Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2189/23.1T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO
Descritores: REGIME DE CONTRATAÇÃO DAS INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR PÚBLICAS
REGULAMENTO PRÓPRIO
AFASTAMENTO DO REGIME PREVISTO NO N.º 7 DO ARTIGO 38.º
DA LGTFP
NÃO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE DE TRATAMENTO
ANTIGUIDADE DO TRABALHADOR EM CASO DE RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO LABORAL EM DETERMINADO PERÍODO QUE PRECEDEU A CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP202409302189/23.1T8AVR.P1
Data do Acordão: 09/30/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As instituições de ensino superior públicas são pessoas coletivas de direito público, embora possam também revestir a forma de fundações públicas com regime de direito privado, nos termos da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro (RJIES), que regula o respetivo regime, incluindo a respetiva constituição, atribuições e organização, bem como o seu funcionamento e a competência dos seus órgãos, além da tutela e fiscalização pública do Estado.
II - Gozando de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar face ao Estado, com a diferenciação adequada à sua natureza, embora estejam sujeitas à tutela governamental, no que se refere especificamente às fundações, quanto ao respetivo regime jurídico, resulta do RJIES que as mesmas se regem pelo direito privado, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e de pessoal, com as ressalvas aí estabelecidas.
III - Estando em causa fundação pública, com regime de direito privado, está também sujeita aos respetivos estatutos e Regulamentos, atendendo ao que resulte, nomeadamente, de regulamento que defina e regule o regime de carreiras, retribuições e contratação de pessoal não docente e não investigador em regime de contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho.
IV - Nas circunstâncias referidas em III), a menção, constante de regulamento, de que a retribuição a que o trabalhador tem direito tem como referência a retribuição mensal para idêntico conteúdo funcional e responsabilidade dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas, não permite ter como aplicável o que resultava do n.º 7 do art.º 38.º, da LGTFP, quando seja de se concluir que naquele regulamento, incluindo seus anexos, se pretendeu regulamentar, de modo expresso, toda a matéria relacionada com os montantes pecuniários correspondentes a cada um dos níveis retributivos, esses a aplicar também de acordo com tabela de posições e níveis retributivos das carreiras aí inserida, e, ainda, por referência ao que aí se fez constar sobre caracterização das carreiras em regime de contrato de trabalho.
V - O referido em IV) não viola o princípio constitucional da igualdade, pois que só podem ser censuradas, com fundamento em lesão desse princípio, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem.
VI - No caso de se reconhecer ter vigorado contrato de trabalho subordinado num determinado período mas ser o mesmo nulo, quantos aos efeitos daí decorrentes, há que ter presente a especificidade do contrato de trabalho, já que os efeitos da nulidade previstos no art.º 289º do Código Civil não têm possibilidade de aplicação prática: a retribuição poderia ser devolvida, mas a prestação de trabalho não é apagada; perante este paradoxo, o legislador determinou que a eficácia do contrato de trabalho declarado nulo ou anulado não será afetada durante a execução do contrato (art.º 122º, nº 1 do Código do Trabalho), afastando assim o regime contido no art.º 289º, nº 1 do Código Civil, havendo proteção da “relação contratual de facto”, ficcionando que os contratos vigoraram (e como contratos de trabalho), conforme o disposto no art.º 122º, nº 1 do Código do Trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de apelação n.º 2189/23.1T8AVR.P1

Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro – J1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AA (Autora) instaurou contra “Universidade ...[1]” (Ré) a presente ação, com processo comum, pedindo a condenação da Ré a:
a) reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ela e a Autora com efeitos reportados a 15 de março de 2010;
b) reconhecer que a antiguidade da Autora se reporta a 15 de março de 2010;
c) fixar a retribuição base da Autora em € 1.476,49 sem prejuízo da progressão salarial que possa vir a ter;
d) pagar à Autora a diferença entre a retribuição base mensal que vier a pagar a Autora e aquela que deveria pagar, até ao momento em que fixar a retribuição base desta em € 1.476,49;
e) integrar a Autora na 3ª posição remuneratória, correspondente ao nível 19, com efeitos retroativos a janeiro de 2019;
f) pagar à Autora a diferença entre a retribuição base mensal que pagou à Autora entre fevereiro de 2011 e fevereiro de 2023 e a que lhe devia pagar, diferencial esse que quantifica em € 30.121,22;
g) pagar à Autora o montante global de € 5.669,17, a título de subsídio de férias e de Natal referentes aos anos de 2010, 2011, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022;
h) tudo acrescido dos respetivos juros legais.
Fundou o seu pedido alegando, em síntese, que em 15/03/2010 começou a desempenhar funções para a Ré ao abrigo de “contrato de prestação de serviços”, em 22/09/2010 celebraram novo “contrato de prestação de serviços”, em 03/02/2011, por forma a dar continuidade à relação que iniciou com a Ré, celebraram contrato de trabalho a termo resolutivo certo, sendo-lhe atribuída a categoria de Técnico Superior, o qual foi sendo sucessivamente renovado até 23/01/2015, data em que foi autorizada a conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado; deve considerar-se que a relação laboral teve início em 15/03/2010; embora os contratos de trabalho tenham sido celebrados ao abrigo do Código do Trabalho e do Regulamento de Carreiras, Retribuições e Contratação do Pessoal Técnico, Administrativo, e de Gestão da Universidade ... (Regulamento n.º 744/2020), será de lhe aplicar o regime constante da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, mormente o art.º 38º, nº 7, de onde resulta expressamente que para um lugar da carreira de Técnico Superior, quando são exigidas habilitações ao nível de licenciatura, a retribuição a oferecer deve ser, pelo menos, a correspondente ao nível da 2ª posição remuneratória da Carreira de Técnico Superior, como acontece com os trabalhadores contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas; tendo a Autora concluído o mestrado em Contabilidade em 08/12/3013, deverá ser integrada, pelo menos, na 2ª posição remuneratória correspondente ao segundo nível retributivo com efeitos retroativos a 01/02/2011, e, em 2019, aquando da alteração ao posicionamento remuneratório obrigatória em virtude da obtenção dos 10 pontos nas avaliações de desempenho, ser integrada no nível retributivo 19.

Realizada «audiência de partes», frustrou-se a sua conciliação, pelo que foi notificada a Ré para poder contestar a ação, o que fez, apresentando contestação na qual alegou, em resumo, por um lado que os contratos de prestação de serviços não titularam uma relação juslaboral; por outro lado o contrato de trabalho a termo resolutivo certo foi precedido de procedimento administrativo de formação, de natureza concursal, e a Autora não impugnou atos administrativos, que nessa medida se estabilizaram; acrescenta que não havendo uma relação de continuidade e de sucessão dos contratos, verifica-se a prescrição e verificar-se a exceção de incompetência material, pois o presente litígio deve ser dirimido pela justiça administrativa; por outro lado ainda que se verifica a exceção perentória de abuso de direito por parte da Autora, na medida em que com esta ação vem assumir uma pretensão manifestamente contraditória e inconciliável com todas as suas atuações precedente; concluiu dizendo deverem as exceções invocadas (incompetência do tribunal, prejudicialidade das questões, prescrição, nulidade do contrato, inimpugnabilidade e aceitação dos atos administrativos e abuso de direito) ser julgadas procedentes, ou, caso assim não se entenda, deve jugar-se a ação totalmente improcedente (por não ter a Autora direito à posição remuneratória e de progressão na carreira nos termos que alega).
Formulou a Ré pedido reconvencional, concluído que, caso não se conclua pela improcedência da ação, deve reconhecer-se a nulidade do contrato celebrado entre as partes, devendo os efeitos correspondentes à cessação do vínculo contratual produzir-se a partir da data de prolação da sentença.

A Autora apresentou resposta, pronunciando-se pela improcedência das exceções invocadas, dizendo dever a Ré ser condenada como litigante de má-fé.

Foi dispensada a realização de «audiência prévia», sendo admitida a reconvenção apresentada pela Ré, e foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a exceção da incompetência material, sendo consignado que «entende-se que não existem questões prejudiciais por decidir, da competência da jurisdição administrativa, nem tem aqui relevo, salvo melhor entendimento, a questão da “inimpugnabilidade e aceitação dos atos administrativos”, porque como já acima se fez notar, os atos e procedimentos concursais prévios à celebração dos contratos de trabalho não foram postos em causa pela Autora, nem tinham que ser, importando sim os contratos de trabalho que no seu culminar foram celebrados, que a Autora qualifica como sendo de trabalho», e relegando para sentença o conhecimento das exceções da prescrição e do abuso de direito.
Foi dispensada a prolação de despacho identificando o objeto do litígio e enunciando os temas da prova.
Foi fixado o valor da ação em € 65.790,40[2].

Pela Ré foi interposto recurso da decisão que julgou improcedente a exceção da incompetência do tribunal em razão da matéria, o qual subiu de imediato [apenso com a letra A], recurso que foi julgado improcedente por decisão sumária do ali relator, proferida em 05/12/2023.

Realizada «audiência de discussão e julgamento», foi depois proferida sentença decidindo julgar a ação parcialmente procedente e procedente a reconvenção, decidindo:
I. reconhecer que entre a Autora e a Ré vigorou um contrato de trabalho subordinado, entre 15 de março de 2010 e 31 de janeiro de 2011 – contrato esse que é nulo, nos termos e pelas razões expostas na sentença.
II. reconhecer que a antiguidade da Autora, enquanto trabalhadora ao serviço da Ré, remonta a 15 de março de 2010.
III. condenar a Ré a pagar à Autora € 1.400,00, a título de subsídios de férias e de Natal referentes ao período de tempo compreendido entre 15 de março de 2010 e 31 de janeiro de 2011, a que acrescem juros de mora à taxa legal (atualmente de 4%), até integral pagamento, contados desde a data em que cada um dos subsídios devia ter sido pago, sobre o respetivo montante.
IV. absolver a Ré dos restantes pedidos formulados pela Autora, incluindo o de condenação como litigante de má-fé.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Autora interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[3]:
1. Na sentença recorrida fez o Tribunal a quo uma errada apreciação da prova, dando como não provados factos que deveriam ter sido considerados provados, e é feita uma errada aplicação do Direito, devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida de todos pedidos contra ela formulados.
2. Tendo em consideração o grau de habilitações académicas da Recorrente, as funções por ela exercidas, o horário praticado, a sua experiência de trabalho e o desgaste físico e psicólogo que sobre ela recaía, desde o início da relação laboral estabelecida com a Recorrida, a Apelante, enquanto trabalhadora, foi e é alvo de discriminação de índole salarial, porquanto, demais recursos da Universidade ..., com exatamente o mesmo grau de habilitações académicas, as mesmas funções, a mesma experiência e desgaste físico e psicológico, auferem remunerações consideravelmente mais elevadas sem, contudo, haver fundamentação justificada e plausível para o efeito.
3. Pese embora a premissa “trabalho igual, salário igual”, a Universidade ... nunca logrou justificar o patente fator de discriminação e diferenciação entre o tratamento salarial da Recorrente e dos demais trabalhadores contratados ao abrigo de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, que, tal como objetivamente exposto pelas duas testemunhas e a Autora, são trabalhadores que, muito embora, exerçam as mesmas funções que a Recorrente, tenham grau de habilitações académicas igual ou inferior, o mesmo horário, a mesma experiência e o mesmo desgaste físico e psicológico que a Recorrente, auferem remunerações consideravelmente mais elevadas, mormente a colega que veio substituir, BB e a sua colega de serviço CC.
4. Os contratos de trabalho aqui em causa, materialmente, não comportam qualquer diferenciação entre si, quer quanto ao objeto material, quer quanto ao objeto funcional, pois a Recorrente sempre exerceu, de forma contínua e ininterrupta, as suas funções, não tendo havido, no plano material, qualquer suspensão ou pausa na relação jus-laboral com a Recorrida, ou seja, substancialmente não se verificou qualquer alteração na relação jurídica existente entre a Apelante e a Universidade ....
5. A estratégia da Recorrida, de se socorrer de diferentes formas de contratação, quando, materialmente, a relação laboral estabelecida com os seus trabalhadores se mantem ao longo dos anos, não passa de uma verdadeira manobra de “dissimulação” de vínculos laborais contínuos, com os seus trabalhadores, em violação do artigo 129.º, n.º 1, alínea j) do Código do Trabalho.
6. Os pedidos formulados pela Autora Recorrente, bem como a factualidade que constitui a sua causa de pedir, assenta no posicionamento remuneratório que lhe foi atribuído, enquanto Técnica Superior, devendo este posicionamento, na verdade, ter sido equiparado ao dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas, com base no princípio da igualdade de tratamento a nível retributivo previsto em disposições do Código do Trabalho e em disposições dos Regulamentos Internos da Recorrida que, por sua vez, definem e regulam o regime de carreiras, de retribuições e de contratação de pessoal não docente e não investigador da Universidade ..., em regime de contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho.
7. O posicionamento retributivo em que a Recorrente foi contratada afronta o princípio da igualdade, na sua vertente “para trabalho igual, salário igual”, e a diferenciação de posicionamento remuneratório é ILEGAL.
8. Ficou plenamente demonstrado que quando a Recorrente, começou a exercer funções iguais a outra trabalhadora da Ré Recorrida, a BB, que, por sua vez, foi contratada ao abrigo de Contrato de Trabalho em Funções Públicas e, consequentemente, colocada, desde logo, em posição remuneratória bastante superior à Recorrente.
9. Apesar da Recorrente exercer exatamente as mesmas funções e tarefas, ter as mesmas habilitações académicas e o mesmo desgaste físico e psicológico que a colega que veio substituir e a sua colega de serviço CC, a verdade é que os trabalhadores em regime de função pública foram colocadas, desde logo, em posição remuneratória mais favorável, a 2.ª posição e a Recorrente na 1.ª posição.
10. Tendo ficado provado que, entre a Recorrente e as colegas de trabalho do mesmo serviço mencionadas supra, há uma situação de igualdade material entre a quantidade, natureza e qualidade do trabalho por elas prestado, e, dado que a Recorrente, quando contratada pela Recorrida, auferia uma remuneração significativa mais baixa que as respetivas colegas, a Recorrida, de forma absolutamente frontal, viola o princípio da igualdade de tratamento a nível retributivo no respeitante à Recorrente.
11. A Recorrente, enquanto trabalhadora da Recorrida Universidade ..., foi e é alvo de discriminação de índole salarial, porquanto é patente que a sua prestação de trabalho é objetivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente da de outros trabalhadores que foram colocados, desde logo, em posição remuneratória mais vantajosa, o que configura uma notória violação ao princípio da igualdade, mormente a colega que veio substituir, BB e a sua colega de serviço CC.
2. É de estranhar a diferença de tratamento salarial entre trabalhadores da Universidade ... contratados ao abrigo do direito privado e os trabalhadores contratados ao abrigo de Contratado de Trabalho em Funções Públicas, pelo que os primeiros são colocados na 1.ª posição remuneratória e os segundos na 2.ª posição retributiva quando, a bom ver, materialmente os contratos destes trabalhadores em tudo são semelhantes, e, muitas das vezes, prestam o seu trabalho no mesmo departamento e exercem exatamente as mesmas funções e tarefas, e, ademais, são avaliados exatamente nos mesmos moldes e parâmetros, tal como nos demonstra a lei supra.
13. Andou mal o Tribunal a quo ao ter absolvido a Recorrida dos pedidos que contra ela foram deduzidos pela Recorrente, pois, dúvidas não existem que, ao ser colocada na 1.ª posição remuneratória, a Recorrente foi incontestavelmente alvo de discriminação e desigualdade, porquanto, desde os primórdios da relação laboral estabelecida com a Universidade ..., a respetiva trabalhadora, exerce as mesmas funções, tem a mesma experiência, as mesmas habilitações académicas e o mesmo desgaste físico e psicológico que outros trabalhadores da Recorrida contratados em regime de contrato de trabalho em funções públicas, tendo estes sido colocados na 2.ª posição remuneratória, muito embora, à luz do Código de Trabalho, o trabalho exercido pela Recorrente e por estes demais trabalhadores seja objetivamente e materialmente igual.
14. Houve, de forma bastante evidente, violação do princípio para trabalho igual salário igual, porquanto, a prestação de trabalho da Recorrente ao serviço da Universidade ... é, desde o início, de igual natureza, qualidade e quantidade que a das suas colegas de trabalho posicionados na 2.º posição remuneratória.
15. Tendo como premissa que a aqui Recorrente é licenciada e, ainda, mestre em Contabilidade, desde 08/12/2013, não se entende como lhe foi atribuída a 1.ª posição remuneratória, concluindo-se, assim, que a aqui Recorrente não valorizou a sua trabalhadora, nem tão pouco o seu grau académico
16. Deveria a Recorrente ter sido integrada na 2.ª posição remuneratória, efeitos retroativos a fevereiro de 2011 e, posteriormente, ser integrada, pelo menos, na 3.ª posição remuneratória, correspondente ao nível 19, com efeitos retroativos a janeiro de 2019, e consequentemente, ser-lhe paga a diferença entre a retribuição base mensal que lhe pagou entre fevereiro de 2011 até fevereiro de 2023 e a que lhe devia ter pago, diferencial esse que se quantifica em € 30.121,22 e o montante global de € 5.669,17, a título de subsídio de férias e Natal referente aos anos de 2010, 2011, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022.
17. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 129.º, número 1, alínea j), 24.º, números 1 e 2, alínea c), 31.º e 26.º do Código do Trabalho, no artigo 134.º, número 2, da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, no artigo 47.º, número 2 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 38.º, número 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e no artigo 42.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.
Termina dizendo dever o recurso ser julgado procedente, e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, antes se julgando a ação totalmente procedente, condenando-se a Ré/Recorrida nos pedidos formulados.

A Ré apresentou resposta, apresentando recurso subordinado, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que igualmente se transcrevem:

No que respeita ao recurso da matéria de facto:

A. No corpo da alegação recursiva, a Recorrente indica, entre pp. 5 e 6, os factos que considera que devem dar-se como provados. Sucede que, compulsadas as conclusões, verifica-se que a Recorrente omite qualquer referência aos factos que devem dar-se por provados.

B. Ora, ante tal omissão e segundo se crê, vale inteiramente a doutrina do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2023, prolatado no Processo n.º 4696/15.0T8BRG.G1.S1 e segundo a qual a omissão dos pontos de factos nas conclusões configura motivo para rejeição liminar do recurso, sem possibilidade de sanação, por violação do artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC.

C. Viola ainda a alegação de recurso o disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC e que impõe ao recorrente o ónus de proceder à concretização individualizada de cada um daqueles factos que o recorrente pretende ver provados e com a indicação, também precisa e especificada, dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos que devem habilitar à decisão de facto, sob pena de rejeição do recurso.

