Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | ANA LUÍSA LOUREIRO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA PARTILHA TORNAS CREDOR EMBARGOS DE EXECUTADO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Nº do Documento: | RP202405239293/23.4T8PRT-A.P1 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Data do Acordão: | 05/23/2024 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | CONFIRMADA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Área Temática: | . | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Sumário: | I - Perante uma execução que tem como título executivo sentença homologatória de partilha efetuada em inventário notarial, não tem qualquer efeito defensivo útil a mera afirmação de impugnação, sem especificação das razões pelas quais impugna, da ‘exposição sucinta dos factos’ efetuada no requerimento executivo, sem qualquer impugnação ou contestação operante do título executivo apresentado. II - O credor de tornas devidas no âmbito de processo de inventário notarial, cuja partilha foi homologada por sentença transitada em julgado, tem o direito de instaurar execução para obter do devedor – que não efetuou o pagamento das tornas – o cumprimento coercivo dessa obrigação. III - A atuação do exequente, ao instaurar a execução para obter o pagamento coercivo das tornas de que é credor sem que (de acordo com o alegado pelo executado/embargante) tivesse cumprido a obrigação de entrega de um dos imóveis que foi adjudicado ao executado/devedor de tornas, não é suficiente para se afirmar a violação manifesta da boa fé, dos bons costumes nem do fim económico e social do direito em causa (que é o direito de ação). IV - Não só a obrigação de pagamento de tornas a cargo do executado respeita ao excesso do valor de bens adjudicados face ao valor da quota a que tem direito, e não apenas ao imóvel adjudicado cuja entrega voluntária o devedor de tornas alega não ter sido efetuada pelo exequente, como dispõe o executado/devedor de tornas do direito de obter o cumprimento coercivo da obrigação de entrega do referido imóvel, sendo esse o meio processual adequado ao seu dispor, pelo que o alegado incumprimento da obrigação de entrega de um dos bens que lhe foi adjudicado é insuscetível de integrar um dos fundamentos de oposição à execução previstos no art. 729.º do Cód. Proc. Civil. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Reclamações: | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Decisão Texto Integral: | Processo – Apelação n.º 9293/23.4T8PRT-A.P1
Tribunal a quo – Juízo de Execução do Porto – J 7 Recorrente(s) – AA Recorrido(a/s) – BB *** Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… *** Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório:
Apelante (embargante/executado): AA Apelada (embargada/exequente): BB
O executado AA, por apenso à ação executiva contra si instaurada pela exequente BB, deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, concluindo pela procedência da oposição e ´absolvição do executado da quantia exequenda.’ Fundamentou os embargos à execução na alegação de que um imóvel, que lhe foi adjudicado em processo de inventário – processo esse do qual resulta a existência da obrigação de pagamento da quantia exequenda de € 84.926,06 €, referente a tornas por si devidas à exequente, cujo pagamento a mesma pretende obter através da ação executiva instaurada –, encontra-se ocupado pela exequente e respetivos progenitores, recusando-se a mesma a entregar-lhe as chaves e a facultar-lhe o acesso ao imóvel, sendo que o executado pretende vender o imóvel para com o produto da venda, efetuar o pagamento das tornas, o que se encontra impossibilitado de fazer face à atuação da exequente. Conclui que a atuação da exequente é ‘abusiva’, especialmente no que concerne à ‘cobrança de juros por um atraso no pagamento que apenas a ela (e seus pais) aproveitou.’
Os embargos deduzidos foram liminarmente indeferidos, por decisão de 23-10-2023 (Ref. 453094408), com fundamento na sua manifesta improcedência.
Inconformado, o embargante/executado, interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões: 1. Em primeiro lugar, quando o Tribunal fundou a sua decisão na circunstância de que a exigibilidade do pagamento da quantia exequenda não depender da disponibilidade financeira, não sopesou todas as questões de que deveria conhecer, ou seja, o executado funda a sua oposição na circunstância de que a exequente detém a posse e fruição exclusivas do imóvel cuja falta de pagamento levou à execução desde, pelo menos, 2015. 2. Em segundo lugar, o Tribunal considerou que o executado tem ao seu dispor a possibilidade de reagir e recuperar a posse do imóvel, cujo pagamento a exequente está a exigir. Contudo, o executado não veio aos autos requerer a entrega do seu imóvel, pelo que, a fundamentação do Tribunal não relação lógica com o sentido da decisão. 3. Em terceiro lugar, temos a questão central, ou seja, o Tribunal considerou que não é abusivo da exequente reter a fruição de um imóvel que não lhe pertence e, ao mesmo tempo, exigir coercivamente o seu pagamento. A rejeição com base na manifesta improcedência é uma solução que a lei permite a título excecional e que apenas deve ser utilizada quando a matéria apresentada como fundamento não é suscetível ser enquadrada legalmente. Dado que a exequente explora exclusivamente e contra a vontade do proprietário (ora executado) o imóvel dado à penhora, há pelo menos 8 anos, está a agir contra o direito de propriedade do próprio executado. 4. E, finalmente, a intenção da exequente torna-se ainda mais clara quando, se atentarmos na análise do título executivo, podemos verificar que a exequente apresentou proposta para adquirir o imóvel, mas a mesma foi recusada por fundamentos formais. 5. Pelo que, a matéria que em apreço, ainda que dúbia, é subsumível em abstrato, à figura do abuso do direito. E, como tal não deve ser excluída logo à cabeça. Devendo ser relegada para julgamento, a fim de ser aquilatado, em concreto, se há ou não efetivo exercício abusivo do direito (conforme previsto no artigo 334.º do Código Civil). 6. Até porque é a própria conduta da exequente que leva o executado a não conseguir pagar, pois para o executado poder pagar teria que apresentar o referido imóvel, livre de pessoas e bens, para efeitos do banco aceitar realizar uma hipoteca. O que não era possível pois, como vimos, a exequente manteve a exploração do imóvel, contra a vontade do executado, afetando-o à habitação dos seus próprios pais. 7. Em quarto lugar, o Tribunal veio a decidir que para a retenção poder relevar, teria que ser provada por documento. Por um lado, o emprego deste argumento, revela-se contraditório, quando comparado com o argumento anterior. Se a retenção não tem qualquer relevância em termos legais, porque razão haveria o Tribunal de considerar que não pode conferir valor à retenção do imóvel, porque tal factualidade não foi acompanhada de evidência documental?! 8. Por outro lado, os documentos podem ser apresentados até à audiência de discussão e julgamento e podem inclusivamente, resultar da defesa da exequente, por via da confissão. 9. Mais, considerando a natureza do título em apreço, cremos que se afigura impossível aplicar a exigência de documento no caso concreto. Até porque a confissão acaba por ficar inviabilizada, a partir do momento em que o Tribunal decide pela manifesta improcedência, pois, deste modo, nem sequer há lugar à resposta da exequente, onde esta teria que tomar posição sobre a factualidade alegada pelo executado. 10. Por outro lado, o título não resulta de processo comum de declaração, mas sim do inventário notarial. O que também afasta a exigência de documento em que o Tribunal fundou a sua decisão. 11. Em quinto lugar, o Tribunal fundou a sua decisão na circunstância de que foi o próprio executado quem atribuiu o valor ao imóvel, o que, convenhamos, é absolutamente estranho à apreciação do fundo dos embargos. 12. Em sexto lugar, temos a questão de que o título e o requerimento executivos, foram impugnados. Impugnação essa à qual o Tribunal não deu qualquer relevância ou sequer oportunidade de prova. Questão de que o Tribunal acabou por não conhecer. Incorrendo assim em nulidade que expressamente se invoca a fim de ser judicialmente declarada, com todas as legais consequências. 13. Em sétimo lugar, o título executivo foi substituído ou complementado após a apresentação do requerimento executivo. E o executado não foi notificado disso. Pelo que, deveria o Tribunal determinar a notificação do executado para, querendo, vir tomar posição e exercer o contraditório. 14. Ao não instruir o processo deste modo, o Tribunal a quo violou o princípio do contraditório. Ferindo o processo e a decisão proferida de nulidade que expressamente se invoca a fim de ser judicialmente declarada com todas as legais consequências.
Por despacho proferido em 30-11-2023 (Ref. 454559981), o tribunal a quo pronunciou-se no sentido da inexistência da arguida nulidade e admitiu o requerimento de interposição de recurso, com efeito suspensivo da decisão, nos termos do disposto no art. 647.º, n.º 3, al. c), do Cód. Proc. Civil, tendo sido devidamente ordenado o cumprimento do disposto no art. 641.º, n.º 7, do CPC. Não foi apresentada resposta às alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II – Objeto do recurso:
São as conclusões das alegações de recurso que – exceto quanto a questões de conhecimento oficioso – delimitam o objeto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil. Assim, cumpre apreciar: – Nulidade da decisão. – Se existe erro na decisão de indeferimento liminar dos embargos de executado, por não estarem preenchidos os pressupostos do indeferimento liminar previstos no n.º 1 do art. 723.º do Cód. Proc. Civil.
III – Fundamentação:
De facto
É a seguinte a matéria de facto a considerar para a apreciação do recurso:
1. Em 18-05-2023 a exequente BB apresentou requerimento executivo instaurando execução sumária para pagamento de quantia certa, contra o executado AA, peticionando o pagamento coercivo da quantia de € 84.926,06, acrescida de juros de mora vencidos liquidados em € 4.858,24 e juros vincendos, indicando como título executivo ‘Certidão extraída de processo de inventário’, fazendo constar na exposição de factos: «1. Exequente e Executado casaram a 28 de Julho de 2001, sem convenção antenupcial, pelo que sob o regime de comunhão de adquiridos. 2. Na pendência do casamento adquiriram bens, os quais integravam o património comum do dissolvido casal. 3. Por sentença proferida em 16 de Dezembro de 2014, no âmbito do processo judicial que correu termos na 3.ª Secção de Família e Menores da Instância Central de M Matosinhos (Juiz 4) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, já transitada em julgado, foi decretado o seu divórcio – conf. decorre do teor do documento que ora se junta como Doc. n.º 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 4. Por decisão - já homologada judicialmente e transitada em julgado - proferida em 08 de Novembro de 2021 no âmbito do processo de inventário notarial que correu termos no Cartório Notarial de CC com o n.º ..., em função das adjudicações feitas ao Executado e à Exequente, foi determinado que aquele teria de pagar à Exequente a quantia de €84.926,06 (oitenta e quatro euros novecentos e vinte e seis euros e seis cêntimos), por ter recebido em excesso, pagamento esse que deveria ser feito após o trânsito em julgado da referida decisão. 5. No referido processo de inventário não foram reclamadas as tornas, que ainda não foram pagas. 6. Apesar de já interpelado, nomeadamente por carta registada datada de 15.11.2022, o Executado ainda não logrou efectuar o pagamento. 7. Sobre o valor das tornas em dívida, acrescem juros à taxa legal desde a data da decisão final até efectivo e integral pagamento, juros que, à presente data, ascendem à quantia de €4.858,24 (quatro mil oitocentos e cinquenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos). 8. Pelo que, na presente data, é o Executado devedor à Exequente da quantia de €89.784,30 (oitenta e nove mil setecentos e oitenta e quatro euros e trinta cêntimos), a que acrescerão os juros vincendos à taxa legal em vigor. 9. A dívida é certa, líquida e exigível.». 2. Juntou com o requerimento executivo, como título executivo, certidão extraída do processo de inventário (Divórcio) com o n.º ... do Cartório Notarial de CC, em que são partes o aqui executado AA (aí requerente e cabeça-de-casal) e a aqui exequente BB (aí requerida), acompanhada de cópias certificadas do processo de inventário (em conformidade com os originais constantes dos autos), e certificação de que a sentença homologatória da partilha foi notificada e transitou em julgado em 16 de fevereiro de 2022. 3. Citado o executado (no Luxemburgo) em 28-06-2023, deduziu o mesmo em 10-10-2023, oposição à execução mediante embargos de executado alegando, no essencial, o seguinte: 1. A exequente, no seu requerimento executivo, alega que: “por decisão, já homologada judicialmente e transitada em julgada, proferida em 08/11/2021, no âmbito do processo de inventário notarial que correu termos no cartório notarial da Dra. CC com o n.º ..., em função das adjudicações feitas ao executado e à exequente, foi determinado que aquele teria de pagar à exequente a quantia de 84.926,06 € (oitenta e quatro mil novecentos vinte seis euros e seis cêntimos), por ter recebido em excesso, pagamento esse que deveria ter sido feito após o trânsito em julgado da referida decisão” (vide ponto n.º 4 do requerimento executivo, sublinhado nosso). 2. O executado impugna este trecho do requerimento executivo. 3. A impugnação assenta na circunstância de que embora o mapa de partilha tenha composto os direitos de cada uma das partes, existem questões entre a exequente e o executado, que contendem com o fundo do processo executivo. 4. No processo de inventário que foi levado a decisão judicial de homologação, foram adjudicados dois imóveis ao executado, que se encontram descritos sob as verbas n.º 33 e 34. 5. Sendo a quantia exequenda, o valor das tornas referentes à adjudicação dos referidos imóveis. 6. Contudo, a verba n.º 34, composta por prédio urbano destinado a habitação, (…). embora adjudicada ao executado, não está na sua posse. 7. Com efeito, desde o divórcio entre as partes, que tal imóvel encontra-se sob a posse e uso exclusivo da exequente e dos seus pais que lá vivem desde, pelo menos, 2015. 8. (…) contra a vontade do exequente. (…) 10. (…) no decurso do mês de Setembro de 2023, o executado tentou aceder ao imóvel, a fim de promover a sua venda, para suportar as tornas devidas à executada. 11. Mas a exequente não o permitiu. 12. (…) antes de Setembro de 2023, o executado, por interposta pessoa, tentou aceder ao imóvel, com o fito de o avaliar e subsequentemente vender, sem sucesso, pois a exequente recusou entregar as chaves e facultar acesso ao imóvel. 13. Com efeito, a exequente, desde 2015 que afecta o imóvel à residência dos seus próprios pais, DD e EE. 14. Dispondo sobre o destino do mesmo, nos termos que bem lhe aprouver, mesmo contra a vontade do executado. (…) 18. Sendo importante considerar que o outro imóvel, o da verba n.º 33 e que também foi penhorado nos presentes autos é um apartamento que, mercê o seu péssimo estado de conservação, é inabitável. 19. Não conseguindo o executado obter qualquer rendimento proveniente da alienação. (…) 22. O que o executado pretende é aceder livremente ao imóvel, promover a sua venda e, com o produto do preço, liquidar as tornas devidas. 23. Contudo, está impossibilitado de o fazer, por força da conduta da exequente que, ao longo deste tempo, por várias formas, obstou a que o executado diligenciasse pela venda do imóvel e subsequente pagamento das tornas. 24. O que torna a actuação da exequente, cremos, no mínimo, abusiva. 25. Especialmente no que diz respeito à cobrança dos juros, pois pretende a cobrança de juros por um atraso no pagamento que apenas a ela (e aos seus pais) aproveitou. 4. Em 11-10-2023 (Ref. 452674353) foi proferido na execução o seguinte despacho: Compulsando a certidão onde consta o título executivo (sentença homologatória), verifica-se que diversos dos seus elementos se mostram incompletos (faltam páginas), como é o caso da relação de bens, da ata da conferência de interessados e do mapa de partilha. Assim sendo, notifique-se a exequente para, em 10 dias, juntar certidão com todos os elementos relevantes completos. 5. Em 23-10-2023 (Ref. 37033968) a exequente juntou à execução certidão extraída do processo de inventário (Divórcio) com o n.º ... do Cartório Notarial de CC completa (contendo todas as páginas dos atos cuja falta havia sido assinalada no despacho referido em 4.), dela constando, além do mais, que aqui se dá por reproduzido: a) o seguinte mapa de partilha previsto no art. 59.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário:
QUOTA DE CADA INTERESSADO - meação no património comum e créditos -
b) sentença homologatória da partilha proferida em 06-01-2022 pelo juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de Vila do Conde, J2, com o seguinte teor: Decisão homologatória da partilha: No presente processo especial de inventário subsequente a divórcio de que foi requerente AA e requerida BB, foi elaborado o competente mapa, nos termos do qual se procede à partilha dos bens comuns do dissolvido casal, com preenchimento dos respetivos quinhões. Ouvido, o Ministério Público nada opôs aos termos da partilha, conforme antecedente parecer. Uma vez que, atenta a natureza do inventário e dos interesses em questão, se considera que a partilha feita constar do mapa de 08.11.2021 foi feita pela forma legal, observando as adjudicações efetuadas pelos interessados, nos termos do artigo 660 do RJPI (aprovado pela Lei n.0 23/2013, de 05 de março), julgo válido esse ato, homologando-o pela presente sentença (cfr. artigos 2830, no 2, 2840 e 2900, do Cód. de Proc. Civil e 21020 do Código Civil). Custas em partes iguais (art. 5370 do Código de Processo Civil e art. 800 da citada Lei). 6. Em 23-10-2023 (Ref. 453094408) foi proferido, no apenso de embargos de executado, o despacho de indeferimento liminar objeto do recurso.
Subsunção dos factos ao direito
São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar: A decisão recorrida fundamentou assim a decisão de indeferimento liminar dos embargos de executado deduzidos: «(…) A execução foi deduzida pelo exequente, peticionando o pagamento de quantia certa, correspondente ao valor das tornas a que o executado foi condenado a pagar pela sentença homologatória de partilha. * Os presentes embargos de executado devem ser indeferidos liminarmente, por manifesta improcedência, nos termos do art. 732.º, n. 1, al. c), do NCPC. Dos factos: a) A exequente apresentou, como título executivo, a sentença homologatória de partilha datada de 06.01.2022, cuja certidão consta da execução (cfr. certidão junta com o requerimento executivo e cujo teor foi alegado pela exequente no requerimento executivo, sem impugnação do executado, certidão essa completada, quanto a elementos parcialmente incompletos, pela certidão junta em 23.10.2023), dando aqui por reproduzido o seu teor, b) Com remissão para o mapa de partilha associado e cujo teor aqui se dá por reproduzido, do qual consta a imputação ao ora executado do pagamento de tornas à ora exequente, no valor de € 84.926,06, bem como a adjudicação ao ora executado das verbas imóveis 33 e 34 da relação de bens, de acordo com o seguinte quadro constante do mapa de partilha: Do direito: O título executivo dado à execução corresponde à sentença homologatória da partilha proferida em processo de inventário, sendo por este título que se pode definir a execução, nos termos do art. 10.º, n.º 5, do NCPC. Ora, a sentença exequenda comporta a condenação do executado a pagar o valor de tornas à exequente, o que, aliás, não é posto em causa pelo embargante. Como se salienta no Ac. RP de 10.10.2019 (proc. 3797/16.2T8PRT, em www.dgsi.pt), citando também o Ac. RP de 22.05.2017 (proc. 51/14.0T8MAI, em wwww.dgsi.pt.), “«a sentença que põe termo ao processo de inventário é uma sentença homologatória e, como tal, condena ou absolve nos precisos termos dos actos homologados (artigo 290º, nº 3, do CPC). Porque assim é, a sentença homologatória da partilha proferida em processo de inventário sempre deveria, no que respeita à sua exequibilidade, ser equiparada a uma decisão condenatória proferida em processo comum (alínea a), do nº 1, do artigo 703º do CPC).». Deste modo, a sentença homologatória de partilha em processo de inventário produz efeitos reais de constituição ou reconhecimento de certa propriedade singular ou outro determinado direito real e também desta pode derivar a constituição/reconhecimento de concretas obrigações de diferente natureza.”. Isto posto, quanto ao fundamento dos embargos, o mesmo é manifestamente improcedente como facto extintivo, modificativo ou impeditivo do direito de crédito da exequente que resulta da sentença homologatória de partilha. Na verdade, em primeiro lugar, a exigibilidade do pagamento das tornas e a inerente constituição em mora não se mostra dependente da disponibilidade financeira do executado e nem da venda de bens de sua propriedade, mesmo que estejam em causa bens que lhe tenham sido adjudicados na mesma partilha, sendo que esta venda será sempre incerta, quanto ao valor e momento temporal. Aliás, a venda pode nem sequer ocorrer (com ou sem culpa do executado), e nem por isso o executado deixa de estar obrigado a pagar o valor das tornas e/ou de se constituir em mora após a condenação exequenda. A sentença condenatória produz efeitos quanto à exigibilidade imediata do valor das tornas e constituição em mora do executado (art. 805.º do CC), independentemente de o executado conseguir ou não vender bens para obter capacidade financeira e mesmo que tal venda não seja conseguida. Em segundo lugar, se o executado tem direito a exigir que a exequente ou os pais desta lhe entreguem um imóvel que lhe foi adjudicado, caberá ao executado, querendo, exercer tal direito, nomeadamente com recurso à via judicial, sendo que, se a detenção do imóvel por outrem for ilegítima, também o executado poderá exigir do lesante a indemnização dos danos que tenha sofrido com a falta de entrega e/ou com outra qualquer conduta ativa ou omissiva que afete ilegitimamente o direito de propriedade do executado. Em terceiro lugar, da mesma forma que não será abusiva (art. 334.º do CC) a demanda da exequente ou de terceiros para entrega de imóvel que tenha sido adjudicado ao executado e que esteja ilegitimamente na posse/detenção da exequente/terceiros, mesmo que antes de o executado pagar as tornas, também não é abusiva a pretensão executiva da exequente, mesmo que ainda não tenha sido entregue ao executado um imóvel que lhe seja devido. Em quarto lugar, mesmo que relevasse a alegação de que a exequente ou os seus pais têm obstado à entrega do imóvel adjudicado ao executado e/ou dificultado a sua venda, estando em causa uma execução de sentença, qualquer fundamento extintivo ou modificativo da obrigação do executado teria de, pelo menos, resultar provado por documento, nos termos do art. 729.º, al.g), do NCPC, o que não sucede no caso dos autos. Em quinto lugar, independentemente de tudo o exposto e apenas com relevância acessória, importa também notar que, segundo a alegação do próprio executado, apenas estará em causa a falta de entrega de um dos dois imóveis adjudicados ao executado e a verdade é que, não obstante a alegação de dificuldade de venda do imóvel cuja falta de entrega não vem suscitada (verba n.º 33), este foi valorizado no inventário em € 85.000,00, mediante licitação do próprio executado, ou seja, em valor equivalente ao valor das tornas a pagar. Os embargos são, assim, manifestamente improcedentes, o que implica o seu indeferimento liminar. (…)». Invocou o apelante a nulidade da decisão de indeferimento liminar por não ter havido pronúncia face à impugnação por si efetuada do título e do requerimento executivos, e por não ter sido notificado da junção de certidão completa, após a apresentação do requerimento executivo, o que viola o seu direito ao contraditório e gera a nulidade da decisão de indeferimento liminar dos embargos. As causas de nulidade da sentença são as previstas no art. 615.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, que dispõe nos seguintes termos: 1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Alega o apelante que impugnou o título executivo e o requerimento executivo e que o tribunal a quo não deu relevância a tal impugnação nem oportunidade de prova, não conhecendo de questão suscitada pelo embargante nos embargos deduzidos. O apelante está equivocado quanto ao efeito defensivo útil da sua alegada ‘impugnação’, inserida nos pontos 1. a 3. da petição inicial de embargos de executado, os quais têm o seguinte teor: Dos fundamentos da oposição, 1. A exequente, no seu requerimento executivo, alega que: “por decisão, já homologada judicialmente e transitada em julgada, proferida em 08/11/2021, no âmbito do processo de inventário notarial que correu termos no cartório notarial da Dra. CC com o n.º ..., em função das adjudicações feitas ao executado e à exequente, foi determinado que aquele teria de pagar à exequente a quantia de 84.926,06 € (oitenta e quatro mil novecentos vinte seis euros e seis cêntimos), por ter recebido em excesso, pagamento esse que deveria ter sido feito após o trânsito em julgado da referida decisão” (vide ponto n.º 4 do requerimento executivo, sublinhado nosso). 2. O executado impugna este trecho do requerimento executivo. 3. A impugnação assenta na circunstância de que embora o mapa de partilha tenha composto os direitos de cada uma das partes, existem questões entre a exequente e o executado, que contendem com o fundo do processo executivo.
O apelante não se defende de uma ação declarativa (sendo que, mesmo numa ação declarativa, a impugnação efetuada pelo apelante nenhum efeito teria, uma vez que a mera afirmação de impugnação, sem especificação das razões pelas quais impugna – por ser falso o facto em causa/por desconhecer o facto em causa – não cumpre o ónus de impugnação previsto no art. 574.º do Cód. Proc. Civil), mas sim de uma ação executiva, na qual é pelo título executivo que se determinam o fim e limites da ação executiva (art. 10.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil). A (assim denominada pelo apelante) ‘impugnação’ não põe em causa o título executivo apresentado. Quanto à ‘impugnação’ do alegado no requerimento executivo, transcrito em 1. do requerimento de oposição à execução, a mesma é absolutamente inócua, não tendo qualquer efeito defensivo útil, uma vez que o que releva é a obrigação que emerge do título executivo apresentado (cuja falsidade não foi invocada nos embargos deduzidos). Não há, assim, qualquer nulidade decorrente de omissão de pronúncia porque a ‘impugnação’ efetuada pelo executado/embargante não integra qualquer defesa útil perante a execução, não estando, assim, carecida de apreciação. Defende o apelante que o facto de não ter sido notificado da junção, efetuada após a apresentação do requerimento executivo, da certidão completa que veio a ser junta à execução em 23-10-2023, viola o seu direito ao contraditório e gera a nulidade da decisão de indeferimento liminar dos embargos. Não lhe assiste razão. A arguida falta de notificação da ulterior junção de certidão do inventário completa (ou seja, contendo a integralidade das folhas que compõem os atos praticados no processo de inventário – e que são os mesmos atos que constavam da certidão junta com o requerimento executivo, à qual faltavam algumas folhas, como foi dado conta no despacho proferido em 11-10-2023 na execução) não preenche qualquer uma das causas de nulidade da sentença previstas no art. 615.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil. No que concerne à arguição de violação do contraditório, a afirmação do direito do executado a conhecer o teor da certidão completa junta – devendo ser notificado da mesma – com vista a assegurar o direito ao contraditório não contende nem é afetada pela decisão proferida, uma vez que a mesma incidiu sobre o requerimento de oposição à execução deduzido pelo embargante no qual as questões por este suscitadas – e apreciadas na decisão recorrida – nada têm que ver com a completude ou incompletude da certidão junta. A falta de notificação da junção da certidão completa, embora integrando uma omissão de um ato que a lei prescreve, é insuscetível de afetar a decisão de indeferimento liminar dos embargos deduzidos, atentos os fundamentos dos mesmos (o executado/embargante não invocou, como fundamento dos embargos, a falta ou insuficiência do título executivo para a obrigação exequenda). Defende o apelante (com efeito útil enquanto fundamento do recurso da decisão de indeferimento liminar) que: – o tribunal não podia considerar que não é um comportamento abusivo da exequente reter a fruição de um imóvel que não lhe pertence e, ao mesmo tempo, exigir coercivamente o pagamento das tornas, por não se verificar o pressuposto para a rejeição com base na manifesta improcedência: tal rejeição é admissível mas apenas deve ser utilizada quando a matéria apresentada como fundamento da oposição não é suscetível ser enquadrada juridicamente sob qualquer perspetiva jurídica. – a invocação pelo tribunal da falta de prova documental da retenção do imóvel como fundamento para a improcedência dos embargos é contraditória com a consideração, igualmente, efetuada pelo tribunal a quo, da falta de relevância da retenção do imóvel, sendo que sempre poderiam os documentos ser apresentados até à audiência de discussão e julgamento e poderiam resultar da defesa a apresentar pela exequente, caso a mesma viesse a justificar a retenção invocada pelo executado (confissão); – atenta a natureza do título – o qual não resulta de processo comum de declaração mas de inventário notarial – não há a exigência de prova documental referida pelo tribunal como fundamento da decisão de manifesta improcedência dos embargos de executado. A apreciação do mérito do recurso pressupõe, em primeiro lugar, a definição dos termos em que é admitida a oposição mediante embargos, dado que a amplitude dos fundamentos de oposição varia de acordo com o tipo de título executivo que serve de base à execução, conforme resulta do disposto nos arts. 729.º a 731.º do Cód. Proc. Civil.
Os embargos de executado sobre os quais recaiu a decisão de indeferimento liminar em recurso foram deduzidos por apenso a uma execução para pagamento de quantia certa com forma de processo sumário, prevista nos arts. 550.º, n.º 2, al. a), e 855.º e ss. do Cód. Proc. Civil. Como é referido na decisão recorrida, o título executivo é a sentença homologatória da partilha[1] efetuada entre a aqui exequente/embargada e executado/embargante no processo de inventário que correu termos no Cartório Notarial da Notária CC, tendo sido junta certidão extraída do referido processo de inventário contendo cópia certificada dos seguintes atos praticados no referido processo de inventário: - Auto de compromisso de honra e declarações de cabeça de casal prestadas em 26 de outubro de 2015; - Relação de bens apresentada pelo cabeça de casal (aqui executado) alterada e aditada de acordo com a decisão proferida a 23-10-2019; - Ata da conferência de interessados realizada em 23-04-2021; - Mapa de partilha datado de 08-11-2021, do qual resulta, além do mais, que ao interessado AA foram adjudicados bens no valor de € 167.329,68 e à interessada BB foram adjudicados bens cujo valor total ascende a € 5.257,77, pelo que a referida interessada recebe a menos o montante de € 84.926,06, tendo o interessado AA a pagar à interessada BB a quantia de € 84.926,06 de tornas (que não foram reclamadas nos termos do art. 61.º, n.os 1 e 2 do RJPI). - Decisão homologatória da partilha proferida em 06-01-2022 pela M.ma Sr.ª Juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores e Vila do Conde – Juiz 2, com o seguinte teor: No presente processo especial de inventário subsequente a divórcio de que foi requerente AA e requerida BB, foi elaborado o competente mapa, nos termos do qual se procede à partilha dos bens comuns do dissolvido casal, com preenchimento dos respetivos quinhões. Ouvido, o Ministério Público nada opôs aos termos da partilha, conforme antecedente parecer. Uma vez que, atenta a natureza do inventário e dos interesses em questão, se considera que a partilha feita constar do mapa de 08.11.2021 foi feita pela forma legal, observando as adjudicações efetuadas pelos interessados, nos termos do artigo 660 do RJPI (aprovado pela Lei n.0 23/2013, de 05 de março), julgo válido esse ato, homologando-o pela presente sentença (cfr. artigos 2830, no 2, 2840 e 2900, do Cód. de Proc. Civil e 21020 do Código Civil). Custas em partes iguais (art. 5370 do Código de Processo Civil e art. 800 da citada Lei).
A exequibilidade das certidões extraídas dos inventários já se encontrava expressamente prevista no art. 52.º do Cód. Proc. Civil que, na redação emergente da alteração introduzida pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho [2] (art. 78.º da referida Lei), dispunha nos seguintes termos: Artigo 52.º Exequibilidade das certidões extraídas dos inventários 1 - As certidões extraídas dos processos de inventário valem como título executivo, desde que contenham: a) A identificação do inventário pela designação do inventariado e do inventariante; b) A indicação de que o respectivo interessado tem no processo a posição de herdeiro ou legatário; c) O teor da decisão da partilha na parte que se refira ao mesmo interessado, com a menção de que a partilha foi declarada por decisão do conservador ou notário, homologada judicialmente, ou por sentença transitada em julgado; d) A relacionação dos bens que forem apontados, de entre os que tiverem cabido ao requerente. 2 - Se a decisão do conservador ou notário ou a sentença tiverem sido modificadas em recurso e a modificação afectar a quota do interessado, a certidão reproduz a decisão definitiva, na parte respeitante à mesma quota. 3 - Se a certidão for destinada a provar a existência de um crédito, só conterá, além do requisito da alínea a) do n.º 1, o que do processo constar a respeito da aprovação ou reconhecimento do crédito e forma do seu pagamento.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 23/2013, de 5 de março [3], foi revogada a Lei n.º 29/2009, de 29 de junho, e o referido art. 52.º do Cód. Proc. Civil (art. 6.º da referida Lei n.º 23/2013), passando a Exequibilidade das certidões extraídas dos inventários a estar expressamente prevista no art. 20.º, nos seguintes termos: Artigo 20.º Exequibilidade das certidões extraídas dos inventários 1 - As certidões extraídas dos processos de inventário valem como título executivo, desde que contenham: a) A identificação do inventário pela designação do inventariado e do inventariante; c) O teor da decisão da partilha na parte que se refira ao mesmo interessado, com a menção de que a partilha foi declarada por decisão do notário, homologada judicialmente; d) A relacionação dos bens que forem apontados, de entre os que tiverem cabido ao requerente. 2 - Se a decisão do notário tiver sido modificada em recurso e a modificação afetar a quota do interessado, a certidão reproduz a decisão definitiva, na parte respeitante à mesma quota. 3 - Se a certidão for destinada a provar a existência de um crédito, só contém, para além do requisito previsto na alínea a) do n.º 1, o constante do processo a respeito da aprovação ou reconhecimento do crédito e forma do seu pagamento.
Com a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2020, da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, atualmente vigente, a exequibilidade das certidões extraídas dos inventários passou a estar prevista no artigo 1096.º do Cód. Proc. Civil, nos seguintes termos: Artigo 1096.º Exequibilidade das certidões 1 - As certidões extraídas dos processos de inventário valem como título executivo, desde que contenham: a) A identificação do inventário através da designação do inventariado e do inventariante; b) A relacionação dos bens que tiverem cabido ao interessado; c) A indicação de que o interessado tem no processo a posição de herdeiro ou legatário; d) O teor da decisão da partilha na parte que se refira ao interessado, com a menção de que a mesma transitou em julgado ou se encontra pendente de recurso. 2 - A certidão destinada a provar a existência de um crédito deve conter a identificação do inventário e o que consta do processo a respeito da aprovação ou reconhecimento do crédito e da forma do seu pagamento.
Temos, assim, que (como foi entendido na decisão recorrida) o título executivo – junto aos autos através da certidão extraída do processo de inventário notarial com o n.º ... do Cartório Notarial de CC –, é a sentença homologatória da partilha, proferida em 06-01-2022, pelo juiz titular do Juízo de Família e Menores de Vila do Conde - Juiz 2 -, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, encontrando-se prevista a necessidade de prolação de sentença homologatória pelo tribunal nos sucessivos regimes em vigor: no art. 1382.º do anterior Cód. de Processo Civil de 95/96; no art. 60.º do RJPI aprovado pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho; no art. 66.º do RJPI aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de março e, atualmente (por força da entrada em vigor da Lei n.º Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, que aprovou o regime do inventário notarial), no art. 1122.º do Cód. Proc. Civil vigente. Conforme é referido no Ac. do TRC de 07-10-2014, proc. 590-E/2001.C1, «Desde há muito se entende que a sentença homologatória da partilha, enquanto sentença condenatória (i. é, que impõe a alguém determinada responsabilidade, expressa ou tacitamente) [Reportando-se ao n.º 1 do art.º 46º do CPC de 1939, Alberto dos Reis ensinava que “ao atribuir eficácia executiva às ´sentenças de condenação`, o Código quis abranger nesta designação todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente impõe a alguém determinada responsabilidade” [Processo de Execução, Vol. 1º, cit., pág. 127] constituirá título executivo (…)», sendo que «(…) a certidão extraída do inventário constitui, fundamentalmente, prova da emissão da sentença homologatória da partilha (art.º 1382º, n.º 1), assim equiparada às sentenças condenatórias. [Vide J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 106 e seguinte.]». Deste modo, tendo a execução como título executivo uma sentença judicial (sentença homologatória da partilha efetuada no inventário notarial), a oposição à execução apenas pode fundar-se nos fundamentos taxativamente previstos no art. 729.º do Cód. Proc. Civil – mais restritos que os fundamentos admissíveis para a oposição a execução fundada em outro título executivo (ver art. 731.º do Cód. Proc. Civil). Dispõe tal Artigo 729.º (Fundamentos da oposição à execução baseada em sentença) do Cód. Proc. Civil nos seguintes termos: Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos. O recorrente/apelante, no requerimento de oposição à execução, não indicou em qual alínea do transcrito art. 729.º do Cód. Proc. Civil enquadra os embargos por si deduzidos. O tribunal a quo, no relatório da decisão recorrida, sumariou os fundamentos dos embargos deduzidos nos seguintes termos: Concluiu a decisão recorrida pela manifesta improcedência dos embargos, por o invocado pelo embargante como fundamento dos mesmos – exigência pela exequente do cumprimento da obrigação, a cargo do executado, de pagamento das tornas sem cumprir a obrigação a seu cargo de entrega do imóvel descrito na verba n.º 34, que lhe foi adjudicado no âmbito do mesmo processo de inventário no qual é devedor de tornas à exequente – não configurar qualquer inexigibilidade da obrigação, o que está correto. Veja-se que, inclusive, pode ser reclamado pelo credor de tornas o seu pagamento ainda no âmbito do processo de inventário; não sendo reclamado o seu pagamento, as tornas vencem juros legais desde a data da sentença homologatória da partilha (ver arts. 61.º e 62.º do RJPI aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de Março; arts. 1121.º e 1122.º do Cód. Proc. Civil vigente, no âmbito do Regime do Inventário Notarial aprovado pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro). Nada há, assim, a censurar à decisão recorrida quando decide ser manifesta a improcedência da factualidade alegada pelo embargante enquanto fundamento da inexigibilidade da obrigação exequenda. Defende ainda o apelante ser uma solução plausível de direito a sua defesa face à execução com o fundamento de que a exequente atua em abuso de direito, nos termos do art. 334.º do Cód. Civil, ao exigir do executado o cumprimento da obrigação de pagamento de tornas sem cumprir a obrigação de entrega do imóvel descrito no n.º 34 da relação de bens, que no mesmo processo de inventário foi adjudicado ao executado. O direito da exequente ao pagamento das tornas está definido e afirmado na sentença homologatória da partilha, recaindo sobre o aqui embargante (uma vez que o seu pagamento não foi reclamado no processo de inventário) a obrigação de pagar tais tornas, com juros vencidos desde a data da sentença homologatória da partilha – tal é o regime legal aplicável quer no âmbito do RJPI aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de março (art. 62.