Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6009/21.3T8GMR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE MARTINS RIBEIRO
Descritores: CONTRATO PARA VENDA DE PRODUTOS ON LINE
RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE COMISSÕES E TAXAS
Nº do Documento: RP202404086009/21.3T8GMR.P1
Data do Acordão: 04/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Num contrato de parceria para venda de produtos online, nada ficando a constar dele quanto à responsabilidade pelo pagamento de comissões e taxas devidas a entidades terceiras pelo processamento de pagamentos eletrónicos, tais custos são a suportar pelo vendedor – que, quanto aos mesmos, outorgou contratos com entidades terceiras que processam esses pagamentos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 6009/21.3T8GMR.P1



SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do C.P.C.):
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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.ª Adjunta: Anabela Mendes Morais e
2.ª Adjunta: Ana Paula Amorim.


ACÓRDÃO

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de ação declarativa de condenação em pagamento de quantia certa, com processo comum, é autora (A.) “A..., Lda.”, titular do N.I.F. ...57, com sede em Rua ..., ... (...), ... Guimarães, e é ré (R.) “B..., Lda.”, titular do N.I.F. ...32, com sede em Rua ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... Porto.

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Procedemos agora a uma síntese do processado destinada a facilitar a compreensão do objeto do presente recurso; assim, e lançando mão da síntese efetuada na sentença recorrida:

A) A A. interpôs a presente ação pedindo a condenação da R. a([1]) pagar-lhe a quantia de € 35.403,47 (trinta e cinco mil, quatrocentos e três euros e quarenta e sete cêntimos), acrescida dos juros de mora que se vencerem até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito, alude a um acordo de Parceria entre a A. e R., sendo que, quanto ao seu âmbito, as Partes apontam que está em causa a exploração em conjunto, de uma plataforma e-commerce («Plataforma»), disponibilizada pela aqui R., cujas obrigações principais, de acordo com a letra do contrato junto aos autos, se traduzem em:

a) disponibilizar, à Primeira Parceira, uma plataforma de e-commerce a ser alojada no domínio ....pt ou em outros domínios associados à Marca (“...”);

b) efetuar a manutenção da plataforma e-commerce;

c) introduzir produtos na Plataforma, num prazo não superior a 15 (quinze) dias após a correta receção da fotografia e descrição do produto;

d) reunir, com uma periodicidade trimestral, com os responsáveis da Primeira Parceira, para acompanhamento da execução da presente parceria.

A aqui R. obrigou-se ainda, nos termos da cláusula 5.ª do mesmo acordo a:

a) a respeitar as instruções da Primeira Parceira que não ponham em causa a sua autonomia;

b) a fornecer as informações que lhe forem pedidas pela Primeira Parceira ou que se mostrem necessárias a uma boa gestão;

c) a prestar contas, nos termos acordados, ou sempre que isso se justifique.

Em contrapartida, e como retribuição, a aqui A. obrigou-se a pagar à Segunda Parceira um fee inicial de € 5.000,00 (cinco mil euros) em duas tranches de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) cada nas seguintes datas: a primeira tranche no prazo de três dias úteis após a assinatura da presente parceria; a segunda tranche num prazo de três dias úteis após lançamento online da Plataforma, sendo que a A. comprometeu-se ainda a pagar à aqui R. uma retribuição correspondente a 15% (quinze por cento) do preço de venda dos produtos vendidos na Plataforma, sem olvidar que às comissões referidas acresce IVA à taxa legal em vigor e que a aqui A. obrigou-se a pagar à ora R. as comissões referidas até ao décimo quinto dia do mês seguinte à data de venda do produto.

Nesta sequência, refere que em 30 de Julho de 2021, a ora R. enviou à autora o resumo das vendas dos produtos desta operadas na referida plataforma e-commerce, do qual constam concretamente todos os artigos da autora vendidos nessa plataforma, respectivas quantidades, custos, portes, entre outros, referentes ao período de 01 de maio até 30 de junho de 2021, sendo que desse resumo consta expressamente, com interesse, o seguinte: - “total fatura”: € 53.054,05, - “total nota crédito”: €18.555,88, - “a pagar”: €34.498,17, - “total fatura”: € 743,62, - “total nota crédito”: € 612,50, - “a pagar”: € 131,12, - “total”: €34.629,29, resultando desse resumo o valor global de € 34.629,29 a ser pago pela R. à A., correspondente a 85% do produto da venda dos artigos da autora nessa plataforma.

A R. contestou, por excepção, questionando a competência do Juízo Central Cível de Guimarães para conhecer da presente acção e, no mais, não coloca em crise o crédito reclamado pela A., mas apresenta uma versão diferente para o enquadramento e desenvolvimento da matéria apontada nos autos, acrescentando que a cobrança de uma plataforma de vendas on line é efectuada através de plataformas de pagamento, que em específico foram quatro: a Ifthenpay (pagamentos por Entidade/Referência -Multibanco), a Lusopay (pagamentos por Entidade/Referência - Multibanco, usada em substituição da Ifthenpay), a Stripe (pagamentos por cartão de crédito) e a Paypal (pagamentos por por cartão de crédito), que cobram uma percentagem dos pagamentos efectuados através delas, sendo que estes custos com a cobrança são contratualmente da responsabilidade da Reconvinda.

No entanto, estando os pagamentos a ser feitos através de conta bancária da Reconvinte, era esta quem os suportava e foi esta quem os suportou e não tinha ainda repercutido esses custos à Reconvinda (as taxas dos métodos de pagamento online, eram da responsabilidade da A. (vg cláusula 1ª, 1.2 do contrato de parceria) foram sendo, vendo a sua margem diminuída mas aliviando financeiramente a Reconvinda, temporariamente, na fase inicial do negócio, apontando que os créditos já apurados ascendem a 47.888,65 (38.933,89 € + IVA).

Nesta medida, formula pedido reconvencional no sentido de ser reconhecido que a Reconvinte tem um crédito sobre a Reconvinda um crédito de € 47.888,65, que depois reduziu para € 47.884,94([2]), acrescido de juros, à taxa de juros comerciais, até efectivo e integral pagamento, operando-se a compensação entre os créditos de A. e R., extinguindo-se o crédito da A., que deverá ser condenada a pagar à R. a diferença entre os valores apurados.

A A. rebateu a matéria do pedido reconvencional, apontando que o acordo celebrado não contempla a realidade fixada em sede de retribuição, concluindo pela improcedência da reconvenção e peticionando a condenação da R. como litigante de má-fé.

B) Após prolação do despacho saneador, fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, foi realizada a audiência de julgamento, nos dias 10/01/2023, 13/02/2023 e 02/03/2023.

C) Aos 16/05/2023 foi proferida a sentença objeto de recurso.

Do dispositivo da mesma consta o seguinte:

Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condena-se a R. a pagar à A. a quantia de € 34.629,29, acrescida de juros vencidos no valor de € 677,41 até 12-11-2021 e vincendos desde a data agora referida à taxa legal de 7% até integral pagamento absolve-se a Ré do pedido, sendo que julga-se o pedido reconvencional totalmente improcedente, por não provado, absolvendo-se a A./Reconvinda do mesmo.

Custas da acção pela A. e R., na proporção do decaimento.

Custas da reconvenção pela R..

Registe e Notifique([3]).

D) No dia 07/07/2023 a R. interpôs recurso, impugnando a decisão de facto.

Formulou as seguintes conclusões([4]):

1- A douta sentença sub judice, sem que se perceba porquê (desde logo por ter sido facto amplamente discutido quer nos articulados quer no decurso da audiência de julgamento) atribui um relevo residual e, desse modo, deixa de fora facto crucial para a decisão da lide e para a procedência do pedido reconvencional.

2- No ponto 4 da matéria de facto provada consta uma transcrição do acordo celebrado entre as partes e denominado “parceria”.

3- No ponto 25 da matéria de facto provada constam as obrigações da responsabilidade da Ré, que o Tribunal deu como provado decorriam do contrato/parceria.

4- E do ponto 27 constam as obrigações, decorrentes do mesmo contrato, que de acordo com a douta sentença eram da responsabilidade da A.: de suportar os custos logísticos, de renovação do domínio, de investimento e gestão da publicidade online (que o Tribunal considera caberem ao A. por estarem para além dos previstos na parceria).

5- O que, diga-se desde já, está errado e constitui erro de julgamento pois que o que consta da alínea l) do ponto 25 dos factos provados (assistência pós-venda, incluindo o que aí vem mencionado, nomeadamente reclamações e trocas de produtos) não faz parte das obrigações contratuais assumidas pela Ré e que estão enunciadas taxativamente nas cláusulas 2ª e 5ª do contrato/”parceria” mencionado em 4 dos factos provados: ou seja, a assistência pós-venda não fazia parte das obrigações assumidas pelo Ré no contrato de parceria; foi prestada pela Ré e era paga pela A. por ser um serviço prestado para além da parceria.

6- O busílis desta contenda judicial está no facto de as vendas online implicarem um método (ou métodos) de cobrança online.

7- E estava, como está, previsto na “parceria” qual a parte responsável por praticar todos os actos necessários ou convenientes à comercialização dos produtos, incluindo a assistência pós venda e a cobrança – vg. cláusula 1ª, ponto 1.2 de documento particular cuja veracidade não foi impugnada.

