Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2196/20.6T8LOU-B.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
PRESCRIÇÃO
JUROS DE MORA
FACTORES DE INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RP202207132196/20.6T8LOU-B.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As prestações fixadas no contrato de mútuo para reembolso do capital mutuado, juros remuneratórios e encargos encontram-se sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos consagrado na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
II - O prazo de prescrição a que o crédito se encontrava subordinado não se altera com a perda do benefício do prazo pelo devedor.
III - O prazo de prescrição conta-se a partir do vencimento da prestação respectiva, independentemente de esse vencimento ocorrer no momento programado ou de forma antecipada.
IV - O prazo de prescrição de cinco anos é igualmente aplicável aos juros de mora.
V - O tribunal não pode conhecer de factores de interrupção da prescrição que não foram alegados na contestação aos embargos, na qual, em resposta à excepção da prescrição, cabia à embargada o ónus de alegar todas as circunstâncias impeditivas da prescrição, sob pena de ficar precludida a sua arguição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2021:2196.20.6T8LOU.B.P2
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
O Banco 1..., S.A. instaurou execução para pagamento de quantia certa contra AA, BB e CC, apresentando como título executivo um contrato de mútuo em que é mutuário o 2º executado e são fiadores os restantes executados.
No requerimento executivo alegou que através do aludido contrato de 13.08.2004 concedeu um empréstimo no montante de €67.500,00, que o mutuário deixou de pagar as prestações a partir de 13.01.2010, que o imóvel hipotecado em garantia do crédito foi adjudicado à exequente pelo valor de € 51.000,00 em Junho de 2014 numa execução movida por terceiro, estando em dívida, à data de 07.08.2020, a quantia global de €30.467,53, correspondendo ao capital de €13.197,79, acrescido de juros de 13.01.2010 a 07.08.2020, no valor de €15.757,87, e comissões de €1.511,87.
Em virtude do falecimento da executada CC, foram habilitados para com eles, em substituição da executada falecida, prosseguirem os termos da execução apensa, AA, DD, EE e FF.
O executado AA, por si e em representação dos demais habilitados, veio, por apenso à execução, deduzir embargos de executado, requerendo a extinção da execução contra os embargantes, alegando/peticionado, em síntese, o seguinte:
1- A prescrição do direito de crédito exequendo, uma vez que o incumprimento e o vencimento antecipado datam de 2010 e a presente execução apenas foi instaurada em 2020, sendo de 5 anos o prazo de prescrição.
2- A prescrição dos juros de mora vencidos há mais de 5 anos.
3- A inexigibilidade da obrigação exequenda aos embargantes, enquanto meros fiadores do contrato de mútuo, uma vez que, por um lado, não ocorreu a perda do benefício do prazo relativamente aos mesmos, os quais não foram interpelados para pagar a dívida vencida, e, por outro lado, é abusiva a actuação da exequente, ao demandar os embargantes mais de 10 anos depois do incumprimento e 6 anos depois da adjudicação do imóvel hipotecado.
4- A extinção da fiança, uma vez que a exequente não deu a possibilidade aos fiadores de pagarem a dívida, enquanto a sub-rogação lhes permitia adquirir a garantia hipotecária.
5- A falta de liquidação no requerimento executivo quanto aos valores peticionados a título de juros de mora e comissões.
A embargada contestou, impugnando de facto e de direito a alegação dos embargantes e alegando basicamente o seguinte:
1- Quanto se iniciou o incumprimento, em 2009, os fiadores foram informados por carta e para procederem ao pagamento dos valores vencidos até então;
2- Em 28.10.2010, no âmbito de um outro proc. executivo movido por terceiro contra o mutuário, foi penhorado o imóvel hipotecado em garantia do mútuo exequendo, tendo a exequente sido citada para reclamar o seu crédito, o que fez em 18.11.2010, vindo o imóvel a ser aí vendido e adjudicado à exequente, em 18.06.2014, pelo preço de €51.000,00;
3- Após cálculo da dívida actualizado, os fiadores foram interpelados por carta, em 19.02.2015, para procederem ao pagamento do valor em falta, tendo os fiadores apresentado proposta de pagamento em prestações, sem revelarem desconhecimento da dívida e da venda do imóvel;
4- O prazo de prescrição do direito de crédito exequendo é de 20 anos, uma vez que se verificou o vencimento antecipado do capital vincendo, sendo certo que este não inclui os juros remuneratórios associados às prestações, não se aplicando, pois, o prazo de 5 anos previsto para a amortização do capital com juros;
5- O prazo de prescrição interrompeu-se com a reclamação do crédito apresentada no âmbito do proc. executivo onde o imóvel hipotecado acabou por ser vendido;
6- Os fiadores renunciaram ao benefício do prazo, conforme resulta do contrato, nas alíneas a) e b) da cláusula 14ª do documento complementar da escritura pública do mútuo, onde se refere o direito de a exequente considerar o vencimento antecipado do mútuo em caso de venda do imóvel hipotecado e incumprimento de alguma obrigação contratual, sem necessidade de aviso;
7- Não é possível aos fiadores fazerem o pagamento das prestações do mútuo como se este ainda estivesse em vigor, tanto mais que já foi vendido o imóvel hipotecado e imputado o valor da venda na dívida;
8- Não existe abuso de direito da exequente, pois esta limitou-se a aguardar a venda do imóvel hipotecado, de modo a verificar o valor que ficaria em dívida, até na perspectiva de evitar executar os fiadores, sendo que estes vieram, inclusive, a apresentar uma proposta de pagamento faseado;
9- A quantia exequenda mostra-se discriminada no requerimento executivo.
Findos os articulados, o Mmo. Juiz a quo conheceu do mérito e julgou os embargos procedentes quanto à inexigibilidade imediata da dívida relativamente aos fiadores do contrato de mútuo exequendo, determinando a extinção da execução quanto aos executados AA e CC (representada pelos seus sucessores habilitados).
A embargada interpôs recurso de apelação desta decisão e na sequência disso por esta Relação foi proferido Acórdão a julgar o recurso parcialmente procedente e a decidir o seguinte:
I- Julgar os embargos improcedentes quanto à perda do benefício do prazo, considerando-se que tal perda abrangeu também os fiadores/embargantes.
II- Julgar os embargos procedentes quanto à não responsabilidade dos fiadores/embargantes por juros de mora vencidos antes da sua citação para a execução, consideram-se que os mesmos não lhe podem ser exigidos.
