Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7404/16.5T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: ACTOS COMERCIAIS
JUROS DE MORA
JUROS COMERCIAIS
JUROS CIVIS
Nº do Documento: RP201903087404/16.5T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 03/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º691, FLS.16-23)
Área Temática: .
Sumário: I - Em princípio, a qualificação como actos de comércio determina a aplicação das regras de direito comercial, incluindo as normas referentes a juros de mora.
II - Mas, estando em causa uma indemnização por danos e não o pagamento de transacções comerciais, os juros devidos são civis e não comerciais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7404/16.5T8PRT-A.P1
5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
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Acordam os juízes subscritores, no Tribunal da Relação do Porto:
I)
Relatório
B…, S.A., instaurou ação executiva comum, para pagamento de quantia certa, contra C…, S.A., estando ambas as partes melhor identificadas nos autos.
1.1 Na acção executiva a que se reportam os presentes embargos e que tem como título executivo uma decisão judicial condenatória, a exequente reclama da executada o pagamento de valores relativos a juros de mora à taxa legal comercial, a taxa de justiça e a custas de parte, liquidando o valor global que então diz devido em €6.768,29.
Alega no requerimento inicial que, pelo acórdão que foi proferido na acção declarativa, em sede de apreciação de recurso, a executada foi condenada a pagar-lhe a quantia de €56.802,82 acrescida de juros moratórios à taxa legal comercial, a partir de 24 de Fevereiro de 2014 e até integral pagamento. Porém, a executada apenas efectuou o pagamento parcial do valor devido, omitindo parte dos juros devidos. Deve ainda pagar à exequente a taxa de justiça já paga por esta e repor o valor despendido em custas de parte.
1.2 A executada deduziu oposição à execução, nos termos documentados no requerimento inicial dos presentes autos de embargos, onde suscita as seguintes questões:
- A exequente, dolosamente, vem executar uma sentença que não lhe conferiu, em lado nenhum, o direito a exigir juros à taxa legal comercial, litigando em clamorosa má-fé.
- Aproveita ainda a exequente para executar custas de parte que, da mesma forma, não resultam de qualquer das decisões judiciais dos presentes autos bem como das leis aplicáveis.
Afirma que, ficando demonstrado que a exequente agiu culposamente, sem a prudência normal que se impunha, deverá ser condenada, além do mais, em multa nos termos do artigo 858.º, in fine, do Código de Processo Civil.
A executada/embargante conclui afirmando que deve a presente oposição proceder nos termos do disposto no artigo 728.º e seguintes do Código de Processo Civil, extinguindo assim a execução e, consequentemente, levantando-se a penhora efectuada pelo agente de execução, nos termos do artigo 785.º, n.º 6 e demais trâmites legais.
1.3 A exequente contestou, concluindo que a oposição à execução deve ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências.
1.4 No prosseguimento do processo foi proferido saneador/sentença, onde se explicitaram nos seguintes termos as questões a analisar e a decidir:
«No âmbito dos presentes autos impõe-se analisar e decidir (i) se os juros fixados na sentença dada à execução deverão ser liquidados à taxa civil ou comercial; (ii) se a exequente tem direito às custas de parte reclamadas no requerimento executivo; (iii) se a exequente litigou de má-fé; e, finalmente, (iv) se a exequente deverá ser condenada nos termos do artigo 858º, do Código de Processo Civil.»
Pelas razões aí enunciadas em sede de fundamentação, concluiu-se proferindo decisão nos seguintes termos:
«Em face de todo o exposto, decide-se julgar improcedente, por não provada, a oposição à execução por embargos de executado apresentada pela executada C…, S.A., determinando-se, em consequência, o prosseguimento da respetiva execução intentada pela exequente B…, S.A..
Custas (…)».
