Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO ADMINISTRATIVA APLICAÇÃO COIMA AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP202012022151/19.9T8VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/02/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - As contra-ordenações constituem ilícitos de natureza penal secundária submetidos a um processo administrativo, no qual o arguido pode oferecer a sua defesa e exercer o contraditório, sendo as sanções aplicadas por uma autoridade administrativa; a sujeição a apreciação judicial do seu comportamento previamente sancionado constitui um mecanismo voluntário de reação discordante em relação a uma decisão que emergiu de um processo que confere garantias de defesa. II - Assim se compreende, facilmente, que o recurso de impugnação possa ser interposto pelo próprio arguido (o patrocínio judiciário não é obrigatório) – artigo 59.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº433/82, de 27 de outubro –; que o arguido possa, se o entender, fazer-se representar por advogado constituído – artigo 67.º, n.º2, do mesmo diploma –; e que, se o arguido não comparecer ou se fizer representar por advogado na audiência de discussão e julgamento (nas hipóteses em que a sua presença não foi entendida como necessária ao esclarecimento dos factos) se devam tomar em conta as declarações colhidas no processo –artigo 68.º, n º1, do mesmo diploma -, não sendo, pois, de lhe nomear defensor oficioso nessa audiência. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº2151/19.9T8VFR.P1 Acórdão deliberado em conferência na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto. I. B…, Unipessoal, Ldª, veio interpor recurso da sentença proferida no processo de recurso de impugnação nº2151/19.9T8VFR pelo juízo local criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 3, Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que julgou improcedente o recurso apresentado e, por via disso, manteve a decisão administrativa proferida de condenação da Recorrente pela prática de uma contra-ordenação de utilização da actividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal p. e p. pelo artigo 198.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho numa coima de 2.200,00 € [dois mil e duzentos euros];* * O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras instaurou processo de contra-ordenação contra B…, Unipessoal, Lda., o qual veio a culminar em decisão que condenou a arguida numa coima no montante de 2.200,00€, pela prática de uma contra-ordenação de utilização da actividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal p. e p. pelo artigo 198.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho.I.1. Sentença recorrida (que se reproduz parcialmente). 1. RELATÓRIO Não se conformando com a mesma, a arguida interpôs recurso de impugnação da referida decisão administrativa, invocando, em suma, a prescrição do procedimento contra-ordenacional; a falta de consciência da ilicitude da sua conduta; e, subsidiariamente, propugnando pela aplicação de uma admoestação. Remetidos os autos a juízo, nos termos do artigo 62.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (doravante RGCO), a excepção de prescrição foi julgada improcedente por despacho proferido em 10 de Setembro de 2019. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal (…). 3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1. No dia 17 de Julho de 2015, a recorrente, na qualidade de entidade empregadora, celebrou contrato de trabalho a termo, com início a 27 de Julho de 2015, com o cidadão moçambicano C…, com a categoria profissional de cantor, compositor e produtor musical.3.1. FACTOS PROVADOS 2. C… possuiu visto de curta duração com o n.º ………, válido de 4 de Junho a 10 de Julho de 2015, que o autorizava a uma estadia máxima de 22 dias em território nacional, por motivos turísticos. 3. No dia 17 de Julho de 2015, a recorrente, na qualidade de entidade empregadora, celebrou contrato de trabalho a termo, com início a 27 de Julho de 2015, com o cidadão moçambicano D…, com a categoria profissional de cantor, compositor e produtor musical. 4. D… possuía visto de curta duração com o n.º ………, válido de 18 de Junho a 24 de Julho de 2015, que o autorizava a uma estadia máxima de 22 dias em território nacional, por motivos culturais. 5. Em ambos os contratos foi aposta uma denominada «cláusula décima quinta», cujo n.