Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4881/16.8T8MTS.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
ASSÉDIO
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RP201812184881/16.8T8MTS.P2
Data do Acordão: 12/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONTRAORDENAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 287, FLS 107-138)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 29º DO CT
Sumário: I - Dada a diversidade de regimes, há que distinguir-se entre, por um lado, as situações em que esteja em causa apurar do preenchimento ou não do elemento subjetivo da contraordenação prevista no artigo 29.º do CT/2009 e, por outro, aquelas em que, por exemplo, a análise incida sobre saber se nos termos do mesmo preceito os atos poderiam ou não integrar justa causa para a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador.
II - Daí que, conhecendo-se a divergência doutrinária e mesmo jurisprudencial existente a propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio em geral, não possamos porém, no que se refere a intencionalidade, esquecer que o elemento subjetivo nas contraordenações materializa algo que está para além dos elementos objetivos que integram a conduta sancionável, não podendo pois confundir-se a duplicidade de planos em que a questão do assédio pode assim ser colocada.
III - Havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente do disposto no artigo 29.º do CT/2009, face aos critérios enunciados no artigo 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, teremos de concluir que, para efeitos da prática da contraordenação a que naquele se alude a lei não estipula que no “assédio” tenha de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja efeito do comportamento adotado pelo “assediante”, não resultando assim desse normativo, por um lado, qualquer referência a que se exija necessariamente o dolo (em qualquer das suas modalidades), sendo que, por outro, o legislador, tal como resulta expressamente do artigo 550.º estabeleceu que nas contraordenações laborais a negligência “é sempre punível”.
IV - Assim, se na verificação dos requisitos do “assédio” em geral se poderá defender a exigência da referida intencionalidade do agente, essa intencionalidade, porém, consubstanciar-se-á então como elemento específico desse conceito, mas já não, por ser coisa diversa, como pressuposto da verificação do elemento subjetivo da contraordenação laboral, pois que quanto a esta, como se viu, por previsão expressa de norma legal, é sempre punível.
V - Integra a prática da contraordenação analisada a conduta da entidade patronal que, no âmbito de um processo de reorganização e reestruturação da empresa, não instaurando qualquer processo de despedimento por extinção do posto de trabalho, em face da recusa do trabalhador em celebrar acordo de cessação do seu contato de trabalho esse mantém sem exercer quaisquer funções, não obstante saber que tal lhe provocava sentimentos negativos de angústia, humilhação e desgaste psicológico.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 4881/16.8T8MTS.P2
Tribunal da Comarca do Porto, 3.ª Secção de Instância Central do Trabalho de Matosinhos
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Relator: Nélson Fernandes
Adjunta: Desembargadora Rita Romeira

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1. A arguida, B..., S.A., não se conformando com a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (de ora em diante, designada apenas por ACT) que lhe aplicou a coima única de €20.000,00 pela prática da contraordenação muito grave prevista e punida pelo artigo 25º, n.º 1 e 8, e 29º, n.º 1 e 4, e artigo 554º n.º 4, al. e), ambos do Código do Trabalho, impugnou judicialmente essa decisão.

2. Recebida tal impugnação veio a realizar-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, em 17 de maio de 2018, de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos, e com fundamento em todo o exposto, julga-se parcialmente procedente, a presente impugnação judicial e, em consequência, altero a decisão da autoridade administrativa e aplico à arguida a coima única de €12.500,00.
Custas a cargo da arguida/recorrente - por ter decaído parcialmente na sua impugnação -, nos termos dos arts. 513º e 514º do C.P.P., fixando-se a taxa de justiça – tendo em consideração a gravidade do ilícito - em 4 U.C., nos termos do art. 8º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III do referido Regulamento
Notifique e deposite.
Comunique à autoridade administrativa, nos termos do disposto no artigo 45.º/3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.”

3. Inconformada, veio a arguida apresentar recurso para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
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DA NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DE FACTO DO TIPO LEGAL DE CONTRAORDENAÇÃO POR ASSÉDIO LABORAL:
70. A tese da ACT assentou nas seguintes premissas: na sequência de uma operação de reestruturação interna, três trabalhadores da Recorrente teriam sido objeto de tratamento diferenciado, por razões não objetivas nem razoáveis relacionadas com a sua recusa em aceitar as propostas que lhes foram apresentadas pela Recorrente, sendo que, em virtude da referida recusa, os mesmos foram afastados das suas anteriores funções e mantidos desocupados, como forma de os forçar a aceitar as mencionadas propostas. Em consequência, a Recorrida acusou a Recorrente de uma “infração conjugada” do disposto nos artigos 25.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, do CT, pela alegada prática de um comportamento discriminatório e assediante (esta e só esta prática).
71. A ordem cronológica e sequencial dos factos e a motivação da Recorrente que lhe estaria subjacente é outra e, nessa medida, a relação causa efeito não é aquela que a ACT pretende fazer crer.
72. Por sua vez, o Tribunal a quo veio “interpretar” e “esclarecer” (algo que, como acima se expôs, não supre os vícios assacados aos Autos de Notícia e à Decisão impugnada) o sentido da condenação promovida pela entidade administrativa, considerando que a Recorrente «assumiu um comportamento de assédio para com estes trabalhadores, que foi discriminatório em relação aos seus pares, e que resultou em humilhação e indignidade para aqueles» e concluindo pela «prática de uma contraordenação por assédio baseado em fator de discriminação (sendo evidente que a referência ao art. 25 do Código do Trabalho serve apenas para caracterizar a discriminação». Entendeu, portanto, o Tribunal a quo que em causa se encontra a suposta prática, a título de negligência, de apenas uma contraordenação por assédio prevista e punida pelo artigo 29.º do Código do Trabalho, sendo o comportamento discriminatório como que absorvido por essa conduta assediante, não constituído a prática de uma contraordenação autónoma.
73. Da factualidade que o Tribunal a quo considerou demonstrada nos autos – e que corresponde, grosso modo, a versão dos factos alegada pela Recorrente – não é possível concluir pela prática de um comportamento assediante baseado em fator discriminatório.
74. Em virtude da operação de reestruturação da organização produtiva levada a cabo pela Recorrente, em dezembro de 2012, alguns postos de trabalho ficariam esvaziados de conteúdo e, nessa medida, não haveria capacidade para absorver todos os trabalhadores – cfr. pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 51, 52, 53, 54, 55, 80, 81, 82, 105 e 106 da matéria de facto dada como provada.
75. A Recorrente procedeu à seleção dos trabalhadores que iriam integrar as unidades reestruturadas e daqueles que ficariam sem funções, tendo essa escolha sido efetuada com base em critérios objetivos, expressos e sindicáveis que nada tiveram de discriminatório ou assediante - cfr. pontos 37, 43, 62, 69, 70, 71 e 107 da matéria de facto dada como provada.
76. Resultou devidamente provado que a «realocação dos trabalhadores processou-se com base em critérios de gestão de recursos humanos tendo resultado da ponderação de diversos elementos, incluindo da análise comparada das avaliações anuais das competências dos trabalhadores», sendo certo que, no que concerne ao Senhor E..., foi mesmo possível apurar que o mesmo «por um lado, a pior avaliação anual efetuada antes da reestruturação (2011) e, por outro lado, a pior média das últimas três avaliações anuais anteriores à reestruturação (2009 a 2011)».