2.1 A executada/embargante, C…, S.A., não se conformando com a decisão proferida, veio interpor o recurso que aqui se aprecia, concluindo nos seguintes termos:
«1 - Sendo inequívoco, nos presentes autos, que a sentença, objecto de execução, nada refere quanto a condenação de juros à taxa legal comercial e, sobretudo, que na acção declarativa intentada pela autora exequente nunca esta “evidenciou expressamente” que peticionava a taxa de juros legais comerciais, não restam dúvidas que o tribunal a quo errou ao decidir como decidiu;
2 - Porquanto a executada recorrente apenas veio a ser condenada a pagar uma indemnização, fixada nos termos da sentença em apreço, de acordo com as regras da responsabilidade civil e não por força de qualquer acto de comércio resultante de transacção comercial;
3 - Não se lhe aplicando, salvo melhor entendimento, o Código Comercial mas as regras previstas em matéria de responsabilidade civil previstas no Código Civil;
4 - Não tratando a matéria dos autos de outra coisa senão a aferição e julgamento de matéria de pura responsabilidade civil e consequente obrigação de indemnização, não estando em jogo qualquer contrato ou relação comercial entre autora (exequente) e ré (executada);
5 - De acordo com este entendimento, ainda que se admita discutir, em sede de responsabilidade contratual, a questão de fundo, sobre se determinado crédito (in casu uma indemnização) está sujeito às taxas de juros civis ou às taxas de juros comerciais, no caso de indemnização por danos (emergentes ou lucros cessantes), os juros devidos são os civis, porquanto não está verdadeiramente em causa o pagamento decorrente de transacções comerciais, ainda que quer a exequente quer a executada sejam sociedades comerciais;
6 - Destarte, entende a executada recorrente ter procedido ao pagamento integral do valor a que foi condenada, acrescido dos juros à taxa legal civil, encontrando-se, desde a data do referido pagamento, cumprida na íntegra o decidido judicialmente, nada devendo assim, a este título, à exequente recorrida.
7 - Assim como foi incauta a exequente recorrida ao requerer a execução de sentença em matéria de custas de parte que, comprovadamente, foram pagas pela executada;
8 - Acresce que com toda esta conduta, a exequente e o seu mandatário incorreram em litigância de má-fé, senão dolosa pelo menos temerária;
9 - Ao deduzir pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, fazendo ainda um uso reprovável do processo [artigo 542.º, n.º 2, alíneas a) e c) do CPC].
10 - Não tendo a questão em apreço sido debatida, discutida nos autos, inexistindo qualquer contraditório sobre a matéria no processo declarativo, atendendo ao facto de a exequente recorrida não ter peticionado a aplicação da referida taxa legal comercial, esta não actuou com a prudência normal que lhe era devida;
11 - Ao decidir como decidiu, o Mmo. Juiz a quo fez, assim, errada interpretação do disposto nos artigos 236.º n.º 1, 238.º, n.º 1, 559.º, n.º 1 do Código Civil, artigo 102.º, 3.º do Código Comercial e 858.º do CPC.»
Termina afirmando que deverá revogar-se a sentença recorrida e, em consequência, deverá ser proferido acórdão determinando a extinção do processo executivo, assim se fazendo inteira Justiça.
2.2 A exequente/recorrida, B…, S.A., veio responder.
Nas respectivas contra-alegações, termina afirmando que o presente recurso deve ser julgado improcedente, sendo confirmada a sentença recorrida, tudo em obediência à Lei, e assim se fazendo inteira Justiça.
3. Na ausência de fundamento que obste ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões formuladas pela recorrente definem a matéria que é objeto de recurso e que cabe aqui apreciar, o que, no caso dos autos, se traduz nas seguintes questões essenciais:
■ Os juros de mora a considerar, determinando se deverão ser liquidados à taxa civil ou à taxa comercial.
■ O alegado pagamento, pela executada, das custas de parte.
■ A alegada litigância de má-fé da exequente e a sua condenação nos termos do artigo 858.º do Código de Processo Civil.