III- No mais, determinar o prosseguimento dos embargos para liquidação, nos termos acima expostos, do capital em dívida, juros de mora desde a citação dos executados e comissões, convidando-se previamente a exequente/embargada a explicitar os factores e a fórmula de cálculo das verbas de capital liquidadas no requerimento executivo, apreciando-se oportunamente as questões julgadas prejudicadas.
Regressados os autos à 1.ª instância, foi cumprido o determinado e a seguir proferida sentença, na qual se decidiu julgar procedentes os embargos de executado e declarar extinta a execução quanto aos embargantes por se mostrar prescrito o crédito exequendo em relação a estes.
Do assim decidido interpôs recurso a exequente, a qual terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto do Saneador-Sentença que julgou procedentes os Embargos deduzidos pelo Executado AA, por si e em representação dos executados/habilitados DD, EE e FF e, em consequência, determinou a extinção da execução quanto aos mesmos, com fundamento na prescrição da quantia exequenda.
2. O Banco 1..., S.A. deu entrada da presente acção executiva tendo dado como título executivo um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, para garantida do qual foi constituída uma hipoteca voluntária sobre a fracção autónoma designada pela letra “U” do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º ..., da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., o qual veio a ser adjudicado à Exequente Banco 1..., S.A., em Junho de 2014, pelo valor de € 51.000,00.
3. O contrato de mútuo com hipoteca e fiança apresenta uma situação de incumprimento desde Janeiro de 2010, encontrando-se o valor em dívida, à data de 7 de Agosto de 2020, da quantia de € 30.467,53.
4. O Executado AA, por si e em representação dos sucessores habilitados, deduziu oposição à execução mediante Embargos onde, entre outros fundamentos, invocou a inexigibilidade da obrigação exequenda por falta da perda do benefício do prazo.
5. O Douto Tribunal a quo, entendendo que já dispunha de todos os elementos necessários, proferiu saneador-sentença, considerando que não se verificou quanto aos Embargantes, na qualidade de fiadores, a perda do benefício do prazo e, como tal, determinou a extinção da execução quanto aos mesmos.
6. A Exequente Banco 1..., S.A. apresentou recurso de apelação, o qual veio a ser julgado procedente, tendo entendido o Tribunal da Relação que os fiadores perderam o benefício do prazo após a alienação do bem imóvel hipotecado.
7. O Tribunal a quo proferiu agora novo despacho saneador-sentença, julgando procedentes os embargos apresentados, por via da prescrição do crédito exequendo, absolvendo os Embargantes do pedido executivo, com o qual não se concorda.
8. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 18 de Novembro de 2021, entendeu que, face à venda forçada do bem imóvel hipotecado e consequente vencimento antecipado da totalidade da dívida, os embargantes fiadores perderam o benefício do prazo de amortização do remanescente da dívida.
9. O Tribunal a quo entende que o prazo de prescrição aplicável ao caso em apreço é de cinco anos quanto a capital e a juros, sendo aplicáveis as alíneas d) (quanto a juros) e e) (quanto a capital) do artigo 310.º do Código Civil, entendimento com o qual não se concorda, dado que o prazo de prescrição aplicável ao capital é de 20 anos.
10. O contrato de mútuo, nos termos do disposto no artigo 1142.º do Código Civil, é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
11. Da noção civil do contrato de mútuo resulta uma única obrigação para cada uma das partes contraentes, ou seja, para o mutuante, a obrigação de emprestar dinheiro ou outra coisa fungível e, para o mutuário, a obrigação de restituição de outro tanto do mesmo género e qualidade.
12. O facto de se poder contemplar em cada contrato de mútuo uma determinada forma de restituição, seja através de uma única prestação, seja mediante várias prestações, mensais, trimestrais ou semestrais, é uma questão paralela ao contrato.
13. Do contrato de mútuo resulta uma única obrigação principal para os mutuários que consiste na restituição do dinheiro mutuado, in casu, da quantia de € 67.500,00, independentemente da forma de restituição, que pode ser fraccionada e diferida no tempo, sendo que a coisa objecto da obrigação de restituição encontra-se previamente determinada no momento da constituição da obrigação, não obstante a forma e o prazo da sua restituição.
14.“As prestações fraccionadas ou repartidas caem no âmbito da prescrição ordinária de 20 anos prevista no artigo 309.º do Código Civil.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Outubro de 2017.
15. A obrigação a título de capital mutuado é distinta da obrigação a título de juros enquanto remuneração do capital mutuado, pelo que, o capital mutuado, previamente fixado, está sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, enquanto os juros estão sujeitos ao prazo de prescrição de 5 anos.
16. De forma inesperada, os Tribunais têm vindo a reduzir o mútuo bancário a uma soma de quotas amortizáveis que prescreverão quando vencidas, decorrido apenas cinco anos, quando, na verdade, num mútuo bancário, as partes contrataram uma única obrigação, sendo que o valor mutuado é entregue de uma só vez e não em fracções ou quotas, com prazos parcelares de pagamento, tendo sido apenas acordado que o reembolso poderia ser diferido no tempo.
17. A doutrina, em "Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume III, página 47, 1.º, 2.º e 3.º parágrafos do ponto IV.", entende que: (…) o preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310° do C.C. obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios. (…) Na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos (...).”
18. De outro modo não poderia deixar de ser, sob pena de uma manifesta violação do principio da igualdade, na medida que a aplicação da alínea e) do artigo 310.º do CC marginalizaria os empréstimos ou financiamentos bancários quanto à aplicação de um prazo geral e ordinário de prescrição de vinte anos, que continua a aplicar-se a todos os demais empréstimos e que também serve e protege a cobrança da maior parte do tecido empresarial, que nomeadamente facturas de fornecimentos e outras obrigações, aos quais se aplica o prazo geral de 20 anos.
19. O prazo de prescrição aplicável ao capital peticionado nos presentes autos é de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC, o qual não se mostra prescrito.
20. O contrato de mútuo peticionado nos presentes autos se encontra totalmente vencido, quer pelo incumprimento contratual, quer pela venda forçada do bem imóvel hipotecado, face ao teor da Cláusula 14.ª do documento complementar do contrato de mútuo.
21. O contrato de mútuo entrou em incumprimento em Janeiro de 2010 e o bem imóvel hipotecado foi vendido em Junho de 2014 no proc. n.º 9552/09.9TBMAI, tendo sido aqui peticionada a totalidade da dívida face ao vencimento antecipado da mesma.
22. De acordo com a supra referida cláusula 14.ª do documento complementar do contrato de mútuo peticionado, são fundamento de vencimento antecipado da totalidade da dívida, quer o incumprimento contratual, quer a venda, sem acordo da Exequente, do bem imóvel dado em garantia, dado que se trata de uma diminuição das garantias do crédito.