8- É inequívoco que a assistência pós venda consta como sendo responsabilidade da A. (como não pode deixar de ser considerado por estar expressamente assim previsto no contrato e por resultar do doc. 2 da p.i) e, como tal tem de ser alterados os pontos 26 e 27 da matéria de facto provada.

- Passando a constar do ponto 26 “Os serviços indicados de a) a k)”.

- E aditando-se ao ponto 27, na enunciação feita entre parêntesis, “assistência pós venda”.

9- A Mmª Juiz a quo deu como provado que o acordo de vontades celebrado entre A. e Ré ficou plasmado na “parceria” transcrita a 4 dos factos provados e dessa parceria constam as obrigações de cada um dos contraentes:

- as referidas pelo Tribunal nos Factos Provados quanto às obrigações da A., que se acham parcialmente enunciadas em 25 dos Factos Provados: não sendo despiciendas para a boa decisão da lide obrigações da Ré que o Tribunal não considerou (vg a obrigação de prestar contas especificamente prevista na Cláusula 5ª, 6.1, al. c) da Parceria);

- as obrigações da A., que não se circunscrevem às obrigações de pagamento ditas em 26 e 27 dos Factos Provados, que o Tribunal não levou à matéria de facto com interesse para a boa decisão da causa (dando-os como provados ou como não provados), em específico, a obrigação da A. de “praticar todos os actos necessários ou convenientes à comercialização dos produtos, incluindo a assistência pós venda e a cobrança” (negrito nosso) constante de 1.2 da Cláusula 1ª da Parceria.

10- Sendo inequívoco que a A. estava ciente dos deveres e obrigações a que cada uma das partes se vinculava, pois o seu gerente leu e analisou com cuidado a parceria, só depois a assinando, como consta da confissão efectuada pelo gerente da A., AA no seu depoimento de parte, prestado na sessão de julgamento de 13/02/2002 e gravada no Citius, quando pelos 7,00 min refere, a instâncias do mandatário da Ré:

- Mandatário: Esse contrato foi analisado por si, foi lido por si, antes de assinar?

- AA: Sim

- Mandatário: Teve o cuidado de o analisar?

- AA: Sim

Mandatário: E nesse contrato estão lá previstas os serviços que a B... vos iria prestar e depois estão previstas as obrigações a que uma e outra parte se vinculam?

AA: Sim

Mandatário: Isso o senhor analisou antes de assinar?

AA: Sim

Mandatário: E disse também que essas taxas de meios de pagamento, se não tomei mal nota, que fazem parte dos custos para a venda, que estão incluídos…

AA: No preço final

Mandatário: no preço final do produto vendido.

11- A Ré([5]) não só confessou que tinha conhecimento de que as taxas relativas aos meios de pagamento eram cobradas (pelas empresas que disponibilizam os meios de pagamento online), como confessou que ao determinar o preço de venda de cada um dos produtos o fazia tendo em conta esse custo (das taxas dos meios de pagamento), e confessou ainda que não só leu como analisou previamente a parceria que assinou, analisando as obrigações contratuais que cabiam a ambas as partes.

12- Sendo que, da parte da A., avultam as constantes do ponto 1.2 da Cláusula 1ª, nomeadamente as expressamente previstas: prática dos actos necessários ou convenientes à comercialização, incluindo a assistência pós venda e a cobrança.

13- Ou seja, a A. sabia que para se fazer vendas online há custos a suportar com as taxas dos meios de pagamento; sabia quais eram esses custos (pois, como confessou, repercutiu-os no preço final dos produtos; sabia que o contrato/parceria clausulava que era sua obrigação a prática dos actos necessários à cobrança, dos quais o mais basilar e conditio sine qua non é o suportar o custo das taxas dos meios de pagamento.

14- Devendo ser aditado à matéria de facto provada pontos onde fique consignado que:

- “A A. antes de assinar a “parceria” analisou e estava ciente das suas obrigações contratuais, e que ficava obrigada a prática dos actos necessários ou convenientes à comercialização, incluindo a assistência pós venda e a cobrança”.

- Sabia também a A. que as taxas dos meios de pagamentos online eram um custo de produção, de tal modo que fazia repercutir esse custo no preço final dos produtos comercializados”.

15- E se, quanto à obrigação da A. de assegurar a assistência pós-venda, A. e R. acordaram que esta última prestaria esse serviço mediante o pagamento de um preço extra – efectivamente pago como ficou claro nos depoimentos prestados em audiência e é inequívoco dos docs. 2, 4 e 5 da p.i., já quanto às taxas dos meios de pagamento o que resulta desta sentença é que a A. sabia da existência desse custo, sabia quantificar esse custo e incluía-o no preço final dos produtos vendidos, sabia que contratualmente se vinculava e obrigava a praticar os actos e a assumir os custos com a cobrança (isto é, com os meios e forma de pagamento online), mas fica eximida de os suportar porque:

- não lhe foram apresentados esses custos no decurso do contrato;

- apesar de a A. estar ciente dos custos e que lhe incumbiam face ao clausulado no contrato, nunca inquiriu ou interpelou a Ré, “deixando correr o marfim”;

- O tribunal a quo, sem que nada justifique, retira ilações em sentido contrário do clausulado do contrato e não levou à matéria de facto provada matéria com relevo para a boa decisão da causa.

16- Da matéria de facto que deve ser dada como provada avulta a já supra referida, mas também o facto que, por constar da parceria e por fazer parte das obrigações da Ré que a A. analisou e quis manter na parceria, deve também ser levado à matéria de facto provada o seguinte: “A Ré obrigou-se a prestar contas à A.”.

17- Facto este que, em conjugação com os demais supra indicados, obrigava a ponderação diferente da que o Tribunal efectuou no último parágrafo de fls 22 da sentença e primeiro de fls 23.

18- A menção de uma obrigação de prestação de contas só faz sentido na perspetiva de haver contas a prestar, ou seja, funcionando-se como consta em 25, alíneas g) e h) dos factos provados, sendo o pagamento dos produtos vendidos recebido na conta bancária da Ré e sendo esta quem os devolvia aos clientes finais em caso de devolução de encomenda.

19- A A. não “… acabou por aceitar que a gestão do online pela R. assumisse o conteúdo descrito”. Antes pelo contrário, a A. sabia desde o início que assim era, e daí ficar consignada a obrigação de a Ré prestar contas.

20- E daí ter, extra contrato/parceria, acordado com a Ré que esta se ocuparia da assistência pós-venda (que na parceria era obrigação da A.) definindo um preço mensal e pagando-o.

21- Quanto às taxas dos meios de pagamento, conhecidas da A., quantificadas como custo de produção e incluídas no preço, contratualmente previstas como uma obrigação da A., a A. nunca suportou esse custo (que reflectiu no preço) e locupleta-se com ele.

22- O Tribunal, face a um contrato atípico, tem de determinar quais são as obrigações de uma e outra parte contratualmente estabelecidas e fixadas pelas partes.

23- Maxime quando a A. não impugna o documento (nem o podia fazer pois que o juntou aos autos sem reserva e sem oposição ou impugnação pela Ré) e quando confessou ter analisado o contrato previamente à sua assinatura, ter verificado quais eram as obrigações que cabiam a uma e outra parte, só depois expressando a sua vontade contratual, assinando-o.

24- Resulta do contrato referido em 4 dos factos provados que:

- As obrigações da Ré estão expressa e taxativamente previstas e enunciadas, e nelas não se encontra a de custear as taxas devidas com os meios de pagamento de vendas online (a cobrança ao cliente final – consumidor do preço dos artigos vendidos online);

- Está expressamente previsto que é a A. que está obrigada a praticar os actos necessários ou convenientes à cobrança dos produtos vendidos online, sendo que o acto primordial e sem o qual não se podem fazer vendas online é o uso de plataformas de pagamento e custeio dos respectivos custos e taxas.

25- O Tribunal, a nosso ver falhando rotundamente, esvazia o uso e menção do ponto 1.2 da cláusula 1ª, a fls 33 da douta sentença (quando refere “de nada vale o apelo ao ponto 1.2 da cláusula 1ª), usando um silogismo errado e contradizendo-se com a lógica que propugna.

26- É claro e inequívoco que a Ré prestou à A. serviços que não estavam previstos no contrato/parceria como sendo sua obrigação (os ditos em 25 a) a k) e em 27 da matéria de facto provado) e prestou serviços que no contrato/parceria constavam como sendo obrigação da A. (a assistência pós venda, que supra se requereu fosse aditada a 27 da matéria de facto provada).

27- Por uns e outros, assentou o Tribunal (e deve ser assente quanto ao pagamento como extra da assistência pós venda), que a A. pagou à Ré esses serviços, para além da percentagem sobre as vendas dita em 26 dos factos provados.

28- E se assim é, se especificamente a assistência pós venda estava prevista no ponto 1.2 da cláusula 1ª como cabendo ser feita e custeada pela A., porque razão (sem que sequer a A. alegue ter efectuado acordo nesse sentido com a Ré) é que quanto a outra das obrigações da responsabilidade da A. e que por via dela a A. estava contratualmente obrigada a suportar os respectivos custos (a cobrança) se há-de entender, através dum salto de raciocínio ilógico, que esta deixava de ser efectuada pela A., passava a ser efectuada e custeada pela Ré, e o respectivo custo não é devido pela A.?