II)
Fundamentação
1. Na apreciação do recurso, além do que se deixou sumariamente mencionado no relatório que antecede, importa considerar os seguintes factos, que se julgaram provados no saneador/sentença que é objecto de recurso:
«V – FACTOS ASSENTES
Com relevância para a decisão da causa, tendo por base o teor dos documentos a seguir mencionados, considera-se assente a seguinte factualidade:
1 - A exequente B…, S.A., intentou contra a executada C…, S.A., a acção executiva de que estes autos são apenso, dando à execução a sentença e a nota discriminativa de custas de parte, apresentadas com o requerimento executivo com a Ref.ª 22201561, das quais se encontram cópias digitalizadas no histórico electrónico do respectivo processo executivo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
2 - Na acção declarativa n.º 9669/11.0TBVNG, que correu os seus termos pelo Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, J2, em 24/02/2014, foi proferida sentença cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, decidindo-se na sua parte dispositiva:
Nos termos e fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
- condeno a chamada C…, S.A. a pagar à autora, B…, S.A. a quantia de €46.302,92 (quarenta e seis mil trezentos e dois euros e noventa e dois cêntimos), acrescida de juros desde a presente data, até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado;
- absolvo a ré C1…, S.A. do pedido contra si deduzido.
Custas por autora e ré C… na proporção do respectivo decaimento”;
3 - A referida sentença foi objecto de recurso interposto por ambas as partes, tendo no âmbito do mesmo sido apresentadas as alegações e contra-alegações constantes de fls. 79 a 111 (Ref.ª 16422815), 127 a 149 (Ref.ª 16490056) e 151 a 166 (Ref.ª 16960572), o que tudo aqui se dá por integralmente reproduzido;
4 - No âmbito do referido recurso, em 23/06/2015, foi proferido acórdão, em cuja parte dispositiva foi consignado o seguinte:
Por todo o exposto, nos presentes autos de apelação, Acordam os Juízes que compõem esta Secção Cível do Tribunal Da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente a apelação da A. B…, S.A., condenando a interveniente C… a pagar àquela o montante de €56.802,92, acrescida dos juros de mora fixados na sentença recorrida, mais de julgando improcedente a apelação da C…, S.A.
Custas da apelação da Autora a cargo desta e das Rés, na proporção do decaimento.
Custas da apelação da Ré a cargo desta”;
5 - A exequente apresentou na referida acção declarativa a sua nota discriminativa de custas de parte, reclamando da executada o pagamento da quantia de €3.689,21, não tendo a mesma sido objecto de qualquer reclamação.».
2. Os juros de mora a considerar, determinando se deverão ser liquidados à taxa civil ou à taxa comercial.
Os juros de mora reportam-se a valores a pagar pelo atraso no cumprimento de obrigações, particularmente obrigações pecuniárias. O incumprimento nos prazos estabelecidos determina a mora, com a consequente acumulação de novos valores, segundo taxas legalmente estabelecidas.
No denominado juro civil, o artigo 806.º do Código Civil estabelece que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, sendo devidos os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal. Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano (artigo 559.º do Código Civil).
Ascendem a 4%, agora e desde 1 de Maio de 2003, por efeitos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Em sede de direito comercial e no âmbito dos actos de comércio, há lugar ao decurso e contagem de juros em todos aqueles em que for de convenção ou direito vencerem-se e mais casos especiais fixados no Código Comercial; aqui, os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano – artigo 102.º do Código Comercial.
Ascendiam a 7,15% e 8,15%, em Fevereiro de 2014, por efeitos da Aviso n.º 1019/2014, de 24 de Janeiro e a 7% e 8% em 24 de Março de 2016 (data em que foi instaurada a acção executiva), mantendo-se actualmente estas taxas (Aviso n.º 9939/2018, de 26 de Julho).
O artigo 2.º deste diploma legal define como actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados nesse Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar.
Assim, em princípio, a qualificação como actos de comércio determina a aplicação das regras de direito comercial, incluindo as normas referentes a juros de mora.