77. A própria ACT, em sede administrativa, e o Ministério Público, em sede judicial, não foram capazes de alegar e muito menos provar qualquer critério assediante, discriminatório ou humilhante, pelo que, em benefício do princípio do in dubio pro reo e da proibição da inversão do ónus de alegação e prova, outra não poderá ser a conclusão a retirar pelo Digníssimo Tribunal da Relação.
78. A todos os trabalhadores que não foi possível integrar na nova estrutura da organização produtiva – aqui se incluindo, entre outros, os referidos três trabalhadores – a empresa apresentou propostas com vista a alcançar uma solução consensual quanto ao destino dos respetivos contratos de trabalho – cfr. pontos 100 e 108 da matéria de facto dada como provada. Ou seja, também aqui não se registou qualquer comportamento assediante ou persecutório.
79. Considerando que - em decorrência da reestruturação - os postos de trabalho por eles até aí ocupados haviam resultado redundantes e esvaziados, não era objetiva e justificadamente possível à Recorrente atribuir-lhes quaisquer tarefas. O que se infere, desde logo, pelo facto de (i) não ter sido possível concluir com sucesso as propostas de reafetação promovidas pela Recorrente (um dos trabalhadores simplesmente não a aceitou e o outro, infelizmente, acabou por não ter sido o escolhido) e de (ii) nenhum dos colaboradores ter apresentado candidatura às dezenas de concursos internos entretanto lançados pela empresa (o que, conjugado com a preferência em continuar a exercer funções, só demonstra que também os trabalhadores entenderam não terem condições para ocupar essas mesmas vagas) – cfr. pontos 27, 28, 29, 30, 45, 46, 47, 92, 103 e 109 da matéria de facto dada como provada. Mais uma vez, a prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem com o princípio do in dubio pro reo e o princípio da proibição da inversão do ónus de alegação e prova impunham e impõem tal conclusão.
80. A circunstância de os trabalhadores terem recusado as propostas de cessação consensual dos respetivos contratos de trabalho não é a causa da sua “desocupação”, não tendo a “desocupação” sido artificialmente criada pela Recorrente com o propósito de forçar os trabalhadores a aceitarem as propostas de cessação consensual dos respetivos contratos de trabalho.
81. Ao invés, a “desocupação” foi uma consequência inevitável da referida reestruturação e da consequente impossibilidade (objetiva e justificada) de a Recorrente manter os trabalhadores nos seus anteriores postos de trabalho e de lhes atribuir novas funções.
82. As propostas de cessação dos contratos de trabalho foram, aliás, apresentadas aqueles trabalhadores precisamente porque, naquele momento e por força da reestruturação da organização produtiva, os respetivos postos de trabalho tinham ficado esvaziados de conteúdo.
83. As propostas que acabaram por determinar a cessação dos contratos de trabalho resultaram da livre negociação mantida entre as partes. As propostas, no caso de cessação dos contratos de trabalho por acordo, eram, aliás, bem mais vantajosas financeiramente do que as compensações que resultariam de eventuais procedimentos de despedimento coletivo ou de extinção do posto de trabalho – cfr. pontos 102 e 104 da matéria de facto dada como provada.
84. Recorde-se que: «o trabalhador C... manifestou à sociedade arguida a sua disponibilidade e interesse em negociar uma solução consensual para a cessação do seu contrato de trabalho quando percebeu que a ré não o iria recolocar», sendo certo que «após um processo negocial, a sociedade arguida e o trabalhador C... acabaram por alcançar um acordo, nos termos do qual aquele requereu a sua reforma por velhice com efeitos em 1 de fevereiro de 2015»; «Em 28 de outubro de 2015, cedendo às inúmeras pretensões do trabalhador D..., a Recorrente e o dito trabalhador chegaram a um acordo para a revogação do seu contrato de trabalho, o qual envolveu, entre outros benefícios, regalias e concessões, o pagamento de uma compensação no montante de €102.500,00, correspondente a mais de 2 (dois) meses de retribuição base multiplicado pela antiguidade de 16 anos»; Assim que foi viável, o trabalhador E... acabou por ser reocupado em funções, como resulta da documentação junta aos autos através de requerimento de 23 de outubro de 2017.
85. De resto, nunca, em momento algum, mesmo após as recusas dos trabalhadores, a Recorrente lhes deixou de pagar os seus salários, mantendo em vigor, sempre que aplicável, os demais benefícios e instrumentos de trabalho – cfr. pontos 32, 63, 64, 65, 66, 68, 72, 73, 74, 75, 90 e 93 da matéria de facto dada como provada.
86. Resulta, assim, que (i) a manutenção dos postos de trabalho dos trabalhadores – em detrimento do recurso a outros mecanismos legais – resultou em prejuízo financeiro evidente para a Recorrente e que (ii) nunca a Recorrente utilizou qualquer expediente, designadamente o não pagamento de salários ou a retirada injustificada de benefícios e/ou instrumentos de trabalho, como forma de pressão para a celebração de acordos tendentes à cessação dos contratos de trabalho.
87. A circunstância de os referidos trabalhadores terem – no uso de um direito que lhes assistia – recusado essas propostas de acordo não é, pois, a causa da “desocupação”, mas antes a sua consequência lógica e inevitável. Nessa medida, é absolutamente infundado vislumbrar na “desocupação” dos trabalhadores qualquer comportamento discriminatório ou assediante por parte da Recorrente. Como é igualmente infundado concluir que a motivação da Recorrente subjacente à “desocupação” dos trabalhadores assumiu quaisquer contornos discriminatórios ou assediantes.
88. Durante o período de “desocupação” subsequente à reestruturação e confrontada com a recusa dos colaboradores em acordar na cessação negociada dos seus contratos de trabalho, a Recorrente envidou os seus esforços no sentido de tentar encontrar, dentro da sua organização, posto de trabalho compatível com as qualificações, habilitações e perfis dos envolvidos.
89. Tal conclusão resulta do facto de a Recorrente ter promovido contactos - formais e informais - com vista à ocupação dos trabalhadores afetados pela reestruturação (em momento anterior às propostas de cessação da relação laboral, sendo certo que o Senhor C... logo demonstrou disponibilidade e interesse em acordar na saída da empresa), contactos regulares com vista à eventual cessação da relação laboral com os ditos trabalhadores e alguma formação profissional – cfr. pontos 27, 28, 29, 34, 35, 38, 45, 56, 77, 78, 92 e 104 da matéria de facto dada como provada.
90. É igualmente relevante para a análise deste concreto ponto o facto de nenhum dos colaboradores ter apresentado candidatura às dezenas de concursos internos entretanto lançados pela empresa, o que, conforme já se referiu, conjugado com a preferência em continuar a exercer funções, só demonstra que também os trabalhadores entenderam não terem condições para ocupar essas mesmas vagas – cfr. pontos 27, 28, 29, 30, 45, 46, 47, 92, 103 e 109 da matéria de facto dada como provada.