D. Sucede que, mais uma vez compulsada a alegação recursiva constata-se que a Recorrente procede a uma transcrição dos depoimentos que indica como aptos a provar um bloco de 10 factos, sem no entanto individualizar, facto por facto, o meio de prova concreto que deve suportar a decisão.

E. Ofende-se assim clamorosamente o sentido do artigo 640.º n.º 1, alínea b) do CPC, como se concluiu em situação idêntica pelo Acórdão do STJ de 05/09/2018, prolatado no Processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2.

F. O incumprimento destes ónus por banda da Recorrente deve determinar, logo liminarmente, a rejeição do recurso da matéria de facto porque essa é a consequência que se extrai do artigo 640.º/1 do CPC («…sob pena de rejeição…»), sendo certo que o vício em causa não é sequer passível de sanação por convite ao aperfeiçoamento da alegação recursiva, conforme dimana do entendimento maioritário do STJ (vide, inter alia, o Cf. Acórdão do STJ de 27/09/2018).

G. Acresce referir que os 10 pontos que a Recorrente pretende que sejam dados por provados não podem admitir-se por se tratar, em rigor, de conclusões, juízos de valor ou matéria de direito, que a lei não consente que integrem o conteúdo de uma decisão da matéria de facto. Encontram-se nessas circunstâncias os pontos 1 a 10 que a Recorrente elenca na p. 5 e 6 da sua alegação recursiva e que, perante o exposto, não podem admitir-se integrar a decisão da matéria de facto, tal qual pretende a Recorrente.

H. Do mesmo passo, em alguns desses pontos pretende a Recorrente integrar matéria não alegada na sua petição inicial, em total entorse ao princípio do dispositivo (cf. artigo 5.º do CPC). Tal factualidade não poderá admitir-se por extravasar a causa de pedir da autora e pressupor assim uma modificação da causa de pedir em direta violação dos artigos 264.º e 265.º do CPC. Para além disso e em qualquer caso, sempre se dirá que se tratam de factos essenciais, por constitutivos de um direito da autora, e que esta deveria ter alegado na sua petição inicial, não o podendo fazer agora, em sede recursiva, por manifesta preclusão e por o tribunal destes factos só poder conhecer se os mesmos tivessem sido alegados na petição inicial. Encontram-se nessas circunstâncias o ponto 9 que a Recorrente elenca na p. 6 da sua alegação recursiva e que, face ao exposto, não pode admitir-se integrar a decisão da matéria de facto, tal qual pretende a Recorrente.

I. A tudo se deve aditar que o recurso da matéria de facto sempre deverá improceder porque a prova produzida não permite alicerçar as conclusões a que pretende chegar a Recorrente. Desde logo porque as situações de que se socorre a Recorrente nem sequer podem servir como o “ponto de comparação” para a desigualdade que a Recorrente pretende ver reconhecida, o que se deve concluir pelas notórias diferenças desses trabalhadores face à situação da Recorrente, como sejam: (i) a circunstância de se tratarem de vínculos de emprego público, sujeito a um regime distinto do da autora, (ii) de estarem em causa vínculos com antiguidades superiores ao da autora, (iii) de não se ter provado sequer qual o respetivo vencimento, nem nada se ter provado quanto às condições específicas e concretas do respetivo recrutamento (iv) de nada se ter provado quanto às condições concretas de cada um desses recrutamentos; em suma: por ser manifesto que a autora pretende comparar o incomparável e por não haver qualquer facto provado que possa suportar a situação de desigualdade que vaga e conclusivamente vem invocar.

J. Outrossim, deve sublinhar-se que os pontos 1 a 10 dos factos que a Recorrente alega que se deveriam ter dado por provados jamais podem proceder porque referem-se a uma comparação vazia e indeterminada. Na verdade, lidos tais pontos constata-se que a Recorrente protesta que foi discriminada face “a outros trabalhadores” sem nunca especificar quais, o que torna evidente a completa ausência de comparação possível já que o Tribunal não pode dar por provado uma comparação discriminatória que, em rigor, não tem o menor apoio ou circunstanciação concretizador. Mas, de resto, deve dizer-se em qualquer caso que esta comparação genérica e conclusiva da Recorrente é o fruto de uma prova que pura e simplesmente não existe nestes autos. Na verdade, os excertos de que se socorre a Recorrente não estão apoiados por uma concretização mínima, achando-se todos desprovidos de circunstanciação quanto a supostas realidades comparáveis. Ora, é este vazio, ou indeterminação na circunstanciação probatória, uma fragilidade inequívoca do recurso da matéria de facto e que deve também ditar a improcedência do mesmo.

K. Ou seja, não há factualidade para provar, mas também se nos oferece dizer que a prova da alegada discriminação salarial não existe e não foi feita nestes autos!

L. Veja-se, a secundar esta ausência de prova, a vacuidade dos depoimentos, sempre em tom genérico e conclusivo.

M. Atente-se também no desconhecimento revelado pelas testemunhas quanto às condições de recrutamento dos trabalhadores pretensamente comparáveis e favorecidos face à Recorrente (designadamente, a experiência ou qualificação exigidas nos procedimentos de recrutamento).

N. Considere-se ainda, a situação comparativa que a Recorrente quer fazer vingar, mas que se revela desajustada visto que procura comparar realidades distintas, apelando à situação de trabalhadores contratados em momentos temporais distintos.

O. Resulta da prova testemunhal por um lado, que, ao tempo em que foi contratada, à Autora foram aplicadas as condições previstas nos Regulamentos da Universidade e que ficaram definidas no procedimento concursal respetivo e, por outro lado, resulta também desta prova testemunhal que, ao tempo em que foi contratada, não eram conhecidas situações de trabalhadores que estivessem em condições mais vantajosas do que aquelas que foram aplicadas à Recorrente.

P. Em síntese e para concluir: nem ao tempo em que foi contratada pela Universidade, nem depois disso, a Recorrente provou que foi discriminada do ponto de vista salarial face a outros trabalhadores com vínculo comparável ao da Recorrente. Não há, pois, qualquer fundamento para proceder o recurso da matéria de facto.

No que respeita ao recurso da matéria de direito,

Q. A decisão recorrida não merece a censura brandida pela Recorrente. Desde logo e como aí bem se explica e fundamenta, o artigo 38.º/7 da LTFP não poderia ser aplicável à autora visto que se trata de uma norma cujos destinatários são os trabalhadores com vínculo de emprego público, o que não é o caso da autora. Depois e como também fundamenta a sentença recorrida, porque é manifesto que a autora não alegou qualquer factualidade apta a concluir pela violação do princípio da igualdade, na vertente a trabalho igual, salário igual. A análise da petição inicial é, a este respeito, totalmente reveladora e impressiva da absoluta omissão de uma circunstanciação que pudesse enquadrar uma violação casuisticamente apreciada. Assim e porque tal factualidade seria constitutiva do direito da autora, é por demais evidente que lhe competia alegá-la – o que manifestamente não fez! E, se não o fez então, não se pode admitir que o venha fazer agora em sede recursiva, por tudo quanto antes se disse. Em síntese, a factualidade provada nestes autos é manifestamente insuficiente para que se possa decidir de forma distinta daquela que a douta sentença decidiu.

R. A doutrina e a jurisprudência (cível e constitucional) têm apreciado recorrente e detidamente o princípio a trabalho igual, salário igual, sendo possível dela extrair relevantíssimos subsídios para a sorte do presente recurso. Como nota decisiva que desta corrente sobressai que a nossa Lei Fundamental não impede diferenciações salariais, apenas se vedando que tais distinções se façam de forma arbitrária e sem ter na sua génese critérios objetivos. A fronteira da ilicitude de tais distinções estará, assim, no extravasar de critérios objetivos, por arbitrários ou ilógicos.

S. A regra é, portanto, a permissão das diferenças retributivas e não o inverso.

T. Por sua vez, como critérios objetivos aptos a tornar lícitas tais distinções, num recenseamento à jurisprudência a que procedemos na motivação da presente contra-alegação, destacam-se, entre muitos outros, os seguintes: (i) a circunstância de se estar perante um contrato a termo, que a jurisprudência já reconheceu como um critério objetivo e legítimo para distinções remuneratórias; (ii) a natureza e caracterização dos vínculos pode igualmente determinar tais distinções; (iii) também as particularidades regulamentares do regime em que se enquadre o vínculo podem permitir distinções; (iv) a filiação sindical tem sido recorrentemente identificada como um critério objetivo apto a permitir tais distinções, não se reconhecendo qualquer desigualdade se existe um instrumento de regulamentação coletiva que motive as distinções salariais; (v) a antiguidade também pode permitir estas distinções e, por fim…

U. … merecerá particular enfase a jurisprudência que admite que o regime jurídico do vínculo – rectius, se sujeito ao regime jurídico do emprego público ou, pelo contrário, se sujeito a um regime de direito privado – configura um critério objetivo e permissivo de distinções salariais entre trabalhadores.

V. Em todos os exemplos citados a jurisprudência reitera consistentemente que se o critério é objetivo não há como censurar a distinção.

W. Sobressai com particular destaque a jurisprudência desta Relação do Porto, secundada aliás por jurisprudência do Tribunal Constitucional de 2018, que tem vindo a formar uma corrente sólida, a partir da situação dos enfermeiros, assumindo que a distinção de vínculos que resulta da lei (num caso, sujeitos ao regime jurídico do emprego público e, noutro, à disciplina privatista constante do Código do Trabalho) erige-se como um critério objetivo, que se explica e justifica pela manifesta distinção entre os regimes jurídicos a que se sujeitam cada um dos vínculos.

X. Nessa corrente, identifica-se igualmente a autonomia gestionária das entidades públicas sujeitas a tal regime de pessoal de natureza dual, como um elemento justificativo das distinções, raciocínio que, mutatis mutandis, valerá para a Ré, ora Recorrida, pois, também esta é uma pessoa coletiva de direito público que optou por eleger o regime fundacional, a partir de 2009, no quadro de uma habilitação legal, permissiva da opção por um regime laboral de direito privado, possibilitador da coexistência de dois regimes laborais em simultâneo, com distinção de vínculos e de remunerações.

Y. À luz desta corrente, considera-se inteiramente respaldada a douta decisão recorrida conquanto a situação dos presentes autos será em tudo idêntica à que se curou de apreciar nos múltiplos arestos que se têm vindo a produzir nesta Relação do Porto.

Z. Com efeito e revertendo ao caso concreto, o critério objetivo que permite a distinção a que a Recorrida procede explica-se e motiva-se pelos seguintes pressupostos basilares: (i) a transição da Recorrida para um regime fundacional, habilitada pelo RJIES, permitiu à Recorrida optar pela aplicação de um regime de direito privado ao pessoal que esta viesse a recrutar após a sua conversão em Universidade fundação; (ii) tal conversão, porém, deveria salvaguardar a situação dos vínculos laborais previamente constituídos, que, por tutela da respetiva confiança, se mantiveram na égide do regime do emprego público; (iii) o regime laboral dual surge assim legalmente habilitado por um procedimento de conversão em fundação; (iv) a motivação precípua que levou a esta conversão em fundação radica nas vantagens do direito privado, máxime, com a possibilidade de a Recorrida poder beneficiar das vantagens do regime laboral privado, mais flexível e menos rígido do que o regime vinculístico aplicável ao emprego público; (v) ora, pretender uma convergência total entre os vínculos (atuais e precedentes) em termos tais que imponham que as regras salariais se apliquem integralmente conforme resulte do regime vinculístico pressupõe uma contradição insanável com a motivação que esteve na génese da conversão.

AA. O critério objetivo que explica o “convívio” de diferentes tipos de vínculos laborais é, nos termos acabados de expor, tudo menos arbitrário, porque se filia num quadro legal, devidamente retratado e explicado pelo RJIES; será, também, tudo menos ilógico e irracional, porque a lógica e a racionalidade da distinção feita entre os vínculos se explica e motiva no quadro de uma conversão para o regime de direito privado, embora com a inevitável salvaguarda dos trabalhadores com vínculo de emprego público previamente constituído e que se justificará, essencialmente, pela proteção da confiança dos trabalhadores com vínculos previamente constituídos.

BB. Pelo contrário e segundo se crê, ilógico e irracional, seria impor à Recorrida que, apesar de poder transitar para um regime privatista, ficasse afinal de contas limitada ao vinculismo, na parte mais essencial que o regime da conversão em fundação visa promover.

CC. De resto e se, por um lado, os trabalhadores com vínculo de emprego público não podem almejar aos benefícios exclusivos do regime privatista (mormente e se tal vier a suceder, por haver um regime salarial distinto e mais favorável), por outro lado, também se crê que os mesmos trabalhadores em regime de direito privado não podem pretender a aplicação de uma norma, como o artigo 38.º/7 da LTFP, e que é um exclusivo do regime jurídico do emprego público.

DD. O critério em que assenta esta distinção é, como se vê, um critério objetivo e conforme ao entendimento que a doutrina e a jurisprudência ensaiam a respeito dos limites à diferenciação de retribuições filiados no princípio trabalho igual, salário igual.

EE. Acrescente-se depois que o artigo 134.º do RJIES é perfeitamente coerente com o entendimento acabado de expor, porquanto e no que concerne às relações com o seu pessoal, dispõe o artigo 134.º/1 do RJIES que as fundações se regem pelo direito privado, acrescentando-se depois, no n.º 3 desta disposição, que para a gestão dos recursos humanos as fundações podem criar carreiras próprias para o seu pessoal. Tal disposição, por sua vez, ressalva muito impressivamente que, “quando apropriado”, na criação destas carreiras deve ser respeitado “genericamente” o paralelismo no elenco de categorias e habilitações académicas que vigoram no ensino superior público. A norma está assim bem longe de imperativamente exigir uma igualdade de regimes. Bem ao invés disso, o preceito elege claramente um regime de direito privado, determinando que cabe à fundação valorar se, quando e em que termos o mesmo se deve aproximar do regime público. A distinção entre o regime público e o privado, como uma decorrência lógica e necessária da opção concedida às instituições de ensino superior que acolham o regime fundacional, parece constituir uma nótula distintiva que se retira de forma linear da citada disposição do RJIES.

FF. Foi justamente habilitada por esta lei que a Universidade ... regulou e definiu as carreiras do seu pessoal. E o regime remuneratório que aí ficou definido foi precisamente o de os Técnicos Superiores poderem ingressar na 1.ª posição retributiva, nível retributivo 11 da tabela única. Veja-se, pois, o Regulamento 449/2009, em cujo Anexo II se preceitua que ao Técnico Superior é atribuída, no início, a 1.ª posição retributiva. Inexistindo nesse regulamento qualquer disposição que imponha, ou sequer indicie, que o acesso à carreira se faça imperativamente pela 2.ª! Por conseguinte, a contratação de pessoal técnico, administrativo e de gestão, no que respeita designadamente a carreiras, posições retributivas, horário de trabalho e progressão remuneratória, está sujeita às disposições constantes da respetiva regulamentação, elaborada especificamente para o efeito e consubstanciando um regime próprio, de direito privado, que, como tal, prevalece sobre o regime de trabalho em funções públicas, sendo este último regime de aplicação meramente subsidiária a qualquer relação laboral que ao abrigo daqueles regulamentos se tenha constituído ou venha a constituir.

GG. De resto, nem se pode ou deve comparar os vínculos (privado e público) por corresponderem a regimes com regras distintas. A questão da igualdade não se pode assim colocar, pois a diferença de regimes e de vínculos é clara e notória. A propósito do regime estatutário dos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, pensem-se nas diferentes regras que aí vigoram e que, a título meramente exemplificativo, salientamos as seguintes: as atinentes à exclusividade das funções (artigo 20.º e 22.º da LTFP), recrutamento (artigos 33.º e ss. da LTFP), avaliação no período experimental (artigo 46.º da LTFP), avaliação do desempenho (artigos 89.º e ss. da LTFP), mobilidade (artigos 92.º e ss. da LTFP), alterações decorrentes de procedimentos de reorganização de serviços e racionalização de efetivos geradores de valorização profissional de trabalhadores (Lei n.º 25/2017, de 30 de maio – v., especialmente, o seu artigo 36.º) – tudo disposições que divergem substancialmente das previstas no Código do Trabalho, compondo um regime próprio e diferenciado, impossível portanto de reclamar uma situação de simetria como a autora, aqui Recorrente, tenta ensaiar na sua alegação.

HH. Em suma, bem andou a decisão recorrida ao decidir pela inexistência de qualquer violação do princípio da igualdade. Sem conceder,

II. Na instância de recurso e caso viesse a proceder o recurso – no que não se concede – devem ser conhecidas: (i) as questões prejudicadas na apreciação da 1.ª instância, por força do previsto no abrigo do artigo 665.º/2 do CPC e, (ii) por via da ampliação do objeto do recurso ora requerida (cf. artigo 636.º do CPC), devem ser apreciados os fundamentos de defesa em que a Recorrida decaiu e que incluem aqueles que haviam sido precedentemente analisados em sede de despacho saneador.

JJ. No que respeita à inimpugnabilidade e à aceitação dos atos administrativos, crê-se que o despacho saneador errou na apreciação que fez de tais questões. Com efeito, os atos administrativos praticados no procedimento de recrutamento não foram e também já não podem ser judicialmente impugnados conquanto o prazo para a impugnação dos atos administrativos é de 3 meses – cf. artigo 58.º, n.º 1, alínea a) do CPTA. Ao ignorar este aspeto, o douto despacho saneador acaba por violar o aludido preceito legal, na medida em que se está a admitir que por via de uma ação judicial possa ser colocado em causa um aspeto constante de tais atos administrativos, qual seja o posicionamento remuneratório do lugar levado a concurso. Viola-se igualmente o artigo 38.º/2 do CPTA e que tem precisamente como escopo impedir que outros meios processuais permitam obter o efeito que resultaria da impugnação do ato, o que será o caso de uma pronúncia de uma ação judicial que disponha que o posicionamento remuneratório deveria ser outro que não o levado a concurso. Em segundo lugar, deve destacar-se que o facto de a autora também não poderá impugnar estes atos administrativos por os ter aceitado na aceção do artigo 56.º do CPTA.

KK. No que respeita ao abuso de direito, deve salientar-se que a ação inscreve em qualquer caso um propósito não consentido pelo artigo 334.º do Código Civil. Assim e independentemente de poder ser reconhecido o estatuto que a Autora pretende ver reconhecido na presente ação – no que em qualquer caso se não concede –, a verdade é que com tal pretensão a autora vem assumir uma pretensão manifestamente contraditória e inconciliável com todas as atuações precedentes e que acima se foram evidenciando. Com efeito, os presentes autos elegem um vasto conjunto de atos praticados pela autora e que à luz da boa fé não serão compatíveis com a presente ação. Referimo-nos, pois, ao contrato pelo qual a aqui Autora se vinculou, bem conhecendo e aceitando as condições contratuais aí vertidas. Ou, ainda, a candidatura que a Autora apresentou no procedimento concursal e pela qual se vinculou e aceitou as condições que viriam a ficar materializadas no contrato que, na sequência de tal concurso, foi celebrado com a Autora. Já para não falar da execução material de tais vínculos, durante largos anos, sem que até à propositura desta ação a Autora questionasse os termos elementares dos mesmos.