Entretanto, importa salientar que a qualificação em causa não é propriamente uma questão a apreciar e a fazer operar agora, em sede de execução, mas antes matéria discutida na acção
declarativa e que aí deve ser definida, na sentença proferida e que constitui o título executivo. Na verdade, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
Impõe-se então ver o que resulta desses elementos relevantes, especificamente e como pretende a executada/recorrente, se operam os juros civis ou se, como pretende a exequente, nas decisões que constituem título executivo se determinou o pagamento de juros de mora de natureza comercial.
No caso dos autos e no processo e decisões que estão na origem do presente procedimento (processo 9669/11.0TBVNG, cuja cópia da sentença proferida em primeira instância faz fls. 7 verso e seguintes e do acórdão proferido em apreciação de recurso faz fls. 169 e seguintes), não há uma referência explícita à qualificação dos juros (juros civis ou juros comerciais).
Na petição inicial desse processo (9669/11.0TBVNG), a aí autora, B…, S.A., demanda a C1…, S.A., com a ulterior intervenção principal provocada, enquanto distribuidora da electricidade, da C…, S.A., alegando, em síntese, que celebrou com aquela ré (C1…, S.A.) um contrato de fornecimento de energia eléctrica para alimentar a respectiva indústria; a ré instalou então um posto de transformação de energia de Média Tensão, obrigando-se para com a autora a fornecer-lhe a energia necessária para esta exercer a sua actividade, em regime de laboração contínua, mantendo-se a unidade produtiva em laboração vinte e quatro horas por dia, para o que necessita que o fornecimento de energia eléctrica seja efectuado de modo contínuo. Entretanto, ocorreu uma interrupção do fornecimento de energia eléctrica, por parte da ré à autora, sem qualquer justificação para o sucedido, no intervalo entre as 4.00 horas e as 12.00 horas, aproximadamente, no dia 20 de Outubro de 2010, daí resultando prejuízos, que a autora descreve e quantifica.
A autora afirma aí que houve incumprimento do contrato de fornecimento de electricidade, por parte da ré, devendo esta indemnizar a autora pelos prejuízos sofridos, reclamando valores de indemnização, bem como juros de mora sobre tais valores, “à taxa legal” (cf. parágrafos 85.º e 106.º da petição inicial). Termina pedindo a condenação da ré (C1…, S.A.) no pagamento dos valores que menciona, bem como a pagar à autora juros, à taxa legal, sobre as quantias em dívida desde a data da citação para a presente acção e vincendos até integral e efectivo pagamento.
Contestaram a ré e a interveniente principal, refutando as razões enunciadas pela aí autora e pretendendo que a mesma já se encontrava “indemnizada no âmbito do Regulamento de Qualidade de Serviço aplicável, o que significa o mesmo que dizer no âmbito da responsabilidade contratual, nada mais tendo do distribuidor por força das interrupções de fornecimento de energia eléctrica ocorridas em 2010”.
Na sentença aí proferida considera-se que a acção assenta em responsabilidade contratual, fonte de responsabilização que exige a falta de cumprimento das obrigações emergentes de contratos e que a ilicitude, no domínio da responsabilidade contratual, resulta da desconformidade entre a conduta devida (prestação debitória) e o comportamento observado. Conclui-se que à autora é devida indemnização cujo montante se fixa e que, à quantia devida a esse título, “acrescerão juros de mora, a contabilizar desde a data da presente decisão, por ser este o momento em que a obrigação se torna líquida (artigo 805.º, n.º 3 do CC)”.
No acórdão que foi proferido em apreciação de recurso concluiu-se decidindo “julgar parcialmente procedente a apelação da autora, B…, S.A., condenando a interveniente C… a pagar àquela o montante de €56.802,92, acrescida dos juros de mora fixados na sentença recorrida (…)”.
Importa salientar que, apesar de se reportar a uma relação contratual que vinculava ambas as partes, a responsabilização da executada assenta, essencialmente, em pressupostos de responsabilidade civil – perdas sofridas pela autora/exequente, resultante de procedimentos da executada, ao não assegurar o fornecimento de electricidade.