23. O plano de amortização que ficou contemplado no contrato de mútuo, que correspondia ao pagamento de várias prestações mensais, durante o prazo de 40 anos, deixou de estar em vigor face ao vencimento imediato do empréstimo, tendo ocorrido a perda do benefício do prazo de pagamento.
24. O plano de amortização dos empréstimos correspondia ao pagamento de prestações mensais, as quais eram compostas por uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios e, nesta senda, poderíamos admitir a aplicação da al. e) do artigo 310.º do Código Civil.
25. Face ao vencimento antecipado da dívida, o referido plano de pagamentos ficou sem qualquer efeito, deixando de estar em vigor e ficando em divida o valor que foi mutuado a título de capital (deduzido naturalmente aquele que foi pago), acrescido dos juros moratórios.
26. A Exequente Banco 1..., S.A. somente peticionou nos presentes autos o capital em divida (sem contemplar quaisquer juros remuneratórios) e os juros moratórios calculados desde a data do incumprimento, deduzido naturalmente o valor do produto da venda do bem imóvel hipotecado.
27. As fracções são compostas por capital e juros remuneratórios, sendo que, no caso em apreço, não são peticionados os juros remuneratórios, mas apenas o capital e os juros moratórios, encontrando-se desfeito o plano de amortização, por incumprimento dos devedores, e os valores em divida voltaram a assumir a sua natureza original de capital e de juros.
28. A alínea e) do artigo 310.º do Código Civil aplica-se aos casos em que se encontra em vigor o acordado pagamento do capital em prestações com os juros e em que são judicialmente exigidas apenas as prestações vencidas e não pagas, o que não sucede no caso em apreço em que está a ser exigido o pagamento da totalidade do empréstimo.
29. Quanto ao capital peticionado nos presentes autos no valor de € 13.197,79, o qual não contempla outro montante que não seja capital mutuado, somos do entendimento que é aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC.
30. A alínea e) do artigo 310.º do Código Civil refere-se expressamente a quotas de amortização de capital pagáveis com juros, sendo certo que a Exequente Banco 1..., S.A. não está a peticionar as prestações mensais que englobam capital e juros remuneratórios, mas sim a totalidade do capital mutuado em divida e respectivos juros.
31. Ensina Menezes Cordeiro, em Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral – Exercício Jurídico, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, 2015, pp. 212 e 213, que a alínea e) do artigo 310.º do CC se aplica aos casos em que se tenha convencionado que o próprio capital iria sendo pago em prestações, com os juros. No entanto, “numa ocasião pode suceder que, por força do contrato, o não pagamento de uma prestação provoque o vencimento das restantes; pois bem: a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização”.
32. “Se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos” – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Abril de 2016 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de Março de 2017.
33. O contrato de mútuo peticionado nos autos expressamente prevê o vencimento antecipado da divida, perante o não cumprimento de uma prestação e ainda perante a venda do bem imóvel hipotecado, razão pela qual a Exequente considerou vencida totalidade dos empréstimos face ao não cumprimento das prestações mensais e à venda do bem imóvel hipotecado.
34. Ficou sem efeito o plano de pagamentos inicialmente acordado, nomeadamente, do pagamento de prestações mensais compostas por uma parcela de capital e uma parcela de juros, pelo que os valores em divida assumem a sua natureza inicial de capital e de juros, separadamente contemplados.
35. Por todo o exposto, considerando a data do incumprimento de Janeiro de 2010 e a data de venda do bem imóvel hipotecado em 2014, a divida peticionada nos presentes autos a título de capital não se encontra prescrita, uma vez que não decorreu o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, devendo ser revogada a douta sentença em conformidade.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão proferida pelo douto tribunal a quo que declarou a extinção da instância executiva, com todas as consequências, conforme é de Justiça.
Os embargantes responderam a estas alegações de recurso, defendendo a manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i- A que prazo de prescrição se encontra sujeito o crédito exequendo.
ii- Se esse prazo é diferente pelo facto de ter ocorrido o vencimento antecipado de prestações cujo vencimento estava programado para mais tarde.
iii- Se o mesmo prazo se aplica aos juros moratórios.
iv- A partir de que data se conta o prazo.
v- Se o prazo de prescrição se completou.

III. Os factos:
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1. A exequente deduziu execução, na forma ordinária, em 10.08.2020.
2. Alegando o que consta do requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzido.
3. E apresentando, como título executivo, a escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança junta com o requerimento executivo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, outorgada em 13.08.2004, na qual o executado BB figura como segundo outorgante e mutuário, a exequente figura como terceira outorgante e mutuante, e os executados AA e CC figuram como quartos outorgantes e fiadores, contendo as cláusulas constantes de tal documento, com o respectivo documento complementar associado.
Do título da escritura pública constam, além do mais, as seguintes cláusulas:
«Disseram, depois, os segundo e terceiro outorgantes, nas referidas qualidade, que a Banco 1..., S.A., adiante designada apenas por Banco 1... ou credora, concede ao segundo outorgante, adiante designado por parte devedora um empréstimo da quantia de sessenta e sete mil e quinhentos euros, (Regime geral), pelo prazo de quarenta anos, para aquisição da referida fracção, importância de que este se confessa desde já devedor. Tal empréstimo reger-se-á pelas cláusulas da presente escritura e das constantes do documento complementar … »
«Pelos quartos outorgantes foi dito: “Que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores, por tudo quanto venha a ser devido à Banco 1... credora em consequência do empréstimo aqui titulado, dando desde já o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitando que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança. Que conhecem também perfeitamente o conteúdo do referido documento complementar, pelo que se dispensa a sua leitura”
Do documento complementar, também assinado pelos executados embargantes, constam, além do mais, as seguintes cláusulas:
«7.ª (Prazo)
O presente empréstimo vigorará pelo prazo de quarenta anos, a contar de hoje.
8.ª (Pagamento dos juros e do capital)
1- O capital do empréstimo será amortizado em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
2- O montante das prestações será oportunamente comunicado pela credora.
3- No caso de virem a ser alterados o regime da amortização, o prazo de duração do empréstimo ou a taxa de juro, e no caso de a parte devedora proceder antecipadamente ao reembolso parcial do empréstimo a credora fará novo cálculo das prestações a pagar, cujo montante comunicará à parte devedora.
