Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DO ROSÁRIO MARTINS | ||
Descritores: | ALÍNEA B) DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º DO DECRETO-LEI N.º 156/2005 DE 15 DE SETEMBRO LIVRO DE RECLAMAÇÕES | ||
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Nº do Documento: | RP202502124200/24.0Y9PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/12/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA ARGUIDA | ||
Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | A premissa prevista na alínea b), do n.° 1, do artigo 3.°, do Decreto-Lei n.° 156/2005, de 15 de Setembro mostra-se preenchida se o prestador de serviços ou fornecedor de bens retirar o livro de reclamações ao cliente antes de ter formalizado a sua reclamação, com o pretexto de desconhecer o procedimento a adoptar no caso de o cliente rasurar a folha e só o voltar a entregar na presença da autoridade policial. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo 4200/24.0Y9PRT.P1 Comarca do Porto Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz 1 Acordam em conferência os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO I.1. A..., Lda. impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida em 13.06.2024 no âmbito do processo de contraordenação n.º ... que correu na Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, que a condenou no pagamento de uma coima no valor de €4.000,00 (quatro mil euros), pela prática de uma contraordenação, p. e p. pelos artigos 3º, n.º 1, al. b) e 9º, n.º 1, al. a) e n.º 3, ambos do D.L. n.º 156/2005, de 15.09. * I.2. Por sentença proferida em 26.11.2024 o recurso de impugnação judicial interposto pela A..., Lda. foi decidido: “Em face do exposto, decido julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente "A..., Lda." e, em consequência, decido manter a decisão administrativa recorrida, datada de 13.06.2024, que condenou a recorrente no pagamento de uma coima no montante de € 4.000,00 pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 3.°, n.° 1, b), e 9.°, n.° 1, alínea a), e n.° 3, ambos do Decreto-Lei n.° 156/2005, de 15 de Setembro.” * I.3. A arguida A..., Lda. interpôs recurso da sentença, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral): “I. Não se conformando com a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual julgou improcedente a Impugnação Judicial por si apresentada e, em consequência, determinou a manutenção da decisão administrativa, a qual condena a aqui Recorrente no pagamento de uma coima no montante de 4.000,00€ (quatro mil Euros), pela prática da contraordenação p. e p. pelos artigos 3.°, n.° 1, alínea b) e 9.°, n.° 1, alínea a), e n.° 4, ambos do Decreto- Lei n.° 156/2005, de 15 de Setembro, vem a Recorrente, dela interpor recurso, nos termos dos artigos 73.°, 74.° e 75.°, do RGCO. II. Delimitando o objeto do recurso, consigne-se, desde já, que a Recorrente concebe que a decisão em sindicância andou mal quando determinou a errónea aplicação do direito, evidenciada ainda na não aplicabilidade do instituto da atenuação especial da coima. III. Para a presente ponderação, a Recorrente concebe o entendimento do Tribunal a quo no que respeita a aplicação das normas previstas no Decreto- Lei n.° 156/2005, de 15 de Setembro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.° 74/2017, de 21 de Junho, por a enunciada redação se revelar mais favorável (cfr. artigo 3.°, n.° 2, do RGCO). IV. Considerando o caso concreto e atentas as obrigações legais que impendiam sobre a Recorrente, designadamente, as previstas no artigo 3.°, do Decreto-Lei n.° 156/2005, incertezas não existem quanto à gratuitidade do fornecimento do livro, soçobrando-se a sentença em sindicância na alegada violação da imediatez de apresentação do mesmo. V. Analisada e sopesada a conduta da Recorrente, é por demais evidente que a mesma sempre cumpriu com as disposições legais que lhe eram exigíveis, tendo, imediatamente, apresentado o livro quando solicitado, o que, aliás, vem atestado na própria fundamentação do Tribunal a quo quando menciona «foi entregue o livro de reclamações a uma cliente (...)» (facto provado n.° 1), seguindo-se, num segundo momento e já após a constatação da postura envergada pela cliente, bem como da sua rasura no enunciado livro, de um mero pedido para aguardar, cuja a ilegitimidade era desconhecida da Recorrente. VI. Nesta ordem de ideias, e ao invés do que se consigna na decisão da qual se recorre, é entendimento da Recorrente não se encontrarem verificadas as condições objetivas de punibilidade e, consequentemente, não lhe sendo possível assacar qualquer responsabilidade contraordenacional. VII. Nos termos evidenciados ao longo da presente peça, é forçoso concluir que a Recorrente, forneceu gratuita e imediatamente o livro à cliente, não se encontrando, por isso, preenchida a premissa prevista na alínea b), do n.° 1, do artigo 3.°, do Decreto-Lei n.° 156/2005, de 15 de Setembro, aqui em apreço. VIII. Ao decidir em sentido diverso, condenando a Recorrente pela prática da contraordenação exposta, a sentença evidenciou uma violação ao princípio da legalidade (artigo 2.°, do RGCO), porquanto admitiu a imputação de uma contraordenação cuja conduta não preenche a previsão legal. Sem prescindir, IX. É entendimento da Recorrente que mal andou o Tribunal a quo quando determinou a não aplicação do instituto da atenuação especial da coima. X. Para a idónea ponderação, dever-se-á, antes de mais, de considerar que o RGCO não prevê, especificamente, uma disposição que preceitue a atenuação especial da coima, pelo que, por força do estipulado no seu artigo 32.°, somos remetidos para o artigo 72.°, do Código Penal. XI. Com efeito, para a ponderação da aplicação do enunciado instituto, dever-se-á considerar: i) o facto da Recorrente ser exímia cumpridora das disposições legais respeitantes ao fornecimento do livro de reclamações - o que se evidencia com o facto provado n.° 11, o qual atesta a inexistência de antecedentes contraordenacionais (desta e outra natureza) -, XII. ii) o facto de a conduta em sindicância nos presentes autos, ser exemplificativo disso mesmo, isto é, de uma tentativa de cumprimento das imposições legais aplicáveis - evidenciado, em parte, pelo facto provado n.° 4, quando atesta que a gerente da Recorrente «(...) pretendia certificar-se que a sua actuação seria em conformidade com o exigido pela lei» -, XIII. iii) bem como o facto de a conduta em apreço, não ter causado qualquer dano na esfera da consumidora - em virtude da mesma ter efetivado, posteriormente, a reclamação -, contrariamente ao alegado em sentença em crise, a qual não cuida especificar a que danos se reporta, XIV. inexistindo ainda a obtenção de qualquer benefício económico com a conduta. XV. Por tudo o quanto se expôs, resulta evidente a inerente diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente e, consequentemente, da necessidade da pena. XVI. Sempre se reitere que estamos perante um agente primário que, perante uma situação que à data lhe era desconhecida, atuou com patente boa-fé, com o cuidado exigível, desconhecendo a ilegitimidade da sua atuação e que, desde a data dos factos, isto é, desde 14 de Junho de 2021, à presente data, não cometeu qualquer tipo de contraordenação. XVII. Este circunstancialismo deveria ter sido ponderado na determinação de uma atenuação especial da coima, desde logo, porque evidencia não só o comportamento adotado pela Recorrente posteriormente aos autos - pautado pelo exímio cumprimento das disposições legais aplicáveis -, como também atesta as diminutas exigências de prevenção especial e geral que a conduta em crise representa. XVIII. Ainda nesta ordem de ideias, é