91. Mesmo que a Tribunal a quo não tivesse ficado integralmente convencido da inexistência de qualquer prática discriminatória e assediante – em rigor, da existência de uma justificação válida para a “desocupação” dos trabalhadores – o que por mero exercício argumentativo se admite, sempre se poderá afirmar que, pelo menos, os argumentos aduzidos e demonstrados pela Recorrente a deveriam ter colocado perante a dúvida séria acerca do preenchimento dos elementos objetivos dos tipos legais de contraordenações que lhe imputou (artigos 25.º, n.º 1 ou artigo 29.º, n.º 1, ambos do CT).
92. A ACT e o Tribunal a quo não podiam, com total certeza e – muito menos - baseada em juízos valorativos e conclusivos, concluir que a Recorrente tinha atuado de forma discriminatória e assediante, relativamente a estes três trabalhadores, sequer a título de negligência. Assim, e sendo certo que aos processos contraordenacionais e respetivas impugnações judiciais e recursos se aplicam as regras do processo penal, sempre deveria o Tribunal a quo ter atendido ao principio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.
93. No limite, a situação que a Recorrida teria logrado verificar e/ou apurar poderia, em abstrato, enquadrar uma “desocupação efetiva” dos trabalhadores D..., C... e E..., que, apenas a provar-se que a Recorrente obstou à prestação efetiva de trabalho de forma injustificada (o que não é o caso, nem se concede, nem resultou provado), seria idónea a consubstanciar uma violação do designado “dever de ocupação efetiva” relativamente aos referidos trabalhadores (cfr. b), n.º 1, artigo 129.º do CT) – sendo certo que essa não foi imputação que foi dirigida à Recorrente nos autos de contraordenação.
94. Deverá, pelo exposto, o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto considerar não verificados os pressupostos fácticos de que depende a verificação de uma situação de assédio com recurso a fator de discriminação, devendo, em consequência, a sentença recorrida ser revogada.
DA NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS VOLITIVOS DO TIPO LEGAL DE CONTRAORDENAÇÃO POR ASSÉDIO LABORAL:
95. A Decisão da entidade administrativa concluiu pela prática de contraordenação objeto de impugnação nos presente autos a título de negligência grosseira. De igual forma, o Tribunal a quo concluiu pela prática de uma contraordenação por assédio laboral a título de negligência.
96. Segundo a mais ilustre Doutrina e Jurisprudência, o tipo legal de assédio laboral não prescinde de uma concreta, objetiva, alegada e demonstrada intenção dolosa por parte do agente infrator, neste caso, a entidade empregadora, sendo certo que, na ausência desse concreto elemento subjetivo, não poderá concluir-se pela prática da respetiva contraordenação prevista de punida pelo artigo 29.º do CT.
97. Ao ter concluído pela prática de assédio laboral a título negligente, o Tribunal a quo acabou por afastar, de forma expressa e irreversível[1], a existência de uma intenção dolosa da Recorrente, nomeadamente a intenção de discriminar e assediar os trabalhadores afetados pela reestruturação ocorrida em final de 2012.
98. Nessa medida, por faltar o elemento volitivo implícito no tipo legal de contraordenação pela qual a Recorrente foi condenada, nunca poderia o Tribunal a quo ter concluído pela prática da contraordenação de assédio laboral prevista e punida no artigo 29.º do CT.
99. Também por este motivo deverá o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto considerar não verificados os pressupostos volitivos de que depende a verificação de uma situação de assédio com recurso a fator de discriminação, devendo, em consequência, a sentença recorrida ser revogada.
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3.1. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta à motivação do recurso, sem apresentar conclusões, no qual defende não assistir razão à Recorrente
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3.2. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

4. O Exº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, para além de sustentar que a Recorrente não atendeu sequer à pronúncia do Tribunal recorrido sobre os vícios que invocou, acompanhou ainda as contra-alegações já apresentadas, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso.
4.1 Respondeu a arguida mantendo a posição já afirmada no recurso que interpôs.
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II. Do recurso:
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III. Fundamentação:
1. Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“1. A sociedade «B..., S.A» é contribuinte fiscal n.º ........., com a actividade de fabricação de produtos petrolíferos refinados, com sede na Rua ..., ..., ... ....-... Lisboa e local de trabalho na B1..., Apartado ...., ....- ... Matosinhos.
2. Foram desenvolvidas intervenções inspectivas na arguida decorrente de denúncias efectuadas por um sindicato,
3. A empresa tinha colocado os trabalhadores D1... (doravante designado por D...) e C1... (doravante designado por C...) em situação de "desocupação", sem que estivessem a exercer a actividade para a qual haviam sido contratados.
4. Em Dezembro de 2012 a arguida procedeu a uma reorganização da Unidade de Negócio "B2...", da qual resultou a extinção da unidade até então genericamente designada por "B3..."
5. Sendo que desta reorganização resultou a criação de uma nova unidade designada por "B4...".
6. Encontravam-se afectos à unidade "B3...” 59 trabalhadores.
7. Desse grupo de trabalhadores sete entraram em situação de pré-reforma, um faleceu e um outro rescindiu o contrato de trabalho pelo que restou um grupo de 50, dos quais 14 detinham a função de "Gestor clientes II".
8. No âmbito da aludida reestruturação, desses 14 colaboradores, 12 foram integrados na nova unidade "B4...".
9. Do grupo de 14 trabalhadores com a função de "Gestor Clientes II", apenas 2 não foram integrados na nova unidade: o D... e o C....
10. Estes trabalhadores ficaram desde Dezembro de 2012, sem qualquer tarefa ou função atribuída.
11. O trabalhador D... foi dispensado a partir de 7 de Abril de 2014 do dever de assiduidade.
12. E o trabalhador C... mantinha-se à data do levantamento do auto a cumprir o seu horário de trabalho nas instalações da empresa.
13. Havia duas grandes áreas de negócio que eram o GPL, e outra a do Retrabalho combustíveis sendo que ambas tinham gestores de cliente II.
14. Em 2012 a direcção fundiu-as ficando as duas apenas com um director.
15. Por sua vez, os gestores de clientes passaram a ter responsabilidades funcionais nas unidades de negócio e houve uma fusão entre as duas unidades de negócio.
16. Tal como umas outras áreas de negócio, «B5...» e «B6...», essas duas também se fundiram e passaram a ser designadas por «B7...».
17. Nessas duas áreas também os gestores de clientes passaram a fazer as duas áreas.
18. Houve uma redução em toda a estrutura hierárquica, não só ao nível dos gestores de clientes mas também nas chefias directas.
19. Os gestores de clientes também foram reduzidos.
20. Este fato aconteceu em todas as áreas para optimizar processos.
21. A arguida entendeu que os gestores de clientes podiam fazer a função para as duas áreas e o gestor de cliente passou a trabalhar os dois produtos (garrafas e combustíveis) para cada cliente.
22. E não como era antes, que cada gestor tratava um dos produtos.
23. Nesta reestruturação houve vários trabalhadores afectados: uns foram afectos a outras áreas, outros foram exercer outras funções, houve promoções, despromoções etc.
24. E houve trabalhadores que ficaram em excesso na organização.
25. Os trabalhadores são avaliados anualmente.
26. A sociedade arguida avalia as competências técnicas e comportamentais dos seus trabalhadores.
27. A B... envidou esforços no sentido de encontrar um lugar de gestor de cliente ao trabalhador D....
28. Este lugar era em Lisboa e a zona geográfica que lhe seria afectada teria sempre que ser do sul, designadamente na parte do «B8...».