14.ª (Vencimento Antecipado)
A parte credora poderá, sem necessidade de aviso, considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades garantidas e executar a constituída hipoteca:
a) Quando a parte devedora deixe de cumprir qualquer das cláusulas deste contrato, designadamente quando vencida e não paga qualquer das prestações referidas e não haja prorrogação, renovação, reforma ou substituição permitida pela parte credora;
b) Quando o bem ora hipotecado vier a ser objecto de execução, arresto, penhora ou de outra forma de apreensão judicial, alienado, locado, objecto de consignação de rendimentos ou, de algum modo, onerado ou desvalorizado, sem que para tanto haja autorização da parte credora. (…)»
4. As prestações do contrato corporizado pela aludida escritura pública deixaram de ser pagas em 13.01.2010.
5. No âmbito do proc. executivo n.º 9552/09.9TBMAI, em que era exequente S..., S.A. e era executado BB, foi penhorado o imóvel hipotecado referido na acima aludida escritura pública.
6. Vindo, nessa sequência, a ora exequente a, por ofício de 28.10.2010, ser aí citada, na qualidade de titular de hipoteca sobre o imóvel penhorado, para reclamar o seu crédito, conforme ofício junto como doc. 33 da contestação.
7. Nesse seguimento, a ora exequente apresentou nessa outra execução requerimento de reclamação de créditos, com data de 18.11.2010, conforme requerimento junto como doc. 44 da contestação, com o teor que aqui se dá por reproduzido, reclamando o crédito decorrente do mesmo contrato corporizado na acima aludida escritura pública.
8. Considerando a exequente antecipadamente vencidas as prestações vincendas.
9. O imóvel hipotecado referido na escritura foi adjudicado à Banco 1... em 18 de Junho de 2014, no âmbito do proc. executivo n.º 9552/09.9TBMAI, pelo valor de €51.000,00, nos termos do título de transmissão junto como doc. 55 da contestação, com o teor que aqui se dá por reproduzido.
10. No dia 15.07.2009, a exequente dirigiu aos executados AA e CC, que receberam, o escrito junto como doc. 22 da contestação, cujo teor se dá por reproduzido.
«Dada a situação de incumprimento do empréstimo referido, no valor de 956,70€, que corresponde a 3 prestações em atraso e na qualidade de fiador(a) do mesmo, informamos que o proc. foi transferido para esta Direcção de Recuperação.
A fim de procedermos à sua regularização, solicitamos que no prazo máximo de 8 dias a contar da data de recepção da presente carta proceda à liquidação integral das verbas em atraso ou, sendo impossível, nos apresente uma solução viável para ambas as partes e aplicável ao empréstimo em assunto, nomeadamente plano de pagamento, alargamento do prazo, alteração de regime ou diferimento da dívida, por forma e evitar a cobrança judicial, custos diversos e despesas de Tribunal
11. No dia 19.02.2015, a exequente dirigiu aos executados AA e CC, que receberam, o escrito junto como doc. 66 da contestação, cujo teor se dá por reproduzido.
«Empréstimos em atraso nº PT ...
Mutuários: BB
Assunto: Remessa de proc. ao Tribunal
Ex.mos Senhores:
A Banco 1..., minha constituinte, solicitou-me a instauração de execução judicial para cobrança coerciva do remanescente da dívida dos empréstimos em epígrafe após a venda judicial do imóvel dado de hipoteca. Admito, todavia, que V. Exas. possam, na qualidade de fiadores e principais pagadores, evitar a cobrança contenciosa desde que liquidem a referida dívida ou me apresentem um plano de recuperação que mereça a aquiescência da Banco 1.... Assim, permito-me a convidar V. Exa a apresentar tal plano ou a liquidar a dita dívida no prazo de 10 dias (contados da recepção desta carta) sob pena de sem mais aviso proceder à instauração de acção judicial no tribunal competente, com penhora de bens e rendimentos pertencentes a V. Exas.»
12. Em 23.02.2015, os executados AA e CC remeteram à exequente o escrito junto como doc. 77 da contestação, com o teor que aqui se dá por reproduzido.
«(…), vimos, por este meio, em resposta à notificação de V. Exas. solicitar que nos seja possível pagar a dívida em prestações mensais máximas de 150,00€, uma vez que vivemos somente de uma reforma e ainda estamos a pagar a nossa habitação, não nos sendo possível pagar mais que essa importância.»
13. A quantia exequenda nos autos principais decompõe-se da seguinte forma:
- O mútuo concedido aos executados foi no montante de €67.500,00.
- O imóvel hipotecado para garantia do crédito foi adjudicado à exequente pela quantia de €51.000,00.
- À data da adjudicação o crédito exequendo ascendia a €77.709,37, sendo €64.592,27 de capital e o restante juros, despesas e comissões.
- O produto da venda do imóvel no montante de €51.000 foi abatido apenas no capital, o qual ficou reduzido a €13.592,27.
- Os fiadores fizeram os seguintes pagamentos por conta da dívida: um pagamento de €94,48 e 6 pagamentos de €150, em 13/03/2015, 13/04/2015, 14/05/2015, 16/06/2015, 16/07/2015, 18/08/2015 e 18/09/2015, respectivamente.
- Estes valores, num total de €994,48, foram aplicados do seguinte modo: €394,48 em capital, o restante em juros comissões e impostos, tendo permanecido em dívida um capital de €13.197,79 e juros vencidos desde 13/01/2010 no montante de €15.757,87.
- A partir de 13/05/2014, data da adjudicação do imóvel, foram contabilizados juros à taxa de 5,396% sobre o capital em dívida.

IV. O mérito do recurso:
Recapitulando os passos do processo, temos que na execução a exequente reclama o pagamento do valor relativo a um contrato de mútuo bancário que celebrou com um dos executados e onde os demais intervieram como fiadores do mutuário.
Segundo a exequente, o mutuário não pagou as prestações devidas nos termos do contrato de mútuo a partir de 13/01/2010 e, posteriormente, na sequência de uma execução instaurada contra ele por um terceiro, ainda em 2010, o bem hipotecado para garantia do crédito da exequente foi penhorado e depois vendido, tendo sido adquirido pela aqui exequente em 2014, tendo esta sido citada e reclamado o seu crédito nessa execução.
Ainda segundo a exequente o valor em dívida à data da instauração da execução compreende €13.197,79 de capital, €15.757,87 de juros de mora de 13/01/2010 a 07/08/2020 e €1.51187 de comissões.