entendimento da aqui Recorrente que mal andou o Tribunal a quo quando, ao decidir como decidiu, se exime de valorar a factualidade supra indicada, focando-se, ao invés, em argumentos baseados em conjeturas que elabora, sem respaldo na factualidade dada como provada, como é o caso de «(...) a circunstância de a utente ter conseguido apresentar a sua reclamação deveu-se apenas à presente da PSP no local (...)» - isto porquanto poder-se-ia invocar que tal não se sucedeu apenas pela intervenção do agente no local, sendo certo que se a indicação fornecida pelo mesmo fosse fornecida pela autoridade administrativa aquando o seu contacto, o desfecho teria sido igual. XIX. Acresce ainda ao supra disposto, a consideração do Tribunal a quo quando, num primeiro momento, invoca que a inexistência de um «sentido autocrítico» não poder prejudicar a Recorrente (sendo certo que a também não pode beneficiar), contudo, num segundo momento, usa essa mesma ausência para fundamentar a não aplicabilidade do instituto - evidenciando assim uma gritante contradição. XX. A enfatizar o supra referenciado, considere-se ainda que, contrariamente ao invocado pelo Tribunal a quo, quando alega que «a conduta em causa é considerada de elevada gravidade pelo legislador», o legislador não previu, nos diplomas aqui aplicáveis, a qualificação do tipo contraordenacional em apreço como «grave» ou «muito grave», motivo pelo qual a afirmação em apreço não passa de uma mera convicção do julgador, isto porque caso fosse essa a intenção do legislador, tal entendimento encontraria reflexo nos respetivos diplomas legais aplicáveis - o que reitera as baixas exigências de prevenção geral. XXI. À factualidade descrita, acresce o facto de a cliente ter efetivado a reclamação, bem como da Recorrente ter, prontamente, provido pela devolução do montante que gerou a enunciada reclamação em primeiro lugar, o que evidencia uma clara demonstração de arrependimento do constrangimento que a conduta em sindicância eventualmente causou na esfera da consumidora. XXII. Ora, ao pretender dar o idóneo tratamento à reclamação em causa, ao assegurar a efetivação da mesma, num momento posterior, bem como ao proceder à devolução dos montantes numa tentativa de compensar a cliente por eventuais inconvenientes - o que, mais uma vez, evidencia a boa-fé da Recorrente -, não tendo, após o sucedido, cometido qualquer tipo de contraordenação (desta natureza ou de outra), estamos perante fatores que, por si só, evidenciam atos demonstrativos de arrependimento - factualidade prevista na alínea c), do n.° 2, do artigo 72.°, do CP, como circunstância apta a diminuir, de forma acentuada, a ilicitude do facto, a culpa do agente e a necessidade da pena, designadamente, pelas diminutas necessidades de prevenção especial e geral. XXIII. Considere-se ainda o hiato temporal decorrido entre a prática do facto e a presente data, estamos a falar de 3 anos, 5 meses e 21 dias, período durante o qual a Recorrente, exemplarmente, cumpriu todas as disposições legais que sobre si impendiam. XXIV. Por esse motivo, não só crê a Recorrente que inexistem motivos que, à presente data, fundamentem a necessidade da pena, tendo a Recorrente já interiorizado o desvalor da sua conduta e provido pela sua correção, como é seu entendimento que manteve, desde a referenciada data, uma conduta exemplar. Motivo pelo qual, é seu entendimento que, a acrescer ao exposto, encontra-se ainda verificada a alínea d), do n.° 2, do artigo 72.°, do CP. XXV. Por tudo o quanto se expôs, é entendimento da Recorrente que se encontram verificados os pressupostos dos quais depende a aplicação do instituto de atenuação especial da pena, devendo a coima aplicada ser especialmente atenuada nos seus limites mínimos e máximos, por força do artigo 72.°, n.° 1 e 2, alíneas c) e d), aplicável ex vi artigo 32.°, do RGCO. XXVI. Pelo que, de uma coima aplicável cuja moldura se fixava em 3.750,00€ (mínimo) e 7.500,00€ (máximo) - por força do disposto no artigo 9.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 156/2005 -, deverão os referenciados mínimos serem reduzidos para metade em razão da atenuação especial, cifrando-se a nova moldura em 1.875,00€ (mínimo) e 3.750,00€ (máximo). XXVII. Assim sendo, a considerar-se a manutenção da necessidade de aplicação de coima, dever-se-ia promover pela aplicação de uma coima especialmente atenuada, cujo novo montante se estabeleceria em 1.875,00€, sendo tal redução ajustada e proporcional à eficácia punitiva. XXVIII. Ao decidir em sentido inverso ao supra exposto, atuou o Tribunal a quo em clara violação dos princípios da proporcionalidade e adequação, bem como das disposições aplicáveis, artigo Ao decidir em sentido inverso ao supra exposto, atuou o Tribunal a quo em clara violação dos princípios da proporcionalidade e adequação, bem como das disposições aplicáveis, artigo 72.°, do CP, ex vi artigo 32.°, do RGCO e artigo 18.°, n.° 3, do RGCO. XXIX. Considere-se, por fim, que sempre deveria pesar na ponderação do Tribunal a quo, a apresentação pela Recorrente de um resultado líquido negativo de 46.859,25€, relativo ao ano de 2023, o que, por si, indica a frágil situação económica que a mesma atravessa. XXX. Ora, conforme elucida o artigo 18.°, n.° 1, do RGCO, a ponderação da situação económica do agente deverá ter reflexo na determinação da medida da coima, o que, in casu, não nos figura ter sucedido, tendo, ao invés, sido aplicada uma coima consideravelmente desproporcional à situação económico-financeira que a Recorrente atualmente atravessa, impondo-se assim a sua respetiva redução nos termos supra evidenciados. XXXI. Ao decidir em sentido inverso ao supra exposto, atuou o Tribunal a quo em clara violação do princípio da proporcionalidade, bem como do disposto no artigo 18.°, n.° 1, do RGCO. Assim, XXXII. Deverá, por tudo o supra evidenciado, ser a decisão em crise revogada e substituída por outra que decida em conformidade com o supra evidenciado. XXXIII. A sentença recorrida, eventualmente entre outras normas e princípio jurídicos, violou os artigos 2.° e 18.°, do RGCO e 72.°, do CP ex vi 32.°, RGCO.” Pugna pela revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que decida em conformidade com o exposto nas conclusões supra elencadas. * I.4. O Ministério Público, na resposta ao recurso, sem formular conclusões, pronunciou-se pela improcedência do recurso interposto pela arguida e manutenção da decisão recorrida. * I.5. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * I.6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público. * I.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. **** II- FUNDAMENTAÇÃO II.1- Objecto do recurso Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt). Assim, da análise das conclusões apresentadas pela recorrente extraímos sequencialmente as seguintes questões que importam apreciar e decidir: 1ª A subsunção jurídica dos factos ao direito; Subsidiariamente, 2ª A aplicação do instituto da atenuação especial da coima. Subsidiariamente, 3ª A medida concreta da coima. *** II.2- Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes) “II - Fundamentação de facto: Factos provados: Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 14 de Junho de 2021, pelas 19h e 10min., no centro de estética, denominado "B...”, sito na Rua ..., no Porto, explorado pela arguida acima identificada, foi entregue o livro de reclamações a uma cliente (AA), mas, após esta ter rasurado uma das páginas ao escrever a reclamação, inutilizando-a, aquele livro foi-lhe retirado pela gerente. 