º 2 determina que «será ainda apenso ao presente contrato o título de autorização de permanência assim que seja emitido». 6. A recorrente comunicou à Segurança Social a prestação de 5 dias de trabalho no mês de Julho de 2015 e 30 dias de trabalho nos meses de Agosto e Setembro de 2015 por ambos os cidadãos. 7. Nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2015 não foi atribuído a C… e D… visto ou autorização de residência que os autorizassem ao exercício de uma actividade profissional subordinada. 8. A arguida sabia que os cidadãos em causa não possuíam, à data da celebração daqueles contratos nem nos dois meses subsequentes, visto ou autorização de residência que os autorizassem ao exercício de uma actividade profissional subordinada. 9. Ao agir da forma descrita, a recorrente fê-lo de forma livre, consciente e voluntária, prevendo o cometimento de uma conduta que sabia proibida e punida por lei e com a qual se conformou. 10. A arguida não tem antecedentes contra-ordenacionais no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. 3.2. FACTOS NÃO PROVADOS(…) A contra-ordenação supramencionada é sancionada com uma coima, cuja moldura se encontra prevista no artigo 198.º-A, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, balizando-se o seu mínimo em 2.000,00€ e o máximo em 10.000,00€.3.3. MOTIVAÇÃO (…) 4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO CONTRA-ORDENACIONAL (…) 4.2. DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA COIMA A arguida encontra-se condenada numa coima de 2.200,00€, atenta a conjugação realizada pela autoridade administrativa dos critérios previstos no artigo 18.º, n.º 1 do RGCO, isto é, vistas a «(…) gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação», que se impõe reponderar. A contra-ordenação é de gravidade significativa. Com efeito, ainda que se devam ter em consideração atenuantes da conduta da arguida, como sejam o relativo curto de espaço de tempo no qual beneficiou do trabalho de cidadãos em situação ilegal, tendo cumprido obrigações parafiscais em relação aos mesmos, o certo é que incumpriu as regras atinentes à permanência de estrangeiros em território nacional. Acresce que, com isso propiciou a existência de factualidade susceptível de corresponder à prática, por tais cidadãos, de uma contra-ordenação de exercício de actividade profissional não autorizado, p. e p. pelo artigo 198.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho. Neste ensejo, desde já se assevera que é precisamente tendo em conta esta gravidade que se afasta a aplicação de uma admoestação. De acordo com o disposto no artigo 51.º do RGCO, é pressuposto desta medida a reduzida gravidade da infracção e, aderindo integralmente à posição assumida pelo Tribunal da Relação de Guimarães no seu Acórdão de 20 de Novembro de 2017, proc. 51/17.6T8CMN.G1, proferido num caso idêntico ao dos autos, entende-se «(…) que a contra-ordenação praticada pelo arguido/recorrente não poderá considerar-se de reduzida gravidade, em termos de se poder justificar que seja sancionada com uma mera admoestação, sendo que estamos perante um tipo de contra-ordenação que tutela, simultaneamente, o interesse público do Estado, no controlo dos imigrantes que entraram e/ou permanecem em território nacional, em condições ilegais, exercendo trabalho subordinado e da prevenção das consequências negativas daí decorrentes, para a sociedade e para a economia e a defesa dos direitos dos cidadãos estrangeiros, que estando em situação de ilegalidade em território nacional, vêm a sua força de trabalho utilizada e, não raro, explorada, estando condicionados na defesa dos seus interesses, pela situação de ilegalidade em que se encontram, não podendo olvidar-se que estamos perante um ilícito contra-ordenacional em relação ao qual a lei prevê a possibilidade de aplicação de sanções acessórias de gravidade considerável». Quanto à culpa do agente, considera-se que a mesma é mediana. A arguida agiu em contrariedade às exigências que lhe eram impostas, tendo consciência das mesmas, sem que essa conduta fosse directamente pretendida, mas sim consequência de uma conformação passiva. Dito de outro modo, a recorrente poderia e deveria ter agido de outra forma, sendo a sua conduta censurável. Nada se apurou acerca da situação económica do agente bem como do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação. Por fim, nota-se que a arguida é primária. Estando o Tribunal vinculado à proibição da reformatio in pejus, nos termos do artigo 72.