Os executados fiadores opuseram-se à execução sustentando, além do mais, que jamais foram notificados do incumprimento do devedor principal, designadamente para pagarem as prestações do mútuo em substituição do devedor principal, tanto mais que não renunciaram ao benefício do prazo e por isso era necessário para que lhes fosse exigível o pagamento a sua interpelação com indicação do montante da dívida, a data do incumprimento e o prazo de que o fiador dispunha para proceder ao pagamento da quantia em dívida.
Sobre a questão da perda do benefício do prazo, entendeu o Mmo. Juiz a quo que face ao disposto no artigo 782.º do Código Civil, em princípio a perda do benefício do prazo quanto ao mutuário não é extensível aos fiadores, apenas podendo a exequente exigir aos mesmos o pagamento das prestações contratuais que se venceram, de acordo com os prazos de pagamento acordados. Com atenção ao caso em apreço, mais entendeu que a cláusula 14ª do documento complementar da escritura de mútuo não contém uma renúncia dos fiadores ao benefício do prazo.
Interposto recurso dessa decisão, foi suscitada perante esta Relação a questão de saber se os embargantes continuam a beneficiar do prazo estipulado no contrato para o reembolso do mútuo, caso em que podem opor à exequente a inexigibilidade da quantia exequenda.
Acompanhando jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça esta Relação entendeu e decidiu que os embargantes fiadores perderam igualmente o benefício do prazo de amortização do remanescente dos empréstimos ajuizados. Isso decidido e porque entendeu que se mantinha controvertida a matéria da liquidação efectuada pela exequente no requerimento executivo e impugnada pelos embargantes no respeitante ao capital remanescente em dívida, juros de mora e comissões, esta Relação determinou o prosseguimento dos embargos com vista a tal apuramento, a fim de posteriormente serem apreciadas e decididas as demais questões suscitadas pelos embargantes.
Feito esse apuramento (que dispensou a instrução dos embargos porque os executados não impugnaram a liquidação entretanto apresentada pela exequente), o tribunal de 1.ª instância pronunciou-se sobre a excepção da prescrição do direito de crédito, julgando prescrito tal direito, com o fundamento de que o prazo de prescrição do crédito, nos termos das alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil, é de cinco anos, quer no tocante ao capital quer no tocantes aos juros.
A exequente e recorrente discorda desse entendimento, defendendo que o seu direito de crédito se encontra, ao invés, sujeito ao prazo de prescrição ordinária de 20 anos.
É isso que cumpre decidir: o direito de crédito da exequente está sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos [artigo 309.º do Código Civil] ou está sujeito ao prazo curto de prescrição de 5 anos [alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil]?
De seguida, cabe determinar se o prazo de prescrição se altera ocorrendo o vencimento antecipado das prestações fixadas para o reembolso do mútuo e como se conta nesta última hipótese. Após, cabe determinar se no decurso do prazo de prescrição ocorreu algum factor de interrupção da prescrição. Por fim, atendendo às respostas às questões anteriores cabe determinar se (parte ou a totalidade do) crédito se encontra prescrito.
Comecemos pela determinação do prazo de prescrição.
O instituto da prescrição visa dar resposta à preocupação da estabilização das situações jurídicas, de modo a dar às pessoas a segurança e a paz de saberem com antecedência o conteúdo da respectiva esfera jurídica, dando-lhes a oportunidade de fazerem a suas opções de vida, sabendo de antemão quais os direitos que possuem e quais as vinculações jurídicas a que estão sujeitas.
Refere Ana Filipa Morais Antunes, in Estudos de Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III, pág. 39 que a «prescrição justifica-se em homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito, mas, também, em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reacção à inércia do titular do direito, fundada num imperativo de justiça (.). Na verdade, a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados. Não existe, pois, uma só razão justificativa do instituto, nem tão-pouco consensos ao nível doutrinário (.). Os seus principais fundamentos são: i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) o imperativo de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a exigência de promover o exercício oportuno dos direitos
Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág. 380, escreve que «a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição
O artigo 304.º do Código Civil estabelece que uma vez “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”. A prescrição é, portanto, uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor (cf. Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição). A prescrição não extingue o direito de crédito, apenas permite ao devedor recusar o seu cumprimento.
Existem dois tipos de prescrição, cada um com as suas especificidades: a prescrição comum ou extintiva e a prescrição presuntiva.
Pais de Vasconcelos, in loc. cit., pág. 381 e seg., distingue-as deste modo: «Na prescrição comum, o beneficiário só precisa de invocar e demonstrar a inércia do titular do direito no seu exercício durante o tempo fixado na lei. O regime comum da prescrição é neutro em relação ao cumprimento ou incumprimento. A prescrição ocorre, quer o devedor tenha já cumprido, quer não. Se já tiver cumprido, o devedor deixa de ter de invocar e demonstrar o cumprimento, basta-lhe invocar a prescrição: se não tiver cumprido, também a invocação da prescrição lhe permite bloquear a pretensão do credor. A prescrição não extingue o direito nem a vinculação. Apenas confere ao obrigado o poder de recusar o cumprimento. No entanto, se após o decurso do prazo da prescrição houver cumprimento, este é válido e eficaz. O obrigado que, após o decurso do prazo da prescrição, tiver procedido ao cumprimento sem a invocar, não pode repetir a prestação, ainda que não tivesse consciência de que podia beneficiar da prescrição. (…) A natureza e o regime jurídico da prescrição presuntiva são diferentes. Como expressa o artigo 312.º do Código Civil, a prescrição presuntiva funda-se na presunção do cumprimento. Passados os prazos da lei, o devedor pode opor a prescrição à pretensão do credor. Mas esta presunção é ilidível e o credor pode ainda alegar e demonstrar que o devedor não cumpriu. A ratio legis é clara: passado certo tempo sem o credor exigir o cumprimento, presume-se que o devedor já cumpriu. É assim que sucede na normalidade da vida e é da natureza das coisas que assim seja. O credor, por outro lado, fica sujeito que lhe seja oposta a prescrição se tolerar a mora durante mais do que aquele tempo e convém-lhe, por isso, não manter a inércia para além desse limite de tempo.»