2. Face à recusa foi solicitada pela cliente AA a intervenção da autoridade policial, e foi só na presença dos agentes da PSP, após lhe ter sido explicado qual o procedimento a adoptar na situação de rasura de uma folha do livro de reclamações, que a representante da arguida voltou a facultar o livro de reclamações à reclamante, permitindo assim que esta exercesse o seu direito de reclamação. 3. A gerente do estabelecimento, BB, retirou e não entregou de novo o livro de reclamações à reclamante antes do descrito em 2), em virtude de esta ter rasurado uma folha, tendo referido que apenas lhe daria o livro na presença da autoridade. 4. Com a conduta referida em 3), a gerente da recorrente pretendia certificar-se que a sua actuação seria em conformidade com o exigido pela lei. 5. Enquanto agente económico, ao decidir explorar este tipo de atividade, a arguida tinha o dever de cumprir escrupulosamente as obrigações legais que regem essa atividade, consultando periodicamente o livro de reclamações e exercer o seu dever de vigilância sobre a atuação dos colaboradores ao seu serviço, garantindo que essas obrigações são cumpridas. 6. Com a conduta descrita em 1) a 3), a recorrente não actuou com a precaução, cuidado e zelo exigidos por Lei, por forma a conhecer os procedimentos no âmbito do livro de reclamações no caso de um cliente se ter enganado no preenchimento do mesmo. 7. No ano de 2021, a recorrente apresentou rendimentos de € 305.176,80 e um volume de negócios no valor de € 287.814,67. 8. No ano de 2023 a recorrente apresentou rendimentos no valor de € 512.786,50 e um resultado líquido negativo de € 46.859,25. 9. A recorrente desenvolve a sua actividade desde o ano de 2019. 10. No dia 14 de Junho de 2021 a recorrente empregava 13 trabalhadores. 11. A recorrente não tem antecedentes contra-ordenacionais. * Factos não provados:Com interesse para a decisão da causa, resultou não provado que: 1. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1) dos factos provados, a gerente da recorrente informou a cliente que iria tentar entrar em contacto com a linha de apoio da ASAE, a fim de esclarecer qual o procedimento adequado no caso de rasura de uma folha. 2. A cliente AA tinha o livro de reclamações à sua disposição quando contactou a PSP. 3. A gerente da recorrente desconhecia se o pedido que fez à cliente para aguardar em virtude de necessitar de indicações para o preenchimento do livro de reclamações seria ilegítimo. 4. No ano de 2022, a recorrente apresentou rendimentos de € 305.176,80 e um volume de negócios no valor de € 287.814,67. * (…)Motivação: A convicção do Tribunal formou-se com base na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, nos termos que a seguir se vão descrever, efectuada de acordo com as regras da lógica e da experiência comum relacionadas com o tipo de factos em causa nos autos. O facto provado n.° 9 resultou incontrovertido, não tendo sido colocado em causa pela recorrente. Acresce que resultou também da análise do documento de fls. 28 (certidão permanente). O facto provado n.° 7 resultou do documento de fls. 24-26, sendo que se extrai da Declaração de IRC apresentada pela recorrente que os valores ali mencionados referem-se ao período de 01.01.2021 a 31.12.2021, ainda que a declaração tenha sido apresentada no ano de 2022 (facto não provado n.° 4 - quando interpretado no sentido de a "apresentação" de rendimentos se referir ao período a que se reportam e não ao momento em que foram comunicados à AT). O facto provado n.° 8 retirou-se do documento junto pela recorrente sob a ref. n.° 40498260. Os factos provados n.° 1 a 3, e o facto não provado n.° 3, assim foram considerados após análise conjugada dos depoimentos das testemunhas AA (a utente que chamou a PSP ao local, e que posteriormente acabou por formalizar uma reclamação) e CC, agente da PSP que se deslocou ao local dos factos e que presenciou parte deles, conforme se descreverá, interpretados à luz de regras de experiência comum e juízos de normalidade, nos termos que se exporão infra. Primeiramente diremos que, em relação a esta matéria, a gerente da recorrente, BB, quando prestou declarações disse, no essencial, que após a cliente ter rasurado uma folha do livro de reclamações, do início ao fim, após ter começado a escrever o endereço, apenas disse àquela para esperar porque ia ligar à ASAE ou ao contabilista para saber o que fazer, porque não sabia se poderia continuar a preencher o livro de reclamações. Afirmou que não tirou o livro à testemunha AA, e que aquele se manteve sempre em cima do balcão até à chegada da PSP (algo contrário, conforme se dirá abaixo, ao que decorre do depoimento quer da testemunha AA, quer da testemunha CC). Acrescentou que quando disse à cliente para esperar (para não continuar a preencher o livro), esta respondeu a dizer que agora "ia ver", que ia chamar a polícia, tendo-o feito de seguida. A gerente da recorrente referiu ainda que quando a PSP chegou ao estabelecimento a cliente AA encontrava-se muito alterada, não a deixava falar e dizia que estava a mentir (matéria que, conforme se verá, também não foi confirmada pela testemunha CC, agente da PSP que se deslocou ao local). Esta versão dos factos é significativamente díspar da que resulta da testemunha AA. Esta referiu, no essencial, que após ter pedido a entrega do livro de reclamações (por motivos irrelevantes para a resolução da questão colocada nos presentes autos), este acabou por lhe ser entregue, tendo começado a escrever uma reclamação no mesmo. Explicou que porque se enganou no preenchimento da sua identificação (colocara no espaço destinado à identificação da empresa), rasurou a folha toda, e que, após esse momento, quando ia escrever a reclamação na folha seguinte, o livro foi-lhe retirado pela gerente da recorrente, que pegou nele com as suas mãos (ou seja, não houve um mero pedido para aguardar até ter indicações sobre como proceder - facto não provado n.° 3). Mais disse que a gerente lhe disse que não o podia utilizar porque tinha riscado a folha, ao que a cliente explicou que se tinha enganado e que a parte escrita ficava sem efeito - tendo ainda mencionado que os agentes da PSP, após a sua chegada ao local, explicaram isso mesmo à gerente da recorrente, e que, nesse momento, a gerente respondeu aos preditos agentes que retirou o livro porque não sabia se a cliente podia, ou não, continuar a escrever. A testemunha acrescentou que chamou a PSP porque o livro não lhe foi devolvido após lhe ter sido retirado e porque pretendia avançar com a realização de uma reclamação. Mais explicou que o livro apenas lhe foi devolvido após a chegada da PSP (o que demorou entre 20 a 30 minutos após a sua chamada). A testemunha AA referiu ainda que a gerente da recorrente a dada altura (antes da chegada da PSP) ligou para alguém (cuja identidade desconhece) e disse que havia uma pessoa que queria apresentar uma reclamação no respectivo livro (não tendo ouvido o restante teor dessa conversa); e que depois de chamar a PSP e até esta chegar não insistiu mais pela entrega do livro, tendo aguardado sentada na sala de espera, em silêncio. Esta testemunha esclareceu ainda que após lhe ter retirado o livro, a gerente da recorrente nunca lhe disse para fazer a reclamação, e reiterou que não lhe devolveu o dito livro antes da PSP chegar ao local e dizer para fazer isso mesmo. Negou que a gerente lhe tivesse dito para esperar porque ia ligar para a ASAE ou para o seu contabilista (facto não provado n.