º-A do RGCO, entende-se ser ajustada e proporcional a aplicação de uma coima ainda próxima do seu mínimo legal, nomeadamente no montante de 2.200,00€, mantendo-se, por isso, a decisão da autoridade administrativa.(…). 6. DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos fáctico-jurídicos expostos, o Tribunal decide julgar improcedente o recurso apresentado e, em consequência:a) Mantém na íntegra a decisão administrativa, condenando a Recorrente B…, Unipessoal, Lda. pela prática de uma contra-ordenação de utilização da actividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal p. e p. pelo artigo 198.º-A, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho numa coima de 2.200,00€ [dois mil e duzentos euros](…) * I - Dispõe o art.64.º do RGCO que nos processos de contraordenação o tribunal pode decidir mediante audiência ou por simples despacho.I.2. Recurso da arguida (conclusões que se transcrevem integralmente). II - Por sua vez, preceituam os números 1 e 2 do art.67.º do RGCO, que o arguido não é obrigado a estar presente na audiência de julgamento do processo de contraordenação e, caso a sua presença tenha sido dispensada pelo tribunal, este poderá fazer-se representar por advogado com procuração escrita, III - Nos termos do disposto no art.32.º do RGCO, ao processo de contraordenação e suas diligências aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Penal, regendo este diploma as formalidades a serem verificadas em audiência de julgamento. IV - Resulta do art.332.º, n.º 1, do CPP, a regra de que é obrigatória a presença do arguido em juízo, comportando os artigos 332.º, n.ºs 1 e 2 e 334.º do mesmo Código, as exceções a esta regra. V - No presente caso, não foi entendimento do Tribunal decidir por simples despacho e também não foi prescindida a presença da ora Recorrente, tendo sido requerida a notificação pessoal do legal representante da recorrida por via policial. VI - Todavia o representante legal da ora recorrente não foi notificado da data da audiência do dia 18/09/2020 e, por conseguinte, não foi notificado para estar presente em julgamento. VII - Não obstante, o Tribunal decidiu ainda assim dar início à audiência e julgar a ora recorrente na ausência do seu representante legal, quando resulta do art.332.º, n.º1 do CPP que é obrigatória a presença da arguida e, no caso, não se verifica nenhuma das exceções, nem previstas no art.333.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo Código, porquanto a arguida não foi notificada, nem no art.334.º do CPP, pois o processo de contraordenação não é um processo especial. VIII - Com efeito, a falta de notificação da arguida para julgamento, para além de integrar a nulidade insanável do art.119.º, al. c), do CPP, fere as garantias de defesa da ora Recorrente, nomeadamente as previstas no art.32.º, n.º 1 da CRP. IX - Sendo que, a presença do legal representante da ora Recorrente na audiência, se mostrava necessária ao esclarecimento dos factos, resultando da própria sentença de que ora se recorre, “Não se apurou acerca da situação económica do agente, bem como do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação”. X - Devendo, por consequência, a sentença ser declarada nula. XI – Acresce referir que, no uso do direito que o art.53.º, n.º 1, do RGCO lhe confere, a ora Recorrente constituiu Mandatário, o qual foi notificado da data da realização da audiência de 14/09/2020. XII - Todavia, conforme foi prontamente comunicado ao Tribunal, na data agendado para a realização da audiência, sem que nada o fizesse prever, o mandatário da Recorrente sentiu-se indisposto, com sintomas de gastrointestinais que o impediam de sair de casa, tendo requerido o adiamento da diligência. XIII - Justificando, desta forma, o Mandatário da Recorrente a sua falta de comparecimento, nos termos do disposto no art.117.º, n.º 2 e 8, do CPP. XIV – Enfermidade que foi confirmada após contacto com o escritório do Mandatário da ora Recorrente, o qual ainda tentou substabelecer num colega, mas não conseguiu. XV – Pese embora o que se vem de expor, o Tribunal, decidiu ainda assim dar início da audiência e julgar a Recorrente não só na ausência do seu representante legal, como também na ausência do Mandatário, XVI – O que, além de integrar a nulidade insanável do art.119.