Também Calvão da Silva, in A prescrição presuntiva e a armadilha do ónus da prova, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 138.º, n.º 3956, pág. 267 e seg., acentua que «a prescrição presuntiva funda-se na presunção de cumprimento (art. 312.º do Código Civil). Trata-se de uma particular categoria de prescrição breve, a determinar a presunção de pagamento ou cumprimento e não a extinção da prestação debitória. Por isso mesmo, a presunção de cumprimento ou pagamento pelo decurso do prazo pode ser ilidida pelo credor mediante prova em contrário (leia-se, provando o não cumprimento ou não pagamento), embora nos termos restritos e limitados dos arts. 313.º e 314.º do Código Civil – confissão pelo devedor originário ou herdeiro, seja a confissão judicial, seja a confissão extrajudicial por escrito. O que mostra a natureza híbrida ou mista da prescrição presuntiva: não sendo apenas presunção relativa ou presunção iuris tantum, ilidível por todo e qualquer meio de prova em geral admitido em direito (art. 350.º, n.º 2, do Código Civil), não chega todavia a ser presunção absoluta ou presunção iuris et de iure já que ilidível por confissão judicial ou extrajudicial escrita do devedor, o único meio susceptível de provar o contrário, vale dizer, o único meio admitido ao credor para contrariar a presunção de cumprimento, demonstrando o não cumprimento. (…) pode dizer-se que a prescrição propriamente dita é só uma – a prescrição extintiva ou liberatória, a constituir a regra por razões de interesse e ordem pública com a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico. Já a chamada prescrição presuntiva não passa de excepção, sujeita ao regime especial dos arts. 312.º e segs. do Código Civil – prescrição presuntiva que, portanto, não terá aplicação fora dos casos expressamente indicados por normas específicas que a prevejam, a impor, em caso ele dúvida acerca da natureza da prescrição, a regra da prescrição liberatória ou extintiva.»
No âmbito da prescrição extintiva, a lei consagra essencialmente dois prazos de prescrição: o prazo ordinário, de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil) e o prazo curto, de 5 anos (artigo 310.º do Código Civil). O prazo ordinário aplica-se em todas as situações às quais a lei não associe de modo expresso um prazo mais curto, pelo que o prazo ordinário é a regra e o prazo curto a excepção.
O artigo 310.º do Código Civil manda aplicar o prazo de prescrição de cinco anos a créditos de diversa natureza entre os quais se contam, no que interessa à economia dos autos, (alínea d) os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, (alínea e) as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros e (alínea g) quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil: parte geral / [coord. de Luís Carvalho Fernandes, José Brandão Proença] – Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014, página 755, escreve que «A ratio normalmente apontada para a existência destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor. Nas palavras sugestivas de Ana Filipa Morais Antunes (2008: 79), trata-se de “evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” (p. 79). Alguma doutrina italiana encontra outro fundamento para o regime das pensões alimentícias vencidas, a saber, urna “presunção do fim da situação de necessidade do alimentando negligente” (Costantini, 2009: 290).»
O Acórdão desta Relação de 21-03-2022, proc. n.º 22083/20.7T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt, informa-nos que «O Sr. Professor Vaz Serra, em sede de trabalhos preparatórios do Código Civil vigente [..], referia que a teleologia do nº 1, do artigo 543º do Código de Seabra se destinava “a evitar a ruína do devedor, pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas”. Mais adiante, na obra que se acaba se citar [..], referia que com “os juros parece deverem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (Código alemão, § 197º), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros” [..].»
Em função da influência do tempo sobre o seu objecto, é costume distinguir, usando a terminologia de Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 85 e seguintes, entre as prestações instantâneas, as prestações duradouras e as prestações fraccionadas ou repartidas.
As prestações instantâneas são aquelas cujo objecto é realizado num único momento, ou seja, o comportamento exigível do devedor esgota-se num só momento (quae único actu perficiuntur). Ao invés, nas prestações duradouras a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação, ou seja, não só o devedor é chamado a efectuar diversos actos para satisfação do direito de crédito do credor, como a extensão desses actos depende decisivamente do factor tempo.
Dentro das obrigações duradouras distinguem-se ainda as prestações de execução continuada, que são aquelas cujo cumprimento é feito continuamente ao longo do tempo, e as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo que são aquelas que se renovam no fim de períodos temporais consecutivos, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos.
Existem ainda prestações fraccionadas ou repartidas que são aquelas cujo cumprimento se protela no tempo mas em que o facto tempo não tem influência sobre o objecto da prestação mas apenas sobre o modo da sua execução, isto é, o objecto da prestação foi fixado previamente e permanece inalterado ainda que, por acordo das partes, o seu cumprimento deva ser feito ao longo de tempo, em momentos separados dividido em fracções ou parcelas.
A obrigação do mutuário de reembolso do capital mutuado, respectivos juros remuneratórios e encargos, devidos pela celebração de um contrato de mútuo no qual o cumprimento daquela obrigação foi fixado em prestações mensais distribuídas ao longo do prazo contratado para o mútuo, é uma prestação duradoura, fraccionada ou repartida.
Num contrato de mútuo bancário o valor de cada uma das prestações mensais do respectivo reembolso compreende parte do capital, juros e encargos, de modo a que a totalidade das prestações perfaça a totalidade do capital mutuado, dos respectivos juros remuneratórios e demais encargos. Por isso, parece não poder deixar de se entender que o crédito do banco mutuante correspondente a cada uma dessas prestações se encontra compreendido na previsão da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil por se tratar de uma quota de amortização do capital pagável com os juros.
Conforme escreveu Ana Filipa Morais Antunes, in Algumas questões sobre prescrição e caducidade, Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, 2010, página 47:
«[…] o preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios.
[…] na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.
[…] Constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra
Esta posição constitui, alias, jurisprudência reiterada e praticamente uniforme do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, conforme dão conta com grande pormenor os Acórdãos da Relação de Lisboa de 09-09-2021, proc. n.º 139552/18.5YIPRT.L1-2, que faz, como é timbre do seu Relator uma exaustiva e cuidada autópsia da jurisprudência publicada, e desta Relação do Porto de 21-03-2022, já citado, ambos in www.dgsi.pt. Actualizando as citações daqueles, podem citar-se mais recentemente, em linha e reafirmando aquela jurisprudência, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 22-03-2022, proc. n.º 15273/18.4T8SNT-B.L2-7, da Relação do Porto de 04-05-2022, proc. n.º 776/21.1T8LOU-A.P1, e do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2022, proc. n.º 1708/20.0T8GMR.G1.S1, todos in www.dgsi.pt.