29. O trabalhador D... não aceitou, pelo que mais tarde essa vaga veio a concurso interno para todos.
30. A mobilidade ao nível superior é feita por convite mas nas demais é feita internamente por concursos, que são do conhecimento de todos os trabalhadores porque todos são notificados dos mesmos via correio electrónico.
31. O trabalhador D... sempre manifestou que não considerava sequer a hipótese de rescindir o contrato, tendo havido diligências para acordar na cessação mas não foram aceites pelo trabalhador.
32. O trabalhador D... tinha carro atribuído, com o que continuou, telemóvel, despesas e cartão Galp frota.
33. O gestor de cliente, por regra, não tem lugar de trabalho fixo mas o trabalhador D... como também tinha algumas funções administrativas, para as realizar tinha uma secretária e telefone interno.
34. Ao trabalhador D..., foi-lhe proposta uma rescisão de contrato de trabalho que o mesmo não aceitou.
35. Ao trabalhador C... foi-lhe proposto que passasse à situação de pré-reforma, o que o mesmo também não aceitou.
36. Os trabalhadores D... e C..., desde a reestruturação deixaram de ter funções atribuídas e nada tinham que fazer.
37. Os critérios identificados para a reafectação dos trabalhadores por parte da arguida foram o perfil de Competências Técnicas (SABER SABER) e Comportamentais (SABER SER, SABER ESTAR, SABER GERIR) associando a cada Função e o perfil das Competências e a capacidade de aprendizagem e de adequação de potenciais Titulares a novas funções, numa perspectiva de desenvolvimento do capital humano."
38. Após a recusa de aceitação do "acordo" de resolução do contrato de trabalho/ passagem a pré-reforma proposto pela arguida aos trabalhadores D... e C... estes foram contactados pela arguida por mais de uma vez com propostas para rescisão dos contratos.
39. O trabalhador C... não pretendia passar à situação de reformado.
40. O trabalhador D... sempre assumiu que não pretendia desvincular-se da empresa, mas sim continuar a trabalhar.
41. Estes trabalhadores sentem-se diminuídos em comparação com os seus colegas e sentem-se fragilizados emocionalmente.
42. Desde a reestruturação que a empresa pretende que ambos os trabalhadores rescindam por mútuo acordo os seus contratos de trabalho.
43. A escolha dos trabalhadores que seriam reafectados ficou a cargo da área que foi reestruturada.
44. A sociedade arguida não tentou reafectar o trabalhador C....
45. Ao trabalhador D... foi feita formalmente uma única proposta da empresa para ocupar o cargo de gestor de clientes em Lisboa no negócio do gás natural.
46. O trabalhador D... não aceitou tal proposta invocando razões pessoais.
47. Durante estes anos o trabalhador D... não concorreu a nenhum dos concursos.
48. O trabalhador D... logo depois de saber que iria ficar sem funções enviou um e.mail a pedir funções.
49. Quando os trabalhadores estavam na empresa não faziam nada.
49. O trabalhador D... depois de estar nesta situação quando, pelo menos por uma vez, soube de uma vaga mandou e.mail a solicitar a colocação ainda antes de ser publicitada a vaga.
50. A sociedade arguida não propôs ao trabalhador D... fazer outras funções, nem lhe deu formação para esse fim.
51. Em Dezembro de 2012 a sociedade arguida procedeu a uma reorganização da Unidade de Negócio "B2...", da qual faziam parte, entre outras, as sub-unidades designadas por "empresas" e "especialidades". Da subunidade "empresas" faziam parte duas equipas de vendas - vendas sul e vendas norte sendo que na equipa de vendas norte encontrava-se integrado, entre outros, o trabalhador E....
52. Da reorganização supra referida resultou a criação de uma nova unidade designada por "B4...".
53. O trabalhador E... não foi incluído nesta estrutura reorganizada, do que lhe foi dado conhecimento em Dezembro de 2012.
54. Desde a entrada em vigor do novo organigrama (Janeiro de 2013) que a B... não atribui quaisquer funções ao trabalhador E....
55. A reestruturação em causa envolveu vários trabalhadores, sendo que parte deles foram integrados na nova estrutura, outra parte celebrou cessações de contrato por mútuo acordo ou entrou em situação de pré-reforma
56. No ano de 2013 o mesmo frequentou duas ações de formação - "Impacto e Influência" e "Condução defensiva C1" - totalizando um total de 14 horas de formação.
57. E em 2014 não frequentou qualquer acção de formação.
58. A B... deixou de proceder à definição de objectivos para este colaborador.
59. Anteriormente a 2013, tendo em conta as funções que exercia, este trabalhador usufruía de uma viatura de função, e respectivo seguro, bem como de um cartão "...", com um plafond anual de €2.400,00 e tinha a possibilidade de usufruir de vários prémios monetários, sendo estes os seguintes: "SOMA", "Produtividade", "Assiduidade", "Vendas" e "Disponibilidade" sendo que com a reestruturação efectuada este trabalhador deixou de ter possibilidade de aceder aos prémios "SOMA" e "Vendas".
60. Ao longo deste período temporal o trabalhador, através da estrutura sindical que o representa, foi questionando a empresa sobre a sua situação laboral e solicitando que lhe fossem atribuídas funções.
61. O trabalhador E... sentia que o ambiente de trabalho lhe era humilhante, criava desestabilização, sentia diminuída a sua auto-estima e muito fragilizado emocionalmente.
62. A realocação dos trabalhadores processou-se com base em critérios de gestão de recursos humanos tendo resultado da ponderação de diversos elementos, incluindo da análise comparada das avaliações anuais das competências dos trabalhadores.
63. O trabalhador continuava a receber integralmente a retribuição e os prémios de «produtividade», «Assiduidade» e «Disponibilidade».
64. «o prémio «Vendas» ou «Soma» pressupõem o cumprimento pelos trabalhadores de determinados objectivos pré-fixados pela empresa»
65. O trabalhador E... auferiu o prémio «soma» nos processamentos salariais de Março, julho e Setembro de 2012 bem como de março a novembro de 2013.
66. O trabalhador continuou a ter computador e telefone.
67. A viatura era para exercício das funções e para uso total por parte do trabalhador.
68. Desde que o contrato de leasing terminou o trabalhador não teve reposição da viatura.
69. A decisão de que o trabalhador E... não ficaria alocado na nova estrutura, foi tomada por F... em colaboração com a chefia do trabalhador.
70. E teve por base a avaliação de competência de todos os colaboradores envolvidos e o que conheciam deles.
71. Na sua área ficaram os que tinham melhor avaliação, o que não era o caso do trabalhador.
72. O prémio «soma» resulta do programa «soma», onde os trabalhadores que estão na área comercial, podem ir propor clientes à área competente.
73. Posteriormente há o reencaminhamento deste potencial cliente sendo que, nestas situações o vendedor que espoletou o contrato, tinha uma parte de ganho, caso o negócio se concretizasse.
74. Esses prémios são pagos diferidos no tempo: só o recebiam depois de a entidade competente celebrar o negócio.
75. O prémio de vendas só pode ser atribuído a um trabalhador que preste efetivamente trabalho e atinja os seus objectivos.