Finalmente, quanto ao recurso subordinado.

LL. Nos termos do artigo 633.º/1 do CPC e tal qual é o entendimento maioritário da jurisprudência do STJ, o recurso subordinado é admissível independentemente do valor da sucumbência sempre que o Recorrido tenha decaído na sentença recorrida.

MM. Ao abrigo da aludida disposição, a Recorrida interpõe o presente recurso subordinado, tendo por objeto unicamente a parte em que foi condenada a reconhecer que o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes configurou um contrato de trabalho e, em consequência, foi também condenada a pagar à Autora o valor dos correspondentes subsídios de férias e de Natal vencidos durante o período temporal em que vigorou tal relação contratual. Releva ainda nesta sede a prescrição que o Tribunal a quo julgou improcedente.

NN. A decisão da matéria de facto, salvo o devido respeito e que é muito, merece reparo por ter dado por provados factos que não deveria e, bem assim, por ter omitido outros que deveria ter julgado provados.

OO. No que respeita aos factos que deveria ter dado por provados e que se afiguravam relevantes para a boa decisão da causa, mormente para a caracterização da relação contratual vigente entre as partes no período que decorreu entre 2010 e 2011, destacam-se os seguintes factos:

A – De março de 2010 a janeiro de 2011, a Autora emitia recibos verdes contra os pagamentos dos valores indicados no facto 10.

B – Até ser celebrado o contrato de trabalho em fevereiro de 2011, a Autora não estava sujeita a controlos de assiduidade para efeitos de entradas, saídas, férias, faltas ou controlo de licenças.

C – Até ser celebrado o contrato de trabalho em fevereiro de 2011, a Autora não recebia qualquer subsídio.

D – Durante o tempo em que vigoraram os contratos de prestação de serviços, a Autora não estava obrigada a qualquer regime de exclusividade.

E – A Autora nunca apresentou nenhuma manifestação escrita de protesto respeitante às condições remuneratórias que lhe foram aplicadas.

PP. A prova da factualidade acabada de indicar retira-se, por sua vez, dos seguintes meios probatórios: (1) Para a prova do facto A, destacam-se os documentos juntos à PI e também a assunção da Autora constante da sua petição inicial; (2) para a prova do facto B concorrem os depoimentos da testemunha DD, que comprovaram o controlo de assiduidade apenas na égide do contrato de trabalho; (3) a prova do facto C retira-se da conjugação dos demais factos, mormente porque os recibos verdes titulam os valores que foram pagos à Autora sem que além desses existisse quaisquer outros valores, bem como o depoimento da testemunha DD; (4) a prova do facto D alcança-se por via do teor dos contratos de prestação de serviços juntos aos autos; (5) a prova do facto E alcança-se pelo depoimento da testemunha DD – tudo nos termos das transcrições supra reproduzidas.

QQ. Por outro lado, o facto dado por provado em 15) na douta decisão recorrida deve ser integralmente eliminado porque este ponto contempla segmentos que não podem constar de uma decisão de facto (por extravasarem o conceito de matéria de facto, à luz do artigo 607.º do CPC), que se afiguram manifestamente conclusivos.

RR. A decisão da matéria de facto deve por tudo o exposto ser alterada, com a eliminação do ponto 25 e o aditamento dos factos A a E que acima se reproduziram.

SS. Ora, em consequência desta alteração da matéria de facto, crê-se que também a solução jurídica deve alterar-se em conformidade, por se considerar que a douta sentença recorrida, na qualificação da relação contratual existente entre 2010 e 2011, se apegou significativamente a certos indícios que lhe permitiram concluir por uma relação laboral mas desconsiderou outros que, na perspetiva da Recorrente, permitiam (e impunham) uma decisão diversa. Isto, tanto considerando os factos que resultaram provados na decisão da matéria de facto, como, ainda mais, se considerarmos os factos que devem resultar provados por via do presente recurso da matéria de facto.

TT. De facto, a presunção a que chegou o Tribunal a quo, pode, na perspetiva da Recorrente, ser afastada pela consideração de um conjunto de nove indícios que caracterizaram a relação existente entre as partes entre 2010 e 2011, quais sejam:

> A inexistência de qualquer contrato de trabalho escrito e o nomen juris do contrato de prestação de serviços outorgado entre as partes

> A emissão de recibos verdes

> A ausência de descontos para a segurança social

> A falta de pagamento de subsídios de férias e de natal

> A falta de pagamento de subsídio de refeição (ou qualquer outro subsídio associado a uma relação laboral)

> A inexistência de uma relação de exclusividade

> A inexistência de qualquer controlo de assiduidade

UU. A conjugação de todo este circunstancialismo deve levar a que se reconsidere a decisão recorrida no que respeita ao erro na qualificação do contrato e que deve ditar a improcedência integral da ação, pelo que aqui se pugna.

VV. Ao que se deve ainda somar a exceção de prescrição das quantias que a Ré foi condenada a pagar à Autora, no pressuposto de que a relação de prestação de serviços configurou uma relação laboral.

WW. Ora, tendo o Tribunal a quo concluído que a relação que vigorou até 2011 era nula, não poderia o Tribunal a quo deixado de retirar plenas consequências para o futuro.

XX. A primeira dessas consequências era justamente a de que o vínculo que se seguiu, formado por via de um procedimento concursal, consistiu num vínculo novo e não uma continuidade da relação precedente declarada nula – circunstância que impediria o Tribunal a quo de concluir pelo reconhecimento da antiguidade da Autora como reportada a 2010, conforme se extrai do ponto I do dispositivo.

YY. Ao concluir deste modo, smo, crê-se que a decisão recorrida procura estender os efeitos de um contrato nulo para além da data da declaração judicial da sentença. Com efeito, se podem aceitar-se, por consumados e por referência à relação contratual de facto, os efeitos esgotados durante o tempo em que perdurou e foi executado o vínculo, o mesmo já não se pode aceitar quanto a efeitos futuros, isto é, aqueles que sobrevierem para além do termo da relação declarada nula.

ZZ. A nulidade impunha assim que fossem extraídas as consequências jurídicas emergentes do regime da nulidade, mormente no que concerne aos efeitos previstos no artigo 289.º do Código Civil e, ao não entender assim, o Tribunal a quo, smo, violou os artigos 122.º/1 do Código do Trabalho e o artigo 289.º do Código Civil.

AAA. Para além da violação do artigo 122.º do CT e do artigo 289.º do CC nos termos acabados de descrever, a sentença recorrida, ao pretender aproveitar retroativamente os efeitos da relação de facto ferida de nulidade, afronta igualmente o artigo 47.º/2 da CRP.

BBB. Destaque-se que foi justamente por força desta norma da Lei Fundamental que o Tribunal a quo declarou nula a relação de prestação de serviços que o mesmo Tribunal qualificou como sendo laboral. Ora, ante tal declaração de nulidade, estaria vedado ao Tribunal a quo a possibilidade de extrair efeitos futuros de um tal vínculo (nulo), sob pena de violação direta do artigo 47.º/2 da CRP.

CCC. Defluente da nulidade pressupunha-se, por conseguinte, o reconhecimento da prescrição de quaisquer quantias que tivessem emergido de tal relação contratual declarada nula e extinta desde 2010, data em que se iniciou um vínculo laboral novo, distinto e, esse sim, válido.

DDD. Retenha-se neste excurso que, num caso muito semelhante, o Supremo Tribunal de Justiça adotou solução totalmente divergente da que se refletiu na sentença recorrida e que nos parece que deve merecer ponderação crítica na presente instância recursiva. Com efeito, no Acórdão do STJ de 08/10/2014, prolatado no Processo n.º 1111/13.8T4AVR.S1 relatado pelo Conselheiro Fernandes da Silva discutia-se a questão de saber se a relação contratual de natureza laboral titulada por contratos de avença a que se sucedeu a celebração de contratos de trabalho em funções públicas celebrado com uma pessoa coletiva de direito público poderia contabilizar-se como uma única relação laboral. O Supremo respondeu negativamente a tal questão, sublinhando que a nulidade dos contratos de avença (que “travestiam” uma verdadeira relação laboral) impediria que se pudesse considerar um único contrato, mesmo que ao vínculo nulo se viesse a suceder, sem qualquer interrupção temporal, um contrato de trabalho válido e eficaz.

EEE. E concluiu também nesse aresto o Supremo Tribunal de Justiça que a prescrição deveria ser reconhecida já que, com a cessação do vínculo (declarado nulo), iniciou-se o prazo de prescrição, pois não há como negar a diferença entre ambos os vínculos, de natureza jurídica completamente diversa.

FFF. Atenta a distinção entre estes vínculos, afigura-se que, desde a data em que veio a cessar a relação contratual vigente até 2011 e que foi declarada nula pelo Tribunal a quo, iniciou-se a partir de então o decurso do prazo da prescrição de créditos de natureza laboral, tal como previsto no artigo 337.º do Código do Trabalho. Prazo esse que, conforme resulta do citado preceito, é de um ano contado da data em que cessa a relação jurídica jus-laboral

GGG. Ao não concluir nestes termos e tendo condenado a Ré no pagamento de quantias vencidas na égide da relação laboral vigente até 2011, sempre salvo melhor opinião, crê-se que o Tribunal a quo violou o artigo 47.º/2 da CRP bem como os artigos 122.º e 337.º do CT.

Termina dizendo o seguinte:

I. deve o recurso interposto pela Autora ser julgado improcedente ou, quando assim se não entenda, ser julgadas procedentes as exceções invocadas pela Recorrida (de prescrição, de inimpugnabilidade e aceitação dos atos administrativos e de abuso de direito) concluindo-se, a final, pela absolvição da Ré/Recorrida.

II. deve igualmente julgar-se procedente o recurso subordinado, revogando-se a sentença na parte em que reconheceu uma relação laboral durante a vigência dos contratos de prestação de serviços e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora os valores correspondentes aos subsídios de férias e de Natal vencidos na vigência dessa relação.

A Autora apresentou resposta ao recurso subordinado, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que também se transcrevem:

1. Entende a Recorrida que, sem prejuízo do alegado em sede de interposição de recurso da referida decisão, não foi cometido qualquer erro na apreciação da matéria de facto e aplicação da matéria de direito, que impusesse a solução pretendida pela Recorrente, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de confirmação.

2. Invoca a Recorrente a necessidade de aditamento à matéria de facto os seguintes pontos:

A. De março de 2010 a janeiro de 2011 a Autora emitia recibos verdes contra os pagamentos dos valores indicados no facto 11.

B. Até ser celebrado o contrato de trabalho em fevereiro de 2011, a Autora não estava sujeita a controlos de assiduidade para efeitos de entrada, saídas, férias, faltas ou controlo de licenças.

C. Até ser celebrado o contrato de trabalho em fevereiro de 2011, a Autora não recebia qualquer subsídio.

D. Durante o tempo em que vigoraram os contratos de prestação de serviços, a Autora não estava obrigada a qualquer regime de exclusividade.

E. A Autora nunca apresentou nenhuma manifestação escrita de protesto respeitante às condições remuneratórias que lhe foram aplicadas.

3. Cumpre evidenciar a absoluta irrelevância da adição dos factos A. e C., isto pois, está evidentemente assente que desde os primórdios da relação laboral entre a ora Recorrida e a Recorrente, esta última sujeitou a sua trabalhadora a contratações precárias que não correspondiam, de maneira nenhuma, ao verdadeiro vínculo estabelecido entre as partes.

4. Desde março de 2010 até ao momento, a Autora tem prestado funções sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, cumprindo um horário de trabalho definido pela Universidade ..., pelo que, não subsistem quaisquer dúvidas de que, está a Ré obrigada a reconhecer a existência de um contrato de trabalho a partir de 15 de março de 2010, fazendo reportar a antiguidade da Autora a essa data, com as inerentes consequências legais.

5. Reportando-nos ao caso concreto, verifica-se que a factualidade reproduzida em prova testemunhal e em sede de declarações de parte é bastante para que se dê por verificada a presunção da existência de contrato de trabalho entre as partes desde março de 2010, por se mostrarem preenchidas, em concreto, as circunstâncias previstas nas alíneas a) – a atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado, b) – os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade, c) – o prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma e d) – seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; do número 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.

6. Presunção essa que a Recorrente não logrou definitivamente afastar, pois, apesar de poderem ter sido observados os trâmites formais inerentes à elaboração e prossecução de contratos de prestação de serviços – o que ocorreu para dar uma capa de legalidade a uma situação absolutamente ilegal – o certo é que, material e factualmente, no dia-a-dia, a atividade desenvolvida e a forma como a mesma era levada a cabo não era compatível com tais contratos.

7. Desde 15 de março de 2010, entre a Recorrida e a Recorrente existiu, de facto, uma relação de trabalho subordinado, pois, no caso sub judice, encontram-se preenchidos quatro dos requisitos da presunção da existência de contrato de trabalho consignada no artigo 12.º do Código de Trabalho.

8. No plano material, a relação laboral da Recorrida foi sempre estabelecida com a Universidade aqui Recorrente, pois, durante esse período, e até à presente data, prestou SEMPRE funções nas instalações da Universidade ..., utilizando equipamentos e instrumentos de trabalho propriedade da Recorrente, observando, sempre, o horário de trabalho que lhe foi fixado – horas de início e de termo da prestação de trabalho e estando a marcação dos dias de férias sempre sujeita a autorização do seu superior hierárquico, a quem reportava o seu trabalho.

9. Todos os contratos celebrados antes da celebração do contrato de trabalho a termo certo, procuraram tão-só e apenas trazer uma capa de legalidade a uma realidade absolutamente ilegal, isto é, visaram criar a convicção de que entre as partes aqui em litígio não existia uma relação de trabalho, ao contrário do que sucedia no plano material.

10. A Autora sempre manifestou o seu descontentamento perante a precariedade laboral que lhe era imposta.

11. O nomem iuris que as partes possam dar a um contrato não pode, de per se, alicerçar a conclusão de que se está, de facto, perante um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços, sendo necessário proceder-se a análise da situação concreta e a conjugação dos elementos factuais provados.

12. In casu, ficou estabelecido pelo Tribunal a quo que, efetivamente, a Recorrida exercia sempre as mesmas funções, fazendo-o nas instalações da Universidade ....

13. O local de trabalho é indicativo da subordinação do trabalhador porquanto este desenvolve a sua atividade em instalações predispostas pelo seu empregador, ao passo que o desenvolvimento da atividade laborativa em instalações próprias denuncia uma certa autonomia do prestador, na medida em que, num local de trabalho fisicamente distante do empregador, é menos fácil o controlo direto do credor sobre a execução da prestação.

14. Analisando as funções exercidas pela Recorrida, facilmente nos apercebemos que dizem respeito a atividades facilmente executadas fora das instalações da Universidade ... e que, dada a existente relação de subordinação jurídica entre a Recorrente e a Recorrida, eram e sempre foram exercidas em local pertencente à beneficiária Universidade ..., ficando, assim, provada a verificação da alínea a), do número 1, do artigo 12.º do Código do Trabalho.

15. Os instrumentos de trabalho que a Recorrida utilizava e utiliza foram devidamente especificados em sede de depoimento de testemunhas, e, dadas as funções exercidas pela Autora, notório é que se referem a instrumentos típicos de trabalho desenvolvido em escritório, como, por exemplo, o computador e telefone.

16. A relação entre a Recorrente e a Recorrida sempre correspondeu a uma relação laboral subordinada e devia ser qualificada ab initio como um contrato de trabalho, razão pela qual, o artigo 186.º-O n.º 8 do CPT determina que a sentença proferida nesta ação que reconheça a existência de um contrato de trabalho estabelece a data de início da relação laboral.

17. A antiguidade reconhecida à Recorrida é equiparada à existência de um contrato de trabalho desde o início dessa antiguidade.

18. Tal como a própria Recorrente o admite, os contratos de prestação de serviços celebrados com a Recorrida tiveram na sua base procedimentos concursais de ajuste direto.

19. O procedimento concursal foi estabelecido como sendo a melhor forma que acautela a igualdade no acesso à função pública, contudo, o objetivo do legislador com o referido preceito legal foi impedir que haja discricionariedade no acesso à função pública, pelo que, o que é essencial é que a utilização de outras formas diversas de acesso à função pública apresentem um fundamento material relevante e que respeitem os princípios constitucionalmente consagrados aplicáveis à função pública.

20. Mas ainda assim, é de referir que de acordo com o artigo 122.º do Código do Trabalho “o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado”.

21. O contrato de trabalho celebrado no ano de 2011, que veio regularizar a situação laboral da Autora, não vigora apenas para o futuro, e não faz cessar os efeitos da mesma relação laboral nos anos anteriores, prévios à regularização.

22. De forma ininterrupta, a Recorrida, sempre prestou o seu trabalho, diariamente, com a mesma natureza, e sujeitos à mesma hierarquia, e, por isso, indubitavelmente, os contratos de trabalho aqui em causa, materialmente, não comportam qualquer diferenciação entre si, quer quanto ao objeto material, quer quanto ao objeto funcional, sendo ainda certo que, a Autora sempre exerceu, de forma contínua e ininterrupta, as suas funções, não tendo havido, no plano material, qualquer suspensão ou pausa na relação jus-laboral com a Ré, ou seja, substancialmente não se verificou qualquer alteração na relação jurídica existente entre Autora e Ré.

23. É absolutamente falso que não exista qualquer relação de continuidade ou sucessão entre ambos os vínculos, facto de que a Ré bem sabe.

24. Atendendo à ratio legis do artigo 337.º do Código de Trabalho, apenas se poderá interpretar aquela norma no sentido de o prazo de prescrição apenas ter o seu início, quando cessem os vínculos laborais entre as partes, o que se deve aplicar in casu, independentemente da celebração formal de novos contratos, pois a situação de subordinação da trabalhadora ao empregador nunca chegou a cessar, sendo contínua a relação laboral entre as partes, sujeitando-se a Autora desde 15 de março de 2010 aos poderes da Ré enquanto sua entidade empregadora.

25. Atento o que se deixa alegado, e atenta a matéria dada como provada nos presentes autos, o Tribunal a quo não podia ter aplicado outra solução de Direito ao caso concreto que não fosse a constante na sentença recorrida.