Conforme se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-09-2016, proc. n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, www.dgsi.pt, «… no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações. Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição. Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º
Assente que as prestações fixadas no contrato de mútuo para reembolso do capital mutuado, juros remuneratórios e encargos se encontram sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos consagrado na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, o que cabe de seguida decidir é se ocorrendo o vencimento antecipado de prestações cujo prazo de vencimento ocorreria apenas em data futura e pretendendo o credor receber de imediato o valor da totalidade das prestações ainda não pagas, o seu crédito continua sujeito àquele prazo de prescrição ou ao invés passa a estar subordinado ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
A resposta da jurisprudência a essa questão é igualmente praticamente uniforme no sentido de que o prazo de prescrição a que o crédito se encontrava subordinado não se altera com a perda do benefício do prazo pelo devedor. Na verdade, é do nosso conhecimento que no passado dia 30-06-2022 o Supremo Tribunal de Justiça proferiu sobre as matérias em causa nos autos um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência que embora ainda esteja por transitar e publicar (razão pela qual dele aqui apenas se dá notícia), possui o seguinte conteúdo: «I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al.e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas
E de facto não se vê por que razão o prazo de prescrição haveria de se modificar quando a origem e natureza do crédito permanece a mesma e o único aspecto que se alterou foi o do vencimento antecipado das prestações que se venceriam no futuro, o que apenas contende com o vencimento, não com a natureza ou a composição do direito de crédito.
Aliás, mesmo aplicando, como se deve, a posição fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2009, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 25 de Março de 2009, Diário da República, 1.ª série, de 5 de Maio de 2009, nos termos da qual «no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados», as prestações que se vencem antecipadamente não deixam de incorporar juros remuneratórios, estes é que se modificam na proporção directa com a medida do prazo pelo qual o contrato de mútuo esteve em vigor[1].
E como se conta o prazo de prescrição no caso de perda de benefício do prazo e vencimento antecipado das prestações vincendas? A partir da data de vencimento programada ou da data de vencimento antecipada?
A resposta da jurisprudência que se vem citando é igualmente firme e particularmente coincidente: o prazo de prescrição (que, como vimos, continua a ser de cinco anos) conta-se a partir do vencimento da prestação respectiva, independentemente de esse vencimento ocorrer no momento programado ou de forma antecipada.
Nesse sentido, acompanhamos o argumento do Acórdão desta Relação de 21-03-2022, já citado, de que resultaria «incompreensível que em caso de vencimento antecipado das prestações acordadas, tal releve para efeitos de exigibilidade do crédito, mas não releve para efeitos de contagem do prazo prescricional, continuando o plano prestacional a produzir efeitos, sendo certo que para efeitos de início do curso do prazo prescricional, como decorre claramente do nº 1, do artigo 306º do Código Civil, releva o momento em que o direito puder ser exercido. Em termos claramente maioritários a jurisprudência publicada do nosso mais alto tribunal tem seguido a orientação pela qual o Professor Vaz Serra manifestava a sua preferência[..]. De facto, se a teleologia da prescrição quinquenal no caso de prestações fraccionadas de reembolso de capital e juros é a de evitar a acumulação da dívida e a ruína do devedor, essa razão de ser ainda é mais pertinente quando ocorre um vencimento antecipado da totalidade das prestações, ficando sem efeito o plano de amortização convencionado, pois que, nesse momento, o devedor e os seus garantes pessoais vêem-se confrontados com a obrigação de pagar a totalidade das prestações cuja liquidação estava prevista para ocorrer num prazo mais ou menos dilatado, sendo em tal contexto justificada a exigência de uma maior diligência do credor na cobrança do seu crédito».
A regra geral sobre o início do curso (leia-se, da contagem do prazo) da prescrição está fixada no artigo 306.º do Código Civil. Segundo esta norma, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (actioni nondum natae non datur prescriptio). Uma vez que o que justifica a prescrição é a inércia do credor, para o respectivo prazo começar a correr é necessário que o direito de crédito já seja exigível pois só nesse caso se pode censurar a atitude do credor que não exige a satisfação do crédito, apesar de o poder fazer (cf. Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 1983, pág. 448). Logo, havendo vencimento da obrigação, não se vislumbra como defender que não se inicie nesse momento o prazo de prescrição do direito correspondente.
O prazo de prescrição de cinco anos é igualmente aplicável aos juros de mora.
Desde logo, porque a obrigação de juros está expressamente subordinada a esse prazo de prescrição na alínea d) do artigo 310.º do Código Civil, razão pela qual, no caso, quer a obrigação principal de pagamento de capital, juros remuneratórios e encargos, quer a obrigação acessória, sucedânea da mora no cumprimento, do pagamento de juros moratórios, se encontram subordinadas ao mesmo prazo de prescrição.
Idêntica conclusão se alcança partindo da ideia de que uma vez prescrita a obrigação principal a obrigação acessória deixa de poder operar: se o devedor pode recusar o pagamento do capital em dívida com fundamento na prescrição, não devem, naturalmente, poder ser-lhe exigidos juros de mora sobre esse mesmo capital.
Assentes estas conclusões jurídicas, cabe agora verificar quando se iniciou a contagem do prazo de 5 anos e se este prazo se interrompeu em algum momento.
No que concerne ao início da contagem do prazo, recorde-se que estamos apenas a falar das obrigações exigíveis aos fiadores, já que apenas estes embargaram a execução e vieram defender a prescrição do crédito da exequente passível de lhes ser exigido.
Nessa medida, deve ter-se presente que no anterior Acórdão proferido nos autos por este Colectivo de Desembargadores foi entendido e decidido que os fiadores perderam o benefício do prazo, rectius, que a perda do benefício do prazo pelo devedor se estendeu aos fiadores no momento em que o bem hipotecado para garantia do crédito foi alienado a terceiros, ou seja, em 18-06-2014.
Por conseguinte, no que concerne ao crédito exigível dos fiadores, o vencimento da totalidade das prestações ocorreu nessa data, iniciando-se então a contagem do prazo de prescrição de cinco anos a todas as prestações que se venceram nessa data[2].
No que respeita a causas de interrupção da prescrição, os factos apurados revelam que a contagem do prazo se interrompeu de facto em 23-02-2015. Com efeito, nessa data os fiadores embargantes enviaram à exequente uma carta na qual se propõem pagar a dívida em prestações mensais máximas de 150,00€, declaração que consubstancia um reconhecimento da dívida com os efeitos previstos no artigo 325.º do Código Civil.
Contrariamente à interpretação que se faz na sentença recorrida, a passagem do anterior Acórdão que nega valor jurídico a essa carta reporta-se exclusivamente ao «conhecimento do montante e composição da dívida» por parte dos fiadores, não ao seu valor para efeitos de «reconhecimento» da dívida.