°, al. c), do CPP, na medida em que o art.330.º, n.º1 do mesmo Código exige expressamente a presença de defensor em julgamento, fere as garantias de defesa da ora Recorrente, nomeadamente as previstas no art.32.° n.ºs 1 e 3 da CRP. XVII - Ora, embora não se ignore que a constituição de Mandatário nos processos de contraordenação não seja obrigatória, não deixa, todavia, de ser um direito da Recorrente, conforme dispõe o art.53.º, n.º1, do RGCO, fazer-se apresentar por advogado em qualquer fase do processo, XVIII - Direito este, que lhe foi vedado pelo Tribunal a quo, em clara e ostensiva violação das garantias de defesa da ora Recorrente, XIX - Pelo que, deve também por aqui a sentença de que ora se recorre ser declarada nula, com todas as consequências legais. Sem prescindir, XX - Por ultimo cumpre referir que, na douta sentença pode ler-se que a ora Recorrente “incumpriu as regras atinentes à permanência de estrangeiros em território nacional (…) com isso propiciou a existência de factualidade suscetível de corresponder à prática, por tais cidadãos, de uma contraordenação de exercício de atividade profissional não autorizada, p. e p. pelo art.198.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 julho”. XXI - Mais constando da douta sentença que foi com base nessa gravidade que se o Tribunal a quo afastou a aplicação de uma admoestação. XXII - O que constitui uma imputação de uma infração não cometida, nem tão pouco alguma vez imputada, à aqui Recorrente. XXIII - Assim, decorre da presente sentença a imputação à ora Recorrente de factos além daqueles pelos quais vem acusada, em clara violação do disposto no art.374.º, n.º 1, al. c), do CPP. XXIV - O que conduz à nulidade da sentença, pois quanto a tal facto afirmado nada foi antes comunicado à aqui Recorrente, não se exercendo quanto à mesma o contraditório, devendo, a final, a douta sentença de que ora se recorre ser revogada e substituída por outra que que profira uma admoestação à ora Recorrente, tendo em conta a reduzida gravidade da infração e da culpa da Recorrente, de encontro ao preceituado no art.51.º do RGCO. XXV - Não concedendo tudo o quanto vem exposto deverá à ora Recorrente ser aplicado o disposto no art.17.º do RGCO, reduzindo-se a metade a coima aplicada. NORMAS VIOLADAS XXVI - O Tribunal fez incorreta interpretação e aplicação do que vem disposto nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 3, da CRP, artigos 119 alínea c), 330.º, n.º 1, 332.º, n.º 1, 374.º, n.º 1, alínea c), e 379.º, n.º 1, alínea c), todos do CPP e artigos 53.º, n.º 1 e 57.º, n.º 2, ambos do RGCO. * 1. A ausência do arguido na audiência de julgamento em processo contraordenacional, sendo a regra estabelecida no processo de contraordenação a não obrigatoriedade da presença do arguido em julgamento, inexiste nulidade salvo quando o juiz considerar tal presença como necessária ao esclarecimento dos factos.I.3. Resposta do MºPº (cujas conclusões se reproduzem integralmente). 2. Assim, quando dispensada a presença do arguido pelo Ex.mo Juiz no início da audiência, a sua realização sem a presença da arguida não integra qualquer nulidade, designadamente a nulidade insanável a que alude o art.119.º, alínea c), do Código de Processo Penal; 3. Como se estabelece no art. 66.º do DL n.º 433/82, de 27/10, salvo disposição em contrário, a audiência em 1.ª instância obedece às normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções. 4. As normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções - DL n.º 17/91, de 10/01, impõem a nomeação de defensor oficioso ao arguido, na audiência de julgamento, caso o mesmo o não tenha constituído ou o constituído não compareça em audiência. 5. Sendo a contra-ordenação imputada à arguida punível com coima (que constitui uma sanção de natureza pecuniária) ao abrigo do art. 11.º do DL n.º 17/91, de 10/01, aplicável ao processamento das contra-ordenações, a nomeação de defensor é obrigatória mas só na audiência - fase do julgamento, em contrário da fase anterior ao julgamento. 6. Assim, quando o defensor constituído pelo arguido não comparece à audiência de julgamento, deve o Tribunal “a quo” nomear-lhe um defensor oficioso – art.º 11 do DL n.