ónus da prova a que alude o n.º 2 do art. 344.º do C.Civil. Com efeito, dispõe o n.º 2 do art.º 344.º do CCiv.: “Há também inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”. Articulando-se tal normativo com o art.º 417, nº 1, do CPC que dispõe que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados. Nos termos do nº 2 do mesmo normativo, aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; e se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do art.º 344º do CC. O dever de cooperação para a descoberta da verdade tem dois limites, os quais resultam expressamente da lei: o respeito pelos direitos fundamentais pressupostos na integridade física ou moral das pessoas e na reserva da vida privada ou familiar e na inviolabilidade do domicílio, da correspondência e das telecomunicações, referido nas als. a) e b) do nº 3 do art.º 417º do CPC; e o respeito pelo direito ou dever de sigilo, a que se refere a al. c) do nº 3 do mesmo normativo. Ora, no caso vertente, e tanto quanto resulta dos autos, o recorrido nada fez para impedir que a recorrente lançasse mão dos meios de prova que tivesse por adequados para demonstrar a matéria em apreço. Tanto assim que vieram aos autos os aludidos comprovativos dos movimentos da conta à ordem n.º ... da Banco 1.... Não incumpriu qualquer notificação a si dirigida, não se recusou a prestar informações ou esclarecimentos que o tribunal lhe tivesse determinado. Sem tal recusa de cooperação, exigindo-se sempre um juízo de censurabilidade, mesmo que, em tese geral, fosse difícil ao onerado fazer a demonstração da factualidade controvertida, tal não bastaria para que possa aqui invocar-se a inversão do ónus da prova, de acordo com os normativos mencionados. Consequentemente, julgou bem a 1.a instância de facto e de direito, ao presumir comuns os fundos ou saldos existentes na contas de depósito à ordem e conta poupança à data do óbito da inventariada. Improcedendo, consequentemente, o recurso. DECISÃO Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pela apelante. Porto, 11/2/2025 João Proença Rodrigues Pires Márcia Portela |