Na matéria alegada pelas partes na acção declarativa, não se explicitam os concretos juros a considerar. Inversamente, a autora reporta-se aos juros de mora à taxa legal e, na sentença proferida na acção declarativa, remete-se genericamente para os juros de mora.
Acompanha-se a este propósito o entendimento expendido no acórdão proferido em 15 de Abril de 2013, no processo n.º 3389/08.0TJVNF-B.P1:
«O direito comercial é especial do direito civil. As regras comerciais têm a especificidade típica das situações particulares a que se aplicam. O direito civil, de seu turno, é o ramo geral de direito privado; aplicáveis igualmente às situações jurídicas privatísticas. Mas a relação de
especialidade não é imperativa. As situações jurídicas são, via de regra, disponíveis; as partes têm liberdade para poder compor, com autonomia, os respectivos interesses. Transpondo estas ideias (que cremos acertadas) para o panorama da obrigação de juros fica a ideia de que o credor, mesmo sendo empresa comercial, pode optar, em dada situação particular, pela exigência de uma taxa moratória comercial, se a norma atributiva especial lho conceder, ou apenas pela taxa moratória civil, que é a geral. E se a situação for duvidosa, isto é, se não for evidente, inequívoco, que a norma atributiva especial (comercial) concede essa (acrescida) taxa de juros, então mais se impõe uma conduta clara, que permita inferir, para lá de toda a dúvida, que o que se quer fazer valer é o crédito especial do juro comercial, não apenas do civil.
Convocam-se outra vez as regras interpretativas, desta feita estritamente relativas às declarações negociais. O credor há-de evidenciar que pretende o juro comercial, e não o civil (artigos 236.º, n.º 1, 237.º e 238.º, n.º 1, Código Civil).».
Estando em causa uma indemnização por danos e não o pagamento de transacções comerciais, os juros devidos são civis e não comerciais.
Conclui-se que procede nesta parte o recurso interposto.
3. O alegado pagamento, pela executada, das custas de parte.
A exequente reclama ainda, no requerimento inicial de execução, apresentado em 24 de Março de 2016, a quantia de € 3.689,21 a título de reembolso dos valores despendidos em custas de parte.
Afirma a executada/embargante, opondo-se a esta pretensão, que seguramente da sentença e do acórdão dos autos não resulta o valor que a exequente vem exigir da executada; neste contexto, face a tão grosseiro lapso, ficou o mandatário da exequente de consultar a sua constituinte, reformular as custas de parte apresentadas, nos termos do real decaimento, muito superior aos 25% constantes da nota discriminativa em apreço, assim se evitando uma discussão judicial nesta matéria. Ao invés, uma vez mais dolosamente e de má-fé, a exequente vem exigir valores a título de custas de parte não constantes da sentença nem das regras relativas a custas previstas no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais.
Na sentença recorrida foi julgada improcedente esta fundamentação, com os seguintes fundamentos:
«Relativamente à nota discriminativa de custas de parte, no que respeita à formação do respetivo título executivo, deverá entender-se que nos casos em que as custas de parte resultam de uma atividade processual com intervenção do juiz no termo da qual ocorre a condenação em custas, como é o caso, o título executivo será constituído pela sentença condenatória conjugada com a nota discriminativa e justificativa de custas de parte notificada à parte contrária, devendo a execução seguir a forma sumária por aplicação do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, atendendo a que no n.º 1 do artigo 26.º, do Regulamento das Custas Processuais, se estabelece que as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas.
A este respeito, como foi decidido no douto acórdão da Relação de Coimbra de 20/04/20162, a execução por custas de parte, da parte vencedora contra a parte vencida (art. 36.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais) assenta em título executivo compósito - nota discriminativa de custas de parte enviada pela primeira à segunda mais a própria sentença que condenou em custas.