76. Quando o trabalhador E... soube que não iria ter lugar na nova estrutura demonstrou desagrado com a notícia e disse que gostava de continuar a trabalhar.
77. No início de 2013 a sociedade arguida começou a tratar da rescisão com o trabalhador, fez-lhe uma proposta numa uma reunião e o trabalhador, disse que não aceitava qualquer rescisão, queria trabalhar.
78. A sociedade arguida voltou a efectuar novas propostas ao trabalhador E... com a finalidade de por fim ao contrato de trabalho.
79. O trabalhador manteve-se ao serviço sem funções, mas sem controlo de ponto, que já não tinha.
80. Os trabalhadores G... e H... estavam integrados noutras áreas, eram responsáveis de vendas cada um de sua equipa, com a reestruturação foram convidados a assumir funções de delegados comerciais na unificada área da indústria e empreiteiros: um veio da «indústria» e o outro nos «Lubrificantes».
81. O trabalhador E... nunca trabalhou com Gás, trabalhava na área da Indústria.
82. E..., era comercial sendo as suas funções de acompanhar os contratos existentes, angariar novos clientes, respondia a problemas colocados pelos clientes para prestar apoio pós- venda e acompanhamento das contas correntes.
83. Não tinha horário de trabalho mas fazia o acompanhamento dos clientes e apenas quando havia necessidade é que se deslocava ao escritório.
84. Fazia prospecção exterior e visitava os clientes numa rotina, mas numa semana de trabalho não ia diariamente á empresa e até podia nem ir se estivesse em formação.
85. Quando estava nas instalações da sociedade arguida tinha um local de trabalho só para ele no primeiro andar onde partilhavam o gabinete com outro colega, I..., uma secretária, computador.
86. Depois da restruturação as 3 novas pessoas que ficaram, inicialmente ficaram a fazer as mesmas tarefas do que os que lá estavam mais o tratamento da área dos «empreiteiros».
87. Durante dois meses passou a carteira de clientes ao colega que o substitui, o J..., que já tinha pedido para ir embora.
88. Depois o trabalhador passou os clientes ao G... e durante os primeiros meses teve as funções de e passar as informações e os clientes aos colegas.
89. E passou a ir para a empresa diariamente.
90. Após cumprir o referido em 87. o trabalhador E... continuou a dispor de uma mesa com telefone e o portátil da empresa.
91. Depois dessa altura nunca mais recebeu ordens de ninguém para fazer nada; não houve nenhum momento em tenha sido contactado para fazer nenhuma tarefa que não fosse da sua área nem de outra.
92. Quando houve a reformulação houve um convite informal para ir para o «Gás natural» e foi à entrevista a Lisboa, mas não lhe foi atribuído o cargo.
93. Após o trabalhador E... deixar de usar veículo atribuído pela sociedade arguida foi-lhe remetido novo cartão ....
94. E... sentia-se humilhado com o comportamento que a sociedade arguida lhe votava.
95. Sentiu-se desorientado por ter ficado vários meses sem saber de seu futuro, sem saber o que fazer e sem expectativas.
96. A arguida sabia e não poderia desconhecer que não podia ter trabalhadores em funções e sem trabalho, e que tal é proibido por lei.
97. A arguida sabia e não podia desconhecer que a manutenção de trabalhadores sem funções lhes provocava sentimentos negativos de angústia, humilhação e desgaste psicológico, motivo pelo qual a alguns dispensou de ir à empresa.
98. A arguida sabia e não podia deixar de saber que quando se efetuam reestruturações ou extinções de postos de trabalho, ainda que por motivos legais, as empresas têm que fazer formação aos seus trabalhadores.
99. E que essas formações devem ser vocacionadas para a reintegração dos trabalhadores, devem ser feitas por forma a encontrar postos e funções alternativas aos trabalhadores.
100. Todos os outros trabalhadores, para além dos referidos nestes autos, que a sociedade arguida não realocou aquando da restruturação em 2012 aceitaram por termo ao contrato de trabalho que os vinculava.
101. O trabalhador C... manifestou à sociedade arguida a sua disponibilidade e interesse em negociar uma solução consensual para a cessação do seu contrato de trabalho quando percebeu que a ré não o iria recolocar.
102. Após um processo negocial, a sociedade arguida e o trabalhador C... acabaram por alcançar um acordo, nos termos do qual aquele requereu a sua reforma por velhice com efeitos em 1 de fevereiro de 2015.
103. Desde a extinção da Unidade “B3...” (em dezembro de 2012), a Recorrente lançou 46 concursos internos de candidaturas para preenchimento de vagas.
104. Em 28 de outubro de 2015, cedendo às inúmeras pretensões do trabalhador D..., a Recorrente e o dito trabalhador chegaram a um acordo para a revogação do seu contrato de trabalho, o qual envolveu, entre outros benefícios, regalias e concessões, o pagamento de uma compensação no montante de € 102.500,00, correspondente a mais de 2 (dois) meses de retribuição base multiplicado pela antiguidade de 16 anos.
105. Da fusão de áreas (referida em 51. e 52) não foram realocados na Unidade “B4...” os seguintes Gestor de Clientes: (i) o trabalhador E..., o qual estava anteriormente afeto à equipa de vendas Norte da área Indústria integrada na anterior Direção de Empresas, bem como (ii) K... e (iii) L..., os quais estavam ambos afetos à equipa de vendas Sul da área Empreiteiros integrada na anterior Direção de Especialidades.
106. E... soube em Dezembro de 2012 que não iria ter colocação na nova estrutura reorganizada.
107. Comparando em concreto as avaliações anuais de Competências do trabalhador E... com as dos Gestores de Clientes M..., J..., N..., G..., L... e K... conclui-se que aquele tem, por um lado, a pior avaliação anual efectuada antes da reestruturação (2011) e, por outro lado, a pior média das últimas três avaliações anuais anteriores à reestruturação (2009 a 2011).
108. A sociedade arguida apresentou aos 3 Gestores de Clientes que da B2... não realocou, incluindo o trabalhador E..., propostas para cessação consensual dos respectivos contratos de trabalho, e apenas este não aceitou.
109. O trabalhador E... foi (tal como todos os restantes trabalhadores) notificado por correio electrónico dos concursos internos promovidos pela sociedade arguida, não tendo apresentado candidatura em qualquer um deles.
110. Em 30/10/2014 a sociedade arguida foi condenada pela prática da contraordenação muito grave prevista no art. 540º, n.º 2, do Código do Trabalho na coima de €15.300,00 por factos ocorridos a 8/6/2010.
111. O volume de negócios da sociedade arguida constante do relatório único de 2013 é de €10.866.515.916,00.”
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2.3 Do preenchimento dos elementos constitutivos da infração
Por fim, a Recorrente sustenta que não se verificam no caso, por um lado, os pressupostos de facto do tipo legal de contraordenação por assédio moral (suas conclusões 70.ª a 94.ª) e, por último, os respetivos pressupostos volitivos (conclusões 95.ª a 99.ª).