º 17/91, de 10/01; 7. Sendo, pois, nula a audiência de julgamento, quando efetuada sem que o defensor constituído pelo arguido tenha comparecido e sem que lhe tenha sido nomeado um defensor oficioso, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência, configurando a nulidade insanável do art. 119.º, al. c), do C. P. Penal, afetando os atos subsequentes, desde logo é igualmente nula a sentença proferida nestes autos. In casu, verificada a nulidade da audiência de julgamento em processo de contraordenção por falta de comparência do advogado sem que à recorrente fosse nomeado defensor oficioso, é nula a subsequente sentença que nestes autos foi proferida, e, se impõe revogar, sendo parcialmente procedente o recurso apresentado pela recorrente ao impugnar a sentença destes autos. * Embora a jurisprudência não seja de todo uniforme quanto à questão da obrigatoriedade de nomeação de defensor oficioso ao arguido na audiência de julgamento em processos de contra-ordenação (…) somos de parecer que o recurso merece provimento nesta vertente, acompanhando assim a muito bem elaborada resposta ao recurso da Exma. Colega junto da 1ª instância.II.4. Parecer do MºPº junto da relação (que se transcreve parcialmente). * São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336). II. Do objecto do recurso. De acordo com tais premissas teremos de apreciar as seguintes questões: 1ª a realização da audiência de julgamento relativa ao recurso de impugnação da decisão que aplicou a coima na ausência da arguida/impugnante; 2ª a realização da mesma audiência de julgamento na ausência do seu defensor constituído; 3ª a condenação por uma contra-ordenação que nunca foi imputada à recorrente e; 4ª a escolha da sanção (a (in)aplicação de uma admoestação) e, subsidiariamente, a redução a metade da coima. * Em tudo o que não for contrário ao regime estabelecido no Decreto-Lei nº401/82, de 23 de Setembro, aplicam-se subsidiariamente:II.1. Da ausência da arguida na audiência de julgamento do processo de recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima. a) no processamento administrativo da contra-ordenação, os preceitos reguladores do processo criminal (artigo 41º, nº1); b) na fixação do regime substantivo das contra-ordenações as normas do Código Penal (artigo 32º) e; c) na audiência de julgamento do recurso de impugnação da aplicação administrativa da sanção, as normas relativas ao processamento das transgressões e contravenções (artigo 66º, todos do referido diploma). O referido diploma estabeleceu um regime próprio de participação do arguido em audiência (e da necessidade de representação do arguido por profissional forense, nos termos infra abordados). Com efeito, o arguido apenas terá de comparecer à audiência se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos (artigo 67º, nº1, do referido diploma). O regime não exige a sua dispensa mas, pelo contrário, exige uma manifestação impositiva e afirmativa da necessidade da sua presença (sem prejuízo deste poder comparecer na audiência ou fazer-se representar por advogado constituído – artigo 67º, nº2 – o que exige a comunicação, pelo tribunal, do agendamento do acto processual em causa). Improcede, assim, o primeiro fundamento do recurso. * Tal como refere o MºPº junto desta relação existem entendimentos jurisprudenciais opostos (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de Maio de 2008, no sentido da obrigatoriedade de nomeação de defensor oficioso, e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Janeiro de 2018, em sentido contrário, consultáveis em www.dgsi.pt) relativamente à obrigatoriedade de presença de um defensor do impugnante em sede de audiência de julgamento com recurso, subsidiário, ao regime estabelecido no Decreto-Lei nº17/91, de 10 de Janeiro, que regula o processamento e julgamento das contravenções e transgressões.II.2. Da ausência do advogado constituído da arguida na audiência de julgamento do processo de recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima. A resposta terá de ser encontrada na singularidade da fase judicial do processo de contra-ordenação, no regime de conversão das transgressões e contravenções em contra-ordenações e na diferente natureza substantiva dos referidos ilícitos. Para melhor compreensão aconselharemos a leitura (pela sua extensão) do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça º13/2015, publicado do D.R, 1ª série, nº202, 15 de Outubro de 2015, que desenvolve de forma extraordinária os contributos doutrinários, a evolução legislativa verificada na transição de paradigma do plano do esquema clássico contravencional e a respectiva convolação para o ilícito de mera ordenação social e a evolução do regime do ilícito contra –ordenacional (cfr. págs. 9007 a 9015). Com pertinência para a apreciação desta concreta questão transcrevemos o seguinte segmento: “(…) assume extrema relevância o Decreto-Lei n.