O que nessa passagem do Acórdão ali se abordava e decidia era se depois da venda do bem hipotecado e da afectação do respectivo produto à satisfação do contrato de mútuo a credora tinha o dever de proceder à liquidação do crédito e de informar os fiadores dessa liquidação para se poder considerar que os mesmos passavam a estar em mora quanto ao pagamento ainda em falta e a serem responsáveis pelos respectivos juros de mora. A esse respeito, entendeu-se que não resultando das cartas trocadas nem que a exequente tivesse informado os fiadores do montante em dívida e da respectiva composição, nem que estes houvessem revelado terem conhecimento disso, a carta era juridicamente irrelevante para dispensar a aludida liquidação e comunicação que se decidiu ser necessária ainda fazer e determinou que a responsabilidade dos embargantes pelos juros moratórios ficasse logo aí limitada ao período posterior à citação para a execução.
Olhando agora na perspectiva da excepção da prescrição (que ali não foi apreciada), a carta onde os executados se propõem pagar a dívida em prestações mensais constitui efectivamente um reconhecimento tácito do direito de crédito, o que determinou a interrupção da prescrição por aplicação do disposto no artigo 325.º do Código Civil.
Essa interrupção é, no entanto, irrelevante no caso concreto porque a partir dessa data começou a correr novo prazo de cinco anos (artigo 326.º, n.º 1, do Código Civil) e, mesmo descontando o período em que a legislação excepcional para resposta à pandemia COVID-19 suspendeu os prazos de prescrição de direitos que necessitassem de ser exercidos por via judicial (cf. Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, nas suas sucessivas redacções), esse novo prazo completou-se antes de 10-08-2020, data em que foi instaurada a execução.
Curiosamente quando na sequência do anterior Acórdão a exequente foi convidada a fazer a liquidação do seu crédito, ela mencionou outro facto que tem igualmente a natureza de factor de interrupção do prazo de prescrição. Referimo-nos já não à carta onde os embargantes se propunham fazer o pagamento em prestação do crédito da exequente, mas aos vários pagamentos parciais que foram fazendo até 18-09-2015 por conta desse crédito. O pagamento parcial do crédito constitui igualmente um reconhecimento tácito do direito, pelo que cada pagamento parcial efectuado gerou nova interrupção do prazo de prescrição nos termos do artigo 325.º do Código Civil.
Uma vez que o último pagamento parcial teve lugar em 18-09-2015, que a execução foi instaurada em 10-08-2020 e que o prazo de prescrição era de cinco anos, o crédito da exequente não estaria afinal de contas prescrito porque no quinto dia posterior à instauração da execução (data em que se considera interrompida a prescrição nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 323.º, n.º 1 e 2, do Código Civil), não estavam decorridos mais de cinco anos sobre o início da contagem de novo prazo de prescrição após o último pagamento parcial realizado.
Sucede, contudo, que o tribunal não pode conhecer deste factor de interrupção da prescrição uma vez que o mesmo não foi alegado na contestação aos embargos. Com efeito, tendo os embargantes arguido a excepção da prescrição na petição inicial dos embargos, cabia à embargada o ónus de deduzir na contestação dos embargos todas as contra-excepções de que dispunha, ou seja, de alegar todas as circunstâncias impeditivas da prescrição.
A parte que necessita de invocar a prescrição para que esta possa ser conhecida tem de alegar os factos relativos ao decurso do prazo de prescrição, mas já não tem o ónus de alegar e demonstrar que não se verifica qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição. A parte contra a qual a excepção é arguida é que tem o ónus de alegar e demonstrar que, não obstante ter decorrido um período superior ao prazo de prescrição, este não se completou, designadamente por ter ocorrido alguma causa de suspensão e/ou interrupção do prazo.
Essa faculdade tem de ser exercida nos articulados da acção, mais propriamente no articulado destinado à resposta à matéria da excepção, cuja apresentação faz precludir em relação a tal matéria todos os meios de defesa não deduzidos nesse articulado (artigo 573.º do Código de Processo Civil).
Na contestação que apresentou, a exequente alegou a recepção da carta dos embargantes já analisada, mas não alegou que após a mesma os embargantes tivessem efectuado qualquer pagamento parcial por conta do crédito. Apenas agora quando, depois do anterior Acórdão e em cumprimento do mesmo, foi convidada a proceder à liquidação do crédito para efeitos de apuramento do valor passível de ser exigidos dos embargantes, é que a exequente aproveitou para alegar esse facto.
Tratando-se de uma alegação efectuada fora dos articulados da acção, depois de ultrapassada a fase dos articulados e sem que o convite formulado tivesse ou pudesse ter a virtualidade de anular ou reverter as consequências processuais da configuração da defesa à matéria da excepção deduzida no momento oportuno e no articulado próprio, esta alegação não pode ser atendida pelo tribunal, designadamente para efeitos de consideração de uma causa de interrupção da prescrição não alegada em termos processualmente atendíveis.
Nesse pressuposto, podemos, pois, concluir pela prescrição da totalidade do crédito exequendo, designadamente na parte em que o mesmo compreende juros moratórios. O que significa que o recurso improcede, devendo ser confirmada a sentença recorrida.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
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Porto, 13 de Julho de 2022.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 696)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]
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[1] O que se pretende exprimir é o seguinte: se o mutuo tinha sido contratado por 20 anos, as 240 prestações mensais fixadas para o seu reembolso incluíam juros remuneratórios calculados em função desse período de tempo do programa de reembolso; se por força da perda do benefício do prazo o mútuo vem a vigorar apenas durante, por exemplo, 6 anos, as contas do montante das prestações têm de ser refeitas para incluir o capital e juros remuneratórios de apenas 6 anos em vez dos 20 que inicialmente foram considerados, sendo que a partir do momento da extinção do contrato passa a ser exigível pelo credor o montante das prestações recalculado dessa forma e os juros moratórios. Por outras palavras, as prestações continuam a incluir capital e juros, embora que os juros tenham passado a ser menores.
[2] O vencimento antecipado apenas ocorreu em relação às prestações cuja data de vencimento estava programada para data posterior; as prestações cuja data de vencimento era anterior, já se encontravam vencidas. Por isso em relação às prestações vencidas entre 13-01-2010 e 18-06-2014 o prazo de prescrição já se havia iniciado e iria completar-se ao fim de cinco anos, ou seja, em data anterior aquela em que se completariam os cinco anos sobre o vencimento antecipado. Esta distinção não tem, contudo, repercussão no caso porque se trataria sempre de uma data de prescrição anterior àquelas que no texto do Acórdão se está a tentar determinar, razão pela qual se se concluir que as prestações que se venceram em 18-06-2014 estão prescritas estarão necessariamente prescritas as prestações que nesse momento já se encontravam vencidas mas por pagar.