Pronunciando-se mais uma vez o Ministério Público pela adequação do julgado, consta da sentença recorrida, com relevância para o que agora cumpre apreciar, depois de efetuar o enquadramento teórico da questão que está subjacente à imputação da violação da norma imputada, quanto ao preenchimento dos elementos do tipo, o seguinte:
“Pelo simples confronto dos factos provados com as considerações teóricas expostas facilmente se conclui que a conduta da arguida integrou o assédio moral que vem definido e punido no art. 29º do Código do Trabalho. E tal resulta desde logo da versão dos factos que a própria arguida traz aos autos.
Vejamos.
A pretensão da autora em impulsionar uma reestruturação de sua organização é, sem dúvida, inteiramente legítima.
Compreensível é também que, por força de tal reestruturação, perceba a arguida que deixa de precisar de tanta força de trabalho como a que dispunha. E é exactamente porque situações como a vivida pela arguida existem e são legítimas, dentro de uma dinâmica empresarial que se quer, que a lei prevê a extinção forçada de contratos de trabalho, quer no âmbito do despedimento colectivo, quer no âmbito da extinção de postos de trabalho – cfr. arts. 359º, 367º e 368º do Código do Trabalho. Mediante a invocação de critérios objectivos e sindicáveis, e em respeito aos pressupostos e requisitos legais, estava na disponibilidade da sociedade arguida proceder à extinção do número de contratos de trabalho que entendesse necessário.
No entanto, a sociedade arguida não divulga quais os critérios objectivos de selecção dos trabalhadores excluídos da nova estrutura orgânica, e nem da defesa apresentada foram apontados tais critérios em termos de se concluir pela imparcialidade e objectividade dessa selecção. Na verdade, da audiência de julgamento apurou-se apenas que a realocação dos trabalhadores processou-se com base em critérios de gestão de recursos humanos tendo resultado da ponderação de diversos elementos, incluindo da análise comparada das avaliações anuais das competências dos trabalhadores, e que na área do trabalhador E... ficaram os que tinham melhor avaliação.
Por outro lado, é também certo que a arguida não impulsionou qualquer procedimento tendente ao despedimento destes trabalhadores, sendo certo porém que sempre quis extinguir os respectivos contratos de trabalho, o que só não aconteceu por estes se terem negado a tal.
Resulta inequívoco do conjunto dos factos provados que a arguida optou por não promover a extinção unilateral dos contratos de trabalho (mediante os procedimentos legais), bem sabendo que não pretendia ou não conseguiria recolocar os trabalhadores em causa nos autos noutro qualquer posto de trabalho. Optou assim por os deixar sem funções, forçando-os a conviver diariamente com a realidade de terem sido preteridos em relação a seus colegas, sem uma informação cabal da objectividade de critérios de sua exclusão, numa situação humilhante perante seus pares.
E nem a arguida apresentou alternativas de recolocação destes trabalhadores (só por uma vez, em relação ao trabalhador D... tentou recolocá-lo noutro posto de trabalho, mas em Lisboa), como é certo que desde sempre e durante todo o tempo de inactividade destes tentou por termo aos contratos de trabalho. Na verdade, dos factos alegados e provados não se consegue concluir a absoluta impossibilidade de afectar estes trabalhadores a outros postos de trabalho, compatíveis com as funções que tinham vindo a exercer, ainda que mediante a sua participação em formações específicas para esse efeito.
Apenas é certo que, em relação aos trabalhadores E... e C... nenhuma solução de reocupação foi apresentada pela arguida, e em relação ao trabalhador D... apenas houve uma tentativa, mas que importaria a sua deslocação para Lisboa, o que este recusou. O trabalhador E..., pelo contrário, dispôs-se a aceitar um posto de trabalho na área de Lisboa, mas nem assim foi recolocado pela arguida.
É certo, porém, que não consta que as condições de acesso às instalações da ré e a disponibilidade física de lugar, para ocuparem enquanto lá se encontravam, tivesse sido alterada para estes trabalhadores. Mantiveram ainda na sua disponibilidade o telemóvel da empresa e acesso ao computador, bem como ao veículo que antes utilizavam (com excepção do trabalhador E... que entretanto, já no decurso do período de inactividade, deixou de ter acesso a veículo de função por extinção do contrato leasing que tinha por objecto o veículo que até aí conduzia). No entanto, é também certo que os trabalhadores passavam o dia inteiro nas instalações da ré (com excepção do trabalhador D... que a determinada altura foi dispensado do dever de assiduidade) sem ter qualquer função ou tarefa atribuída.
Toda esta situação dos trabalhadores, mantida durante anos é, sem dúvida, objectivamente humilhante e degradante da sua dignidade pessoal e profissional. E ainda que se admita não ter sido o propósito directo da arguida em discriminar e afectar a dignidade do destes trabalhadores (razão pela qual a mesma foi condenada por negligência e não dolo), sem dúvida que a sua conduta teve esse efeito, o que não podia a arguida deixar de prever.
Resulta assim de todo o exposto que, sem qualquer justificação plausível nem legal, a arguida assumiu um comportamento de assédio para com estes trabalhadores, que foi discriminatório em relação a seus pares, e que resultou em humilhação e indignidade para aqueles.
Com o seu comportamento a arguida promoveu a desvalorização profissional e depreciação das capacidades dos trabalhadores, ao longo de vários anos. Diferenciou estes trabalhadores dos outros trabalhadores (transmitindo com a sua inactividade forçada que os mesmos não teriam o mérito de integrar a sua força de trabalho), provocando-lhes humilhação por alegada falta de competência ou falta de perfil.
Concluímos, pois, pela verificação dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de contra-ordenação imputadas à arguida, e prevista e punida pelo art. 29º, n.º 1 e 4 do Código do Trabalho.”
Apreciando, por referência à citada fundamentação – mas ainda à mais constante da sentença, aqui não citada por se tratar do enquadramento teórico do denominado “assédio moral”, mas que permite perceber o raciocínio subjacente ao entendimento do Tribunal a quo –, não obstante os argumentos apresentados nas conclusões pela Recorrente, entendemos que, salvo o devido respeito, os mesmos não procedem.
E não procedem, adiante-se desde já, por partirem de um pressuposto de base que, mais uma vez com o devido respeito, não encontra suficiente apoio na letra da lei, assim quanto aos elementos cujo preenchimento se exige para se poder concluir que estamos perante uma situação subsumível ao tipo contraordenacional previsto no artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, do Código do Trabalho (CT/2009).
É que, vistos os argumentos da Recorrente, os mesmos partem afinal do pressuposto de que a sua atuação foi adequada face à reestruturação que levou a cabo, e que tem por fundada, da qual resultou o esvaziamento das funções exercidas (para além de outros) pelos trabalhadores identificado na factualidade provada, tentando demonstrar, recorrendo ao que na sua ótica resulta dessa mesma factualidade sobre o modo como tentou resolver a situação desses trabalhadores, que nada mais lhe era exigível, acabando como que por imputar afinal a esses mesmos trabalhadores, permita-se a expressão, “a culpa” pela situação em que se ficaram ao não aceitarem as propostas que lhes apresentou de cessação dos respetivos contratos de trabalho. Dito de outro modo, porque como refere “os postos de trabalho por eles até aí ocupados haviam resultado redundantes e esvaziados” e que “não era objetiva e justificadamente possível à Recorrente atribuir-lhes quaisquer tarefas” – sendo diz a respetiva “desocupação” “uma consequência inevitável da referida reestruturação e da consequente impossibilidade (objetiva e justificada) de a Recorrente manter os trabalhadores nos seus anteriores postos de trabalho e de lhes atribuir novas funções” –, os trabalhadores deveriam então aceitar as soluções que lhes apresentou, já agora, permita-se mais uma vez como que o desabafo, estivessem ou não de acordo com elas e, porque não, “fossem elas quais fossem”.