º, n.º 4), quer no âmbito do Regime do Inventário Notarial atualmente vigente (art. 1122.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil). A definição do direito exequendo – quer quanto a capital, quer quanto a juros – decorre do título executivo, sendo a instauração da execução indiferente à constituição do direito ao pagamento dos juros de mora. O que o apelante alegou como fundamento dos embargos é que o facto de a exequente ter lançado mão da ação de cumprimento, na modalidade executiva (art. 817.º do Cód. Cívil) é abusivo porque a mesma não cumpriu voluntariamente a obrigação de entrega de um imóvel que lhe foi adjudicado. Afigura-se-nos, deste modo, que os factos invocados como fundamento do pretenso abuso são insuscetíveis de constituírem factos extintivos ou modificativos da obrigação de pagamento do montante de € 84.926,06 de tornas e juros vencidos desde a data da sentença homologatória da partilha. A instauração da execução sem o cumprimento pela exequente da obrigação de entrega ao executado de um dos bens imóveis que lhe foi adjudicado não integra facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda. Atenta a factualidade alegada, o pretenso abuso de direito respeitaria, quando muito, ao direito à instauração da ação executiva (abuso do direito de ação), mas tal não se enquadra na al. g) do art. 729.º do Cód. Proc. Civil, nem se nos afigura que haja qualquer abuso de direito na instauração da execução por a exequente não proceder à entrega – cumprimento (voluntário) da obrigação – de um dos imóveis adjudicados ao executado. Constituindo o abuso de direito «(…) um instrumento destinado a combater o exercício de direitos ou faculdades jurídicas num quadro formalmente irrepreensível mas substancialmente infundado em virtude desse exercício exceder, ostensivamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito ou faculdades jurídica. (…)» - Ac. do TRP de 10-01-2022, proc. 2756/20.5T8AGD-B.P1 –, o mesmo impede o exercício do direito em causa quando for de concluir que, face às concretas circunstâncias do caso, o titular desse direito excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, conforme resulta do disposto no art. 334.º do Cód. Civil. Conforme é referido no Ac. do STJ de 17-05-2017, proc. 309/07.2TBLMG.C1.S1, «(…) a existência ou não de abuso do direito afere-se a partir de três conceitos: (i) a boa fé; (ii) os bons costumes; e (iii) o fim social ou económico do direito; porém, o exercício do direito só é abusivo quando o excesso cometido for manifesto. (…)». A atuação da exequente, ao instaurar a execução para obter o pagamento coercivo das tornas de que é credora e – de acordo com o alegado pelo executado/embargante – ao não cumprir a obrigação de entrega de um dos imóveis que lhe foi adjudicado, não é suficiente para se afirmar a violação manifesta da boa fé, dos bons costumes nem do fim económico e social do direito em causa (que é o direito de ação). A exequente teve que lançar mão da ação executiva para obter o cumprimento coercivo, pelo executado, da obrigação de pagamento de tornas, que o mesmo não cumpriu voluntariamente. O executado/embargante, de igual modo, dispõe do direito de ação executiva para obter, por sua vez, o cumprimento coercivo da obrigação que recai sobre a aqui exequente de proceder à entrega do imóvel que lhe foi adjudicado, face ao seu alegado incumprimento. Não há qualquer excesso manifesto na instauração da execução pela exequente sem ter procedido, anteriormente, ao cumprimento voluntário da obrigação de entrega de um dos imóveis adjudicados ao executado, desde logo porque a obrigação de pagamento de tornas a cargo do executado respeita à adjudicação a este de diversos outros bens, além do imóvel em causa (que lhe foi adjudicado por € 110.800,00). Com efeito, ao executado foram adjudicados bens no valor total de € 167.329,68 e à exequente foram adjudicados bens no valor total de € 5.257,77, quando o mesmo tinha direito a receber € 82.403,62 e a exequente tinha direito a receber € 90.183,83. Um verdadeiro abuso (embora não de um direito, porque tal direito não existe) seria admitir que o executado pudesse obter a extinção da execução intentada pela exequente com fundamento na falta de cumprimento voluntário pela mesma da obrigação de entrega de imóvel, quando o mesmo dispõe do direito de ação para obter tal cumprimento coercivo. O mesmo é dizer que não há solução plausível de direito passível de configurar a factualidade alegada nos embargos de executado nos quadros do abuso de direito previsto no art. 334.º do Cód. Civil (ou, dito de outro modo, a matéria em apreço, diferentemente do defendido pelo apelante, é insuscetível, em abstrato, de se subsumir à figura do abuso de direito), pelo que é de confirmar a decisão a primeira instância de indeferimento liminar dos embargos de executado, por manifestamente improcedentes.
Quanto à demais argumentação expendida nas alegações de recurso, a mesma é insuscetível de constituir fundamento para a revogação da decisão recorrida, não cabendo a este tribunal apreciar argumentos, mas sim questões – assim, Ac. do STJ de 15-02-2023, proc. 1160/20.0T8BRR.L1.S2 –, as quais já foram apreciadas. A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Cus. Proc.). A responsabilidade pelas custas (da causa e da apelação) cabe ao apelante, por ter ficado vencido (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
IV – Dispositivo:
Pelo exposto, na improcedência da apelação, acorda-se em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante. * Notifique. |