Termina dizendo dever o recurso subordinado ser julgado totalmente improcedente e, consequentemente, ser confirmada a sentença recorrida.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação da Autora, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, admitindo o recurso subordinado apresentado pela Ré.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho) no sentido de o recurso principal ser rejeitado ou não obter provimento, escrevendo, essencialmente, o seguinte:

Atento o objeto dos presentes autos, determinado pelas conclusões formuladas pelo recurso principal, afigura-se-nos que a recorrente não tem razão, tal como a recorrida o demonstra nas suas contra-alegações.

É evidente a fragilidade argumentativa apresentada quanto à impugnação da matéria de facto, tal como esta o demonstra, com a nossa concordância, por incorreta observância do triplo ónus a que se alude no artigo 640.º do CPC. Tal é causa de imediata rejeição do recurso nesta parte - cfr. Acs do STJ de 05 e 27 ambos de setembro de 2018 e deste TRP de cfr. tb. Acs deste TRP de 13/11/2023, 22/02/2021 e 22/10/2018; tb. António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126, 127 e 129.

Ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, nenhum reparo ou censura há que ser feito à douta decisão recorrida, que, deverá ser integralmente confirmada, ante o rigor e a justeza argumentativa nela expressa, quanto à matéria de facto.

Imputa-se à sentença erro na apreciação da prova e sua valoração em contrário da prova produzida em sede de audiência de julgamento, quanto aos depoimentos prestados e que invoca. In casu, estar-se-á perante a interpretação que a recorrente dá aos depoimentos que foram prestados, deles fazendo o aproveitamento como melhor lhe convém e o que consubstancia um modo impróprio de impugnar.

As provas foram livremente apreciadas segundo a prudente convicção da ilustre julgadora, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do CPC, e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

A este respeito, Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil”, 3.ª edição, p. 196, diz que - “…o princípio da livre apreciação da prova significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova. Compreende-se como este princípio se situa na linha lógica dos anteriores: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis”.

Não se observa qualquer vício ou erro de julgamento que determine a alteração, eliminação ou ampliação da matéria de facto dentro do condicionalismo previsto no artigo 662˚ do CPC. Sem sentido a pedida alteração de sentença, como a recorrida também o demonstra.

Estabilizada deste modo a matéria de facto, que deverá ser integralmente confirmada, mantém-se a matéria de direito. Quanto a esta, foi incumprido o ónus a que se alude no art.º 639.º n.º 2 do CPC e o que também é causa de rejeição do recurso.

O ilustre julgador a quo bem decidiu em conformidade com os ónus probatórios que incumbiam às partes, sendo que foram caracterizadas as formas de contratação entre a recorrente e a recorrida de acordo com as regras aplicáveis pelo Código do Trabalho e do Regulamento de Carreiras, Retribuições e Contratação do Pessoal Técnico, Administrativo e de Gestão da Universidade ..., para atribuição temporal do nível de posição remuneratória da Carreira de Técnico Superior em conformidade com as avaliações de desempenho para o período de 15 de março de 2010 e 31 de janeiro de 2011. Sem reparo, foram fixados os créditos salariais devidos à recorrente.

Nenhuma das “conclusões” da alegação da recorrente principal subsiste perante a argumentação que foi expendida na douta decisão sub iudice e o que afasta qualquer vício ou erro de julgamento, por inadequado modo de impugnar.

Consequentemente, o recurso subordinado terá de soçobrar.

Não houve resposta.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


*

FUNDAMENTAÇÃO

Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[4], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso.

Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[5] é saber se:

Recurso da Autora e recurso subordinado da Ré:

● houve erro no julgamento sobre a matéria de facto? (questão cuja apreciação pressupõe que a Recorrente tenha cumprido os ónus impostos à parte recorrente, o que previamente se apreciará)

Recurso da Autora:

● a Autora deve ter um posicionamento remuneratório, enquanto Técnica Superior, equiparado ao dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas?

Recurso subordinado da Ré:

● não se pode presumir a existência de contrato de trabalho subordinado, no período anterior a fevereiro de 2011?

● a considerar-se ter existido, nesse período anterior a fevereiro de 2011, relação laboral, sendo nulo o contrato, não se podem retirar as consequências que foram retiradas na sentença recorrida?

No caso de o recurso da Autora proceder, há que ponderar se as questões referidas pela Recorrida/Ré em “ampliação do âmbito do recurso” [“inimpugnabilidade e aceitação dos atos administrativos”, do “abuso de direito” e da “prescrição”] devem ser conhecidas e, na afirmativa, qual a solução a dar às mesmas.


*

Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como PROVADOS na sentença de 1ª instância, objeto de recurso, que foram os seguintes, que se reproduzem:

1. A Ré é uma fundação pública que se rege pelo direito privado, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e pessoal.

2. No dia 15 de março de 2010, a Autora começou a desempenhar funções para a Ré, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.

3. Mais tarde, em 22 de setembro de 2010, Autora e Ré celebraram um novo contrato de prestação de serviços.

4. Da cláusula terceira dos dois referidos contratos de prestação de serviços, consta:

«Como contrapartida dos serviços prestados e identificados na Cláusula Primeira, o Primeiro Outorgante pagará ao Segundo, a título de honorários, o montante global de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), isento de I.V.A., dado que não serão ultrapassados os limites impostos pelo artigo 53° do Código de I.V.A., e serão feitas as retenções na fonte, em sede de I.R.S., se forem ultrapassados os limites impostos pelo n.º 1 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º, 42/91, de 22 de janeiro.

- Parágrafo único: O montante global referido anteriormente, no valor de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), será suportado por verbas do Centro de Custos da Reitoria da Universidade ..., sendo o seu pagamento efetuado nos termos a acordar, correspondente ao volume de trabalho executado e de acordo com os resultados apresentados, até perfazer o montante indicado

5. Entre cada um dos contratos de prestação de serviços acima referidos, por indicação da Ré, a Autora esteve cerca de uma semana em casa, sem prestar trabalho e sem receber.

6. A Ré não efetuou descontos para a Segurança Social, em relação às quantias que pagou à Autora, no âmbito dos contratos de prestação de serviços celebrados.

7. Em 01 de fevereiro de 2011, na sequência do processo de seleção e recrutamento com a referência ..., Autora e Ré celebraram um contrato de trabalho a termo resolutivo certo, com início na referida data, no qual foi atribuída à Autora a categoria de Técnica Superior, na 1.ª posição remuneratória, correspondente ao 11.º nível retributivo.

8. Na cláusula sexta do referido contrato de trabalho a termo, consta que:

«A remuneração base ilíquida mensal a auferir pela Segunda Outorgante é de € 995,51 (novecentos e noventa e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), correspondente à 1.ª posição retributiva, nível retributivo 11, previsto nos Anexos do Regulamento Interno de Carreiras, Retribuições e Contratação de Pessoal não Docente e não Investigador em Regime de Contrato de Trabalho, sujeita aos descontos legais, bem como às atualizações salariais que venham a ocorrer e que lhe sejam aplicáveis

9. O mencionado contrato de trabalho a termo foi sendo ininterrupta e sucessivamente renovado até 23 de janeiro de 2015, data em que foi autorizada a conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado.

10. No ano de 2010 e até janeiro de 2011, a Autora recebeu da Ré € 800,00 por mês.

11. A partir de fevereiro de 2011, a Autora passou a receber da Ré a retribuição mensal de € 995,51, que se manteve inalterada até dezembro de 2018.

12. Em janeiro de 2019, a Autora passou a receber da Ré a retribuição mensal de € 1.201,48.

13. Em 2020 e 2021, a Autora recebeu da Ré a retribuição mensal de € 1.205,08, passando em 2022 para € 1.215,93 e em janeiro e fevereiro de 2023 para € 1.268,04.

14. Desde 15 de março de 2010 até à presente data, a Autora desempenhou para a Ré sempre as mesmas funções, que consistiam essencialmente no encerramento de contas; elaboração de mapas de fecho de ano; criação e controlo dos centros de custos da instituição; e atendimento técnico.

15. Desde 15 de março de 2010 até à presente data – com exceção do período de tempo de cerca de uma semana referido no n.º 5 dos factos provados, em que esteve em casa, por indicação da Ré – a Autora exerceu sempre as suas funções nas instalações da Ré, da mesma forma, ininterruptamente, usando instrumentos de trabalho pertencentes à Ré e cumprindo o horário de trabalho fixado por esta, dentro de um período normal de trabalho de 8 horas diárias e 40 horas semanais.

16. Desde 15 de março de 2010 até à presente data, a Autora tinha de comunicar e justificar as faltas ao seu superior hierárquico, que controlava o seu trabalho.

17. A Autora concluiu o mestrado em Contabilidade em 08/12/2013.

Foi ainda consignado na sentença recorrida que [n]ão se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, de entre os alegados na petição inicial, contestação e resposta, nomeadamente que:

̶ para além do período de tempo de uma semana entre os dois contratos de prestação de serviços formalizados – em que esteve em casa, por indicação da Ré –, a Autora não prestou trabalho para a Ré nem com ela manteve qualquer espécie de vínculo, entre os contratos de prestação de serviços e de trabalho outorgados.

̶ a Autora nunca apresentou perante a Ré qualquer reserva, objeção ou reclamação quanto aos direitos que pretende ver reconhecidos na presente ação.


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Do erro no julgamento sobre a matéria de facto:

Em primeiro lugar, antes do enquadramento jurídico, importa saber quais os factos provados, pelo que há que apreciar se houve erro de julgamento quanto à decisão de facto, apreciando o alegado quer em recurso principal quer em recurso subordinado.

● Do recurso da Autora:

A Recorrente alega que o recurso por si apresentado versa também a matéria de facto [ponto I da alegação], citando, e transcrevendo, excertos das declarações prestadas pela Autora e de depoimentos de testemunhas prestados em audiência de julgamento.

A Recorrida, em resposta, refere que não cumpriu a Recorrente o estabelecido no art.º 640º do Código de Processo Civil, o que é igualmente referido no parecer do MºPº nesta Relação [acima transcrito em parte].

Importa, pois, começar por ver se foram cumpridos pela Recorrente os ónus estabelecidos pelo legislador à parte que pretende impugnar a decisão sobre matéria de facto, pois, só se os mesmos estiverem cumpridos, é que estaremos em condições para passar à apreciação da impugnação propriamente dita, pelo que vamos, então, começar por fazer algumas considerações sobre esses ónus estabelecidos pelo legislador.

Como é sabido, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo essa parte expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.

Com efeito, o art.º 640º, nº 1 do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição, o seguinte:

a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (tem que haver indicação clara dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (tem que fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, implicam uma decisão diversa); e

c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Quanto ao ónus referido na alínea b), manda o legislador (nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil) que se observe o seguinte:

a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

Decorre do exposto que a parte recorrente deverá também (a par da indicação dos concretos pontos de facto e concretos meios probatórios) relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna.

Em conformidade, diz-se no acórdão desta Secção Social do TRP de 23/11/2020[6], que na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art.º 640º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto.

Na verdade, só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada. Não é, pois, admissível a impugnação em bloco ou por temas, com indicação dos meios de prova por referência a esses blocos ou temas e não em relação a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna[7].

Quer isto dizer que não obedece ao estipulado pelo legislador indicar depoimentos (mesmo que transcrevendo/indicando excertos deles) e apenas dizer que com base neles a decisão sobre certos pontos de facto devia ser diferente, impondo-se que em relação a cada ponto (ou grupo de pontos que a parte recorrente mostre que têm apoio nos mesmos concretos meios de prova, ou estejam relacionados entre si) seja feita a conexão com o meio de prova que suporta a decisão diferente da tomada pelo tribunal a quo.

É que, de outra forma cairíamos na realização de um segundo julgamento (ainda que parcial), isto é, traduzir-se-ia em pedir simplesmente ao tribunal ad quem que faça uma reapreciação dos meios de prova, o que não corresponde claramente ao consagrado pelo legislador.

Tenhamos também presente o referido por António Santos Abrantes Geraldes[8], que explicita, depois de dizer que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento, que a rejeição do recurso (total ou parcial) respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se nalguma das seguintes situações:

(i) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [art.ºs 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil];

(ii) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [art.º 640º, nº 1, al. a) do Código de Processo Civil];

(iii) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados;

(iv) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

(v) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação[9].

De referir também, que para alteração da decisão sobre a matéria de facto não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida[10], donde referir o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se).

Ora, no caso em apreço, temos que a Recorrente na alegação/motivação enuncia factos que, na sua opinião, “o tribunal a quo tinha a obrigação de ter dado como provados” (estando em causa o seu aditamento, aos factos provados) – num total de 10 pontos –, sem indicar onde foram alegados no processo, mas faltando de especificação, nas conclusões, de concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [art.º 640º, nº 1, al. a) do Código de Processo Civil], o que, como se disse supra, implica a rejeição da impugnação sobre a decisão sobre a matéria de facto que a Recorrente diz apresentar[11].

Acresce que a Recorrente, na alegação/motivação, depois de enunciar factos a aditar, na sua opinião aos factos provados, refere/transcreve excertos das suas declarações e de depoimentos de testemunhas, que vai apreciando, referindo as conclusões que retira dessas declarações/depoimentos, finalizando com a enunciação dos 27. pontos que deveriam ter sido considerados provados [17 provados em 1ª instância, 10 a aditar], mas sem seja feita a conexão entre concretos meios de prova e factos a considerar provados, não fornecendo a Recorrente a este tribunal ad quem os elementos necessários para que pudesse uma impugnação sobre a decisão de matéria de facto ser apreciada, o que também impõe a rejeição da impugnação sobre a decisão sobre a matéria de facto que a Recorrente diz apresentar.

E porque não encontramos nas conclusões concretos pontos de facto que, alegadamente, estejam incorretamente julgados [nas conclusões encontramos apenas dito que fez o Tribunal a quo uma errada apreciação da prova, dando como não provados factos que deveriam ter sido considerados provados] nem se faz qualquer apreciação sobre o caráter vago ou conclusivo dessa matéria (mesmo que parcialmente).

Concluímos, então, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, não estar cumprido pela Recorrente o ónus de impugnação que acima se expôs, e daí decorre a rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto,

● Do recurso subordinado da Ré:

O recurso da Ré quanto à impugnação da matéria de facto cumpre, pelo menos minimamente, os ónus supra referidos, pelo que se passa à sua análise.

Alega a Recorrente que devem ser aditados aos factos provados os seguintes factos [conclusão OO.]:

A) De março de 2010 a janeiro de 2011, a Autora emitia recibos verdes contra os pagamentos dos valores indicados no facto 10.

B) Até ser celebrado o contrato de trabalho em fevereiro de 2011, a Autora não estava sujeita a controlos de assiduidade para efeitos de entradas, saídas, férias, faltas ou controlo de licenças.

C) Até ser celebrado o contrato de trabalho em fevereiro de 2011, a Autora não recebia qualquer subsídio.

D) Durante o tempo em que vigoraram os contratos de prestação de serviços, a Autora não estava obrigada a qualquer regime de exclusividade.

E) A Autora nunca apresentou nenhuma manifestação escrita de protesto respeitante às condições remuneratórias que lhe foram aplicadas.

Ponto A):

Alega a Recorrente que este facto foi alegado pela própria Autora na petição inicial (PI), estando os “recibos verdes” juntos com a PI, dizendo ser facto importante porque a emissão destes recibos é incompatível com uma relação laboral.

A Recorrida diz ser irrelevante o aditamento deste ponto, pois está assente que a Ré sujeitou a Autora a contratação que não correspondia ao verdadeiro vínculo estabelecido entre as partes.

O tribunal a quo para justificar a prova do ponto 10. dos factos provados [para o qual renete este ponto A)] escreveu na motivação da decisão de facto o seguinte:

Quanto ao n.º 10, atendeu-se aos “recibos verdes” de fls. 16 v.º a 18 v.º, não tendo de resto, em rigor, sido impugnadas as quantias mensais pagas à Autora pela Ré no período de tempo em causa, mas apenas a referência a que se tratavam de “remuneração” – cfr. art.º 237º da contestação.

Vista a PI, verificamos que a Autora alegou algo diferente daquilo que a Recorrente pretende fique provado, pois está alegado que «entre março de 2010 e janeiro de 2011 a Autora esteve numa situação de “falsos recibos verdes”» (artigo 35º), o que é diferente da afirmação «emitia “recibos verdes”».

Porém, subjacente ao alegado na PI está a sua emissão dos “recibos verdes”, estando juntos 5 desses recibos [docs. 8 e 9].

Ora, se o tribunal a quo os considerou para dar como provado o ponto 10., também sustentam a prova de que foram emitidos, o que tem apoio no alegado no artigo 35º da PI.

Assim, não será de aditar o ponto pretendido pela Recorrente, mas altera-se a redação do ponto 10. dos factos provados de modo que passa a ser a seguinte:

10. No ano de 2010 e até janeiro de 2011, a Autora recebeu da Ré € 800,00 por mês, emitindo “recibos verdes”.

Ponto B) e ponto 15) dos factos provados:

Alega a Recorrente que o tribunal a quo faz uma menção a este facto no ponto 25., mas será lapso porquanto os factos são apenas 17. pontos.

De resto, este ponto é de certo modo contrariado pelo que consta do ponto 15. dos factos provados, uma vez que aí não é feita distinção no período antes e no período após janeiro de 2011.

Assim, porque a Recorrente alega que o ponto 15. dos factos provados deve ser integralmente eliminado porque contempla segmentos que são “manifestamente conclusivos” [conclusão QQ.], vamos passar a aferir se assim é.

Ora, do alegado decorre que a eliminação, a ocorrer, seria dos segmentos em causa, e não do seu todo (eliminar os segmentos conclusivos).

Vejamos.

É verdade, que é entendimento pacífico que a matéria conclusiva e/ou vaga/genérica, bem como afirmações com cariz jurídico, não pode integrar a factualidade a considerar para decidir do objeto da ação.

Podemos dizer que os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria questão ou de parte da questão, ou, visto de outra forma, se tais factos ficam como provados ou não provados resolvem a ação ou parte dela (em termos de procedência ou improcedência), porque determinam o desfecho sem necessidade de “trabalhar os factos”, de fazer o seu enquadramento jurídico[12].

Como se escreveu no acórdão desta Secção Social do TRP de 09/03/2020[13], “as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão”.

Ora, visto o ponto 15. dos factos provados encontramos termos que, embora possam coincidir com termos utilizados pelo legislador, integram a linguagem corrente, com exceção da expressão “período normal de trabalho” que é própria do regime viculístico (art.º 198º do Código do Trabalho).

Assim, impõe-se utilizar expressão neutra, pelo que se altera a redação do ponto 15. dos factos provados de modo que passa a ser a seguinte:

15. Desde 15 de março de 2010 até à presente data – com exceção do período de tempo de cerca de uma semana referido no n.º 5 dos factos provados, em que esteve em casa, por indicação da Ré – a Autora exerceu sempre as suas funções nas instalações da Ré, da mesma forma, ininterruptamente, usando instrumentos de trabalho pertencentes à Ré e cumprindo o horário de trabalho fixado por esta, dentro de um período de atividade de 8 horas diárias e 40 horas semanais.

Retomemos, então, a análise do ponto B).

Para suportar a prova deste ponto a Recorrente cita, e transcreve, excerto do depoimento da testemunha DD.

A Recorrida alega que sempre esteve sujeita a controlo de assiduidade, citando, e transcrevendo, excertos das suas declarações e dos depoimentos das testemunhas EE e FF.

Não alega a Recorrente onde foi alegado este facto no processo, nem se alcança que o tenha sido.

De todo o modo, contrariando este ponto o que consta do ponto 15. dos factos provados, verificamos que o tribunal a quo formou convicção com nos base nos depoimentos das testemunhas EE e FF, dizendo que a testemunha DD denotou desconhecimento quanto à forma como em concreto a Autora desempenhou as suas funções desde 15 de março de 2010 até 01 de fevereiro de 2011 (como se alcança da motivação da decisão de facto – págs. 9 e 10), quando a Recorrente nem refere os dois primeiros, querendo sobrepor a sua leitura da prova à do julgador a quo.

De todo o modo, o enxerto do depoimento citado pela Recorrente não leva a formar convicção diversa da formada em 1ª instância.

Assim, improcede o recurso nesta parte.

Ponto C):

Alega a Recorrente que os únicos valores recebidos no período em causa pela Autora foram os constantes dos recibos verdes, citando, e transcrevendo, excerto que, segundo refere nas conclusões, será de DD.

A Recorrida diz ser também irrelevante o aditamento deste ponto, pois está assente que a Ré sujeitou a Autora a contratação que não correspondia ao verdadeiro vínculo estabelecido entre as partes.

Também aqui, a Recorrente não diz onde foi alegado este facto no processo, nem se alcança que o tenha sido, e nem sequer concretiza, na redação proposta para o ponto C), de que subsídios se trata (apenas estando referidos na transcrição do excerto do depoimento).

De todo o modo, constando já do ponto 10. dos factos provados aquilo que foi pago à Autora não há que aditar algo que nem sequer foi alegado no processo.

Assim, improcede o recurso nesta parte.

Ponto D):

Alega a Recorrente que este facto se extrai dos contratos de prestação de serviços, sem concretizar cláusulas.

A Recorrida diz que o dever de exclusividade, apesar de não reduzido a escrito, estava implícito, acrescentando ter ficado demonstrado que não prestava trabalho a outrem que não a Ré, citando, e transcrevendo, excertos das suas declarações e dos depoimentos das testemunhas EE e FF.

Estamos perante um facto negativo, não dizendo a Recorrente onde foi alegado este facto no processo, nem se alcança que o tenha sido.

Independentemente dessa não alegação no processo, o certo é que não se retira dos contratos juntos, pelo que, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, improcede o recurso também nesta parte.

Ponto E):

Alega a Recorrente que este facto releva sobretudo para a questão do abuso de direito, citando, e transcrevendo, de novo excerto do depoimento da testemunha DD.

Também aqui não alega a Recorrente onde foi alegado este facto no processo, nem se alcança que o tenha sido.

A Recorrida refere que sempre manifestou o seu descontentamento, citando, e transcrevendo, excertos das suas declarações.

Independentemente da não alegação no processo deste facto, o certo é que o excerto citado pela Recorrente é escasso [traduz-se numa resposta “não; nada consta”] para formar convicção de modo a ficar assente.

Assim, improcede igualmente o recurso nesta parte.

Em suma, altera-se a redação dos pontos 10. e 15. dos factos provados nos termos expostos, e como tal a factualidade a atender para a apreciação de direito que se segue é a que como tal foi considerada em 1ª instância com essas alterações.


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Da discriminação salarial: (recurso da Autora)

Discorda a Recorrente do decidido em 1ª instância, na parte em que a Ré foi absolvida do pedido, alegando nos termos que constam das conclusões supra transcritas, dizendo que o seu posicionamento remuneratório, enquanto Técnica Superior, devia ter sido equiparado ao dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas, com base no princípio da igualdade de tratamento a nível retributivo previsto em disposições do Código do Trabalho e em disposições dos Regulamentos Internos da Recorrida que, por sua vez, definem e regulam o regime de carreiras, de retribuições e de contratação de pessoal não docente e não investigador da Universidade ..., em regime de contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do Código do Trabalho, dizendo estar violado o disposto nos artigos 129.º, número 1, alínea j), 24.º, números 1 e 2, alínea c), 31.º e 26.º do Código do Trabalho, no artigo 134.º, número 2, da Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro, no artigo 47.º, número 2 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 38.º, número 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e no artigo 42.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.

A Recorrida, por sua vez, defende a manutenção do decidido, nesta parte, em 1ª instância.

Na decisão recorrida escreveu-se, designadamente, o seguinte [que se transcreve, desde logo na medida em que ali foi transcrita legislação aplicável, mas também porque, adianta-se, não merece censura o ali decidido]:

O citado art.º 38.º n.º 7 da LGTFP, na redação da Lei n.º 35/2014, de 20/06, sob a epígrafe “Determinação do posicionamento remuneratório”, (dispõe) que:

«1- Quando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade de vínculo de emprego público seja o contrato, o posicionamento do trabalhador recrutado numa das posições remuneratórias da categoria é objeto de negociação com o empregador público, a qual tem lugar:

a) Imediatamente após o termo do procedimento concursal; ou

b) Aquando da aprovação em curso de formação específico ou da aquisição de certo grau académico ou de certo título profissional, nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 84.º, que decorram antes da celebração do contrato.

2- Para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo anterior, a negociação com os candidatos colocados em situação de requalificação antecede a que tenha lugar com os restantes candidatos.

3- A negociação entre o empregador público e cada um dos candidatos efetua-se por escrito, pela ordem em que figurem na ordenação final, devendo os trabalhadores com vínculo de emprego público informar previamente o empregador da carreira, da categoria e da posição remuneratória que detêm nessa data.

4- Em casos excecionais, devidamente fundamentados, designadamente quando o elevado número de candidatos torne a negociação impraticável, o empregador público pode optar por enviar uma proposta de adesão a um determinado posicionamento remuneratório a todos os candidatos.

5- O acordo ou a proposta de adesão são objeto de fundamentação escrita pelo empregador público.

6- Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a falta de acordo com um candidato determina a negociação com o que se lhe siga na ordenação final dos candidatos, não podendo ser proposto ao candidato subsequente na ordenação posicionamento remuneratório superior ao máximo proposto e não aceite por qualquer dos candidatos que o antecedam naquela ordenação.

7- O empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior.

8- Após o encerramento do procedimento concursal, a documentação relativa ao respetivo processo negocial é pública e de livre acesso.

9- O disposto nos números anteriores pode ser aplicável, mediante lei especial, quando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade do vínculo de emprego público seja a nomeação.

10- Não dispondo da faculdade prevista no número anterior, o posicionamento do trabalhador nomeado tem lugar na ou numa das posições remuneratórias da categoria que tenham sido publicitadas».

O preceito legal vindo de transcrever regula o processo negocial que obrigatoriamente tem lugar entre o empregador e os candidatos, em ordem a definir o posicionamento remuneratório do trabalhador a admitir mediante CTFP.

Trata-se de um procedimento específico do recrutamento no âmbito da LGTFP, que deixou de ter aplicação prática na Ré a partir de 2009, com a passagem desta para fundação pública de direito privado, visto que desde então os trabalhadores passaram a ser contratados apenas através de CIT, como sucedeu com a Autora, com observância do procedimento concursal previsto no art.º 17º do Regulamento/2009 e do enquadramento remuneratório constante dos respetivos Anexos.

Não subsistindo dúvidas que o n.º 7 do art.º 38.º da LGTFP não era aplicável à Autora aquando da respetiva contratação, não pode afirmar-se que a Ré lhe tinha necessariamente que atribuir, com base no citado preceito, retribuição superior à prevista para a primeira posição remuneratória da carreira de Técnica Superior.

Tratando-se então de saber se deve agora ser-lhe retroativamente reconhecido o direito a tal retribuição, como defende a Autora, por força do estabelecido nos arts. 134º, nº 2 do RJIES, 28º n.º 5 do Regulamento/2009 e 23º n.º 1 e 31º do Código do Trabalho e com base na invocada violação dos princípios da imparcialidade, da justiça e da igualdade.

Como emanação, no plano laboral, do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, o art.º 59º n.º 1, al. a) da mesma lei fundamental prescreve que todos os trabalhadores têm direito “À retribuição do segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”, visando significar que nenhum trabalhador pode ser discriminado, em termos de retribuição ou outras prestações patrimoniais, por razões subjetivas, arbitrárias ou materialmente infundadas.

No plano infraconstitucional, esse princípio encontra manifestação legal nos arts. 23º a 32º do Cód. do Trabalho, fixando o primeiro dos citado normativos os conceitos operativos em matéria de igualdade e não discriminação, estabelecendo no seu n.º 1 que:

Para efeitos do presente Código, considera-se:

a) Discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b) Discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;

d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado. (…)”.

Resultando do art.º 24º nos 1 e 2, al. c) que o trabalhador tem direito a igualdade de tratamento no que se refere às condições de trabalho, incluindo retribuição e outras prestações patrimoniais, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, de fatores de natureza discriminatória, nomeadamente da ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.

Proibindo o art.º 25º n.º 1 a prática, pelo empregador, de qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão, nomeadamente, dos aludidos fatores.

Ressalvando o n.º 2 do mesmo artigo que “Não constitui discriminação o comportamento baseado em fator de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional”.

E consignando o n.º 5 que “Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação”.

Citando a Autora na petição inicial, especificamente, o art.º 31º, que rege sobre a igualdade e não discriminação em função do sexo, estabelecendo que:

«1- Os trabalhadores têm direito à igualdade de condições de trabalho, em particular quanto à retribuição, devendo os elementos que a determinam não conter qualquer discriminação fundada no sexo.

2- A igualdade de retribuição implica que, para trabalho igual ou de valor igual:

a) Qualquer modalidade de retribuição variável, nomeadamente a paga à tarefa, seja estabelecida na base da mesma unidade de medida;

b) A retribuição calculada em função do tempo de trabalho seja a mesma.

3- As diferenças de retribuição não constituem discriminação quando assentes em critérios objetivos, comuns a homens e mulheres, nomeadamente, baseados em mérito, produtividade, assiduidade ou antiguidade. (…)».

Extrai-se dos citados normativos que a proibição da discriminação não implica a rejeição absoluta de qualquer tipo de diferenciação entre os trabalhadores, designadamente ao nível retributivo, mas apenas que é vedado ao empregador desfavorecer determinado trabalhador ou trabalhadores em relação a outro(s) em situação equiparável, por razões que possam ser consideradas discriminatórias, sem que exista uma justificação razoável, assente em critérios objetivos legítimos.

Tendo-se escrito a esse propósito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de abril de 2008[14] que “devendo tratar-se por igual o que é substancial e essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, são legítimas as medidas de diferenciação de tratamento fundadas em distinção objetiva de situações, não baseadas em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, que tenham um fim legítimo à luz do ordenamento constitucional positivo, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do objetivo prosseguido”.

No mesmo sentido, assinala Maria do Rosário Palma Ramalho que o princípio da igualdade, na sua dimensão remuneratória “(…) não impede diferenças remuneratórias entre trabalhadores, mas apenas um tratamento remuneratório discriminatório. Por outras palavras, apenas estão aqui contempladas as situações em que, perante um trabalho igual ou de valor igual, a retribuição seja diferente sem uma causa de justificação objetiva[15].

Verificando-se, nesta matéria, uma inversão da regra geral de distribuição do ónus da prova, consagrada no art.º 342º, nº 1 do Código Civil, de tal forma que ao trabalhador que alega ter sido alvo de discriminação cabe demonstrar que foi desfavorecido em relação a outro(s) trabalhador(es) em situação comparável à sua, assim como a verificação em concreto de algum fator de discriminação. Salientando-se, quanto a este último aspeto, que embora o n.º 5 do art.º 25º não o referira expressamente, como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/05/2014[16](…) exigindo a lei que a pretensa discriminação seja fundamentada com a indicação do trabalhador ou trabalhadores favorecidos, tal fundamentação há de traduzir-se na narração de factos que, reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, atentem, direta ou indiretamente, contra o princípio da igual dignidade sócio laboral, que inspira o elenco de fatores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei[17].

Impendendo, por seu turno, sobre a entidade empregadora o ónus de afastar o nexo de causalidade entre o fator de discriminação e a diferenciação ocorrida, provando que o tratamento diferenciado assentou em razões objetivas legítimas, passíveis de o justificar, e não no fator de discriminação invocado pelo trabalhador.

Porém, como se considerou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/07/2016[18], “À luz do regime do Código do Trabalho de 2003, constituía jurisprudência pacífica a de que a inversão do ónus da prova a que aludia o n.º 3, do art.º 23.º, do CT, complementado pelos arts. 32.º e 35.º do RCT (Regulamento aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho), com a presunção que nela se contém, pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam fatores característicos de discriminação. Mantém atualidade esta jurisprudência, continuando a dever entender-se que numa ação em que se não invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de fatores característicos de discriminação, no sentido referido, não funciona a aludida presunção (de causalidade entre qualquer dos fatores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores) e compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que permitam afirmar a prestação de trabalho, objetivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao trabalhador (ou trabalhadores) face ao qual se diz discriminado e permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade, não bastando, para o efeito do juízo comparativo a estabelecer, a prova da mesma categoria profissional e da diferença retributiva”.

No caso em julgamento – e embora tenha convocado expressamente o art.º 31º do Cód. do Trabalho, respeitante à igualdade e não discriminação em função do sexo – a Autora não alega que o tratamento desigual que invoca em termos de posicionamento remuneratório se baseou nesse ou em qualquer dos fatores de discriminação previstos na lei, ou em outros qualitativamente equiparáveis.

Pelo que não tem aplicação a regra prevista no n.º 5 do artigo 25º, prevalecendo o princípio geral consagrado no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, competindo à Autora alegar e provar os fatores passíveis de revelar o tratamento discriminatório invocado.

Acontece que a Autora não alegou a existência, em concreto, de uma situação de igualdade material entre a quantidade, natureza e qualidade do trabalho por si prestado e a quantidade, natureza e qualidade do trabalho de Técnicos Superiores ao serviço da Ré admitidos mediante CTFP.

Nem alegou que quando foi admitida como Técnica Superiora, em fevereiro 2011, tinha as mesmas habilitações, experiência e tempo de serviço que os Técnicos Superiores que a Ré tenha porventura admitido antes de 2009 mediante CTFP, para a segunda posição remuneratória, nos termos do art.º 38.º n.º 7 da LGTFP.

A desigualdade de que a Autora se queixa situa-se num plano mais formal e abstrato, derivando diretamente das próprias normas e procedimentos legais a que a Ré estava até 2009 vinculada, na admissão de trabalhadores em funções públicas, por contraposição às que a partir de 2009 passaram a vigorar, enformadas pelo direito privado e pelo princípio da liberdade contratual que lhe subjaz.

Importando sublinhar, a esse respeito, que não está aqui sequer em causa a admissão, no mesmo período de tempo, de trabalhadores para a mesma categoria profissional e com as mesmas habilitações académicas, sendo uns (os vinculados por CTFP) posicionados mais favoravelmente que outros (os vinculados por CIT).

Trata-se, sim, de se terem sucedido no tempo, por força de alterações legais ocorridas, dois paradigmas diferentes de gestão e relacionamento entre a Ré e os seus trabalhadores, tendo a Ré, por um lado, a obrigação legal de manter o estatuto de direito público dos que tinham já sido contratados por CTFP; e, por outro, a liberdade de estabelecer as condições em que passaria a admitir mediante CIT, dentro dos parâmetros estatutários e regulamentares que para tanto definiu.

Com efeito, com a transição para o regime fundacional, subsistiram na Ré trabalhadores que tinham vínculo de função pública e que mantiveram integralmente esse estatuto, incluindo a nível remuneratório, conforme salvaguardado nos arts. 134º, n.º 4 do RJIES e 4º n.º 3 do DL n.º 97/2009, de 27/04; enquanto os novos trabalhadores contratados a partir daí passaram a estar sujeitos ao regime do direito laboral privado.

Sendo diverso o regime jurídico aplicável a uns e a outros, regendo-se a relação com os trabalhadores com vínculo à função pública pela LGTFP, pela Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, que define e regula os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, e pelo Decreto Regulamentar n.º 14/2008, de 31/07[19], que estabelece os níveis da tabela remuneratória única correspondentes às posições remuneratórias das categorias das carreiras gerais de técnico superior, de assistente técnico e de assistente operacional.

Ao passo que as relações laborais entre a Ré e os trabalhadores admitidos por CIT se regem primordialmente, para além dos respetivos estatutos, pelo disposto no Cód. do Trabalho e, no que concerne ao pessoal não docente e não investigador (como é o caso da Autora), pelo Regulamento/2009 e pelos que se lhe seguiram.

Os dois regimes de vinculação laboral têm subjacentes lógicas e regras distintas, onde a componente do posicionamento remuneratório e da progressão nas carreiras se integra num complexo próprio e sistematizado de direitos e deveres.

E como refere a Ré na respetiva contestação, de pouco ou nada serviria o legislador dar às Universidades a possibilidade de escolher o regime privado na disciplina das relações laborais, através da passagem para o regime fundacional, por ser mais vantajoso ao prosseguimento dos seus objetivos, concedendo-lhes a liberdade de regular as categorias e o regime específico dos trabalhadores a admitir, nomeadamente quanto à definição de carreiras e respetivo regime remuneratório, se depois as Universidades continuassem a estar obrigadas aplicar rigidamente, por absoluta equiparação, as normas respeitantes às carreiras e posicionamento remuneratório próprio do funcionalismo público.

A esse respeito, justifica-se aqui a conclusão sumariada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/07/2016[20], onde em sentido idêntico a um outro do mesmo Tribunal, proferido em 20/06/2016[21] e tendo ambos como pano de fundo ações instauradas por enfermeiros com CIT, que reclamavam diferenças salariais, por comparação com colegas com CTFP, relativamente aos quais invocavam a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, se expendeu que “Do facto de os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 248/2009 terem sido reposicionados em termos salariais nos termos do Decreto-Lei n.º 122/2010 não resulta diretamente uma discriminação face a enfermeiros com contrato individual de trabalho que não tenham sido reposicionados nos mesmos moldes, uma vez que os regimes legais aplicáveis a enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas e com contrato de trabalho individual, embora muito harmonizados, ressalvam, pelo menos, e em matéria retributiva, a diversidade que vem da autonomia de gestão consagrada pela opção por um modelo empresarial das unidades de saúde”.

Tendo-se escrito no segundo dos aludidos arestos (com citação no primeiro), que “(…) o legislador entendeu reformar a gestão hospitalar mediante a criação de entidades públicas empresarias, dominadas por princípios de gestão empresarial, aos quais interessa que a fonte do estatuto legal do respetivo pessoal seja o Código do Trabalho, com as adaptações necessárias por via da garantia de qualidade do serviço que o legislador consagra neste DL 247/2009, mas sem prescindir dum aspeto essencial da legislação laboral, que é precisamente a liberdade de negociação reconhecida às partes no âmbito da contratação coletiva, lugar onde também se joga a autonomia de gestão empresarial, autonomia esta que o legislador fez questão de sublinhar que não é subvertida pelas disposições que visam a harmonização e dignificação, mais a circularidade, dos trabalhadores públicos e privados da carreira de enfermagem. Em palavras sintéticas: o legislador quis expressamente criar dois regimes distintos, parificando as carreiras mas só até ao ponto em que, ressalvando outras virtualidades da gestão empresarial, mas concretamente em matéria retributiva, por via do artigo 13º do DL 247/2009, lhe interessou remeter para modelos de gestão empresarial, suscetíveis de negociar valores mais rentáveis em sede de negociação coletiva, ou de, como as partes reconhecem, tais valores serem negociados por contrato individual, na ausência, até ao momento, de publicação de qualquer instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

Em síntese, o legislador quis mesmo criar regimes diferentes, não sendo evidente que deles resulte diretamente uma discriminação ou desigualdade em matéria retributiva – tal depende do insucesso ou da força da negociação coletiva no caso dos trabalhadores com contrato individual de trabalho (…)

Concluindo, não é também por esta via de discriminação face aos enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas que se pode defender o direito ao reposicionamento ou equiparação salarial».

Embora respeitando a outra classe profissional, são válidas e ajustadas ao caso em julgamento tais considerações, no sentido de que o processo de transição de um regime jurídico público para o privado e a coexistência dessa dualidade, justifica, pelo menos num plano abstrato, a existência de diferenças entre os trabalhadores do sector público e do sector privado, designadamente no que se refere ao respetivo posicionamento remuneratório, que pode em determinado momento histórico ser mais favorável a uns do que a outros, em função, designadamente, do papel assumido pela contratação coletiva.

Acresce ainda dizer que dos arts. 134º n.º 2 do RJIES e 28º n.º 5 do Regulamento/2009, que a Autora também invoca, para fundamentar a violação dos princípios da imparcialidade, da justiça e da igualdade que advoga existir, não se retira uma imposição de paridade absoluta entre público e privado, designadamente em termos de enquadramento remuneratório.

Sendo de notar, aliás, que o n.º 3 do art.º 134º do RJIES (preceito legal que se encontra mais acima transcrito), ao dispor que as Universidades devem respeitar «(…) genericamente, quando apropriado, o paralelismo no elenco de categorias e habilitações académicas, em relação às que vigoram para o pessoal docente e investigador dos demais estabelecimentos de ensino superior público», deixou de fora o pessoal não docente e não investigador do respetivo âmbito de aplicação. Salvaguardando ainda o n.º 4 do mesmo artigo que esse paralelismo “genérico e quando apropriado” no elenco de carreiras, «(…) não deve prejudicar o regime da função pública de que gozem os funcionários e agentes da instituição de ensino superior antes da sua transformação em fundação».

E no que se refere ao art.º 28º n.º 5 do Regulamento/2009, o que nele se estabelece é que «(…) a retribuição a que o trabalhador tem direito tem como referência a retribuição mensal para idêntico conteúdo funcional e responsabilidade, por força do princípio da equiparação ao regime retributivo da administração pública, dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas» (sublinhado nosso), o que não significa que se tenha pretendido instituir uma paridade absoluta, pois se assim fosse, não seria necessária a criação da tabela de posições e níveis retributivos das carreiras a que se alude no n.º 6 do mesmo artigo, publicada em anexo ao Regulamento, bastando remeter para a que é própria dos vínculos em funções públicas.

O que se extrai dos citados normativos não é, portanto, uma imposição de absoluta igualdade entre os dois regimes, mas o desígnio da tendencial aproximação entre ambos, como preconiza, de igual modo, o art. 4º n.º 4 do DL n.º 97/2009, de 27/04.

Aproximação essa que a Ré tem promovido, diga-se, sendo disso exemplo a determinação constante quer do Regulamento/2009, quer do subsequente Regulamento n.º 744/2020, que o revogou e substituiu, no sentido de que os montantes correspondentes às posições retributivas previstas em anexo, e o subsídio de refeição, são atualizados anualmente na mesma percentagem aplicável às remunerações dos trabalhadores em regime de CTFP, sem necessidade de quaisquer formalidades (cfr. arts. 36º e 39º, respetivamente).

Sendo tal desiderato de tendencial convergência expressamente assumido na recente alteração operada ao Regulamento n.º 744/2020, por despacho n.º 8321/23, do Exm.º Reitor da Ré, publicado no DR n.º 158, 2ª série, de 16/08/2023, em cuja exposição de motivos se pode ler que «A aprovação de um regulamento de carreiras, retribuições e contratação do pessoal técnico, administrativo e de gestão da Universidade ... obedeceu a um princípio de valorização destas carreiras, visando torná-las atrativas e permitindo a captação de recursos humanos altamente qualificados por parte desta Instituição. / Por isso, optou-se por uma não integral equiparação face ao regime vigente para as carreiras submetidas ao regime do emprego público, consagrando-se, a respeito de diversas vicissitudes das relações laborais, soluções diversas das plasmadas neste último regime, nomeadamente no que concerne à criação de carreiras autónomas, tais como as de pessoal de informática e gestor de ciência e tecnologia. / No que à componente remuneratória diz respeito, o regulamento vigente, embora consagrando uma equiparação com os níveis retributivos vigentes para os trabalhadores com vínculo de emprego público, vertido na tabela remuneratória única (aprovada pela Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro e, no que concerne às carreiras do regime geral, complementada pelo Decreto Regulamentar n.º 14/2008, de 31 de julho), não acolheu uma total equiparação no que tange ao número de posições retributivas, antes contemplando um número superior dessas mesmas posições para as carreiras de direito privado. / Recentemente foi aprovado o Decreto-Lei n.º 51/2022, de 26 de julho, que promoveu um conjunto significativo de alterações remuneratórias para algumas carreiras em regime de emprego público, todas elas em sentido mais favorável aos trabalhadores, incrementando as posições retributivas de algumas carreiras e categorias. / Em face desta medida legislativa, a não alteração do sistema retributivo das carreiras de direito privado frustraria o objetivo de tornar estas carreiras suficientemente atrativas, porquanto, sem tal modificação, passariam a usufruir de um regime remuneratório menos benéfico face ao aplicável aos seus homólogos detentores de vínculos de emprego público. / Não se trata, pois, de repor uma equiparação remuneratória entre trabalhadores com vínculo de emprego público e privado, nunca assumida nos Regulamentos em vigor e muito menos imposta por lei e inexistente até à presente data, mas unicamente de proporcionar aos trabalhadores com vínculo de emprego privado condições retributivas que permitam atrair profissionais capazes por parte da Universidade .... / De modo a alcançar este mesmo objetivo, aproveita-se esta oportunidade para proceder à aprovação de uma nova tabela remuneratória, procedendo-se a uma revalorização da generalidade das carreiras. / Em particular e com o intuito de valorização dos recursos humanos, o notório aumento da taxa de inflação, em particular no último ano, por fatores que são de todos conhecidos, torna muito pouco atrativa a contratação de técnicos superiores na 1.ª posição retributiva, pelo que se consagra, a regra de proposta, para o ingresso em tal carreira, pelo menos na 2.ª posição retributiva. / Paralelamente e por uma questão de notória equidade, procura igualmente atender-se à situação daqueles técnicos superiores que, tendo ingressado na 1.ª posição retributiva, ainda nela permaneçam na presente data, criando -se um regime excecional de transição para a 2.ª posição retributiva. Por seu turno, prevê-se que tal transição ocorra com efeitos reportados a 1 de dezembro de 2022 conquanto essa foi a data a partir da qual a Universidade ... – empreendendo na prática as alterações ora formalizadas – passou a recrutar técnicos superiores com ingresso na 2.ª posição retributiva. / Nesta conformidade, as alterações agora introduzidas não implicam a assunção de uma forçosa e inevitável similitude de soluções entre os regimes laborais de direito público e direito privado (não imposta pelo ordenamento jurídico vigente), conforme vem sendo reiteradamente sustentado pela Universidade ..., mas, ao invés, assentam na liberdade de modelação do conteúdo das relações jurídicas de direito privado, visando manter a sua atratividade, melhorando as condições remuneratórias aplicáveis aos respetivos trabalhadores. (…)».

Por força das alterações operadas ao Regulamento pelo despacho n.º 8321/23, foi aprovada uma nova tabela remuneratória, com atribuição aos trabalhadores integrados na carreira técnica superior, titulares de grau inferior ao doutoramento, da retribuição prevista para o nível retributivo n.º 12, correspondente à 1.ª posição retributiva desta carreira, constante do Anexo II do Regulamento. E com imposição de que aos trabalhadores a contratar para a carreira de técnico superior, não pode ser proposta uma posição retributiva inferior à 2.ª posição retributiva desta carreira - cfr. art.º 5º e 11º, nos 5 e 6.

Estabelecendo-se ainda no art.º 7º, n.º 1 que «O pessoal técnico, administrativo e de gestão em regime de contrato de trabalho da Universidade ..., integrado na carreira de técnico superior, na 1.ª posição retributiva desta carreira e categoria, transita para a posição imediatamente seguinte (2.ª posição retributiva)», e nos nos 6 a 11 do mesmo artigo e no art.º 12º, os termos em que essa transição se processa, a requerimento do trabalhador, assim como a da segunda para a terceira posição retributiva.

Resultando do art.º 9º que a alteração ao Regulamento produz efeitos em 16/08/2023, exceto no que se refere à transição da primeira para a segunda posição, que produz efeitos a partir de 01/12/2022; e quanto à aplicação da nova tabela remuneratória constante dos anexos III e IV, que produz efeitos a partir de 01/09/2023.

Em suma, no descrito contexto e pelas razões acima expostas, entende-se que a Autora não logrou demonstrar – como lhe competia – que o posicionamento retributivo em que foi contratada afronta o princípio da igualdade, na sua vertente “para trabalho igual, salário igual”, e que a diferenciação de posicionamento remuneratório que invocou é destituída de fundamento razoável e objetivo, em termos passíveis de consubstanciar violação do referido princípio, com a interpretação densificativa que lhe foi atribuída supra.

Parecendo-nos, ao invés, que se verificam circunstâncias objetivas atendíveis que justificam que não tenha sido atribuída a Autora, contratada como Técnica Superior por CIT em 2011, a mesma posição remuneratória que aos trabalhadores contratados até 2009 por CTFP tenha porventura sido atribuída, no âmbito do procedimento negocial previsto no art.º 38º da LGTFP, mas antes a posição remuneratória anunciada no respetivo procedimento concursal e com ela contratada, correspondente à prevista no regulamento em vigor na Ré aquando da respetiva admissão.

Ora, não se nos afigura ser de alterar o decidido em 1ª instância, acompanhando-se o decidido no acórdão desta Secção Social do TRP, proferido em 03/06/2024 no processo nº 2015/23.1T8AVR.P1, subscrito pelo agora relator como 1º adjunto, versando sobre questão idêntica [e também no acórdão proferido na mesma data no processo nº 2020/23.8T8AVR.P1, subscrito pelo agora 2º adjunto como 2º adjunto][22], apenas sendo de referir/esclarecer alguns aspetos como fizemos no acórdão proferido no processo nº 1472/23.0T8AVR.P1 em 28/06/2024 [subscrito também pela 1ª adjunta como 1ª adjunta] [23].

Desde logo há que dizer que não se alcança que a Autora na petição inicial refira a colega BB, que foi substituir, e/ou a colega CC, apenas o fazendo em recurso, argumentando que a prestação de trabalho era e é objetivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade, mas foram colocadas, desde logo, em posição remuneratória mais vantajosa.

Ora, dos factos provados nada consta sobre as referidas trabalhadoras BB e CC, tendo-se acima rejeitado a impugnação da decisão sobre matéria de facto apresentada pela Autora, que passava por ver agora, em 2ª instância, inseridos pontos nos factos provados com referência a essas trabalhadoras], donde não se poder considerar.

Abre-se um parêntesis para referir, não obstante a impugnação da decisão sobre matéria de facto ter sido rejeitada, que, não havendo na petição inicial referência às outras trabalhadoras, parecendo que a Recorrente apenas pretende inserir essa matéria na sequência do decidido em 1ª instância, a consideração desta factualidade só poderia ter lugar fazendo apelo ao disposto no art.º 72º do Código de Processo do Trabalho, o qual dispõe no nº 1 que, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.

Por sua vez, o nº 2 do art.º 5º do Código de Processo Civil, dispõe o seguinte:

2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Ora, o nº 1 do art.º 72º do Código de Processo do Trabalho é aplicável aos factos essenciais (stricto senso ou principais) mas já não aos factos complementares e instrumentais, aos quais se refere o art.º 5º, nº 2 do Código de Processo Civil (que aquela norma expressamente ressalva).

Os factos essenciais são os factos integradores da causa de pedir, constitutivos do direito alegado à luz do quadro legal (substantivo) invocado[24] [ou integradores das exceções perentórias], enquanto os factos instrumentais não integram a causa de pedir; já os factos complementares concretizam os integradores da causa de pedir sem alterar o objeto do processo [25] [26].

Articulando os nºs 1 e 2 do art.º 72º do Código de Processo do Trabalho [o primeiro refere … deve o juiz … ampliar os temas da prova enunciados…, e o segundo refere que se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas…] temos que esse regime, dos factos essenciais (stricto senso), apenas é aplicável em 1ª instância, onde os temas de prova podem ser ampliados.

Relativamente aos factos (essenciais) complementares e aos factos instrumentais, apelando ao art.º 5º, nº 2 do Código de Processo Civil, concluímos que o Tribunal da Relação pode pronunciar-se sobre eles, com a seguinte diferença de regime:

− quanto aos primeiros [factos (essenciais) complementares], é exigido que as partes tenham tido a possibilidade de sobre eles se pronunciar [al. b)], o que ocorre se eles tiverem sido discutidos em sede de audiência de discussão e julgamento, caso em que o recorrente os pode invocar em recurso, com vista a aditá-los, pois nesse caso existiu a possibilidade de o recorrido se pronunciar sobre eles [27];

− já quanto aos segundos [factos instrumentais], bastará que os mesmos tenham resultado da instrução da causa [al. a)].

Ora, a situação de outras trabalhadoras que pudesse ser comparada com a situação da Autora constituiria facto essencial (stricto senso), logo dele não poderia conhecer o tribunal ad quem, já que, como se disse, o regime relativo aos mesmos apenas é aplicável em 1ª instância.

Fechando o parêntesis, concluímos que carece de fundamento a argumentação da Recorrente crítica à sentença recorrida por nela se “considerar que a Recorrente não alegou a existência, em concreto, de uma situação de igualdade material entre quantidade, natureza e qualidade do trabalho por si prestado e a quantidade, natureza e qualidade do trabalho de Técnicos Superiores ao serviço da Recorrida admitidos mediante Contrato de Trabalho em Funções Públicas”, pois só em recurso procurou fazê-lo, mas sem sucesso como se decidiu supra.

De todo o modo, sempre se diz que, como é sabido o regime do Contrato Individual de Trabalho e o regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas apresentam diferenças (existem regras neste regime sem paralelo no outro[28]), de modo que, como refere Miguel Lucas Pires[29], em face do atual panorama normativo, parecem-nos de excluir comparações sectoriais entre determinadas vicissitudes do regime de emprego público e privado, precisamente porque a uma diferença mais favorável a um deles poderá, em contrapartida, corresponder um tratamento menos favorável noutro domínio, ou seja, num certo domínio (por exemplo ao nível da retribuição) pode haver alguma diferença entre ambos os regimes que não implica diretamente um conflito com o princípio da igualdade[30].

Importa também ter presente que, como se referiu no acórdão desta Secção Social do TRP de 08/11/2018[31], o princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), quantidade (intensidade e duração) e qualidade (dos conhecimentos, da prática e da capacidade)[32].

Quer isto dizer que poderá haver um tratamento diferenciado no campo salarial conforme à especial situação de um trabalhador, mas, como refere Rui Medeiros[33], para evitar que exista espaço para o arbítrio patronal deve exigir-se que, mesmo neste plano da atribuição de uma vantagem retributiva a um determinado trabalhador, o empregador apresente os elementos que evidenciam a racionalidade objetiva da decisão de tratamento privilegiado, sendo necessário que a justificação fornecida não deixe nenhuma dúvida sobre o carácter objetivo-racional do fundamento para a diferenciação.

Tem sido entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça[34], ao qual se adere, o de que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objetiva e racional[35].
É oportuno citar o escrito no acórdão do TC nº 313/89, de 09/03/1989[36], que foi o seguinte: o que o princípio [«a trabalho igual salário igual»] proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço. O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjetivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objetivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias».
E no caso em apreço, como conclui a sentença recorrida, verificam-se circunstâncias objetivas atendíveis que justificam que não tenha sido atribuída a Autora, contratada como Técnica Superiora por CIT em 2011, a mesma posição remuneratória que aos trabalhadores contratados até 2009 por CTFP tenha porventura sido atribuída, no âmbito do procedimento negocial previsto no art.º 38º da LGTFP, mas antes a posição remuneratória anunciada no respetivo procedimento concursal e com ela contratada, correspondente à prevista no regulamento em vigor na Ré aquando da respetiva admissão.

Não se vendo melhor forma de o dizer, para corroborar o decidido em 1ª instância, passamos a reproduzir parte do escrito no acórdão desta Secção Social do TRP de 03/06/2024 acima referido (subscrito pelo agora relator como 1º adjunto), no qual se faz referência ao acórdão desta Secção Social do TRP de 08/06/2022 (proferido no processo nº 2178/20.8T8AVR.P1[37]), relatado pelo agora 2ª adjunto, constando naquele aresto ser revista pelo relator e 2º adjunto a posição nele tomada:

Cumprindo-nos apreciar, e como referência inicial, importa começar por dizer que é já abundante a Jurisprudência existente, incluindo do Tribunal Constitucional, sobre questões de algum modo relacionadas com aquela que nos é colocada, assim nomeadamente sobre a situação de profissionais em face do respetivo vínculo, em particular sobre saber se a diferença de vínculo (contrato individual de trabalho por um lado e vínculo público, por outro) justifica ou não, em face da lei e da Constituição (CRP), eventuais diferenças de tratamento.

Isso mesmo se salientou, como se refere no Acórdão desta Secção de 24 de outubro de 2022[38], no Acórdão de 22 de fevereiro de 2021[39], fazendo-se aí referência, mais uma vez desta Secção, nesses se tratando também de questões relacionados com a problemática que se aprecia no caso, a título meramente exemplificativo, encontrando-se publicitados[40], os Acórdãos de 08 de janeiro de 2018[41], 07 de julho de 2016[42], 20 de junho de 2016[43] e 14 de março de 2016[44].

(…)

Desde logo, como dito, e bem, na sentença, sequer a Autora/Recorrente alegou a existência, em concreto, de uma situação de igualdade material entre a quantidade, natureza e qualidade do trabalho por si prestado e a quantidade, natureza e qualidade do trabalho de Técnicos Superiores ao serviço da Ré admitidos mediante CTFP. Como também não o fez sobre se, quando foi admitida como Técnica Superiora, em 2016, tinha as mesmas habilitações, experiência e tempo de serviço que os Técnicos Superiores que a Ré tenha porventura admitido antes de 2009 mediante CTFP, para a segunda posição remuneratória, nos termos do art.º 38.º n.º 7 da LGTFP. Tentou fazê-lo, é certo, no presente recurso, com o aditamento de factos, pretensão essa que, porém, pelas razões então mencionadas, sequer logrou alcançar. Daí que, como mais uma vez se refere na sentença, a desigualdade que invoca deva situar-se “num plano mais formal e abstrato, derivando diretamente das próprias normas e procedimentos legais a que a Ré estava até 2009 vinculada, na admissão de trabalhadores em funções públicas, por contraposição às que a partir de 2009 passaram a vigorar, enformadas pelo direito privado e pelo princípio da liberdade contratual que lhe subjaz”.

E, no referido contexto, a diferenciação contra a qual se insurge a Recorrente, mas que entendemos que também se nos impõe afirmar, do mesmo modo pois como o foi na sentença, resulta afinal dos diversos regimes aplicáveis, a que naquela se faz expressa referência, sendo que, nesse âmbito, como o dissemos antes, esta Secção do Tribunal da Relação do Porto teve já a oportunidade de se pronunciar anteriormente sobre questões conexas com aquela que aqui se aprecia, assim a respeito da diferença de regimes aplicáveis, em face do vínculo (aí sobre profissionais de saúde).

Em particular a propósito da aplicação, que se pretende, do que n.º 7 do artigo 38.º, da LGTFP, importa desde logo esclarecer que, sendo verdade que, como dito na sentença, resulta do disposto no n.º 5 do artigo 28.º do Regulamento/2009 da Ré que “A retribuição a que o trabalhador tem direito tem como referência a retribuição mensal para idêntico conteúdo funcional e responsabilidade, por força do princípio da equiparação ao regime retributivo da administração pública, dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas”, no entanto, porém, admitindo-se, diga-se, que outro possa ser o entendimento – que, aliás, não obstante a situação sobre a qual incidiu não ser propriamente igual àquela que agora apreciamos, pode entender-se que teria sido sufragado no Acórdão desta Secção de 08 de junho de 2022[45], em que intervieram os aqui relator e Exmo. 2.º adjunto, mas que neste momento reveem posição –, consideramos que, o que está em causa no mencionado n.º 5, ao referir-se apenas aí que a retribuição a que o trabalhador tem direito tem como referência a retribuição mensal para idêntico conteúdo funcional e responsabilidade dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas, está relacionada, como aliás se extrai do próprio texto, à retribuição mensal – a própria epígrafe do artigo tal indica: “Retribuição e suplementos” –, mas, acrescente-se, a menção “tem como referência” não traduz sequer, afinal, o sentido de que a retribuição tenha de ser igual, desde logo porque, a ser esse o caso, não haveria propriamente necessidade de naquele Regulamento, como se fez, se incluir, de modo inequívoco, em anexo próprio (III), quais os montantes pecuniários (RMMG) correspondentes a cada um dos níveis retributivos, esses a aplicar também de acordo com a “Tabela de posições e níveis retributivos das carreiras” que também se fez constar do Anexo II e, ainda, por referência ao que se incluiu no Anexo I (“Caracterização das carreiras em regime de contrato de trabalho”), regulamentação esta que, salvo o devido respeito, traduz uma clara intenção de aí se regular, afinal, de modo expresso, toda essa matéria.

Aliás, o que resulta do Regulamento, desde logo dos seus artigos 8.º a 11.º, aponta também nesse sentido, em particular o artigo 9.º ao referir-se que “a caracterização e estruturação das carreiras, o seu conteúdo funcional, os respetivos graus de complexidade e o número de posições retributivas, constam no anexo I ao presente Regulamento”, no seguinte (10.º) que “as categorias encontram-se estruturadas em distintas posições retributivas” (obedecendo a sua concreta conformação aos limites do que dispõe nos números seguintes) e, por último, no artigo 11.º, referente à categoria de técnico superior, que a respetiva carreira: “compreende o conteúdo funcional descrito no anexo I ao presente Regulamento, e que dele faz parte integrante. 2- A carreira é unicategorial. 3- A complexidade funcional é de grau 3. 4- À categoria da carreira de técnico superior correspondem catorze posições retributivas”. Ou seja, percebe-se que o que aí se dispõe tem por direta referência o que se fez constar dos anexos a que antes nos referimos, para que remete, que, assim o entendemos, pretende regular toda essa matéria – aí não se faz, nomeadamente, qualquer remissão para a LGTFP CTFP, quando a ser essa a intenção, a mesma aí deveria ter sido expressamente salvaguardada –, não tendo assim adequado suporte pretender-se que seja afinal aplicado o n.º 5 do analisado artigo 28.º (sobre o que desse consta já antes nos pronunciámos e tem diverso âmbito) para que, como se defende, se venha a aplicar o invocado n.º 7 do artigo 38.º da LGTFP, como já se disse entretanto revogado. Aliás, em face do regime estabelecido pela Ré, que como se disse entendemos que se extrai do disposto no analisado Regulamento, assim designadamente dos seus artigos 7.º e 11.º, constatando-se que a complexidade funcional da carreira de técnico superior é de grau 3 (al. c), do n.º 2, do artigo 7.º), para o qual é exigida a “titularidade de licenciatura ou de grau académico superior a esta” (n.º 3 do artigo 11.º)[46], tal exigência sempre existiu na Ré, desde o momento em que se alterou a sua natureza, o que, afinal, não se pode dizer que tenha ocorrido sempre no âmbito da contratação ao abrigo da LGTFP, podendo ter residido neste facto a justificação para a inclusão nessa Lei do n.º 7 do citado artigo 38.º. É que, na busca de tal explicação, ressalta desde logo que, sendo verdade que atualmente nessa (como ainda aliás na que a precedeu) também já consta como exigência o referido nível de habilitação para a categoria de técnico superior, no entanto, porém, nem sempre foi assim, e, nessa medida, na consideração ainda de que por regra os requisitos da contratação (no caso habilitação académica) se devem verificar quando essa ocorre, no domínio da mesma lei acabavam por coexistir trabalhadores que, estando sujeitos a regimes diversos no que se refere à respetiva titularidade (de habilitações), sendo uns, por um lado, detentores dessa habilitação e outros, por outro, sem que essa detivessem, então, certamente com o intuito de se tornar mais atrativa, para os novos contratados, já titulares da referida habilitação, a contratação, ter-se-ia estabelecido, para o efeito, o regime que constava do n.º 7 do analisado artigo – e, já agora, porque certamente nos tempo atuais já não justificado, aqui se poderá encontrar, também, fundamento para a sua exclusão que recentemente ocorreu.

Do exposto resulta, em síntese, que, até pela sua razão de ser, tal regime, assim a norma que se invoca, podendo porventura entender-se que teria justificação na LGTFP, já, porém, noutros teremos, pelas razões antes expostas, tal justificação não ocorre na contratação que fosse efetuada pela Ré, na modalidade de contrato que está em causa na presente ação, enquanto sujeita à regulamentação a que antes aludimos.

Como se refere na sentença, “não está aqui sequer em causa a admissão, no mesmo período de tempo, de trabalhadores para a mesma categoria profissional e com as mesmas habilitações académicas, sendo uns (os vinculados por CTFP) posicionados mais favoravelmente que outros (os vinculados por CIT)”, tratando-se, sim, “de se terem sucedido no tempo, por força de alterações legais ocorridas, dois paradigmas diferentes de gestão e relacionamento entre a R. e os seus trabalhadores, tendo a Ré, por um lado, a obrigação legal de manter o estatuto de direito público dos que tinham já sido contratados por CTFP; e, por outro, a liberdade de estabelecer as condições em que passaria a admitir mediante CIT, dentro dos parâmetros estatutários e regulamentares que para tanto definiu.

Aliás, como mais uma vez nessa sentença se refere, do que se trata é que, “com a transição para o regime fundacional, subsistiram na Ré trabalhadores que tinham vínculo de função pública e que mantiveram integralmente esse estatuto, incluindo a nível remuneratório, conforme salvaguardado nos artos 134º, n.º 4 do RJIES e 4º, n.º 3 do DL n.º 97/2009, de 27/04; enquanto os novos trabalhadores contratados a partir daí passaram a estar sujeitos ao regime do direito laboral privado”.

Por outro lado, mais uma vez como dito na sentença, sequer se pode dizer que a Ré não esteja a fazer a aproximação dos dois regimes que, entretanto, têm convivido, aproximação essa que, resultando já do Regulamento/2009 a que antes nos referimos e que vigorava aquando da contratação da Autora, se tornou mais evidente, e bem na nossa ótica (nesse sentido tem apontado a legislação), no Regulamento n.º 744/2020, que aquele revogou e substituiu – “no sentido de que os montantes correspondentes às posições retributivas previstas em anexo, e o subsídio de refeição, são atualizados anualmente na mesma percentagem aplicável às remunerações dos trabalhadores em regime de CTFP, sem necessidade de quaisquer formalidades (cfr. arts. 36º e 39º, respetivamente)”, pelo despacho n.º 8321/23, do Exmo. Reitor da Ré, publicado no DR n.º 158, 2ª série, de 16/08/2023, remetendo-se para o que, nesse âmbito, mais uma vez resulta da sentença, que aqui damos por reproduzido.

Acontece, porém, que esta manifestada evolução, que como o referimos entendemos ajustada, apenas pode valer a partir do momento em que entraram em vigor os referidos regulamentos, nos termos em que os mesmos o definiram – não valendo, pois, para o passado.

Concorda-se, pois, com a solução afirmada na sentença recorrida, que, volta a dizer-se, corresponde ao entendimento que tem sido sufragado pela nossa Jurisprudência, incluindo do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Constitucional (TC), quando chamada a pronunciar-se sobre questões similares em que tal questão se colocava, assim da (im)possibilidade de conversão deste tipo de contratações, como ainda de eventual violação de princípios constitucionais.

Apenas a título exemplificativo, quanto ao STJ, aqui se cita, por acompanharmos integralmente a respetiva fundamentação, esta que responde de modo absolutamente claro às questões que estão subjacentes aos argumentos da Autora/Recorrente, o que resulta do Acórdão de 13 de julho de 2017, nos termos seguintes: (…)

Uma nota para referir que se a Ré devia seguir o caminho da Universidade 1..., adotando Regulamento idêntico ao pela mesma adotado em 2017, é questão que aqui não releva, tendo que nos cingir ao que está estabelecido, e outra nota para dizer que carece de sentido invocar o art.º 47º, nº 2 da CRP na medida em que, como está dito no aresto que acabou de se transcrever em parte, não se pode dizer que a Ré não esteja a fazer a aproximação dos dois regimes em causa.

Sobre o art.º 47º, nº 2 da CRP, tenhamos presente o referido na “Constituição Portuguesa Anotada” por Jorge Miranda e Rui Medeiros[47], que é o seguinte:

A Constituição, ao autonomizar o nº 2 do artigo 47º, confirma que há diferenças importantes entre a relação jurídica laboral de direito privado e a relação jurídica de emprego público (mesmo quando esta não se funda num ato administrativo de nomeação de funcionário ou num contrato de provimento, mas antes num verdadeiro contrato de trabalho celebrado com as entidades públicas). A especificidade da relação jurídica de emprego público surge como resultado da sua funcionalização à satisfação do interesse público. Daí que a própria Constituição estabeleça para os trabalhadores da Administração Pública princípios de um regime jurídico próprio substancialmente diferente do regime jurídico que disciplina os trabalhadores do setor privado.

(…)

O nº 2 do artigo 47º, para além de vedar regimes de constrição atentatórios da liberdade, realça a relevância do princípio da igualdade neste âmbito.

(…)

… o princípio da igualdade, na sua projeção específica no âmbito da função pública, proíbe diferenciações de tratamento, salvo quando estas se revelem racional e razoavelmente fundadas.

Em face do exposto, sem necessidade de tecer mais considerações, concluímos improceder toda a argumentação da Recorrente, improcedendo o recurso da Autora.

Da presunção de laboralidade na relação vigente entre março de 2010 e fevereiro de 2011: (recurso subordinado da Ré)

Resultando dos factos provados que em 01/02/2011 foi celebrado entre as partes contrato de trabalho [contrato escrito assim designado – ponto 7. dos factos provados –, não sendo posto em causa corresponder ao que efetivamente vigorou/vigora], decidiu o tribunal a quo que antes, desde 15/02/2010, já vigorou relação de trabalho subordinado, apesar de terem sido celebrados contratos designados de “prestação de serviços [pontos 2. e 3. dos factos provados] [48], por funcionar a presunção de laboralidade consagrada no art.º 12º, nº do Código do Trabalho, que não se mostra ilidida.

Alega a Recorrente que o tribunal a quo desconsiderou um conjunto de elementos indiciários reveladores de uma relação não laboral, referindo os seguintes:

a) emissão de “recibos verdes”;

b) ausência de descontos para a Segurança Social;

c) aceitação pela Autora sem objeções do regime de prestação de serviços;

d) ausência de férias e de subsídios de férias e de Natal;

e) falta de demonstração de exclusividade;

f) falta de controlo da assiduidade.

Tendo a impugnação da decisão sobre a matéria de facto apresentada pela Ré procedido apenas parcialmente, teremos em consideração, como supra se disse, a factualidade assente cem 1ª instância com as alterações supra decididas

Tendo na improcedência parcial da impugnação da decisão de facto não sido aditado facto relativo a assiduidade, resulta logo carecer de fundamento o alegado referenciado na alínea f).

O referenciado nas alíneas a) e b), que podemos designar por “enquadramento fiscal” e “enquadramento em matéria de Segurança Social”, não assume um papel preponderante, pois, como é consabido, bastas vezes o mesmo é incorreto, correspondendo à aparência contratual que é criada.

Com efeito, importa analisar o condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da atividade, para saber que esquema contratual foi efetivamente criado, importando saber se existe uma situação de facto que se traduz num contrato de trabalho, não o nome dado pelas partes.

Como refere José Andrade Mesquita[49] tendo as regras fiscais uma intencionalidade normativa diferente da das normas laborais, não se podem retirar consequências automaticamente de um ramo para o outro.

No fundo, como refere o mesmo autor, estes índices assumirão grande relevo sim no caso de pelas partes serem observados o “enquadramento fiscal” e o “enquadramento em matéria de Segurança Social” próprios do trabalhador subordinado, pois nesse caso torna-se difícil ao empregador explicar mais tarde que foi querido um vínculo autónomo.

O referenciado na alínea c), em face do que consta dos factos provados (improcedendo em grande medida a impugnação do decidido em 1ª instância sobre matéria de facto apresentada pela Ré), não assume grande relevo, não sendo o facto de ter subscrito contratos denominados de “prestação de serviços” que é determinante, pois, como se disse, importa analisar o condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da atividade.

Note-se que o aceitar a contratação com a denominação atribuída não se confunde com qualquer comprometimento de que não viria a discordar com o enquadramento jurídico dado, nem se confunde com a criação na outra parte de convicção de que a Autora nunca viria a entender que a situação de facto que passou a ser experienciada configurava uma situação de trabalho subordinado, e com base nesse entendimento agisse judicialmente, tanto que veio a celebrar com a Ré contrato de trabalho.

Quanto ao referenciado na alínea d) passa-se algo semelhante ao referido nas alíneas a) e b), ou seja, grande relevo teria se fossem observadas as regras laborais [que, como é consabido, preveem o pagamento dos subsídios em causa], pois o desrespeito das “regras laborais” em vez de apontar no sentido de uma atividade autónoma apenas, com frequência, traduz apenas o cometimento de um ato desrespeitador do estabelecido pelo legislador [50].

E o mesmo se diga em relação ao referenciado na alínea e), pois será um indício de grande relevo quando o prestar de atividade se vincula a fazê-lo apenas para o empregador, na medida em que faz pouco sentido que o prestador autónomo se vincule dessa forma, não tendo grande relevo nada ser escrito nesse sentido, muito menos relevando o desconhecimento de existir ou não exclusividade [51].

Importa referir que os acórdãos citados pela Recorrente [designadamente os arestos de 09/07/2014 e de 18/05/2017[52]] não suportam se chegue a conclusão idêntica no caso em apreço, pois há que ver os factos em concreto apurados em cada situação [a subjacente a tais arestos e a apurada no caso em apreço].

Assim, no acórdão do STJ de 09/07/2014, ficou provado que na data da admissão da ali autora “foi-lhe transmitido pela Ré que o contrato que vigoraria entre ambas seria de prestação de serviços, em regime de avença e a “recibos verdes”, e não um contrato de trabalho – o que a Autora aceitou sem levantar qualquer objeção”, o que não sucede no caso em análise, ao que acresce que a demais factualidade ali provada difere em muito da factualidade aqui apurada, podendo-se dizer que ali a factualidade aponta para muitos indícios externos à relação bilateral, enquanto que aqui ficaram demonstrados factos que contendem com indícios que contendem com a própria relação bilateral estabelecida (local de trabalho, horário de trabalho e se integral, propriedade dos meios de produção, remuneração) [53].

O já exposto leva-nos a concluir, sem necessidade de considerações mais desenvolvidas que improcede toda a argumentação da Recorrente tendente a afastar a presunção de laboralidade que o tribunal a quo considerou existir, sem estar ilidida, que, como tal, não merece censura.

Improcede, então, o recurso subordinado nesta parte.

Dos efeitos da nulidade do contrato de trabalho reconhecido no período de março de 2010 a fevereiro de 2011: (recurso subordinado da Ré)

O tribunal a quo considerou que o contrato de trabalho reconhecido no período em causa (entre 15/03/2010 e 31/01/2011) sofre de nulidade, o que não é questionado, pondo a Recorrente em causa os seguintes efeitos que o tribunal a quo considerou apesar da nulidade:

̶ a antiguidade da Autora reporta-se a 2010;

̶ não se verifica a prescrição.

O tribunal a quo justificou da seguinte forma a produção de efeitos do contrato declarado nulo:

Dispõe o art.º 122º n.º 1, sob a epígrafe “Efeitos da invalidade de contrato de trabalho”, que “1. O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado”.

O citado normativo consagra, no domínio laboral, um regime específico, no que concerne à nulidade dos contratos (distinto, portanto, do estatuído no art.º 289º do Cód. Civil), por força do qual a declaração de nulidade só opera para o futuro, não tendo efeito retroativo, de tal forma que o contrato de trabalho nulo produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontrar em execução, regra essa que abrange os próprios atos extintivos, até que a nulidade seja declarada ou o contrato anulado.

Na verdade, há que ter presente a especificidade do contrato de trabalho, já que os efeitos da nulidade previstos no art.º 289º do Código Civil não têm possibilidade de aplicação prática: a retribuição poderia ser devolvida, mas a prestação de trabalho não é apagada, ou seja, ainda que o salário não traduza o valor da atividade remunera a mesma [é a contrapartida dela – art.º 258º, nº 1 do Código do Trabalho], pelo que seria restituído um valor que é contrapartida de algo que não pode ser restituído.

Como referem Paula Quintas e Hélder Quintas[54], perante este paradoxo, o legislador determinou que a eficácia do contrato de trabalho declarado nulo ou anulado não será afetada durante a execução do contrato (art.º 122º, nº 1 do Código do Trabalho), afastando assim o regime contido no art.º 289º, nº 1 do Código Civil.

Isto é, tem sentido admitir, aos contratos que tenham sido executados, a proteção da “relação contratual de facto”, ficcionando que os contratos vigoraram (e como contratos de trabalho), conforme o disposto no art.º 122º, nº 1 do Código do Trabalho[55]

Importa referir que há uma assinalável diferença entre a situação subjacente ao acórdão do STJ de 08/10/2014 citado pela Recorrente[56] e a situação em análise neste processo, que consiste em que naquele aresto foi apreciada uma situação contratual anterior à celebração de contrato de trabalho para exercício de funções públicas, sendo reconhecido que nesse período anterior vigorou contrato individual de trabalho, ainda que nulo, enquanto neste processo está em causa uma situação contratual anterior à celebração de contrato individual de trabalho, tendo-se reconhecido que nesse período anterior vigorou também contrato individual de trabalho, ainda que nulo.

Ou seja, o fundamento utilizado naquele aresto de que estavam em causa realidades jurídicas diversas, com regimes próprios [e supra se viu ser claro que se tratam efetivamente de realidades jurídicas distintas], não tem cabimento aqui.

No caso sub judice, admite-se ficcionar que os contratos vigoraram como contrato individual de trabalho, e temos que dizer que a realidade jurídica desde 15/03/2010 foi sempre de contrato individual de trabalho.

É certo que os contratos são nulos porque o legislador não quer a consolidação desse vínculo constituído com preterição das regras de contratação com o Estado, não se podendo afirmar que desde o início estamos perante contratos válidos, nem estando em causa qualquer “conversão” dos contratos iniciais, mas no plano fáctico não está em causa uma relação ex novo, sendo a relação contratual atualmente existente o prolongar da estabelecida inicialmente [cfr. pontos 14. e 15. dos factos provados], e o legislador conferiu proteção nos termos supra expostos.

Na verdade, no caso em análise a realidade jurídica é sempre a mesma, tendo que se considerar reportar-se a relação contratual àquela data, o que implica, além da antiguidade, serem devidos os créditos e não haver prescrição [esta só se verificaria se se considerasse ter cessado a relação inicialmente estabelecida e em fevereiro de 2011, surgindo aí uma relação ex novo, e tal não sucedeu].

Em conformidade no acórdão desta Secção Social do TRP de 18/09/2023[57], escreveu-se, aquando da análise da antiguidade, que “concluindo-se que a relação de trabalho subordinado existiu desde 01/07/2009, nunca poderia fazer-se tábua rasa desse facto e retirar-lhe os efeitos assegurados por direitos laborais consagrados em normas imperativas”.

Subjacente a este aresto estava situação em que em 2009 foi celebrado contrato designado por “contrato de bolsa de investigação”, que foi sendo sucessivamente renovado e a que se seguiu a celebração de contratos idênticos, vindo em dezembro de 2019 a ser celebrado designado por “contrato de trabalho sem termo” ao abrigo do programa PREVPAP[58], tendo sido considerado que não existe interrupção na relação de trabalho que foi reconhecida, sendo nulo esse “contrato inicial”.

E o exposto não colide com o estabelecido no art.º 47º, nº 2 da CRP [já acima referido, e que dispõe: todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso], pois o contrato reconhecido como de trabalho foi considerado nulo precisamente por não ter havido concurso[59], não tendo o acesso da Autora ao emprego da Ré decorrido dessa “contratação nula” mas da contratação depois estabelecida regularmente [ponto 7. dos factos provados], não excluindo o normativo constitucional a proteção da situação de facto existente nos termos acima expostos.

Em suma, improcede toda a argumentação da Recorrente, improcedendo o recurso subordinado da Ré.


**

Na resposta ao recurso da Autora, a Ré requer, em ampliação do âmbito do recurso nos termos do art.º 636º do Código de Processo Civil, a apreciação, subsidiariamente, da “inimpugnabilidade e aceitação dos atos administrativos”, do “abuso de direito” e da “prescrição”.

A ampliação do âmbito do recurso solicitada pela parte recorrida não se trata de um “verdadeiro recurso”, apenas sendo apreciada se forem acolhidos os argumentos da parte recorrente[60]

Tendo o recurso da Autora improcedido, fica prejudicado o conhecimento das questões que a Recorrida refere como ampliação do âmbito do recurso (tendo-se conhecido o recurso subordinado).


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Quanto a custas, havendo improcedência de ambos os recursos [embora o recurso subordinado da Ré proceda parcialmente quanto à impugnação da decisão sobre matéria de facto, a pretensão da Recorrente improcede], pelo que as custas de cada recurso ficam a cargo da respetiva Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil).

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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em decidir o seguinte:

I) julgar o recurso da Autora improcedente.

II) na procedência parcial do recurso subordinado quanto à impugnação da decisão sobre matéria de facto, alterar os pontos 10. e 15. dos factos provados, de modo que passam a ter a seguinte redação:

10. No ano de 2010 e até janeiro de 2011, a Autora recebeu da Ré € 800,00 por mês, emitindo “recibos verdes”.

15. Desde 15 de março de 2010 até à presente data – com exceção do período de tempo de cerca de uma semana referido no n.º 5 dos factos provados, em que esteve em casa, por indicação da Ré – a Autora exerceu sempre as suas funções nas instalações da Ré, da mesma forma, ininterruptamente, usando instrumentos de trabalho pertencentes à Ré e cumprindo o horário de trabalho fixado por esta, dentro de um período de atividade de 8 horas diárias e 40 horas semanais.

III) julgar no mais improcedente o recurso subordinado da Ré.

Custas do recurso principal e do recurso subordinado a cargo da respetiva Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP).

Valor do recurso da Autora: € 35.790,39.

Valor do recurso da Ré: € 30.000,01.

(art.º 12º, nº 2 do RCP).

Notifique e registe.

(texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)


Porto, 30 de setembro de 2024
António Luís Carvalhão
Teresa Sá Lopes
Rita Romeira
__________________
[1] Fundação pública com regime de direito privado.
[2] Resultando corresponder à soma de € 35.790,30 [valor indicado pela Autora na PI] com € 30.000,01 [valor atribuído pela Ré à reconvenção] – cfr. art.º 299.º, nº 2 do Código de Processo Civil.
[3] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico.
[4] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 156 e págs. 545/546 (estas no apêndice I: “recursos no processo do trabalho”).
[5] Seguindo a ordem da precedência lógica, sendo que a solução de alguma pode prejudicar o conhecimento de outra(s) – art.ºs 608º e 663º, nº 2 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho).
[6] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 6107/18.0T8MTS.P1.
[7] Tal tem sido também o entendimento do STJ (vd., por exemplo, os acórdãos de 05/09/2018, 20/02/2019 e 05/06/2024, consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 15787/15.8T8PRT.P1.S2, nº 1338/15.8T8.PNF.P1.S1 e nº 299/21.9T8CTB.C1.S1).
[8] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 168/169.
[9] Bastando que o faça nas alegações, desde que a decisão alternativa propugnada resulte de forma inequívoca das alegações [cfr. acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência nº 12/2023, de 17/10/2023, publicado no DR, Iª série, de 14/11/2023, cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação nº 35/2023, de 28 de novembro, publicada no DR, I série, nº 230/2023, de 28/11/2023].
[10] É que, de outra forma ocorreria uma inversão da posição das personagens do processo, mediante a substituição da convicção de quem tem de julgar pela convicção de quem espera a decisão, o que não é admissível.
[11] Cfr. acórdão do TRG de 19/11/2020, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 2434/19.8T8VNG.G1.
[12] Vd. Helena Cabrita, “A Sentença Cível – fundamentação de facto e de direito”, Almedina, 2ª edição revista e atualizada, 2022, págs. 101.
[13] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3789/15.9T8VFR.P1.
Vd. também o acórdão desta Secção Social do TRP de 19/04/2021, consultável igualmente em www.dgsi.pt, processo nº 2907/16.4T8AGD-A.P1.
[14] Nota de rodapé da sentença (10) com o seguinte teor: Proferido no processo nº 07S4100 e disponível em http/www.dgsi.pt/stj.
[15] Nota de rodapé da sentença (11) com o seguinte teor: Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 3.ª Edição, p. 643.
[16] Nota de rodapé da sentença (12) com o seguinte teor: Proferido no processo n.º 227/13.5TTOAZ.P1 e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
[17] Nota de rodapé da sentença (13) com o seguinte teor: No mesmo sentido, de que para que opere a inversão do ónus da prova, compete ao autor/trabalhador alegar e provar factos que possam constituir fatores característicos de discriminação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2013 (proferido no processo n.º 248/10.0TTBRG.P1.S1) e de 12/10/2011 (proferido no processo n.º 343/04.4TTBCL.P1.S1), ambos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.
[18] Nota de rodapé da sentença (14) com o seguinte teor: Proferido no processo n.º 497/14.1TTVFR.P1 e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
[19] Nota de rodapé da sentença (15) com o seguinte teor: Entretanto revogado pelo DL n.º 84-F/2022, de 16/12.
[20] Nota de rodapé da sentença (16) com o seguinte teor: Proferido no processo n.º 497/14.1TTVFR.P1 e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
[21] Nota de rodapé da sentença (17) com o seguinte teor: Processo n.º 496/14.3TTVFR.P1, igualmente disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
[22] O primeiro consultável em www.dgsi.pt, o segundo no “registo de sentenças” (leia-se registo de acórdãos).
[23] Consultável no “registo de sentenças” (leia-se registo de acórdãos).
[24] O facto não é por natureza constitutivo, sendo-o consoante a sua função no quadro de uma concreta pretensão invocada pela parte, o que se afere à luz do arquétipo legal aplicável ao caso, ou, dito de outra forma, pela interpretação do direito substantivo aplicável.
[25] Sobre factos essenciais e instrumentais em processo civil, vd. José Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil – Conceitos e Princípios Gerais à luz do CPC de 2013”, Gestlegal, 5ª edição, 2023, pág. 174 e 181.
[26] Sobre a distinção entre factos essenciais (principais e complementares) e instrumentais, vd. com interesse o acórdão desta Secção Social do TRP de 31/03/2020, processo nº 1372/19.9T8VFR-A.P1.
[27] No acórdão deste TRP (Secção Cível) de 08/10/2020 – consultável em www.dgsi.pt, processo nº 818/13.4TBMTS.P1 – escreveu-se que a Relação não pode, em violação do disposto no art.º 5º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil, levar em consideração um facto complementar novo, mas não alegado e não discutido pelo tribunal recorrido (ponto II do sumário).
[28] Para maior desenvolvimento, vd. Miguel Lucas Pires, “Confronto entre o Regime do Empego Público e o Regime Laboral Privado”, Almedina, págs. 69ss.
[29] In “Confronto entre o Regime do Empego Público e o Regime Laboral Privado”, Almedina, pág. 328.
[30] Vd. a propósito o acórdão desta Secção Social do TRP de 07/07/2016, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 497/14.1TTVFR.P1.
[31] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 3697/17.9T8PRT.P1.
[32] Por mais recente, vd. o acórdão do TRL de 27/04/2022, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 7848/20.8T8LSB.L1-4.
[33] In “O Direito Fundamental à Retribuição – Em Especial, o Princípio a Trabalho Igual Salário Igual”, -Universidade Católica Editora, novembro 2016, pág. 106.
[34] Vd. os acórdãos do STJ de 14/05/2008 e de 04/06/2008, consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 07S3519 e nº 07S4100 respetivamente.
[35] No mesmo sentido, vd. o acórdão do TRE de 06/03/2012, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 207/09.5TTSTB.E1.
[36] Referido pela Recorrente, consultável em www.tribunalconstitucional.pt.
[37] Ao que supomos não publicado, mas consultável no “registo de sentenças”.
[38] Nota de rodapé do acórdão (12) com o seguinte teor: Também relatado pelo aqui relator.
[39] Nota de rodapé do acórdão (13) com o seguinte teor: Apelação 4210/19.9T8PRT.P1
[40] Nota de rodapé do acórdão (14) com o seguinte teor: Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[41] Nota de rodapé do acórdão (15) com o seguinte teor: Relator Desembargador Jerónimo Freitas, com intervenção como adjuntos do aqui relator e 1.ª adjunta.
[42] Nota de rodapé do acórdão (16) com o seguinte teor: Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto.
[43] Nota de rodapé do acórdão (17) com o seguinte teor: Relator Desembargador Eduardo Petersen Silva.
[44] Nota de rodapé do acórdão (18) com o seguinte teor: Relator Desembargador Jerónimo Freitas.
[45] Nota de rodapé do acórdão (20) com o seguinte teor Processo nº 2178/20.8T8AVR.P1, ao que se sabe não publicado, relatado pelo aqui 2.º Adjunto e com intervenção, enquanto adjunto, do agora aqui relator, que no presente acórdão reveem posição.
Consta desse Acórdão: “(…) Sucede, porém, que, conforme refere a recorrente, estipula o art.º 28º, nº 5, do Regulamento Interno de Carreiras, Retribuições e Contratação de Pessoal não Docente e não Investigador em Regime de Contrato de Trabalho da Universidade ..., que “A retribuição a que o trabalhador tem direito tem como referência a retribuição mensal para idêntico conteúdo funcional e responsabilidade, por força do princípio da equiparação ao regime retributivo da administração pública, dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas”. Ora, como prossegue a recorrente, consta do art.º 38º, nº 7, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei nº 35/2014, de 20 de junho, que “O empregador público não pode propor a primeira posição remuneratória ao candidato que seja titular de licenciatura ou de grau académico superior quando esteja em causa o recrutamento de trabalhador para posto de trabalho com conteúdo funcional correspondente ao da carreira geral de técnico superior”, o que está em consonância com o disposto no art.º 12º, al. b), da Lei nº 112/2017, de 29 de dezembro.
Ou seja, embora não se aplique diretamente ao caso o disposto no aludido regime jurídico do trabalho em funções públicas, a solução é a mesma, por remissão para o mesmo efetuada pelo Regulamento da própria recorrida.”
[46] Nota de rodapé do acórdão (21) com o seguinte teor: De resto, já no Regulamento de 2007 (“Regulamento de contratos individuais de trabalho de pessoal não docente da Universidade ...” e respetivos anexos / Deliberação n.º 1335-I/2007, Diário da República, 2.ª série - n.º 129 - 06 de julho de 2007),mesmo para o grau 1 de Técnico Superior era aí exigido, como habilitações, “1.º Ciclo de Bolonha” (ou Bacharelato pré-Bolonha), ciclo esse que corresponde a licenciatura.
[47] Volume I, 2ª edição revista, UCP Editora, 2017 (reimpressão de 2024), pág. 709 e 711.
[48] Joana Nunes Vicente refere-nos [“A fuga à relação de trabalho (típica): em torno da simulação e da fraude à lei”, Coimbra Editora, 2008, págs. 63/64], o princípio reconhecido em todo o direito dos contratos, qual seja o de que, de um modo geral, o juiz não fica vinculado ao nomem iuris ou à qualificação dada pelas partes, devendo para efeitos de qualificação atender ao conteúdo do negócio – conteúdo esse, sim, em que as partes, ao definirem a estrutura da relação contratual, manifestam indiretamente a opção por um determinado tipo e não por outro, e acrescente que a desvalorização do nomen se torna particularmente expressiva quando está em causa a (des)aplicação de uma normatividade como a laboral.
Recordando frase do Prof. Orlando de Carvalho nas aulas na FDUC, “os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são”.
[49] In “Direito do Trabalho”, AAFDL, 2ª edição, pág. 377.
[50] Vd. José Andrade Mesquita, “Direito do Trabalho”, AAFDL, 2ª edição, pág. 373.
[51] Vd. José Andrade Mesquita, “Direito do Trabalho”, AAFDL, 2ª edição, pág. 376.
[52] Consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 2127/07.9TTLSB.L1.S1 e nº 81/14.0T8CVL.C1.S1.
[53] Para distinção entre indícios internos e indícios externos, vd. José Andrade Mesquita, “Direito do Trabalho”, AAFDL, 2ª edição, págs. 361-380.
[54] “Código do Trabalho Anotado e Comentado”, Almedina, 7ª edição, 2023, pág. 348.
[55] Neste sentido, vd. Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 11ª ed., 2023, IDT/Almedina, pág. 484.
[56] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1111/13.8T4AVR.S1.
Pode ver-se também o acórdão do STJ de 29/10/2014, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1125/13-8T8AVR.S1.
[57] Processo em que é Ré a aqui Ré, subscrito pela aqui 2ª adjunta como 2ª adjunta, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 1597/21.7T8AVR.P1.
[58] Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública.
[59] Na sentença recorrida escreveu-se: Tal procedimento concursal foi omitido, no caso da aqui Autora, o que acarreta a nulidade do contrato de trabalho que acima se reconheceu ter vigorado entre as partes entre 15 de março de 2010 e 31 de janeiro de 2011, face ao disposto no art.º 294º do Cód. Civil.
[60] Vd. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 127.