Esquece porém a Recorrente que a lei, em causo de reestruturação de uma empresa de que resulte a extinção de postos de trabalho, estabelece mecanismos a que se impõe atender para se lograr tal resultado, não estando propriamente nas mãos do empregador a faculdade de a esses atender ou não, como bem o salienta a sentença recorrida. Aliás, esclareça-se, trata-se de mecanismo legal que está afinal nas mãos da entidade patronal e não pois do trabalhador cujo posto de trabalho/funções deixou de justificar-se, sendo que, estando nessa situação vários trabalhadores, como ocorre no caso que se aprecia, estando como se disse apenas na disponibilidade daquela o recurso ao citado mecanismo legal, se desse a mesma não fizer uso e daí decorrer como resultado uma situação em que os trabalhadores acabem por ficar sujeitos a situações diferenciadas, caso essas sejam enquadráveis na previsão do n.º 1 do artigo 29.º do CT/2009, então poderá ser este aplicado. E, acrescente-se, tal pode verificar-se ainda que a entidade patronal tenha levado a efeito outras diligências, entre as quais, como ocorre no caso, a abertura de concursos entre os trabalhadores envolvidos para o preenchimento dos lugares existentes, na medida em que, caso alguns deles não venham a ser colocados em tais lugares/postos de trabalho, seja porque foram preteridos por outros concorrentes nesses concursos seja no limite porque sequer concorreram, importará sempre perguntar se é legítimo, ou seja se tem cobertura legal, caso eles também recusem qualquer proposta que lhes venha a ser feita para a extinção consensual do contrato de trabalho, mantê-los na empresa sem lhes serem atribuídas quaisquer funções. Na verdade, e desde logo, importará sempre perguntar se a sujeição dos trabalhadores envolvidos a tal procedimento de colocação nos postos de trabalho disponíveis, sem recurso afinal ao procedimento estabelecido por lei para os casos em que ocorre necessidade de extinção dos postos de trabalho (artigo 367.º e ss do CT/2009), procedimento esse que contém regras expressas a cumprir, incluindo, diga-se, para os casos em que exista uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, assim para a determinação do posto de trabalho a extinguir, caso em que o empregador deve observar, por referência aos respetivos titulares, a ordem de “critérios relevantes e não discriminatórios” a que alude o n.º 2 do artigo 368.º, e sem prejuízo, ainda, das comunicações impostas no artigo 369.º, tendo ainda em vista as consultas a que se alude no artigo seguinte, todos do mesmo Código.
O que se referiu anteriormente tem em vista, e com tal objetivo se esgota, a perceção de que as referências contantes da sentença a esse regime e em particular a não ter apresentado a Recorrente/arguida alternativas de recolocação destes trabalhadores – assim pois no sentido de que dos “factos alegados e provados não se consegue concluir a absoluta impossibilidade de afectar estes trabalhadores a outros postos de trabalho, compatíveis com as funções que tinham vindo a exercer, ainda que mediante a sua participação em formações específicas para esse efeito” – não se traduz propriamente na afirmação de que o ónus da prova no âmbito do processo contraordenacional tivesse sido invertido, assim fazendo impender sobre si o ónus de demonstrar que não praticou a infração. Diversamente, o que se diz, e aqui reafirmamos, é que, por referência aos factos que se consideraram provados, e pois apenas com base nesses, está afinal demonstrado que a Recorrente, ao agir como se provou, acabou por colocar os trabalhadores em causa numa situação que, também o consideramos, é afinal objetivamente humilhante e degradante da sua dignidade pessoal e profissional ao mantê-los sem funções – dando-se mesmo como provado (ponto 97.º) que sabia que essa situação lhes provocava sentimentos negativos de angústia, humilhação e desgaste psicológico, motivo pelo qual a alguns dispensou de ir à empresa.
Vejamos o porquê desta nossa afirmação:
Gozando o trabalhador do direito à sua integridade física e moral como se estabelece no artigo 15.º do CT/2009, o n.º 2 do artigo 29.º define como assédio o “comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.” – na data dos factos, porque anteriores à Lei n.º 73/2017, de 16/8/2017, redação do n.º 1 do mesmo artigo 29.º.
Como tem sido aceite, com este preceito o legislador alargou o âmbito do assédio, pois que enquanto no anterior Código (n.º 2 do artigo 24.º) se qualificava como tal todo o comportamento indesejado conexionado com um dos fatores indicados no n.º 1 do seu artigo 23.º, no Código atual, no preceito citado, passou a incluir-se todo e qualquer comportamento indesejado que crie “um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.” Isso mesmo evidencia Guilherme Dray[2] quando refere, a propósito do conceito de assédio, que esse passou a abranger “não apenas as hipóteses em que se vislumbra na esfera jurídica do empregador o objectivo de afectar a dignidade do visado, mas também aquela em que, ainda que se não reconheça tal desiderato, ocorra o efeito a que se refere a parte final do n.º 2”.
Refere-se no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2018[3], não obstante “a circunstância de o legislador ter prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento não obsta à afirmação de que o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objectivo final “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável” (v.g. a discriminação, a marginalização/estigmatização ou neutralização do trabalhador, atingir a sua auto-estima ou, no tocante ao “assédio estratégico”, os objectivos específicos supra expostos)”. Não obstante, no mesmo Aresto não deixou de destacar-se, a propósito desta dimensão volitiva/final do conceito, o que fora afirmado no Acórdão do mesmo Tribunal de 3 de dezembro de 2014 – proferido na revista n.º 712/12.6TTPRT.P1.S1 –, assim precisamente que “a doutrina se mostra dividida, pois “enquanto para alguns o mobbing pressupõe uma intenção persecutória ou de chicana (ainda que não necessariamente a intenção de expulsar a vítima da empresa), para outros, o essencial não são tanto as intenções, mas antes o significado objectivo das práticas reiteradas”, mas que, neste âmbito, “havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente da sobredita disposição legal, também importa ter presente que não pode ser considerado pelo intérprete um “pensamento legislativo” que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas – art. 9.º, n.ºs 2 e 3, C. Civil. Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objectivo” de afectar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adoptado pelo “assediante”.
Ora, conhecendo-se a divergência doutrinária e mesmo jurisprudencial existente a propósito da dimensão volitiva/final do conceito de assédio em geral, não poderemos porém, no que se refere a intencionalidade, também como bem se afirma no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de maio de 2018[4] – em que se faz a distinção entre, por um lado, as situações em que esteja em causa apurar/ponderar do preenchimento ou não do elemento subjetivo da contraordenação prevista no artigo 29.º e, por outro, aquelas em que por exemplo a análise incida sobre saber se nos termos do mesmo preceito os atos podiam ou não integrar justa causa para a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador –, esquecer que, no que ao caso que se analisa importa, “o elemento subjetivo nas contraordenações materializa algo que está para além dos elementos objetivos que integram a conduta sancionável, não podendo confundir-se a duplicidade de planos” em que a questão do assédio pode assim ser colocada.
Com tal enquadramento, cumprindo apreciar, constatamos que uma coisa será a verificação da eventual exigência dos requisitos previstos na norma para que se possa considerar que se está perante uma conduta assediante, assim nomeadamente se a norma exige ou não (bastando-se neste caso com a produção dos resultados/o efeito também aí previstos) aquela intencionalidade por parte do empregador na sua atuação e outra, diversa, assim no âmbito contraordenacional, este que agora nos ocupa, algo que, como se refere no citado Acórdão, está para além da materialidade que integra a conduta sancionável pelo n.º 4 do artigo 29.º, na redação vigente à data dos factos – na atual redação, decorrente da Lei n.º 73/2017, de 16/8/2017, o n.º 5 do mesmo preceito –. ou seja, a verificação, ainda, do elemento subjetivo da infração, sendo que quanto a este constata-se que, se por um lado não resulta do mesmo artigo qualquer referência a que se exija necessariamente o dolo (em qualquer das suas modalidades), por outro, o legislador, tal como aliás resulta expressamente do artigo 550.º do CT/2009, estabeleceu afinal que, nas contraordenações laborais, como é o caso, a negligência “é sempre punível”. Dito de outro modo, se na verificação dos requisitos do assédio em geral se poderá afinal defender que aí se exigirá a supra referida intencionalidade do agente, nos termos enunciados, essa intencionalidade consubstanciar-se-á então como elemento específico desse conceito, mas já não, por ser coisa como se viu diversa, pressuposto da verificação do elemento subjetivo da contraordenação laboral, pois que quanto a esta, como se viu, por previsão expressa de norma legal, é sempre punível.[5]
No caso, face ao circunstancialismo factual verificado, assim na sequência da recusa de trabalhadores em aceitarem propostas de cessação dos seus contratos de trabalho, depreende-se afinal que foi assumida pela Recorrente/arguida uma conduta especificamente direcionada a esses trabalhadores de retirada de quaisquer funções, estando mesmo provado (ponto 97.º) que aquela sabia que essa situação provocava nestes sentimentos negativos de angústia, humilhação e desgaste psicológico, motivo pelo qual a alguns dispensou de ir à empresa, sendo que, diga-se, mesmo independentemente do sentir individual de cada um dos trabalhadores, qualquer homem médio, colocado nas concretas circunstâncias em que aqueles foram colocados, partilharia o mesmo estado de espirito. Esclareça-se mais uma vez que não é a fundamentação para a reestruturação da empresa que está afinal aqui em causa e sim, diversamente, a conduta que foi assumida pela Recorrente/arguida que, face à recusa dos trabalhadores na celebração de acordos de cessação do contato de trabalho, não instaurou sequer processo de despedimento por extinção dos postos de trabalho, optando antes por coloca-los em condições de trabalho que, também na nossa ótica, são humilhantes e mesmo vexatórias, ao não atribuir-lhes quaisquer funções. Aliás, quanto à intenção da Recorrente ao agir como agiu, a mesma ressalta afinal de modo bastante da factualidade provada, assim a de que os trabalhadores acedessem a rescindir os contratos de trabalho por mútuo acordo (entre outros, os pontos 38.º e 42.º quanto aos trabalhadores D... e C..., e os pontos 77.º e 78.º no que se refere ao trabalhador E...), sendo que, sabendo ainda, como se provou, que não podia ter trabalhadores em funções e sem trabalho e que essa situação provocava nos mesmos sentimentos negativos de angústia, humilhação e desgaste psicológico (pontos 96.º a 98.º), tal é o bastante para, nos termos supra enunciados, ter esse seu objetivo final como “ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável”, preenchendo-se deste modo todos os elementos exigidos para a verificação do conceito de assédio moral.
Por último, e aqui entramos já também na análise da última questão levantada pela Recorrente, assim sobre o elemento subjetivo da infração, que se assume como se disse anteriormente como diversa do preenchimento dos elementos exigidos para ser considerada assediante uma conduta, permitimo-nos dizer que, sendo sem dúvida voluntários os atos provados que integram a atuação da arguida considerada como assediante, a questão da imputação da infração a título de dolo poderia mesmo ter sido eventualmente equacionada, que mais não seja de dolo eventual – de um modo sintético, o dolo pode definir-se como o conhecimento e vontade de praticar o facto, revestindo qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º, do Código Penal: dolo direto (caso em que o agente representa o facto que preenche o tipo e atua com intenção de o realizar); dolo necessário (o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência necessária da sua conduta); dolo eventual (o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência possível da sua conduta e atua conformando-se com aquela realização).
Não o tendo sido, porém, a verdade é que também não nos repugna, assim face aos factos provados, que não tenha sido essa a solução encontrada e sim a de sancionar a arguida apenas a título de negligência – atuação do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz (artigo 15.º, do Código Penal) –, ou seja na consideração de que da factualidade provada apenas resulte sem dúvidas que se omitiu especial dever de cuidado, o que se aceita pois, tendo desde logo por base, como se disse já, os elementos efetivamente provados, assim no entendimento de que não sejam bastantes para, sem qualquer dúvida, se poder afirmar a existência de dolo, em qualquer das suas modalidades – ainda por aplicação do princípio in dúbio pro reo.
Concluindo, em conformidade com os fundamentos expostos, importa declarar totalmente improcedente o recurso interposto.
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Perante a improcedência do recurso, a Recorrente é condenada no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (artigos 513.º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74.º, n.º 4 do RGCO e 59.º e 60.º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8.º, n.º 4 e 5 e Tabela III do RCP).
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em considerar não provido o recurso interposto, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente/arguida, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.

Porto, 18 de dezembro de 2018
Nelson Fernandes
Rita Romeira
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[1] Nas palavras de CARLOS PEREIRA e SANDRA FERREIRA, in Guia Prática do Processo de Contraordenação Laboral e das Infrações à Segurança Social, pág. 132, «o juiz está limitado pelo princípio da proibição da reformatio in pejus. Arts. 409.º do CPP, 41.º e 72.º-A do DL n.º 433/82 de 27/10 e 60 da Lei n.º 107/2009 de 14/9».
[2] in Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e Outros, 9.ª Edição, 2013, Almedina, págs. 185-186
[3] Disponível m www.dgsi.pt.
[4] Disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[5] Como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 7 de dezembro de 2016, in www.dgsi.pt, “o assédio não implica necessariamente o elemento volitivo de afectar o trabalhador, o mesmo é dizer o dolo, bastando que o trabalhador seja afectado pelo comportamento do empregador que visava um fim ilícito; foi o que se passou no caso em presença: com o comportamento adoptado a arguida/recorrente visava encontrar forma de pôr fim à relação do trabalho com o trabalhador, utilizando para tal meios (retirada de funções, colocação em local sem as condições adequadas, etc.) vexatórios, humilhantes para com o trabalhador. Por isso, torna-se imperioso concluir que a arguida cometeu a contra-ordenação em causa.”