º 17/91, de 10 de Janeiro, um diploma necessariamente intercalar, concebido apenas para a transição de regimes, enquanto durasse a concretização da conversão das contravenções e transgressões em contra -ordenações, o qual acabou por ter um inesperado protagonismo e mesmo longevidade, pelo menos durante mais de 15 anos, atendendo a que nos finais de 2006 ainda tinha plena aplicação, pelo menos, nos processos pendentes nos tribunais, sendo que no domínio laboral foi ainda mais longe, como analisado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2013. Tal diploma emergiu da Lei n.º 20/90, de 3 de Agosto (Diário da República, 1.ª série, n.º 178, de 3 de Agosto de 1990), através da qual foi concedida autorização legislativa ao Governo para legislar sobre processamento e julgamento de contravenções e transgressões, devendo o diploma a elaborar regular, de forma autónoma, simples e proporcionada, as questões processuais suscitadas pelas contravenções e transgressões (artigo 2.º, n.º 1), anotando-se desde logo que o direito processual penal seria subsidiariamente aplicável (artigo 2.º, n.º 2, alínea h)). Como se reconhece no preâmbulo do diploma de 1991, as alterações preconizadas pelo Decreto -Lei n.º 387 -E/87, de 29 de Dezembro, melhoraram a situação, mas não eliminaram as dificuldades, pretendendo o novo diploma resolver o problema do processamento e julgamento das contravenções e transgressões, e daí, no seu artigo 22.º, revogar o artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, bem como o artigo 1.º do citado Decreto –Lei n.º 387 -E/87, de 29 de Dezembro. O diploma visou regular de forma autónoma, simples e proporcionada, as questões processuais suscitadas por este tipo de ilícito, ou seja, o processamento e julgamento das contravenções e transgressões, sendo subsidiariamente aplicáveis ao processamento e julgamento das contravenções e transgressões as disposições do Código de Processo Penal — artigo 2.º Na senda de conversão global, a Lei n.º 30/2006, de 11 de Julho (Diário da República, 1.ª série, n.º 132, de 11 de Julho de 2006), entrada em vigor em 10 -08 -2006 (artigo 38.º), procedeu à conversão em contra –ordenações de contravenções e transgressões então ainda em vigor no ordenamento jurídico nacional, passando a assumir a natureza de contra -ordenações várias infracções previstas na lei como contravenções e transgressões em diplomas avulsos (…)”. As transgressões e contravenções traduziam ilícitos de natureza penal secundária necessariamente submetidos a processo judicial (salvo nos casos em que a sanção única consistia na multa e esta era paga voluntariamente) - artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº17/91 de 10 de Janeiro – sendo as sanções aplicadas por um tribunal. Nos casos em que a multa (sanção única prevista para a prática do ilícito transgressional ou contravencional) não era voluntariamente satisfeita ou o ilício comportava a aplicação de prisão ou medida de segurança, era o auto de notícia remetido para tribunal e designada data de julgamento onde o arguido se podia fazer representar por advogado ou, não o tendo constituído, era representado por defensor nomeado pelo tribunal (cfr. artigo 11º, nº3, do referido diploma). Não existia qualquer fase administrativa prévia, de instrução, em que o arguido pudesse exercer os seus direitos de defesa em face da imputação comportamental em causa. As contra-ordenações constituem ilícitos de natureza penal secundária submetidos a um processo administrativo, no qual o arguido pode oferecer a sua defesa e exercer o contraditório, sendo as sanções aplicadas por uma autoridade administrativa. A sujeição a apreciação judicial do seu comportamento previamente sancionado constitui um mecanismo voluntário de reacção discordante em relação a uma decisão que emergiu de um processo que confere garantias de defesa. Assim se compreende, facilmente, que o recurso de impugnação possa ser interposto pelo próprio arguido (o patrocínio judiciário não é obrigatório) – artigo 59º, nº 2 – que o arguido possa, se o entender, fazer-se representar por advogado constituído – artigo 67º, nº2 – e que se o arguido não comparecer ou se fizer representar por advogado (nos hipóteses em que a sua presença não foi entendida como necessária ao esclarecimento dos factos) se devem tomar em conta as declarações colhidas no processo –artigo 68º, nº1, todos do Decreto-Lei nº433/82, de 27 de Outubro. Nestes termos, não configurando a actuação judicial a preterição de qualquer garantia processual (artigo 32º, nºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa) por força da opção do legislador democraticamente legitimado quanto ao regime processual da fase de impugnação judicial da decisão administrativa sancionatória, improcede o recurso também nesta parte. * Certamente que, por decência intelectual, não quererá a recorrente extrair qualquer consequência do lapso de escrita cometido na sentença relativa à omissão da letra A na descrição do tipo legal de contra-ordenação na fase de fundamentação da estrutura da sentença ((…) “incumpriu as regras atinentes à permanência de estrangeiros em território nacional (…) com isso propiciou a existência de factualidade suscetível de corresponder à prática, por tais cidadãos, de uma contraordenação de exercício de atividade profissional não autorizada, p. e p. pelo art.198.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 julho” (…). No contexto, integral, da sentença recorrida é perceptível tal lapso uma vez que a contra-ordenação em causa se encontra descrita de forma correcta no relatório e, principalmente, no dispositivo, motivo pelo qual improcede o recurso neste segmento.II.3. Da condenação por uma contra-ordenação que nunca foi imputada à recorrente. * Quanto a esta parte a recorrente limita-se, laconicamente, a alegar na sua motivação, que reproduz integralmente nas suas conclusões, que:II.4. Da escolha da sanção (a inaplicação de uma admoestação) e, subsidiariamente, a redução a metade da coima. - a douta sentença de que ora se recorre ser revogada e substituída por outra que que profira uma admoestação à ora Recorrente, tendo em conta a reduzida gravidade da infração e da culpa da Recorrente, de encontro ao preceituado no art.51.º do RGCO; - não concedendo tudo o quanto vem exposto deverá à ora Recorrente ser aplicado o disposto no art.17.º do RGCO, reduzindo-se a metade a coima aplicada. O recurso (meio de impugnação de uma decisão judicial cuja finalidade consiste na eliminação dos erros, defeitos ou lapsos de uma decisão injusta ou inválida através da sua reapreciação por outro órgão jurisdicional), no caso concreto, tem como finalidade a substituição da sentença proferida em primeira instância. Versando matéria de direito as conclusões têm de indicar (artigo 412º, nº2, do Código de Processo Penal): a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; c) em caso de erro na determinação da aplicável, a norma jurídica que, no entender do recorrente, deve ser aplicada. A decisão judicial, acto de harmonização do sistema das leis (positivas) com os valores da justiça e equidade é caracterizada pela sua linearidade, racionalidade e liberdade. O recurso tem como finalidade a apreciação da justeza e validade da decisão judicial de balizada pela fundamentação do recorrente. Só o valimento jurídico-argumentativo recursivo permite reapreciar a decisão recorrida, sendo por isso inepta, para tanto, a simples manifestação adjectiva de discordância. O tribunal de recurso não formula um novo juízo sobre a responsabilidade contraordenacional da arguida com fundamento no quadro factual apurado em primeira instância. Reaprecia uma decisão judicial de acordo com os argumentos desconstrutivos apresentados pela recorrente relativamente a uma decisão judicial. A absoluta e categórica ausência de indicação e identificação (na motivação, também) do erro de julgamento da matéria de direito no âmbito do silogismo jurídico-racional efectuado na decisão recorrida compromete qualquer tarefa de reapreciação. O recurso, nesta parte, é manifestamente improcedente. * III. Nos termos expostos nega-se provimento ao recurso e confirma-se integralmente a sentença recorrida.Custas a cargo da recorrente, fixando em 6 UCs a taxa de justiça (artigos 8º, nº9, do RCP e sua tabela III, publicada em anexo). * Porto, 02 de dezembro de 2020João Pedro Nunes Maldonado Francisco Mota Ribeiro |