° 1). Cumpre referir que o depoimento desta testemunha foi prestado de forma espontânea, detalhada, coerente e lógica, tendo demonstrado conhecimentos directos e profundos sobre as realidades em relação às quais depôs. Acresce que o seu depoimento foi confirmado (por serem compatíveis), de forma muito relevante, pelo depoimento do agente da PSP CC, conforme se passará a explicar. De facto, a testemunha CC, no essencial, referiu que quando chegou às instalações da recorrente (previamente fora-lhe comunicada a existência de uma situação de recusa de entrega do livro de reclamações), falou primeiro com a participante (AA), tendo esta dito explicado que o livro lhe tinha sido retirado porque havia rasurado uma folha por engano. A testemunha CC referiu que, nesse seguimento, falou com a gerente do estabelecimento, que confirmou que não sabia qual o procedimento a adoptar face ao facto de o livro ter sido rasurado, que por isso o tinha tirado à cliente, e que lhe tinha dito (à utente) que apenas o voltaria a dar na presença da PSP [conforme já se pode concluir, tal aspecto, que confirma as (e é confirmado pelas) declarações da testemunha AA, contraria de forma frontal a versão dada pela gerente da recorrente, já que esta disse nunca ter tirado o livro à cliente, que este se manteve sempre disponível, e que apenas pedira à utente para aguardar até saber como proceder na situação em causa]. A testemunha CC mais referiu que, nesse seguimento, explicou à gerente que não devia ter tirado o livro à cliente, que, pelo contrário, devia ter deixado a mesma escrever até ao fim. Confirmou também esta testemunha, agente da PSP, que o livro foi dado à cliente na sua presença. A testemunha não conseguiu pormenorizar o local concreto onde o livro se encontrava quando chegou ao estabelecimento explorado pela recorrente, mas assegurou saber que não estava em cima do balcão (realidade esta em relação à qual não demonstrou qualquer hesitação). O depoimento desta testemunha foi prestado de forma imparcial (notando-se que não tem qualquer interesse no desfecho dos autos), escorreita, assertiva e coerente, tendo merecido toda a credibilidade. Decorre, portanto, destes dois depoimentos uma versão dos factos no essencial homogénea e compatível, que se contrapõe com a que foi apresentada pela sócia-gerente da recorrente. Mas diremos também que a versão da gerente da recorrente, ao contrário da prestada pelas testemunhas AA e CC, não se nos afigura lógica. Primeiro porque se o livro se manteve sempre disponível, pronto a utilizar pela testemunha AA, inexistiria razão para esta chamar a PSP (nenhuma resultou minimamente provada), o que a obrigaria a permanecer no espaço da recorrente, com prejuízo para a sua vida pessoal, pelo menos até à chegada dessa força policial (e saliente-se que esta testemunha não demonstrou no seu depoimento qualquer indício de um sentimento de vingança que a pudesse ter motivado a agir infundadamente contra a recorrente - aliás, no início das suas declarações até demonstrou desconhecer o porquê de ser convocada pelo Tribunal). Depois, não se compreenderia também o porquê de o agente da PSP CC ter dito que, primeiramente, o livro não se encontrava em cima do balcão, depois que ouviu a gerente da recorrente assumir que não sabia qual o procedimento a adoptar face ao facto de o livro ter sido rasurado, que por isso o tinha tirado à cliente e dito a esta que apenas o voltaria a dar na presença da PSP, e, por fim, porque é que diria que presenciou a entrega do livro (o que pressupõe que o mesmo não estivesse disponível para a cliente o utilizar - facto não provado n.° 2) - não tendo esta testemunha qualquer interesse no desfecho do processo (já que apenas conhece a testemunha AA e a gerente da recorrente do exercício das suas funções), porque faltaria à verdade, cometendo um crime (com todas as consequências que poderiam advir para a sua carreira profissional)? A recorrente apresentou duas testemunhas, DD e EE, ambas funcionárias da recorrente, que, no essencial, referiram que viram o livro em cima do balcão. A primeira dessas testemunhas começou o seu depoimento a dizer que não se lembra de muita coisa, que não ficou "cem por cento" do tempo na recepção, que não sabe como tudo se passou. Mas depois referiu que o livro de reclamações "esteve lá a todo o momento", que quando a cliente pediu foi-lhe entregue, que o viu em cima da bancada da recepção. Depois referiu que não viu mais nada, apenas o livro em cima do balcão. Disse que desde que a gerente da recorrente deu o livro à cliente até ao momento em que foi embora passaram-se cerca de 20 minutos, durante os quais passou pela recepção quatro vezes (momentos nos quais, repetiu, viu o livro em cima do balcão). Disse ainda que durante o tempo que a PSP demorou a chegar ao local a testemunha AA manteve-se sempre em pé, do lado de fora do balcão, e a gerente BB, também de pé, do lado de dentro do mesmo balcão (versão contrariada pela testemunha AA). Quer esta testemunha, quer a testemunha EE foram, ao longo dos seus depoimentos, e nalguns momentos até de forma algo desconexa com o resto do seu discurso, repetindo a mensagem de que viram o livro de reclamações em cima do balcão, denotando nesses momentos um discurso preparado e pouco espontâneo. Ambas salientaram que não estiveram sempre no local, que iam passando pelo mesmo de forma espaçada no tempo. Ora, considerando a forma como prestaram declarações, por vezes denotando parcialidade e pouca naturalidade no discurso (sendo que mantêm um vínculo laboral com a recorrente, que é a entidade patronal daquelas), bem como porque os seus conhecimentos não se mostraram profundos (assumidamente presenciaram somente alguns momentos do sucedido, espaçados, não contínuos) e porque as suas declarações foram infirmadas não só pelo depoimento da testemunha AA, mas também da testemunha CC (aos quais, pelos motivos já expendidos, foi atribuída credibilidade), a versão dos factos aduzida por estas duas testemunhas, DD e EE, não logrou convencer o Tribunal da sua veracidade. No que se refere ao facto provado n.° 4, diremos que a prova permite concluir pelo menos isso, ou seja, que a gerente da recorrente retirou o livro à cliente porque não sabia como proceder na situação de o livro ser rasurado (e não apenas que lhe fez um pedido para aguardar, desconhecendo se esse pedido para esperar seria ilegítimo - facto não provado n.° 3 – o que constituem realidades díspares). Tal versão dos factos é plausível (embora também a fosse a de, somada a essa motivação, a gerente querer também, efectivamente, dificultar e assim dissuadir a testemunha AA de apresentar uma reclamação - contudo, a prova apresentada não foi suficiente para tal concluir, de forma isenta de qualquer dúvida) e encontrou suporte, entre o mais, no depoimento da testemunha CC (na medida em que esta testemunha afirmou que quando se deslocou ao estabelecimento a gerente já apresentara essa motivação para ter tirado o livro, ou seja, que o fizera porque não sabia como proceder) e da testemunha AA (ainda que esta não tivesse confirmado que a gerente da recorrente lhe tivesse dito que ia ligar à ASAE ou ao contabilista, o enquadramento da conduta daquela, que ocorreu após haver uma rasura do livro, acaba por corroborar esta motivação). Quanto à factualidade relativa ao elemento subjectivo (factos provados n.° 5 e 6) criou-se convicção positiva através da análise da demais factualidade provada à luz de regras de experiência comum e juízos de normalidade. De facto, o comum dos operadores económicos (e respectivos sócios-gerentes), principalmente os que têm como actividade principal prestar habitual e intensamente serviços ao público (como a recorrente), sabe (porque esta é uma informação amplamente difundida na sociedade) da obrigação de deter um livro de reclamações e de este ter que estar sempre disponível para ser apresentado aos clientes, se pedido. Aliás, tanto era do conhecimento da recorrente tal obrigação que a mesma tinha um livro de reclamações afecto àquele. Contudo, apesar de conhecer essa obrigação, e de certamente saber da importância do seu cumprimento, a gerente da recorrente não sabia qual o procedimento a adoptar no caso de um cliente rasurar uma folha. Também podia e devia prever que tal desconhecimento poderia dar causa à situação que acabou por suceder, ou seja, que o livro fosse retirado a um cliente até se apurar como agir, tornando-o temporariamente inacessível, mas apesar de tudo, não se conformou com tal hipótese. O facto provado n.° 10 resulta do documento junto aos autos sob a ref. n.° 40756240, e o facto n.° 11 do documento junto sob a ref. n.° 40088091. * III - Fundamentação de direito:A arguida foi condenada pela prática da prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 3.°, n.° 1, b), e 9.°, n.° 1, alínea a), e n.° 3, ambos do Decreto-Lei n.° 156/2005, de 15 de Setembro * Questão prévia:O artigo 9.° do D L. n.° 156/2005, de 15 de Setembro, à data dos factos (a 14.06.2021) tinha a seguinte redacção: «1 - Constituem contraordenações puníveis com a aplicação das seguintes coimas: a) De (euro) 250 a (euro) 3500 e de (euro) 1500 a (euro) 15 000, consoante o infrator seja pessoa singular ou coletiva, a violação do disposto nas alíneas a), b) e e) do n.° 1 do artigo 3. °, nos n.os 1 e 2 do artigo 5.°, no n.°3 do artigo 5. °-A, nos n.os 1 a 3 do artigo 5. °-B e nos n.os 1 e 3 do artigo 8. b) De (euro) 150 a (euro) 2500 e de (euro) 500 a (euro) 5000, consoante o infrator seja pessoa singular ou coletiva, a violação do disposto no n.° 3 do artigo 1. °, nas alíneas c) e d) do n.° 1 e nos n.os 2, 3 e 5 do artigo 3. °, nos n.os 3 e 4 do artigo 4.°, nos n.os 4 e 5 do artigo 5. °, no n.°4 do artigo 5.°-B, no n.° 6do artigo 6.°e nos n.os 2 e 5 do artigo 8. ° 2- A negligência é punível sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade. 3- Em caso de violação do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 3. °, acrescida da ocorrência da situação prevista no n.° 4 do mesmo artigo, o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista. 4- (Revogado.)» Por força desta norma, na redacção acima transcrita (dada pelo Decreto-Lei n.° 74/2017, de 21 de Junho), a contra-ordenação prevista no artigo 3.°, n.° 1, alínea b), e n.° 4, era punido com coima de € 1.500,00 até € 15.000,00, com a agravante de o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista (ou seja, € 7.500,00). Quanto ao número de trabalhadores empregados pela recorrente, apurou-se que à data dos factos esse número era de 13. Ora, após a alteração de tal norma por força do D.L. n.° 9/2021, de 29 de Janeiro [RJCE - que entrou em vigor 180 dias após a sua publicação (cfr. artigo 183.°), ou seja, a 28.07.2021], considerando que a recorrente, por empregar 13 pessoas, é classificada como "Pequena Empresa", a mesma contra-ordenação passou a ser punida com uma coima de € 8.000,00 até € 30.000,00 [cfr. artigo 9.°, n.° 1 e 3 do D.L. n.° 156/2005, de 15 de Setembro, em articulação com o artigo 18.°, alínea c), subalínea iii) do RJCE]. Em ambos os diplomas legais (no D.L. n.° 156/2005, de 15 de Setembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 74/2017, de 21 de Junho, e no RJCE) a negligência é punida com os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade (artigo 9.°, n.° 2, do primeiro diploma, e artigo 8.°, n.° 2, do RJCE). Face ao exposto, atendendo ao disposto no artigo 3.°, n.° 3, do RGCO, bem como ao artigo 182.°, n.° 1, do D.L. n.° 9/2021, de 29.01, considera-se ser mais favorável à recorrente a redacção das normas dada pelo D.L. n.° 156/2005, de 15 de Setembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 74/2017, de 21 de Junho - tal como o fez a autoridade administrativa. * Dispõe o artigo 3.°, n.° 1, al. b) do D.L. n.° 156/2005, de 15 de Setembro, que "o fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a (...) b) facultar imediatamente e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado”.Por seu turno, dispõe o n.° 4 do mesmo normativo que "Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o sector em causa". A não entrega imediata do livro de reclamações é punida, conforme já se mencionou, como contra-ordenação e com coima de € 7.500,00 até € 15.000,00 [cfr. artigo 9.°, n.° 1, alínea a), e n.° 3, do D.L. n.° 156/2005, de 15 de Setembro. Tratando-se de conduta negligente o limite mínimo e máximo da coima aplicável é reduzido a metade, passando, portanto, de € 3.750,00 a € 7.500,00. No vertente caso, resultou provado que no dia 14 de Junho de 2021, pelas 19h e 10min., no centro de estética, denominado "B...”, explorado pela arguida, foi entregue o livro de reclamações a uma cliente (AA), mas, após esta ter rasurado uma das páginas ao escrever a reclamação, inutilizando-a, aquele livro foi-lhe retirado pela gerente, apenas tenho sido disponibilizado novamente à mencionada cliente após a chegada da PSP. De facto, a norma prevê a entrega imediata do livro no estabelecimento, o que pressupõe que o mesmo esteja sempre acessível ao cliente. Com efeito, o identificado diploma legal, ao impor a obrigatoriedade de os estabelecimentos comerciais possuírem o Livro de Reclamações e de o facultarem imediatamente ao utente, quando por ele solicitado, veio tornar mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar, de imediato, no local onde um conflito de consumo possa ocorrer. Se tal dever não for cumprido, perde-se, totalmente, a eficácia que se pretendeu atribuir ao Livro de Reclamações, enquanto instrumento de prevenção de conflitos, ficando prejudicados os direitos dos consumidores, cuja defesa tem dignidade constitucional (cfr. artigo 60.° da Constituição da República Portuguesa). A entrega imediata e gratuita visa evitar constrangimentos no exercício do direito de queixa/reclamação, ainda que possa ser infundada, o que poderia conduzir a que o utente venha a desistir do exercício desse direito, ao esperar pela respectiva entrega. Ora, no presente caso, resultou provado que o livro apenas foi apresentado à cliente, mas depois foi-lhe retirado, antes de ser realizada a reclamação, bem como que apenas foi disponibilizado novamente à mencionada cliente após a chegada da PSP ao local. Dito isto, há que concluir que para os efeitos pretendidos pela lei, a recorrente acabou por não facultar à utente o livro de reclamações, já que, ainda antes desta ter formalizado a reclamação que pretendia apresentar, o livro foi-lhe retirado. No caso concreto, atentas as circunstâncias, conclui-se que recorrente, através da sua gerente, teve um comportamento que condicionou efectivamente a apresentação da reclamação pretendida (isto independentemente de a gerente da recorrente pretender certificar-se que a sua actuação se encontrava em conformidade com o exigido pela lei), o que não é razoável nem aceitável, já que constitui um obstáculo ao exercício do direito de apresentar uma reclamação e é, assim, violador da lei. Ora, resultou também provado que a arguida, que tinha o dever de cumprir escrupulosamente as obrigações legais que regem a actividade que desenvolve, não actuou com a precaução, cuidado e zelo exigidos por Lei, por forma a conhecer os procedimentos no âmbito do livro de reclamações no caso de um cliente se ter enganado no preenchimento do mesmo, tendo essa falta de diligência causado a situação acima referida. Actuou, pois, de forma negligente. (…) A recorrente considera que no presente caso verificam-se circunstâncias que justificam a atenuação especial da coima, concretamente, a diminuta ilicitude do facto, não terem sido causados danos graves aos consumidores e ainda o facto de a utente ter conseguido apresentar a sua reclamação. Não concordamos com tal entendimento. De facto, primeiramente há que salientar que a conduta em causa é considerada de elevada gravidade pelo legislador, pelo que inclusivamente sentiu necessidade elevar a moldura da coima em relação às demais situações previstas no artigo 9.°, n.° 1, do D.L. n.° 156/2005, de 15.09. Depois, a circunstância de a utente ter conseguido apresentar a sua reclamação deveu-se apenas à presente da PSP no local - sem a qual o livro acabaria por não ter sido disponibilizado. Os danos causados à utente/consumidora são os normais para o ilícito em causa. Acresce que a recorrente não evidenciou, no seu comportamento posterior aos factos, qualquer arrependimento ou sentido autocrítico (a ausência de uma atitude autocrítica não a prejudica, mas, por outro lado, caso existisse poderia ser considerada um elemento abonatório que justificasse a atenuação especial da pena). Ao que acresce que este ilícito contra-ordenacional tem tido maior expressão nesta cidade do Porto, o que faz com que as exigências de prevenção geral também desaconselhem uma atenuação especial da coima. Em suma, considera-se que a coima concretamente aplicada pela autoridade administrativa, próxima do mínimo legal, é ajustada, sendo que uma redução da mesma comprometeria a sua eficácia punitiva, passando a mensagem errada sobre a gravidade da infracção, o que contribuiria para um sentimento de impunidade em relação à prática que motivou a aplicação da coima.” *** II.3- Apreciação do recurso II.3.1. Da subsunção jurídica dos factos ao direito §1. A recorrente entende que não lhe é possível assacar qualquer responsabilidade contraordenacional por não estar preenchida a premissa prevista na alínea b), do n.° 1, do artigo 3.°, do Decreto-Lei n.° 156/2005, de 15 de Setembro. Para tal alega sucintamente que a recorrente cumpriu com as disposições legais que lhe eram exigíveis, tendo, imediatamente, apresentado o livro quando solicitado, seguindo-se, num segundo momento em já após a constatação da postura envergada pela cliente, bem como da sua rasura no enunciado livro, de um mero pedido para aguardar, cuja a ilegitimidade era desconhecida da recorrente. Invoca como norma violada o artigo 2º do Regulamento Geral das Contraordenações (doravante RGCO). Adiantamos, desde já, que não assiste razão à recorrente. * §2. Na situação em apreço está em causa a prática de uma contraordenação prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 74/2017, de 21/06 (e que entrou em vigor em 01.07.2017), diploma que estabelece a obrigatoriedade de disponibilização do livro de reclamações a todos os fornecedores de bens ou prestadores de serviços que tenham contacto com o público em geral (cfr. artigo 1º). Neste, como nos demais artigos seguidamente citados sem menção diversa, atender-se-á à redacção introduzida pelo DL nº 74/2017, de 21 de Junho, por ser o regime que, de entre os diversos que se sucederam, se revela concretamente mais favorável para o infractor em conformidade com o que foi decidido na 1ª instância. O preâmbulo do D.L. 156/2006 aponta para a ratio legis do diploma: “O livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa, ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu. A criação deste livro teve por base a preocupação com um melhor exercício da cidadania através da exigência do respeito dos direitos dos consumidores. A justificação da medida, inicialmente vocacionada para o sector do turismo e para os estabelecimentos hoteleiros, de restauração e bebidas em particular, prendeu-se com a necessidade de tornar mais célere a resolução de conflitos entre os cidadãos consumidores e os agentes económicos, bem como de permitir a identificação, através de um formulário normalizado, de condutas contrárias à lei. É por este motivo que é necessário incentivar e encorajar a sua utilização, introduzindo mecanismos que o tornem mais eficaz enquanto instrumento de defesa dos direitos dos consumidores e utentes de forma a alcançar a igualdade material dos intervenientes a que se refere o artigo 9.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”. Depois, no preâmbulo do DL 371/2007 (diploma que veio alterar o DL 156/2005) reconhece o Legislador que (através da criação do livro de reclamações) o exercício do direito de queixa, enquanto exercício da cidadania, tornou-se, assim, mais acessível aos consumidores e utentes. O alcance e extensão destas notas preambulares não pode ser entendido se não no sentido da grande importância que o legislador atribui ao livro de reclamações nesta dupla vertente, de meio efectivo de realização do direito de queixa dos consumidores, e, como instrumento de análise do mercado para identificação dos mercados em que os direitos dos consumidores estão menos acautelados, e, por conseguinte a carecer de maior intervenção no sentido da tutela deste bem jurídico fundamental que é os direitos dos consumidores com consagração no artigo 60.º da Constituição – Título III - Direitos e deveres económicos, sociais e culturais e que se refletem na estruturação da Organização económica – cfr. artigos 80.º e 81.º da CRP. Do mesmo modo, o livro de reclamações, enquanto ferramenta importante de avaliação e conhecimento do mercado, permitiu reconhecer os sectores de actividade em que os direitos dos consumidores e utentes se encontram menos acautelados. Assim, dispõe o artigo 3º do referenciado D.L. 74/2017, com a epígrafe “Obrigações do fornecedor de bens ou prestador de serviços” (na parte que aqui interessa): “1- O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a: a) Possuir o livro de reclamações nos estabelecimentos a que respeita a atividade; b) Facultar imediata e gratuitamente ao consumidor ou utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado, sem prejuízo de serem observadas as regras da ordem de atendimento previstas no estabelecimento comercial, com respeito pelo regime de atendimento prioritário; (…) 3- O fornecedor de bens ou o prestador de serviços não pode impor qualquer meio alternativo de formalização da reclamação antes de ter disponibilizado o livro de reclamações, nem condicionar a apresentação da reclamação, designadamente, à necessidade de identificação do consumidor ou utente. 4 - Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao consumidor ou utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o setor em causa. (…)” A violação do estatuído no citado artigo 3º, nº 1, al. b), constitui, nos termos do artigo 9º, n.º 1, al. a) contraordenação punível com coima de €1500 a €15000, por o infractor ser pessoa colectiva. No caso de verificação da contraordenação prevista no art. 3º, nº 1, al. b), quando acrescida da ocorrência da situação prevista no nº 4 do mesmo artigo, o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista (artigo 9º, nº 3). * §3. Feito este breve enquadramento e regressando ao caso que nos ocupa, face à pretensão da recorrente importa apurar se a conduta apurada preenche (ou não) a premissa prevista na alínea b), do n.° 1, do artigo 3.°, do Decreto-Lei n.° 156/2005, de 15 de Setembro. Os argumentos esgrimidos pela recorrente – num primeiro momento apresentou imediatamente o livro de reclamações à cliente, seguindo-se, num segundo momento e, após a constatação da postura envergada pela cliente, bem como da sua rasura no enunciado livro, de um mero pedido para aguardar, cuja ilegitimidade era desconhecida da recorrente – desde logo não têm total respaldo na factualidade apurada. Na verdade, sendo certo que a gerente da recorrente começou por entregar o livro de reclamações a uma cliente quando solicitado, porém, após esta ter rasurado uma das páginas ao escrever a reclamação, ao contrário do que a recorrente quer fazer crer, aquele livro foi de facto retirado à cliente pela gerente que lhe disse que só lhe daria o livro na presença da autoridade e, face a tal recusa, a cliente viu-se obrigada a solicitar a intervenção da autoridade policial, que se deslocou ao local, tendo o livro sido de novo entregue só na presença dos agentes da PSP (cfr. pontos 1 a 3 dos factos provados). Dito de outro modo. No início a gerente da recorrente de facto disponibilizou o livro de reclamações, mas ainda no decurso da formalização dessa reclamação, retirou o livro e não voltou a facultá-lo voluntariamente (essa entrega só aconteceu na presença da autoridade policial) para que a reclamação pudesse ser preenchida numa outra folha, obstaculizando desta forma o direito dos consumidores de apresentarem de imediato a sua reclamação. Mais. Tendo a gerente actuado nos moldes acima descritos a fim de se certificar que a sua actuação seria em conformidade com o exigido pela Lei, não agiu, no entanto, conforme lhe competia, com a precaução, cuidado e zelo exigidos por lei, por forma a conhecer os procedimentos no âmbito do livro de reclamações, no caso de um cliente se ter enganado no preenchimento do mesmo (cfr. pontos 4 e 6 dos factos provados). Donde, tendo sido facultado prontamente o livro de reclamações quando solicitado, essa imediata disponibilização foi indevidamente interrompida pela gerente da recorrente quando retirou o livro à cliente antes de ter terminado a formalização da reclamação, impedindo dessa forma que a cliente pudesse exercer plenamente o seu direito de reclamação, pondo entraves e atrasando de forma patente o imediato acesso ao livro de reclamações. Note-se que, conforme decorre do citado artigo 3º, a imediata apresentação do livro de reclamações é obrigatória e não pode ser condicionada por parte do prestador de serviços ou fornecedor de bens, bem como, acrescentamos nós, o preenchimento do livro de reclamações não pode ser obstaculizado por parte do prestador de serviços ou fornecedor de bens ao retirar o livro ao cliente antes de ter formalizado a sua reclamação, com o pretexto de desconhecer o procedimento a adoptar no caso de o cliente rasurar a folha por se ter enganado aquando do seu preenchimento, sob pena dessa conduta equivaler a recusa da disponibilização do livro de reclamações por impedir efectivamente de o cliente exercer o seu direito de reclamação. E essa recusa por parte do prestador de bens ou fornecedor de serviços, que ocorreu no caso em apreço, é abusiva e ilegal, incorrendo assim a recorrente em responsabilidade contraordenacional nos termos em que foi decidido pelo tribunal a quo. Nessa medida, a argumentação da recorrente usada no recurso em apreciação, de que não terá cometido o ilícito em apreço, está definitivamente votada ao insucesso. Improcede, nesta parte, o recurso. ** II.3.2. Da atenuação especial da coima §1. A recorrente entende que a coima aplicada devia ter sido especialmente atenuada nos seus limites mínimos e máximos, por força do artigo 72.°, n.°s 1 e 2, als. c) e d), aplicável ex vi artigo 32.°, do RGCO. Em abono da sua pretensão recursiva, argumenta sucintamente que dever-se-á considerar: i) A inexistência de antecedentes contraordenacionais; ii) A conduta em apreço não causou qualquer dano na esfera da consumidora em virtude da mesma ter efetivado, posteriormente, a reclamação; iii) A inexistência de obtenção de qualquer benefício económico com a conduta. iv) A conduta apurada da recorrente revela que atuou com patente boa-fé, com o cuidado exigível, desconhecendo a ilegitimidade da sua atuação; v) O arrependimento revelado na conduta posterior adoptada pela recorrente: ter assegurado a efectivação da reclamação num momento posterior, ter prontamente provido pela devolução do montante que gerou a enunciada reclamação em primeiro lugar e não ter, após o sucedido, cometido qualquer tipo de contraordenação; vi) O hiato temporal decorrido entre a prática do facto e a presente data - 3 anos, 5 meses e 21 dias – período durante o qual a recorrente cumpriu todas as disposições legais que sobre si impendiam. Invoca como normas violadas o artigo 72.°, do CP, ex vi artigo 32.°, do RGCO e o artigo 18.°, n.° 3, do RGCO. Não assiste razão à recorrente. * §2. Tendo presente a contraordenação destes autos, à atenuação especial da coima refere-se o artigo 18º, n.º 3 do Regulamento do Regime Geral das Contraordenações (doravante RGCO), o qual estabelece que “Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contraordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.” Assim, o nº 3 do artigo 18º do RGCO não prevê os pressupostos legais da atenuação especial da coima. Apenas define em que se traduz, em termos da moldura sancionatória abstracta, essa atenuação. Os pressupostos da atenuação especial da coima, no âmbito das contraordenações económicas encontra-se previsto no artigo 23º do DL9/2021, de 29.01 que aprovou o Regulamento Jurídico das contraordenações económicas (doravante RJCOE), com a epígrafe “Atenuação especial da coima” que preceitua (na parte que aqui interessa). “1- Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação ou contemporâneas desta que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de aplicação de coima. 2- Sem prejuízo do disposto no número anterior, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima quando se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias: a) Reparação, até onde for possível, dos danos causados aos particulares, caso existam; b) Cessação da conduta ilícita objeto da contraordenação ou contraordenações cuja prática lhe foi imputada, se a mesma ainda subsistir.” Replicando o regime previsto no artigo 72º do Código Penal, o n.º 1 do citado artigo 23º do RJCOE estabelece assim como pressuposto da atenuação especial da coima em procedimento por contraordenação económica, a existência de circunstâncias anteriores, posteriores ou contemporâneas da sua prática, que diminuam acentuadamente, a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de aplicação de coima. Não basta, pois, uma qualquer diminuição destes três factores, exigindo a lei que tal diminuição seja acentuada. Como vem sustentando a doutrina e jurisprudência, a atenuação especial da pena (ou coima) tem subjacente uma ideia de excepcionalidade, constituindo como que uma válvula de segurança do sistema punitivo, de modo que “a atenuação especial da pena deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena – casos verdadeiramente excepcionais em relação ao comum da situações previstas pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respectivo tipo legal de crime.”- cfr. acórdão do TRG de 21.10.2013, relatado por Paulo Fernandes da Silva (acessível em www.dgsi.pt). O legislador, ao estabelecer as molduras penais para os tipos legais, fixando com uma certa amplitude um mínimo e um máximo, já tem presente a multiplicidade de situações concretas, desde as de menor às de maior gravidade que se podem subsumir a esses tipos legais. Daí que só mesmo situações residuais devem ser objecto de uma atenuação especial da moldura penal fixada no respectivo tipo. Conclui-se desta forma que a atenuação especial da pena (ou coima) só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios. * §3. Transpondo estas breves considerações para o caso em concreto, atenta a factualidade apurada acima transcrita é manifesto não estarem verificadas as duas circunstâncias cumulativas previstas no n.º 2 do citado artigo 23º que determinam, sem mais, a aplicação do instituto de atenuação especial. Quanto ao mais, não se descortina qualquer diminuição e, muito menos acentuada, da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de aplicação de coima. Comecemos por analisar as circunstâncias invocadas pela recorrente. No que concerne à inexistência de antecedentes contraordenacionais, constante dos factos provados é, per se, insusceptível de suportar a aplicação do instituto de atenuação especial. No que tange às circunstâncias de a conduta em apreço não ter causado qualquer dano na esfera da consumidora e da inexistência de obtenção de qualquer benefício económico com a conduta, embora não constem dos factos provados, sempre se dirá que apenas só poderiam ser sopesadas para a determinação da medida concreta da coima, não relevando para a sua atenuação especial. No que respeita à circunstância da conduta apurada da recorrente revelar que atuou com patente boa-fé, com o cuidado exigível, desconhecendo a ilegitimidade da sua atuação, da mera leitura da sentença recorrida constata-se, por um lado, que ficou demonstrado que “a recorrente não actuou com a precaução, cuidado e zelo exigidos por Lei, por forma a conhecer os procedimentos no âmbito do livro de reclamações no caso de um cliente se ter enganado no preenchimento do mesmo” e, por outro lado, não ficou provado que a recorrente de facto desconhecia a ilegitimidade da sua actuação. No que concerne ao invocado arrependimento, os factos provados acima transcritos ilustram categoricamente que não ocorreu o suposto arrependimento por parte da recorrente. Nesta parte, destaca-se a seguinte passagem da sentença recorrida: “Depois, a circunstância de a utente ter conseguido apresentar a sua reclamação deveu-se apenas à presente da PSP no local - sem a qual o livro acabaria por não ter sido disponibilizado. (…) Acresce que a recorrente não evidenciou, no seu comportamento posterior aos factos, qualquer arrependimento ou sentido autocrítico (a ausência de uma atitude autocrítica não a prejudica, mas, por outro lado, caso existisse poderia ser considerada um elemento abonatório que justificasse a atenuação especial da pena).” Por fim, quanto ao invocado hiato temporal decorrido entre a prática do facto e a presente data - 3 anos, 5 meses e 21 dias – o tempo decorrido não é ainda suficiente para fundamentar uma acentuada diminuição da necessidade de aplicação de sanção. Cumpre ainda referir que, ao contrário do que pretende a recorrente, não podemos deixar de considerar graves os factos aqui em apreço. Aliás, a contraordenação dos presentes autos passou a ser considerada contraordenação económica muito grave com a alteração do artigo 9º do D.L. 156/2005, de 15.09 (mais propriamente o seu n.º 3), introduzida pelo D.L. 9/2021, de 29.01. Em suma, não estão verificados os pressupostos da aplicação do instituto da atenuação especial da coima. Improcede, igualmente, neste segmento o recurso. ** II.3.3. Da medida concreta da coima §1. Se bem entendemos a argumentação recursória, a recorrente insurge-se contra o valor da coima concreta que lhe foi aplicada pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica por considerar que a mesma é desproporcional em face da situação económico-financeira que a recorrente actualmente atravessa, impondo-se a sua respectiva redução para os limites mínimos. Invoca como norma violada o artigo 18.°, n.° 1 do RGCO. Não acolhe a pretensão da recorrente. * §2. O artigo 20º do RJCOE, replicando os critérios legais no que respeita aos factores relevantes para a determinação da coima plasmados no n.º 1 do artigo 18º do RGCO, dispõe que “A determinação da medida da coima deve atender à gravidade da contraordenação, à culpa do agente, à sua situação económica e ao benefício económico obtido com a prática do facto ilícito”. A gravidade da contraordenação revela o grau de ilicitude, podendo delinear-se uma proporção entre a quantificação da gravidade da contraordenação e a anti-socialidade da conduta. E, assim, essa gravidade afere-se pelo bem ou interesse jurídico que a contraordenação visa tutelar, pelo modo de execução da infração, pela gravidade das suas consequências, pela natureza dos deveres violados, pelas circunstâncias que antecederam, envolveram e se seguiram ao cometimento da infração. Ou então resulta essa gravidade diretamente da lei, que classifica as contraordenações. Economicamente a aplicação de uma coima (como sanção pecuniária que se trata) terá evidentemente directas implicações negativas ao nível do património do sujeito alvo de uma condenação. * §2. No caso dos autos, à data dos factos a lei não classificava expressamente pela sua gravidade a contraordenação aqui em questão, apenas vindo a fazê-lo, como já referimos, com a entrada em vigor do D.L. 9/2021, de 29.01, passando a ser denominada de muito grave (artigo 9º, n.º 3 do D.L. 156/2005, de 15.09, com a alteração introduzida com o citado D.L. 9/2021). No entanto, como também já referimos, não podemos deixar de considerar graves os factos aqui em apreço desde logo atenta a finalidade da norma e os efeitos da sua violação, tendo a conduta ajuizada criado um obstáculo ao exercício do direito de queixa do consumidor, que só foi ultrapassado com a intervenção policial. Agrava a ilicitude e a culpa da arguida o facto de esta postura partir da própria gerente da sociedade arguida, a quem era exigível particular cuidado e ponderação na avaliação das circunstâncias do caso e das consequências sancionatórias associadas à recusa da apresentação do livro de reclamações. Acresce que a arguida tendo actuado com negligência, só alterou a sua postura mediante a presença da autoridade policial. No que concerne ao benefício económico emergente da prática da contraordenação nada consta nos factos provados. Já quanto à situação económica da arguida ficou provado que: “No ano de 2021, a recorrente apresentou rendimentos de € 305.176,80 e um volume de negócios no valor de € 287.814,67. No ano de 2023 a recorrente apresentou rendimentos no valor de € 512.786,50 e um resultado líquido negativo de € 46.859,25. A recorrente desenvolve a sua actividade desde o ano de 2019. No dia 14 de Junho de 2021 a recorrente empregava 13 trabalhadores.” Também se demonstrou que a arguida, à data destes factos, não tinha antecedentes contraordenacionais. Finalmente, a factualidade provada acima transcrita não patenteia consciência crítica da arguida em relação aos factos, conforme também flui quer do texto do recurso, ancorado em factos que não foram demonstrados, quer da própria posição manifestada pela legal representante da arguida em audiência de julgamento alusiva na motivação da matéria de facto da decisão recorrida. No caso de negligência, como é a situação dos autos, a moldura abstracta da coima da contraordenação aqui em causa situa-se entre os €3.750,00 (três mil e setecentos e cinquenta euros) e os €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) [artigo 9º, n.ºs 1, a), 2 e 3 do D.L. 156/2005, de 15.09, com a redacção introduzida pelo D.L. 74/2017, de 21.06, vigente à data dos factos, aplicável aos autos por ser o mais favorável em conformidade com disposto no artigo 182º, n.º 1 do D.L. 9/2021, de 29.01]. Assim, por força da ponderação das variáveis supra expostas e de acordo com os referidos critérios legais de determinação da coima concreta, considera-se adequado manter a coima de € 4.000,00 (quatro mil euros), situada muito próxima do respectivo limite mínimo legal. Improcede, nesta parte, o recurso. *** III- DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A..., Lda. e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. * Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS (artigo 513º, nº 1, do CPP ex vi do artigo 74.º, n.º 4 do RGCO e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).Porto, 12.02.2025 Maria do Rosário Martins (Relatora) Paula Cristina Guerreiro (1ª Adjunta) Maria Joana Grácio (2ª Adjunta) |