29- Se o preço dito em 26 dos factos provados (tranche inicial e percentagem) já estava definido previamente e dizia respeito, exclusivamente, às obrigações contratuais da Ré, a lógica deve ser a mesma do que a usada para a assistência pós venda e demais serviços extra: não estão incluídos na percentagem pré-fixada contratualmente e a A. tem de os pagar, quando lhe forem apresentadas as facturas.

30- O facto de a Ré só ter apresentado e exigido o pagamento no acerto final de contas do contrato, não desonera a A. do seu pagamento, desde logo porque não foi alegado (nem sustentado na douta sentença) que a actuação da A. configuraria um abuso do direito.

31- Nem o podia ser pois que se tratava de um custo (as taxas do meio de pagamento – que são custos com cobrança aos consumidores) que a A. sabia que existia, que sabia serem da sua responsabilidade ao abrigo do ponto 1.2 da Cláusula 1ª da Parceria, e que sabia o valor desse custo tanto mais que, conforme confessou o seu gerente, apesar de nunca o ter pago incluía-o como custo de venda, integrando o preço final dos artigos.

32- A tanto não obsta a indicada falta ou dificuldade na quantificação desse custo, pois, por requerimento apresentado na audiência de julgamento (sessão de 13/02/2023) a Ré/Reconvinte procedeu à redução do pedido reconvencional e à sua alteração (pedindo o reconhecimento de um crédito, a seu favor, relativo aos custos com cobranças através das plataformas dos meios de pagamento Lusopay, Stripe e Paypal, relativo a período temporal especificado e determinado, em valor a ser determinado em incidente de liquidação a determinar ulteriormente mas sempre com um valor máximo de 47.884,94, e a realização de compensação de créditos nos termos aí melhor indicados.

33- A A./Reconvinda pronunciou-se em audiência de julgamento, não se opondo; houve, assim, face ao requerimento apresentado pela Ré/Reconvinte, sua análise e não oposição pela A./Reconvinda, uma alteração do pedido por acordo das partes, sendo que reconhecido que seja que a Ré/Reconvinte é detentora desse crédito sobre a A./Reconvinda, proceder-se-á à sua liquidação em incidente a intentar e a correr por apenso aos autos – o que permitia e deveria dar azo, pelo Tribunal, à aplicação do disposto no art. 609º, nº 2 do CPC.

34- Em suma, o acordo entre A. e Ré está reflectido na Parceria mencionada na matéria de facto provada, que prevê as obrigações de uma e outra parte e o preço a pagar pela A. (não prevendo que seja a Ré a suportar os custos com cobrança e, pelo contrário, prevendo especificamente que a cobrança é responsabilidade e encargo da A., com o que cumprida está a prova dos factos constitutivos do direito invocada pela Ré. – face à prova decorrente da cláusula contratual inscrita no contrato; face à não alegação e prova de factos que abalem a validade ou sentido dessa cláusula; face à confissão do gerente da A. quanto a ter analisado o contrato, analisado as obrigações de uma e outra parte e o ter assinado, validando-o).

35- Pelos serviços que a A. se obrigou a prestar e que estão discriminados, está fixado um preço.

36- Quanto a serviços extras que posteriormente, e extra Parceria, a A. adjudicou à Ré (nomeadamente a logística, i. é, o transporte da mercadoria), a A. pagou o seu preço.

37- Quanto ao serviço de assistência pós-venda (que era da esfera de responsabilidade da A.) a Ré passou a desempenhá-lo e a A. custeou-o.

38- Quanto à cobrança (aos clientes/consumidores finais) que contratualmente cabia à A. e foi custeado pela Ré na pendência do contrato (mais a mais sem a A. ter sequer alegado e provado factos que a fizessem exonerar da obrigação do ponto 1.2 da clausula 1ª da Parceria), não faz sentido e é incorrecto considerar, como o Tribunal a quo faz, que posteriormente à outorga do contrato/parceria passou a ser assegurado pela Ré, mas que o preço/custo desse serviço está incluído num preço por percentagem previamente fixado e que corresponde às obrigações e serviços contratualmente fixados na Parceria e levados à matéria de facto provada – das quais não fazia parte ou se integrava.

39- Devendo ser retirado da Matéria de facto não provada o ponto G, que deve ser levado à especificação (factos provados).

40- E devendo também ser retirado da Matéria de facto não provada o ponto H, que deve ser levado à especificação (factos provados), pois que , por um lado é um facto notório que há custos com taxas de métodos de pagamentos online; por outro resulta dos documentos 27 a 39 da contestação/reconvenção e daqueles juntos aos autos em 1302/223, em requerimentos com refª Citius 34735989, 34735990, 34735991 e 34735992 que foi a Ré quem suportou os custos com plataformas de pagamento na vigência do contrato; e, por último, pois que o gerente da Ré, no seu depoimento de parte prestado na sessão de 13/02/2023 e gravada no sistema Citius, foi inequívoco no sentido de que nunca pagou esses custos, nunca os pagaria e que era à Ré quem competia o seu pagamento.

41- Tendo dito (pelo minuto 7, o que supra consta e que evidencia que o regular uso de plataformas de pagamento é o meio de efectuar a cobrança em vendas online), pelo minuto 03,30 min, a instâncias do mandatário da A., o gerente da A., AA diz inequivocamente que não foi a A., nem nunca seria, quem fez esse pagamento:

- AA: Se o Dr BB chegasse à minha beira e disse-se “AA, tens de pagar 15% da comissão mais as taxas”, nunca na vida teria celebrado o contrato.

- Mandatário: Se fosse para pagar os meios de pagamento…

- AA: Nunca.

42- A douta sentença violou o disposto nos artigos 342º, nºs 1 e 2, 352º, 376º, nº 1 e 406º, nº 1, todos do CC e art. 607º, nº 5, 2ª parte do CPC.

43- O Tribunal absolveu a A. do pedido da sua condenação como litigante de má-fé não obstante transparecer dos autos, de forma clara, cristalina e inequívoca a prática de actos constitutivos de litigância de má-fé , pela A. - e que o Tribunal, de forma excessivamente benevolente e em violação do art. 542º, nº 1, al. b) do CPC, decidiu transformar em “outra leitura da realidade”.

44- A A., inequivocamente e na sua petição inicial, recorreu deliberadamente e de forma culposa, com dolo intenso, à mentira, alterando a verdade dos factos e fazendo-o para validar a sua construção e para denegrir a Ré, para lograr obter os seus intentos.

45- Foram dados como não provados os seguintes factos, todos alegados pela A. na sua petição inicial:

A. Sucede que, desde sempre, a ré impediu a autora de aceder a esses mesmos domínios, impossibilitando-a de efetuar vendas, devoluções, atender a reclamações, prestar apoio ao cliente, entre outros.

B. Desde sempre a ré reteve todos os documentos solicitados pela autora indispensáveis ao desenvolvimento da sua atividade comercial.

C. Tais como, guias de transporte, reclamações de clientes, comprovativos de pagamento, notas de crédito, faturas, listagem de clientes, entre outros.

D. A R. atuava da forma descrita, porque apenas ela detinha os códigos e passwords de acesso à referida plataforma.

E. Impedindo, pois, a autora de aceder à mesma, de prestar o devido apoio ao cliente, atender a reclamações, entre o mais.

F. Em diversas ocasiões a autora solicitou à ré que se abstivesse de atuar da forma descrita.

46- Alegou especificamente a A. que não tinha acesso à plataforma de vendas online, não podendo aceder às guias de transporte, dados de clientes, entre outros, pois que apenas a Ré detinha os códigos e passwords de acesso à plataforma – vg 27 a 29 da p.i..

47- A Ré alegou e provou , por um lado que o código fonte lhe pertencia e não tinha que o fornecer (cláusula 8ª da Parceria levada aos factos provados), eE por outro que a plataforma tinha um back office a que a A. tinha acesso e onde acedia às encomendas, os detalhes do cliente, onde consultava e imprimia as guias de transporte.

48- Isso mesmo resulta do depoimento da testemunha CC, ex-trabalhadora da Ré, prestado na sessão de 13/02/2023 e constante da plataforma Citius, onde a partir de 6,11 min, a instancias do mandatário da Ré e referindo-se à A., diz:

Mandatário: Como é que as vendas eram comunicadas à C... e, depois, como é que a C... satisfazia as mercadorias, como é que isto de processava?

CC: Há um back office com acesso a todas as encomendas. Nessas encomendas são detalhados os detalhes dos clientes. Onde podiam consultar as guias de transporte que eram feitas pela nossa equipa (…) Através do back office imprimiam as guias e enviavam a encomenda

49- A ser verídica a alegação da A., estando-lhe vedado acesso nomeadamente às guias de transporte, e sendo os artigos produzidos pela A., ao longo da duração da parceria não teria sido possível efectuar vendas e enviar os artigos aos clientes finais – sendo facto notório que para os artigos serem vendidos e expedidos pela A., esta tinha de ter acesso às guias de transporte e aos dados dos clientes.

50- Ao dizer o contrário, ao mentir frontalmente, dizendo falsamente que não tinha acesso à plataforma de vendas, que não tinha acesso a guias de transporte, a dados de clientes (o que é impossível pois os artigos saiam da sua fábrica e eram enviados os clientes com guias de remessa) isso é litigância de má-fé, com dolo directo e intenso e deve ser punida sob pena de se sancionar, pela permissividade, que as partes usem frontal e impunemente da mentira, violando-se o disposto no art. 542º, nº 1 al. b) do CPC”.

E) No dia 10/09/2023 a A. juntou as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões([6]):

1.ª - Quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

i) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados

ii) os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto em causa

iii) a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas - vd. n.º 1, art.º 640.º CPC

2.ª - A falta de cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto provada e não provada na sentença recorrida implica a rejeição imediata do recurso na parte afetada - vd. Ac. TR Guimarães, de 22.10.2020, proc. n.º 5397/18.3T8BRG.G1 - vd. Ac. STJ, de 25.03.2021, proc. n.º 756/14.3TBPTM.L1.S1

3.ª - A recorrente formulou pedido reconvencional contra a recorrida, peticionando o reconhecimento do seu crédito, no valor de € 47.888,65, operando-se a compensação entre os créditos da recorrente e da recorrida e, por tal efeito, condenar-se a recorrida a pagar-lhe o remanescente, no valor de € 12.575,31 - cfr. ref.ª Citius 12455111 - vd. art.ºs 266.º e 583.º CPC.

4.ª - O pedido reconvencional da recorrente foi definido como objeto do litígio e o crédito alegadamente detido pela recorrente sobre a recorrida constituía, precisamente, um dos temas da prova - cfr. ref.ª Citius 441466341

5.ª - A sentença recorrida considerou que a recorrente não detém o crédito que concretamente peticionou nos autos contra a recorrida, ou qualquer outro crédito - cfr. alíneas I) e J) da matéria de facto não provada na sentença recorrida - cfr. matéria de facto provada na sentença recorrida

6.ª - A recorrente não impugnou concretamente, conforme lhe competia, as alíneas I) e J) da matéria de facto não provada na sentença recorrida, pelo que, as mesmas devem considerar-se definitivamente não provadas, o que tem como consequência a improcedência da reconvenção deduzida pela recorrente.

7.ª - Na audiência de julgamento de 13.02.2023, a recorrida reiterou expressamente que o pedido reconvencional da recorrente é fictício, impugnou-o e não reconheceu à recorrente qualquer crédito, seja a que título for - cfr. ref.ª Citius 445281845.

8.ª - Por via do contrato, as partes procedem a uma aproximação entre os efeitos jurídicos previstos na lei e os efeitos práticos por si idealizados, assim realizando a autonomia privada e a liberdade contratual - vd. JOÃO CALVÃO DA SILVA, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 4.ª Ed. Almedina, págs. 32 e 33 - vd. art.º 405.º CC

9.ª - A satisfação do interesse do credor configura a razão de ser da relação obrigacional, daí que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou - vd. n.º 1, art.º 762.º CC

10.ª - Ao celebrar um contrato, o credor crê e confia na vontade e capacidade de cumprir do devedor

11.ª - As obrigações que nascem de um contrato, nascem para ser cumpridas e declaração negocial constitui um verdadeiro elemento do negócio jurídico, enquanto manifestação de uma vontade, formada sem anomalias e coincidente com o sentido captado do respetivo comportamento - vd. art.ºs 217.º e ss. CC - vd. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4.ª Ed. Por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, pág. 414.

12.ª - O cumprimento do contrato constitui o seu fim último, pelo que, o contrato deve ser cumprido, ponto por ponto - vd. n.º 1, art.º 406.º CC - vd. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Ed., Coimbra Editora, pág.373.

13.ª - Da “Parceria” celebrada entre recorrente e recorrida, resulta especificamente que a retribuição da recorrente seria correspondente a 15% + IVA do preço de venda dos produtos da recorrida vendidos na Plataforma e-commerce e nenhum outro valor - vd. ponto 6.3, cláusula 6.ª, doc. n.º 3 junto à petição inicial.

14.ª - Por sua vez, os valores referentes a fees dos métodos de pagamento, não eram pela recorrente efetivamente suportados, mas antes pelos clientes da recorrida, pelo que, o crédito alegado pela recorrente não tem qualquer razão de ser - cfr. ref.ª Citius 34834413 - cfr. alínea H) da matéria de facto não provada na sentença recorrida.

15.ª - A recorrente fazia incidir, ilegitimamente, a sua comissão de 15% também sobre o valor dessas fees, aumentando a sua margem de lucro, ao arrepio do contratado com a recorrida.

16.ª - Nunca foi contratualizado ou acordado entre as partes, que a recorrida seria responsável pelo pagamento das fees dos métodos de pagamento, a recorrente nunca informou a recorrida da necessidade de tal pagamento, nem exigiu da recorrida um tal pagamento.

17.ª - A recorrente sempre assegurou à recorrida que o valor a pagar por esta àquela seria apenas referente aos ditos 15% do produto da venda dos seus artigos e a recorrida, por sua vez, fundou a sua vontade de contratar nessa condição e em nenhuma outra - cfr. declarações de parte do representante legal da recorrente, BB, prestadas na audiência de julgamento de 13.02.2023, gravadas no sistema CITIUS, com interesse, 27:11min a 27:34min, 27:40min a 27:47min, 28:11min a 29:48min, 30:10min a 30:20min, 30:34min a 30:36min, 32:42min a 33:05min, 33:10min a 33:21min, 33:32min a 33:37min, 33:54min a 36:45min, 36:58min a 39:52min, 40:01min a 40:14min e 43:42min a 44:01min - cfr. inquirição da testemunha CC, prestada na audiência de julgamento de 13.02.2023, gravada no sistema CITIUS, com interesse, 19:45min a 20:00min.

18.ª - Os valores dessas alegadas fees foram utilizados pela recorrente apenas como meio de constranger a recorrida a não resolver a referida “Parceria” - cfr. declarações de parte do representante legal da recorrente, BB, prestadas na audiência de julgamento de 13.02.2023, gravadas no sistema CITIUS, com interesse, 27:11min a 27:34min, 27:40min a 27:47min, 28:11min a 29:48min, 30:10min a 30:20min, 30:34min a 30:36min, 32:42min a 33:05min, 33:10min a 33:21min, 33:32min a 33:37min, 33:54min a 36:45min, 36:58min a 39:52min, 40:01min a 40:14min e 43:42min a 44:01min.

19.ª - A recorrente mais não pretende do que enriquecer ilegitimamente à custa do trabalho árduo da recorrida, ficcionando valores nunca antes discutidos ou acordados pelas partes e que eram, inclusive, suportados por terceiros.

20.ª - A recorrente chegou mesmo a anular a fatura n.º 1/263, de 14.04.2021, dando lugar à nota de crédito n.º 1/30, de 16.04.2021, reconhecendo, pois, que a recorrida não era responsável por um tal pagamento.

21.ª - O crédito peticionado pela recorrente nestes autos é ilegítimo e a sua estratégia é apenas a de se furtar ao pagamento daquilo que bem sabe ser devedora.

22.ª - A recorrente busca nestes autos um fim não previsto na dita “Parceria”, nunca discutido, aprovado ou, sequer, posto em prática pelas partes durante todo o tempo em que a relação comercial de ambas durou

23.ª - In casu, apenas a recorrida peticionou concretamente a condenação da recorrente como litigante de má-fé, nunca se tendo verificado o inverso, não existindo, por isso, qualquer justificação plausível para o alegado pela recorrente na 43.ª conclusão e seguintes do seu recurso - cfr. ref.ªs Citius 12542891, 12624133 e 445281845 - cfr. sentença recorrida.

24.ª - A parte pode ser condenada em multa e numa indemnização se a parte contrária a pedir, sendo que, a recorrente nunca peticionou a condenação da recorrida como litigante de má-fé, antes se verificando, precisamente, o inverso - vd. n.º 1, art.º 542.º CPC.

25.ª - A recorrida nunca:

- deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar

- alterou a verdade dos factos ou omitiu factos relevantes para a decisão da causa.

- praticou omissão grave do dever de cooperação.

- fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar o trânsito em julgado da decisão - vd. n.º 2, art.º 542.º CPC - cfr. sentença recorrida.

26.ª - Já a recorrente emitiu ilegitimamente a fatura n.º FAS 1/346, de 03.11.2021, em crise nos autos, de modo a sustentar ficticiamente um crédito sobre a recorrida, crédito esse que não existe e nunca foi demonstrado nos autos pela recorrente - cfr. alíneas I) e J) da matéria de facto não provada na sentença recorrida.

27.ª - A sentença recorrida não merece qualquer reparo e encontra-se conforme à lei e jurisprudência aplicáveis in casu, bem como à normalidade da vida em sociedade e demais usos profissionais”.

F) Por despacho de 10/10/2023 o requerimento de interposição de recurso foi corretamente admitido.


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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).

Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.


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As questões (e não razões ou argumentos) a decidir são sobre a decisão da matéria de facto (pois que, como resulta das alegações, eventual alteração de Direito dependeria de alteração, relevante, da matéria de facto), ou seja, se foram considerados provados factos que não o deveriam ter sido (ou se outros estão em falta) e se houve factos considerados não provados que deveriam ter sido considerados provados.

           

            II – FUNDAMENTAÇÃO

Os factos provados e não provados relevantes para a decisão tal como decidido na sentença sob recurso (cujo teor integral damos por reproduzido)([7]):

Factos Provados, com relevância para a decisão da causa:

1. A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à confeção e comércio de artigos de vestuário, acessórios de moda e calçado - doc. nº 1 junto com a petição inicial.

2. A autora é titular e legítima proprietária da marca registada “C...”, que explora com escopo lucrativo.

3. A R. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à compra e venda, exportação e importação de vestuário, artigos e acessórios de moda, bijutaria e calçado via internet, entre outros- cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial.

4. Em 15 de maio de 2018, autora e ré celebraram um acordo denominado de “parceria”, onde acordaram, em síntese, o seguinte:

“PARCERIA

Entre:

A..., LDA., (…) designada por «Primeira Parceira».

e

B..., LDA, (…), designada por «Segunda Parceira».

(…)

Considerando que:

A) a Primeira Parceira é a titular da marca ...” (“Marca”);

B) A Primeira Parceira explora o domínio ....pt;

C) A Segunda Parceira é uma empresa que exerce a atividade de comércio de vestuário, acessórios e calçado por via eletrónica;

D) A Primeira Parceira pretende que o domínio ....pt aloje uma nova plataforma de e-commerce, na qual a marca referida no considerando A) apresente artigos seus para venda;

E) A Segunda Parceira está interessada em desenvolver essa plataforma de e-commerce e explorá-la em conjunto com a Primeira Parceira,(…)

Cláusula 1.ª

(Objeto)

1.1. A presente parceria visa a exploração em conjunto, pelas Primeira e Segunda Parceiras, de uma plataforma e-commerce («Plataforma»), disponibilizada pela Segunda Parceira.

1.2. A Primeira Parceira obriga-se a praticar todos os atos necessários ou convenientes à comercialização dos produtos, incluindo a assistência pós-venda e a cobrança.

Cláusula 2.ª

(Obrigações principais da Segunda Parceira)

2.1. Sem prejuízo de outras obrigações previstas na presente parceria, a Segunda Parceira obriga-se a:

a) disponibilizar, à Primeira Parceira, uma plataforma de e-commerce a ser alojada no domínio ....pt ou em outros domínios associados à Marca (“...”);

b) efetuar a manutenção da plataforma e-commerce;

c) introduzir produtos na Plataforma, num prazo não superior a 15 (quinze) dias após a correta receção da fotografia e descrição do produto;

d) reunir, com uma periodicidade trimestral, com os responsáveis da Primeira Parceira, para acompanhamento da execução da presente parceria.

Cláusula 3.ª

(Plataforma de e-commerce)

3.1. Fica expressamente excluída da presente parceria a possibilidade de a Segunda Parceira celebrar contratos em nome da Primeira Parceira, não lhe sendo conferidos poderes de representação.

3.2. Não obstante o disposto número anterior, a Segunda Parceira poderá apresentar-se junto de marcas/designers/agências de comunicação/agências de publicidade como parceira da Primeira Parceira.

(…)

Cláusula 5.ª

(Outras Obrigações da Segunda Parceira)

5.1. A Segunda Parceira obriga-se:

a) a respeitar as instruções da Primeira Parceira que não ponham em causa a sua autonomia;

b) a fornecer as informações que lhe forem pedidas pela Primeira Parceira ou que se mostrem necessárias a uma boa gestão;

c) a prestar contas, nos termos acordados, ou sempre que isso se justifique.

5.2 A Segunda Parceira não poderá utilizar ou revelar a terceiros segredos da Primeira Parceira que lhe hajam sido confiados ou de que tenha tomado conhecimento no exercício da sua atividade, exceto nos casos legalmente previstos.

Cláusula 6.ª

(Retribuição)

6.1 A Primeira Parceira obriga-se a pagar à Segunda Parceira um fee inicial de € 5.000,00 (cinco mil euros)

6.2 A Primeira Parceira obriga-se a pagar à Segunda Parceira o fee referido no número anterior em duas tranches de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) cada nas seguintes datas:

6.2.1 a primeira tranche no prazo de três dias úteis após a assinatura da presente parceria;

6.2.2 a segunda tranche num prazo de três dias úteis após lançamento online da Plataforma.

6.3. A Primeira Parceira obriga-se a pagar à Segunda Parceira uma retribuição correspondente a 15% (quinze por cento) do preço de venda dos produtos vendidos na Plataforma.

6.4. Às comissões referidas (…) acresce IVA à taxa legal em vigor.

6.5. A Primeira Parceira obriga-se a pagar à Segunda Parceira as comissões referidas no número 6.3 até ao décimo quinto dia do mês seguinte à data de venda do produto.

6.6. Após o recebimento de cada montante referido na presente cláusula, a Segunda Parceira emitirá os correspondentes recibos.

Cláusula 7.ª

(Outros direitos da Segunda Parceira)

7.1 A Segunda Parceira tem direito:

a) a obter da Primeira Parceira os elementos que, tendo em conta as circunstâncias, se mostrem necessários ao exercício das atividades objeto da presente parceria;

b) a exigir que lhe sejam fornecidas todas as informações que sejam necessárias para verificar o valor das comissões que lhe são devidas.

Cláusula 8.ª

(Direitos de propriedade intelectual)

8.1 Os direitos de propriedade intelectual relativos aos conteúdos disponibilizados nos domínios onde se encontre alojada a Plataforma pertencerão à Primeira Parceira.

8.2 Os direitos de propriedade intelectual de natureza técnica relativos à Plataforma (designadamente o respetivo código fonte) pertencerão à Segunda Parceira.

Cláusula 9.ª

(Duração)

9.1. A presente parceria mantém-se em vigor por um prazo de dois anos após o lançamento online da Plataforma. Findo esse período, a presente parceria renova-se automaticamente por períodos sucessivos de um ano,

exceto se uma das Parceiras se opuser, mediante comunicação à contraparte, por carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias de calendário.

(…)”. - cfr. doc. nº 3 junto com a petição inicial.

5. Mediante o descrito em 4., a R. vinculou-se a desenvolver uma plataforma e-commerce e a disponibilizá-la à A., onde seriam vendidos os artigo da marca ...” pertencentes à A..

6. Nessa plataforma seriam exibidos os artigos produzidos pela A., com a descrição detalhada de todas as suas características e respetivo preço por forma a que qualquer utilizador pudesse visualizar os mesmos, efetuar as encomendas que bem entendesse e proceder ao respetivo pagamento, através dos métodos de pagamento nessa plataforma previstos.

7. A R. criou e desenvolveu essa plataforma e assim se iniciou e desenvolveu a relação comercial entre ambas as partes, com início em 15 de maio de 2018.

8. A R. rececionava nas suas contas bancárias a totalidade da venda on-line dos produtos da autora, enviava-lhe os resumos mensais das vendas operadas e respetivos montantes para que esta emitisse as devidas faturas.

9. Deduzidas dos referidos 15% de comissão.

10. A A. emitia e enviava, então, à ré as faturas e respetivas notas de crédito, de forma a perfazer o valor que lhe cabia pelas vendas operadas nessa plataforma (85%).

11. Na criação da dita plataforma, a ré associou informaticamente a mesma a contas bancárias apenas da sua titularidade.

12. A R. sempre se recusou a alterar a situação descrita.

13. A R. promovia, publicitava e vendia os produtos da autora da marca ...” nos seguintes sítios da internet:

- https://B....com/pt/

- https://B...-lab.com/

14. A A. opôs-se à renovação da referida “parceria”, em 16 de outubro de 2020 - cfr. doc. nº 4 junto com a petição inicial.

15. O que reiterou em 19 de outubro e 19 de novembro de 2020 - cfr. docs. n.ºs 5 e 6 juntos com a petição inicial.

16. Na sequência dessa oposição, A. e R. acordaram que os artigos daquela continuassem a ser vendidos na referida plataforma até às 23:59 horas do dia 15 de maio de 2021, salvo reclamações e devoluções pendentes após essa data.

17. E que o produto das vendas dos artigos da autora que viesse a ser apurado fosse restituído/pago pela ré à autora até ao dia 20 de junho de 2021.

18. Apenas em 30 de julho de 2021, a ré enviou à autora o resumo das vendas dos produtos desta operadas na referida plataforma e-commerce - cfr. doc. n.º 7 junto com a petição inicial

19. Desse resumo constam concretamente todos os artigos da autora vendidos nessa plataforma, respetivas quantidades, custos, portes, entre outros, referentes ao período de 01 de maio até 30 de junho de 2021, nomeadamente, o seguinte:

- “total fatura”: € 53.054,05

- “total nota crédito”: € 18.555,88

- “a pagar”: € 34.498,17

- “total fatura”: € 743,62

- “total nota crédito”: € 612,50

- “a pagar”: € 131,12

- “total”: € 34.629,29

- cfr. doc. nº 7 junto com a petição inicial.

20. Tendo em conta as vendas realizadas e os concretos valores contabilizados pela ré, a autora emitiu e enviou à ré as respectivas facturas, designadamente:

- fatura n.º 31/2, de 02.08.2021, com vencimento em 02.08.2021, no valor de €53.054,05 (cinquenta e três mil e cinquenta e quatro euros e cinco cêntimos, IVA incluído)

- fatura n.º 31/3, de 02.08.2021, com vencimento em 02.08.2021, no valor de €743,62 (setecentos e quarenta e três euros e sessenta e dois cêntimos, IVA incluído) - cfr. docs. n.ºs 8 e 9 juntos com a petição inicial.

21. E ainda as respectivas notas de crédito:

- nota de crédito n.º 31/2, de 02.08.2021, no valor de € 18.555,88 (dezoito mil,quinhentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos, IVA incluído)

- nota de crédito n.º 31/3, de 02.08.2021, no valor de € 612,50 (seiscentos e doze euros e cinquenta cêntimos, IVA incluído)

- cfr. docs. n.ºs 10 e 11 juntos com a petição inicial.

22. Do qual resulta o total de € 34.629,29 (trinta e quatro mil, seiscentos e vinte e nove euros e vinte e nove cêntimos, IVA incluído), a ser pago pela ré à autora.

23. A ré recebeu os originais dessas facturas e dessas notas de crédito, que não foram devolvidas.

24. A A. enviou à R., por correio registado uma comunicação, datada de 19 de agosto de 2021, recepcionada em 20-08-2021, solicitando-lhe o pagamento da quantia descrita em 22. - cfr. doc. nº 12 junto com a petição inicial.

25. A. e Ré assumiram que a parceria envolvia, da parte da Ré e na sua globalidade, o seguinte:

a. Disponibilização de uma plataforma e-commerce (website de vendas);

b. Manutenção de conteúdos do site (mudança de banners/imagens);

c. Administração e gestão de questões mais técnicas (nomeadamente alterações ao código do site, melhoramento técnico do site);

d. Design de conteúdos (edição de imagens e criação de conteúdos novos);

e. Copy dos produtos (criação de descrições dos artigos vendidos no site);

f. Carregamento de produtos;

g. Apoio na faturação (as faturas dos artigos vendidos no site, eram emitidas pela Ré, pelo seu sistema de faturação com NIF B.... A fatura era disponibilizada em tempo real no backoffice da marca cujo acesso a C... detinha para poder operar /descarregar):

h. Gestão de devoluções (assim que uma peça era devolvida aos armazéns da C..., a C... dava entrada em armazém através do backoffice da marca e a B... efetuava a devolução do dinheiro aos clientes através das suas contas bancárias);

i. Emissão mensal de relatórios de performance (publicidade online);

j. Emissão mensal do resumo das vendas de ambas as plataformas (B... SQUARE + C...);

k. Servidor (local onde o site se encontrava alojado);

l. Apoio ao cliente e todo o suporte que advém na sequência do mesmo (esclarecimento de dúvidas de clientes, localização das encomendas, devoluções, trocas, etc);

m. Apoio/serviço logístico (as cartas de porte/envio eram geradas pela Ré através da sua conta de expedição e disponibilizadas no backoffice da marca. Nesta rubrica também era prestado um serviço de intermediação entre a Ré e a empresa D... (logística) no sentido de localizar encomendas e prestar informações relativas aos envios, assim como agendar recolhas/envios à C... e clientes;

n. Realização de investimento (€) mensal em publicidade online (ads) com o objetivo de atrair novos clientes e gerar mais vendas no site (este investimento era realizado através das contas bancárias da B... e faturado mensalmente à C...);

o. Gestão da publicidade online (serviço faturado mensalmente através de um fee de gestão);

p. Apoio ao cliente – este apoio era prestado nas línguas PT, ES, EN (português, espanhol, inglês), pontualmente se necessário em francês ou alemão.

q. renovação do Domínio (o pagamento do domínio do site da C... era efetuado pela B... sempre que era solicitado ou necessário executar).

26. Os serviços indicados a) a l) tinham como contrapartida o pagamento de um fee inicial de 5.000€ e de uma percentagem de 15% + IVA sobre as vendas.

27. Todos os restantes serviços e custos cabiam ser suportados pela A. (custos logísticos, renovação de domínio, investimento e gestão da publicidade online), por se tratar de serviço prestados para além dos previstos na parceria.

28. A cobrança de uma plataforma de vendas online é efectuada através de plataformas de pagamento, que em específico foram quatro: a Ifthenpay (pagamentos por Entidade/Referência – Multibanco), a Lusopay (pagamentos por Entidade/Referência – Multibanco, usada em substituição da Ifthenpay), a Stripe (pagamentos por cartão de crédito) e a Paypal (pagamentos por por cartão de crédito).

29. Essas plataformas cobram uma percentagem dos pagamentos efectuados através delas.

30. Estes pagamentos foram feitos através de conta bancária da Reconvinte.

31. A R. emitiu a factura nº FAS 1/346, de 3/11/2021 no valor de €47.888,65 e com vencimento na mesma data, sendo que exigiu tal valor à Reconvinda, através de comunicação concretizada a 10 de Novembro de 2021, recebida e conhecida da Reconvinda – docs. de fls. 86-87 juntos com a contestação/reconvenção.

Factos não provados:

A. Sucede que, desde sempre, a ré impediu a autora de aceder a esses mesmos domínios, impossibilitando-a de efetuar vendas, devoluções, atender a reclamações, prestar apoio ao cliente, entre outros.

B. Desde sempre a ré reteve todos os documentos solicitados pela autora indispensáveis ao desenvolvimento da sua atividade comercial.

C. Tais como, guias de transporte, reclamações de clientes, comprovativos de pagamento, notas de crédito, faturas, listagem de clientes, entre outros.

D. A R. atuava da forma descrita, porque apenas ela detinha os códigos e passwords de acesso à referida plataforma.

E. Impedindo, pois, a autora de aceder à mesma, de prestar o devido apoio ao cliente, atender a reclamações, entre o mais.

F. Em diversas ocasiões a autora solicitou à ré que se abstivesse de atuar da forma descrita.

G. Os custos com taxas dos métodos de pagamento tinham de ser suportados pela A. por não integrarem o descrito em 4./26..

 H. As taxas dos métodos de pagamento online, cuja responsabilidade e custo ficaram a cargo da A. foram sendo suportadas pela R..

I. A Reconvinte não tinha ainda repercutido esses custos à Reconvinda, vendo a a sua margem diminuída mas aliviando financeiramente a Reconvinda, temporariamente, na fase inicial do negócio).

J. Os créditos já apurados ascendem a 47.888,65 (38.933,89 € + IVA), com a seguinte imputação:

a. Paypal - Maio 2018 até 15.05.2021 - 17.202,62€;

b. Stripe - 01.01.2019 a 15.05.2021 - 21.142,24€;

c. Lusopay - Novembro de 2020 a 15.05.2021 - 589,00€”.


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A recorrente pretende impugnar a decisão da matéria de facto.

Segundo o art.º 640.º do C.P.C, “1 – [q]uando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. 

Não obstante a forma algo “amalgamada” da impugnação da matéria de facto, consideramos que os ónus foram cumpridos.

Além disso, ocorrem lapsos de escrita([8]) e, por vezes, afirmações reportadas a declarações das quais se extrai o efeito contrário ao invocado…, do que é paradigmática a conclusão n.º 11 (sendo que também não há qualquer “confissão” pelo gerente da A.).

Como se tal não bastasse, recorrentemente a R. recorrente mistura factos, designadamente o teor das cláusulas do contrato de parceria, com Direito, ou seja, como devem tais cláusulas ser interpretadas.

Antes de prosseguirmos, referimos também que as conclusões da recorrente, n.º 43 e até final, não fazem sentido, pois que a R. nunca pediu a condenação da A. como litigante de má-fé; foi a A. quem, na réplica (aos 16/02/2022), pediu a condenação da R. reconvinte (ora recorrente) por litigância de má-fé (como observado nas contra-alegações)…

Tudo isto fez com que se tenha tornado mais difícil enunciar as questões, ou seja, quais os concretos pontos da matéria de facto que a recorrente pretende ver alterada.

Contudo, extrai-se que as questões (e não razões ou argumentos) quanto à matéria de facto são as seguintes:

1) Se devem ser alterados os pontos 26 e 27 da matéria de facto provada.

- Passando a constar do ponto 26 “Os serviços indicados de a) a k)”.

Dito de outra forma (de mais fácil entendimento), se do facto 26 deve ser eliminada a al. l), pois que quanto às demais, m) até q), a recorrente nada refere.

Por facilidade de exposição, transcrevemos novamente a cláusula:

l) Apoio ao cliente e todo o suporte que advém na sequência do mesmo (esclarecimento de dúvidas de clientes, localização das encomendas, devoluções, trocas, etc.”.

- Se deve ser aditado ao facto 27, na enunciação entre parênteses, a expressão “assistência pós venda”.

2) Como não existe qualquer “cláusula 5.ª.6.1 c)”, sendo que ambas as cláusulas 5.ª e 6.ª foram integralmente transcritas nos factos provados (tal como, diga-se, a tantas vezes aludida pela recorrente cláusula 1.ª1.2…) a próxima questão é então saber se deve ser aditado aos factos provados o seguinte:

- “A A. antes de assinar a “parceria” analisou e estava ciente das suas obrigações contratuais, e que ficava obrigada a prática dos actos necessários ou convenientes à comercialização, incluindo a assistência pós venda e a cobrança”.

- Sabia também a A. que as taxas dos meios de pagamentos online eram um custo de produção, de tal modo que fazia repercutir esse custo no preço final dos produtos comercializados”.

3) A recorrente pretende aditar aos factos provados que “A Ré obrigou-se a prestar contas à A.”, sendo que tal consta da cláusula 5.ª, 1 c), que foi já transcrita nos factos provados, pelo que a próxima questão é saber se a matéria constante do ponto G do elenco dos factos não provados (“G. Os custos com taxas dos métodos de pagamento tinham de ser suportados pela A. por não integrarem o descrito em 4./26..”) deve passar para os factos provados.

4) Por fim, a recorrente pretende que a matéria constante do ponto H do elenco dos factos não provados (“As taxas dos métodos de pagamento online, cuja responsabilidade e custo ficaram a cargo da A., foram sendo suportadas pela R.”) passe para a matéria de facto provada.

Enunciadas que estão “as questões”, prossigamos.

Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do C.P.C., cuja epígrafe é “[m]odificabilidade da decisão de facto”, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

O Tribunal da Relação para reapreciar a decisão de facto impugnada tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência – elaboração, diga-se, que deve ser feita à luz de um cidadão de normal formação e capacidade intelectual, de um cidadão comum na sociedade em questão – sem prejuízo de, independentemente do antes dito, poder chegar a uma decisão de facto diferente em função da valoração concretamente efetuada em sede de recurso.

Cumpre-nos, pois, verificar se a prova produzida nos autos justifica eventual alteração da factualidade impugnada, nos termos invocados pela recorrente (ou que este Tribunal decida) sendo que o agora relevante é, em síntese, saber se a decisão da matéria de facto pelo tribunal a quo se mostra correta em função de toda a prova produzida.

Não obstante estar em causa a reapreciação da prova, na medida do possível, não iremos reproduzir observações já constantes da motivação da decisão recorrida e cujo teor demos já por reproduzido.

Aqui chegados, passemos então a responder às questões, tendo em conta que o teor do contrato de parceria junto aos autos (como doc. n.º 3, com a petição inicial) não foi impugnado.

1)   Quanto ao facto 26: O teor de tal alínea (“Apoio ao cliente e todo o suporte que advém na sequência do mesmo (esclarecimento de dúvidas de clientes, localização das encomendas, devoluções, trocas, etc.”) sempre resulta do âmbito da cláusula 7.ª.1 a), e sem ser necessário um raciocínio a contrario, na medida em que a R. tinha o direito “a obter da Primeira Parceira os elementos que, tendo em conta as circunstâncias, se mostrem necessários ao exercício das  atividades da presente parceria”, sendo que do considerado C) do contrato consta que “a Segunda Parceira é uma empresa que exerce a atividade de comércio de vestuário, acessórios e calçado por via eletrónica”, constando depois da cláusula 2.ª.2.1 c) que a Segunda Parceira obriga-se a “introduzir produtos na Plataforma, num prazo não superior a 15 (quinze) dias após a correta receção da fotografia e descrição do produto”([9]).

Ou seja, se a R. vende online os produtos (no caso, os da A.) tem necessariamente que desenvolver a atividade conexa à realização da venda, ou seja, prestar apoio ao cliente e todo o suporte que advém do mesmo, sendo que tal, notoriamente até, abrange o esclarecimento de dúvidas dos clientes, localização das encomendas (veja-se que no caso a R. recorreu ao serviços “D...”, sendo também notório que todos os sites de vendas facultam ao cliente, ao comprador, a opção, com código e, por vezes, sem código (através de hiperlink), de fazer o rastreamento, “tracking” ou “tracing”, da progressão do envio e saber a cada momento onde se encontra a encomenda), devoluções e trocas, ou seja, o que qualquer vendedor faz, online ou não…diga-se.

Quanto ao facto 27 (aditar entre parênteses a expressão «assistência pós-venda»): mais uma vez sentimos dificuldade em analisar, ou em compreender, as conclusões…, pois que do facto provado n.º 4 consta (já) o teor da cláusula 1.ª1.2, ou seja: “1.2. A Primeira Parceira obriga-se a praticar todos os atos necessários ou convenientes à comercialização dos produtos, incluindo a assistência pós-venda e a cobrança”([10]).

E, realçamos, não existe qualquer contradição entre o que acabámos de dizer, dado que “apoio ao cliente” e “assistência pós-venda” são conceitos não só diferentes, como, também, plurissignificativos.

Assim, pelo exposto, improcedem tais pretendidas alterações.

No entanto, e como resulta dos documentos juntos aos autos (e do alegado por ambas as partes), aditar-se-á a final de tal facto o seguinte: “; a R. cobrou-se de tais serviços” – os atinentes à al. l).

2) Quanto à primeira parte: como dissemos, o teor do contrato de parceira não foi impugnado, pelo que o pretendido é redundante, inconsequente até; ademais, no início do mesmo (estando assinado pelos gerentes de ambas as partes a final) consta “[é] ajustada, reciprocamente aceite e celebrada de boa fé, a presente parceria, a qual se rege pelos considerandos precedentes e pelas cláusulas seguintes”.

Quanto à segunda parte: não se trata de um facto, mas sim do que a recorrente gostaria que fosse concluído pelo Tribunal.

Novamente, improcedem as pretendidas alterações.

3) Pretende a recorrente que o constante de G) dos factos não provados passe para os provados; o teor de G) é o seguinte: “G. Os custos com taxas dos métodos de pagamento tinham de ser suportados pela A. por não integrarem o descrito em 4./26.”.

Trata-se de uma conclusão, não de um facto, pelo que não só não será aditado aos factos provados como será eliminado dos factos não provados.

Improcede também tal pedido de alteração.

4) Pretende a A. que o ponto H dos factos não provados transite para os factos provados. O ponto H é do seguinte teor: “As taxas dos métodos de pagamento online, cuja responsabilidade e custo ficaram a cargo da A., foram sendo suportadas pela R.”.

Neste ponto temos uma mistura de dois factos (e, novamente, de permeio, uma conclusão): o primeiro é atinente a se os custos dos métodos de pagamento ficaram a cargo da A. e o segundo é se foram sendo suportados pela R.

Comecemos pelo segundo facto. Ambas as partes estão de acordo que esses custos foram suportados pela R. (a divergência é quanto a quem os deveria suportar…), pelo que será aditado aos factos provados o seguinte: “As taxas dos métodos de pagamento online foram sendo suportadas pela R. até ao fim do contrato”([11]).

Quanto ao primeiro facto (e evitando, neste momento, qualquer considerando de Direito, mormente quanto à interpretação do contrato), importa ter em conta o teor dos documentos juntos aos autos, mormente o contrato, a data do fim do mesmo, que acabou por ser prorrogada por acordo (23:59 horas de 15/05/2021, salvo reclamações e devoluções pendentes após essa data, devendo o produto das vendas dos artigos da autora que viesse a ser apurado fosse restituído/pago pela R. à A. até ao dia 20/06/2021([12])) e o teor  da fatura em que assenta a reconvenção.

Assim, e antes de prosseguirmos, tendo em conta o teor de tal fatura – atinente, apenas, a taxas de métodos de pagamento online, apresentada pela R. à A. no dia 03/11/2021 –, impõe-se alterar a redação do facto n.º 31, aditando-lhe o seguinte:

“; esta fatura é referente a: reembolso referente às taxas dos métodos de pagamento do site C..., debitadas pelo fornecedor Lusopay, conforme relação em anexo, 589,90; reembolso referente às taxas dos métodos de pagamento do site C..., debitadas pelo fornecedor Stripe, conforme relação em anexo, 21142,24; reembolso referente às taxas dos métodos de pagamento do site C..., debitadas pelo fornecedor Paypal, conforme relação em anexo, 17202,62, num total de 38933,86 Euros que, acrescidos de I.V.A. à taxa de 23%, perfazem o montante de 47888,65 Euros”.

Como dissemos, temos o contrato para interpretar (e sem prejuízo de do mesmo contar, na cláusula 11.ª1.3 que qualquer alteração ao contrato só seria eficaz se constasse de acordo escrito assinado por ambos os parceiros).

Posto isto, e tendo presente toda a prova documental constante dos autos, consideramos até que torna-se despicienda a reapreciação da prova oralmente produzida; não obstante, e como quod abundat non nocet, vejamos agora se o declarado em audiência em alguma coisa justificaria, imporia, uma alteração da decisão de facto nesta Instância, sendo que, como já referido, a prova é analisada como um todo e à luz dos critérios enunciados, sendo livremente valorável nos termos dos artigos 396.º do Código Civil e do art.º 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

Vejamos então, e com o foco posto apenas na questão decidenda (quem suportaria os custos das comissões bancárias cobradas por plataformas prestadoras de serviços de pagamentos online – que, note-se, são entidades diferentes das que têm por objeto a venda online…), se resulta algo que possa ser relevante.

Reiterando que demos já por reproduzida a motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida (sendo por isso despiciendo repeti-la), começamos pelo depoimento de parte (e declarações de parte) do sócio-gerente da R., BB (indicado no histórico media studio como “B..., Lda.”).

Assim, em depoimento de parte, referiu que a retribuição da parceria era de 15% com I.V.A. sobre as vendas e a remuneração de serviços extra e que a final (depois de “empurrarem com a barriga para a frente”…), quanto às comissões bancárias, entenderam que tinham de cobrar “depois de perceberem que o contrato não ia ser renovado” – sendo que os demais extras sempre foram cobrados mensalmente, incluindo logística.

Mencionou também([13]) que postergaram tal cobrança por serem uma start-up, não dando depois resposta à questão do tribunal a quo que, exatamente por serem uma start-up justificar-se-ia cobrar (por o dinheiro fazer falta), tal como o resto foi sendo cobrado (pois no final do mês faziam um acerto de contas)…

Noutra sessão, em declarações de parte, e de relevante para a questão em apreço, de dizer apenas que esclareceu que “para a situações pontuais definiam preços e estes eram cobrados” (como, por exemplo, “extras” com marketing, traduções, atualização do website, etc.), tal como mensalmente eram cobrados (e pagos) os custos de envio (portes) dos produtos. Admitiu que não falaram, aquando da celebração do contrato de parceria, de custos com comissões bancárias (entendendo que estaria “implícito, inerente”) e que aquando da determinação da comissão (15% com I.V.A.) os custos foram tidos em consideração.