No caso dos autos, a executada, por ter decaído na sentença e no acórdão proferidos na ação declarativa n.º 9669/11.0TBVNG, que correu os seus termos pelo Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, J2, foi condenada em custas, na proporção do respetivo decaimento, e a exequente apresentou nesse processo a sua nota discriminativa de custas de parte reclamando o pagamento da quantia de €3.689,21.
Assim formado o título executivo, não sendo irrelevante a circunstância de a execução correr nos próprios autos por força do estatuído no artigo 626.º, do Código de Processo Civil, deverá entender-se que, quanto às custas de parte reclamadas no processo declarativo, a oposição à execução só poderá ser fundada em qualquer das hipóteses previstas no artigo 729.º, do citado diploma, o que, no caso, não sucede.
Com efeito, afigura-se-nos que a executada, discordando do teor da nota discriminativa de custas de parte que lhe foi notificada no âmbito do processo declarativo, deveria apresentar reclamação dentro do prazo de 10 dias subsequentes à respetiva notificação, nos termos do artigo 33.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, onde se estabelece que a reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à
contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.
Não o tendo feito, entendemos que no âmbito dos presentes autos de embargos de executado lhe está vedada a possibilidade de discutir os valores incluídos na referida nota, dado essa questão não integrar a previsão do artigo 729.º, do Código de Processo Civil.»
Não há censura a fazer a este entendimento.
A executada/embargante alega a este propósito na fundamentação do recurso que a exequente «foi incauta ao requerer a execução de sentença em matéria de custas de parte que, comprovadamente, foram pagas pela executada, tendo-as recebido em Dezembro de 2016».
Não se mostra comprovado nos presentes autos de embargos o alegado pagamento. É certo no entanto que, perante o que afirma a própria recorrente, o pagamento terá ocorrido em Dezembro de 2016 – quando é certo que a acção executiva foi instaurada em 24 de Março de 2016, portanto quando não se tinha concretizado qualquer pagamento.
Nestas circunstâncias, é manifesta a improcedência do recurso nesta parte e, por isso, a correspondente subsistência da sentença recorrida neste ponto.
Esta conclusão não obsta, obviamente, a que, no âmbito da própria acção executiva e caso tenha ocorrido o efectivo pagamento, seja o mesmo considerado, com as consequências daí decorrentes.
4. A alegada litigância de má-fé da exequente e a sua condenação nos termos do artigo 858.º do Código de Processo Civil.
Nos termos do artigo 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
O instituto da litigância de má-fé visa que a conduta dos litigantes se afira por padrões de probidade, verdade, cooperação e lealdade.
A interpretação da norma impõe alguma flexibilidade, de modo a que não se obste o acesso ao direito (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) e a exigência legal não se traduza numa restrição injustificada e desproporcionada daquele direito fundamental.
Quanto ao artigo 858.º do Código de Processo Civil, dispõe a norma que, se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver atuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10% do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objecto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça.
Afirma-se na sentença recorrida que, «sendo improcedente a oposição à execução, entendemos não haver qualquer fundamento para a pretendida condenação da exequente como litigante de má-fé ou nos termos do artigo 858.º, do Código de Processo Civil, indeferindo-se, em, consequência, os pedidos a esse título formulados pela executada na petição inicial de embargos de executado».
No confronto desta norma com as ocorrências no âmbito dos autos e o enquadramento nos termos que antecedem, não se vê que haja fundamento para questionar e censurar a decisão recorrida e os respectivos fundamentos, pelo que também aqui improcede o recurso.
III)
Decisão:
Pelas razões expostas, dando-se parcial provimento ao recurso e revogando-se a sentença recorrida nessa parte, julgam-se procedentes os embargos e extinta a execução na parte em que a exequente reclama da executada o pagamento do valor de €2.909,64 (dois mil novecentos e nove euros e sessenta e quatro cêntimos), a título de juros moratórios comerciais, mantendo-se a sentença recorrida na parte remanescente.
Custas a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção do respectivo decaimento.
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Porto, 8 de Março de 2019.
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes