Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
Descritores: | CRIME DE INJÚRIA | ||
Nº do Documento: | RP20170913301/15.3GCSTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/13/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTADO N.º 45/2017, FLS.206-209) | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | Dirigir a outrem a expressão “vou pôr-te na linha, já te conheço há muitos anos e si bem que peça és”, no local de trabalho, perante os demais trabalhadores não revela pendor ofensivo nem da honra nem da consideração do visado. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Rec nº 301/15.3 GCSTS.P1 TRP 1ª Secção Criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. nº 301/15.3GCSTS do Tribunal da Comarca do Porto – Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos – J1 em que é arguido B…, e assistente C…. Na sequência da dedução de acusação particular pelo crime de injúrias p.p. pelo artº 181º CP e do requerimento de abertura de instrução formulado pelo arguido, foi por despacho de 8/2/2017 do Mº Juiz de instrução decidido não pronunciar o arguido pelo crime imputado De tal despacho recorre a assistente a qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: A. A Recorrente não se conforma com a decisão instrutória, que decidiu pela não pronúncia do Arguido relativamente à prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, previsto e punido nos termos do n.° 1 do artigo 180.° e alínea a) do n.° 1°.do artigo 183.° do Código Penal, estando em causa incorrecta aplicação do Direito. B. O Tribunal não considerou o facto de terem as expressões em causa sido proferidas no local de trabalho e perante demais colegas de trabalho. C. O Tribunal não considerou o relatório médico para averiguar se o resultado das expressões proferidas se quedou por serem as mesmas meramente desagradáveis para a Recorrente, D. O Tribunal considerou que as expressões utilizadas poderiam ter ‘algum conteúdo depreciativo”, quando na verdade todos os elementos linguísticos consideram que esse teor depreciativo e pejorativo existe, sempre e totalmente, sendo que da análise etimológica da palavra “laia” resulta entendimento no mesmo sentido. E. O arguido, aquando do proferir das expressões ora em causa e acima enunciadas, fê-lo com o claro e torpe intuito de vexar a ora Recorrente e de a ofender no âmago da sua honra e consideração. F. O Tribunal não teve em conta a ex-relação familiar entre Assistente e Arguido, o que sempre contextuaria e daria ainda mais relevo ao conteúdo das expressões usadas. O arguido respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência. O MºPº respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência. Nesta Relação a ilustre PGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. Foi cumprido o artº 417º2 CPP e o arguido respondeu ao parecer pugnando pela improcedência do recurso Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência. Cumpre apreciar. Consta do despacho recorrido (transcrição): “O arguido B… veio requerer a abertura da instrução por não se conformar com a acusação particular, formulada pela assistente C…, que lhe imputa a prática de um crime de injúria. O requerente alegou o que consta do requerimento de fls. 118 a 123 no sentido da falta de fundamento da acusação. Juntou os documentos de fls. 124 a 136. Não foram realizadas diligências instrutórias. Procedeu-se ao debate instrutório. Não há nulidades, questões prévias ou incidentais que ora cumpra conhecer. Nos termos do artigo 286.º do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da existência ou inexistência de indícios em ordem a submeter 1 ou não a causa a julgamento. Assim, se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia - artigo 308.º do Código de Processo Penal. Consideram-se suficientes os indícios quando deles resultar uma possibilidade razoável de condenação do arguido numa pena ou medida de segurança - artigo 283.º do Código de Processo Penal. Ponderando toda a prova recolhida no inquérito conjugada com a prova documental apresentada pelo requerente da instrução, afigura-se-nos ser de concluir pela atipicidade dos factos imputados ao arguido, nomeadamente no que concerne às expressões que teria dirigido à assistente. É evidente que as expressões indiciariamente utilizadas pelo arguido podem ter algum conteúdo depreciativo e-ser-consideradas - desagradáveis pela – destinatária - aqui assistente. No entanto, a acção penal não deve intervir perante qualquer lesão ou perigo de lesão de direitos subjectivos, nomeadamente quando pode estar em causa, como nos parece no caso presente, o direito à crítica recíproca e à liberdade de expressão nas relações humanas. Na expressão de Cezar Roberto Bittencourt, "a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. (...) É imperativa uma efectiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. (...) A irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau da sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida, como por exemplo, nas palavras de Roxin, "mau-trato não é qualquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somente uma lesão relevante; uma forma delitiva de injúria é só a lesão grave a pretensão social de respeito" ("Teoria Geral do Delito", p. 187 a 189). Em conclusão, os actos imputados ao arguido, embora possam ser considerados contrários às regras de urbanidade e boa educação, não se revestem de dignidade penal, e como tal, em julgamento, não seriam adequados a fundamentar uma condenação penal. Porque assim o consideramos, julgamos insuficientemente indiciado o elemento subjectivo do tipo legal de crime imputado ao arguido. Pelo exposto, nos termos do artigo 308.2 do Código de Processo Penal, não pronuncio o arguido b…, ordenando o arquivamento dos autos. Nos termos dos artigos 515.9, n.º 1, al. a) e 518.º do C.P.P., condeno a assistente c… nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em €102, de cujo pagamento se mostra dispensada por via do apoio judiciário que requereu. Notifique. * É a seguinte questão a apreciarSe as palavras em causa revestem caracter injurioso penalmente relevante * O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335)* Conhecendo:A questão a apreciar consiste em averiguar se as expressões proferidas pelo arguido: “Sei bem de que laia és” e “vou pôr-te na linha, já te conheço há muitos anos e sei bem que peça és” no local de trabalho desta e perante os demais trabalhadores, ofendem a honra e consideração da visada em grau elevado de modo a que mereçam a tutela do direito penal, tendo em conta o contexto em que foram proferida se as relações existentes entre os intervenientes. Não se mostra estarem em causa os indícios da ocorrência de tal acto, mas apenas a sua relevância jurídico-penal. No ilícito em apreciação (injuria) tutela-se a honra, como valor pessoal ou interior que cada pessoa tem por si, e a reputação ou consideração que a sociedade tem por essa mesma pessoa, que é posta em causa (em geral) pela divulgação de factos incluindo a suspeição e pela emissão de considerações (palavras ou expressões, in casu) ofensivas tanto na sua dimensão pessoal, como social. Tais conceitos de honra e consideração não estão dependentes da compreensão que cada um tem dos seus valores “morais” ou “ético-sociais” (subjectivos) mas resultam dos valores tal como emergem da sociedade (objectivos) aludindo o art. 26.º, n.º 1 CRP ao “bom nome e reputação, à imagem”, e o art. 70.º, n.º 1 CC à tutela geral da personalidade (“personalidade física ou moral”). Face à necessidade de conformação constitucional, o art. 18º 2 CRP impõe a sua vinculação ao princípio da intervenção mínima como limitador dos direitos liberdades e garantias, devendo o direito penal intervir apenas como última ratio (principio da subsidiariedade), e por isso só terão dignidade penal, os factos que atinjam o essencial das qualidades da pessoa para que esta tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Importa por isso averiguar se as expressões utilizadas pelo arguido supra identificadas têm esse pendor ofensivo. Se, de um modo geral, podemos dizer como no ac. RP 12/11/2014 www.dgsi.pt que “II- O caracter difamatório das expressões deve ser aferido de modo objectivo, e ter como paradigma o sentir geral da comunidade naquele local tendo em conta o ambiente e o modo como foram proferidas, a pessoa que o disse e a quem foi dito; e até que se possa considerar que “ (…) IV - No âmbito das relações de camaradagem, de trabalho ou convívio existe tolerância social à utilização de um discurso confidencial com alguma carga ofensiva, desrespeitosa ou mesmo grosseira em relação a outras pessoas, que por força do princípio da insignificância e da cláusula de adequação social não justificam a intervenção do direito penalmente” o certo é que visto aquele contexto embora estejamos no local de trabalho entre os intervenientes não existe relação laboral existindo, como se evidencia, animosidade (ou até algo mais). E visto o contexto tal como nos é transmitido pelas peças processuais e no local de trabalho e no âmbito de uma discussão entre os intervenientes (sendo apenas a assistente ali trabalhadora), afigura-se-nos efectivamente que aquelas expressões em que sobressai a “sei bem de que laia és” não reveste caracter ofensivo da honra e consideração devidas à assistente, pois apesar de se referirem-se a si e ao seu modo de ser (personalidade) com caracter depreciativo, não ultrapassam a falta de delicadeza e educação exigidas no relacionamento interpessoal, numa situação de discussão e conflito ali gerado, pois que ali não é qualificada a personalidade da assistente, mas apenas referenciada a sua laia, palavra que apenas por si tem uma conotação depreciativa. Ora “A honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale. A consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração e ao desprezo público” - Prof. Beleza dos Santos, RLJ, ano 92°, págs. 161 e 168, sendo que “a honra pode ser entendida como «a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente, à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter (…) ” enquanto que a consideração é o “património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros”, Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3ª. Edição, pág. 469. E se “O direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função” cf. Ac. RP de 12/6/02, recurso nº 332/02, onde mais se escreve “«é próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que se sente incomodada por outra «pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado.” O certo é também que “A injúria não se confunde com a grosseria; esta poderá ferir a susceptibilidade individual, todavia não atinge a dignidade pessoal referida à sua honra e consideração.” Cf. Ac. RL 21/11/90, proc. nº 0262323, sendo que a injúria é mais do que isso, e quando se pune um acto injurioso visa-se a protecção da sua dignidade, da sua honra e consideração. Se uma expressão não tem a potencialidade de pôr em causa o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima ou a reputação daquele a quem é dirigida não terá dignidade penal – Ac. RP de 25/6/2003 www.dgsi.pt - pelo que só tendo essa potencialidade estaremos perante uma injúria penalmente relevante e não mera indelicadeza ou falta de educação, pois que como crime supõe a imputação de factos ou a formulação de juízos sobre uma pessoa com caracter pejorativo e depreciativo mas não só pois como se expressa no ac. RP 8/3/2017 www.dgsi.pt “No crime de injúrias praticado por palavras, o significante utilizado tem de encerrar em si uma potência ofensiva, ou seja terá de ter um significado associável a significados padronizados ou padronizáveis com essência ou núcleo ofensivos”, significante esse que as palavras utilizadas pelo arguido, nomeadamente “Sei bem de que laia és” e “sei bem que peça és” não contêm, quer no seu significado geral e social, quer no contexto em que foram proferidas pois sendo depreciativas, a falta de qualificação do modo de ser da assistente impede que tais palavras tenham um significado ofensivo da honra e consideração merecedor de tutela penal, denotando apenas a existência de um conflito entre os intervenientes, propalando o seu autor que conhece bem a pessoa visada e não a aconselha, e deixa transparecer um comportamento socialmente desconsiderado, mas destituído de relevância penal, pois no contexto em que foram proferidas (numa discussão) estas expressões estão eivadas de aspereza e de agressividade assumiu um significado de desafio, de provocação ou até de ameaça, mas que não releva como ofensa à honra e consideração, cfr. neste sentido Ac. RC 6.1.2010, in CJ, I, 42 - in Ac. RP 12/11/2014 www.dgsi.pt, valoração esta ínsita na palavras “vou pôr-te na linha” e o facto de ser proferida perante outras pessoas, não interfere com a sua qualificação criminal ou não, mas apenas é factor agravativo em face da sua danosidade social. Deve por isso ser julgado improcedente o recurso. * Pelo exposto o Tribunal da Relação do Porto decide:Julgar improcedente o recurso interposto pela assistente e em consequência mantém a decisão sob recurso. Condena a assistente no pagamento da taxa de justiça de 4 Uc e nas demais custas. Notifique. Dn * Porto, 13/9/2017José Carreto Paula Guerreiro |