Que tinham de prestar contas aos investidores, sócios, da questão dos custos bancários, mas que estes disseram que tal seria para “ficar para a frente”, para aquando houvesse renegociação de contrato… (perante o já exposto, dizemos que “renegociação” deverá ser entendido como “renovação”…).

Confirmou que não houve qualquer aditamento ao contrato onde se previsse que a A. era responsável pelas comissões bancárias inerentes aos pagamentos online (– reiterando que, a seu ver, já estaria incluído nos termos do contrato).

Quanto à expressão (referindo-se à reunião com os investidores, sócios, em que não apresentariam valores de comissões à A.) “assim temos moeda de troca”, “de negociação”, admitiu que seria para aquando de eventual termo de contrato confrontarem a A. com um valor (de que não teria conhecimento, “noção”) e assim tentarem obstar ao termo do contrato…

No atinente às declarações de parte do sócio-gerente da A., AA, afirmou que aquando da celebração do contrato de parceria nunca foi falado que a A. teria de pagar as comissões de métodos de pagamento e que nunca foi alertada que seria responsável por tal pagamento e que durante a relação comercial (3 ou 4 anos) nunca foi enviada nenhuma fatura à A. sobre tal.

Acrescentou que se a R. lhe dissesse que tal (custos de comissões bancárias) acresceria à comissão de 15% + I.V.A., jamais teria celebrado esse contrato. Confirmou que os serviços extra eram faturados mensalmente pela R. e que a A. sempre os pagou, dizendo que foram alertados pelo contabilista para a fatura da R. (a controvertida, causa de pedir da reconvenção) quanto às comissões de métodos de pagamento dos anos em que o contrato esteve em vigor e que ficaram de “boca aberta”.

Das declarações da sócia da R. (que quisemos ouvir), DD, e para a questão em apreço, respondeu ao tribunal a quo que “protelaram” (durante dois anos) a cobrança das comissões bancárias para que “o negócio da A. crescesse”, não tendo conseguido explicar por que não estavam preocupados em apresentar mensalmente todos serviços extra (pois nada deixou de ser mensalmente faturado)…, voltando a dizer que tal seria “uma cortesia” para aquando de uma negociação…

Aliás, a propósito da questão do tribunal a quo (colocada por causa da falta de lógica do que estava a ser dito), observa este Tribunal que se atentarmos nos documentos juntos aos autos, os “custos” de comissões (não apresentados) eram muito inferiores (por cada produto vendido) aos, por exemplo, dos portes, que sempre foram apresentados e cobrados. Ou seja, a invocada preocupação estaria presente para valores baixos, mas ausente para valores bem superiores…

Por fim, e quanto à testemunha empregada da R., Sthephanie Correia, que também fizemos questão de ouvir, nada acrescentou.

Pelo exposto, e no atinente à alteração da matéria de facto, nada mais temos a acrescentar aos considerandos já tecidos.

Assim, a matéria de facto a considerar é a seguinte (com alterações a negrito):

Factos Provados, com relevância para a decisão da causa:

1. A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à confeção e comércio de artigos de vestuário, acessórios de moda e calçado - doc. nº 1 junto com a petição inicial.

2. A autora é titular e legítima proprietária da marca registada “C...”, que explora com escopo lucrativo.

3. A R. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à compra e venda, exportação e importação de vestuário, artigos e acessórios de moda, bijutaria e calçado via internet, entre outros- cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial.

4. Em 15 de maio de 2018, autora e ré celebraram um acordo denominado de “parceria”, onde acordaram, em síntese, o seguinte:

“PARCERIA

Entre:

A..., LDA., (…) designada por «Primeira Parceira».

e

B..., LDA, (…), designada por «Segunda Parceira».

(…)

Considerando que:

A) a Primeira Parceira é a titular da marca ...” (“Marca”);

B) A Primeira Parceira explora o domínio ....pt;

C) A Segunda Parceira é uma empresa que exerce a atividade de comércio de vestuário, acessórios e calçado por via eletrónica;

D) A Primeira Parceira pretende que o domínio ....pt aloje uma nova plataforma de e-commerce, na qual a marca referida no considerando A) apresente artigos seus para venda;

E) A Segunda Parceira está interessada em desenvolver essa plataforma de e-commerce e explorá-la em conjunto com a Primeira Parceira,(…)

Cláusula 1.ª

(Objeto)

1.1. A presente parceria visa a exploração em conjunto, pelas Primeira e Segunda Parceiras, de uma plataforma e-commerce («Plataforma»), disponibilizada pela Segunda Parceira.

1.2. A Primeira Parceira obriga-se a praticar todos os atos necessários ou convenientes à comercialização dos produtos, incluindo a assistência pós-venda e a cobrança.

Cláusula 2.ª

(Obrigações principais da Segunda Parceira)

2.1. Sem prejuízo de outras obrigações previstas na presente parceria, a Segunda Parceira obriga-se a:

a) disponibilizar, à Primeira Parceira, uma plataforma de e-commerce a ser alojada no domínio ....pt ou em outros domínios associados à Marca (“...”);

b) efetuar a manutenção da plataforma e-commerce;

c) introduzir produtos na Plataforma, num prazo não superior a 15 (quinze) dias após a correta receção da fotografia e descrição do produto;

d) reunir, com uma periodicidade trimestral, com os responsáveis da Primeira Parceira, para acompanhamento da execução da presente parceria.

Cláusula 3.ª

(Plataforma de e-commerce)

3.1. Fica expressamente excluída da presente parceria a possibilidade de a Segunda Parceira celebrar contratos em nome da Primeira Parceira, não lhe sendo conferidos poderes de representação.

3.2. Não obstante o disposto número anterior, a Segunda Parceira poderá apresentar-se junto de marcas/designers/agências de comunicação/agências de publicidade como parceira da Primeira Parceira.

(…)

Cláusula 5.ª

(Outras Obrigações da Segunda Parceira)

5.1. A Segunda Parceira obriga-se:

a) a respeitar as instruções da Primeira Parceira que não ponham em causa a sua autonomia;

b) a fornecer as informações que lhe forem pedidas pela Primeira Parceira ou que se mostrem necessárias a uma boa gestão;

c) a prestar contas, nos termos acordados, ou sempre que isso se justifique.

5.2 A Segunda Parceira não poderá utilizar ou revelar a terceiros segredos da Primeira Parceira que lhe hajam sido confiados ou de que tenha tomado conhecimento no exercício da sua atividade, exceto nos casos legalmente previstos.

Cláusula 6.ª

(Retribuição)

6.1 A Primeira Parceira obriga-se a pagar à Segunda Parceira um fee inicial de € 5.000,00 (cinco mil euros)

6.2 A Primeira Parceira obriga-se a pagar à Segunda Parceira o fee referido no número anterior em duas tranches de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) cada nas seguintes datas:

6.2.1 a primeira tranche no prazo de três dias úteis após a assinatura da presente parceria;

6.2.2 a segunda tranche num prazo de três dias úteis após lançamento online da Plataforma.

6.3. A Primeira Parceira obriga-se a pagar à Segunda Parceira uma retribuição correspondente a 15% (quinze por cento) do preço de venda dos produtos vendidos na Plataforma.

6.4. Às comissões referidas (…) acresce IVA à taxa legal em vigor.

6.5. A Primeira Parceira obriga-se a pagar à Segunda Parceira as comissões referidas no número 6.3 até ao décimo quinto dia do mês seguinte à data de venda do produto.

6.6. Após o recebimento de cada montante referido na presente cláusula, a Segunda Parceira emitirá os correspondentes recibos.

Cláusula 7.ª

(Outros direitos da Segunda Parceira)

7.1 A Segunda Parceira tem direito:

a) a obter da Primeira Parceira os elementos que, tendo em conta as circunstâncias, se mostrem necessários ao exercício das atividades objeto da presente parceria;

b) a exigir que lhe sejam fornecidas todas as informações que sejam necessárias para verificar o valor das comissões que lhe são devidas.

Cláusula 8.ª

(Direitos de propriedade intelectual)

8.1 Os direitos de propriedade intelectual relativos aos conteúdos disponibilizados nos domínios onde se encontre alojada a Plataforma pertencerão à Primeira Parceira.

8.2 Os direitos de propriedade intelectual de natureza técnica relativos à Plataforma (designadamente o respetivo código fonte) pertencerão à Segunda Parceira.

Cláusula 9.ª

(Duração)

9.1. A presente parceria mantém-se em vigor por um prazo de dois anos após o lançamento online da Plataforma. Findo esse período, a presente parceria renova-se automaticamente por períodos sucessivos de um ano,

exceto se uma das Parceiras se opuser, mediante comunicação à contraparte, por carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias de calendário.

(…)”. - cfr. doc. nº 3 junto com a petição inicial.

5. Mediante o descrito em 4., a R. vinculou-se a desenvolver uma plataforma e-commerce e a disponibilizá-la à A., onde seriam vendidos os artigo da marca ...” pertencentes à A..

6. Nessa plataforma seriam exibidos os artigos produzidos pela A., com a descrição detalhada de todas as suas características e respetivo preço por forma a que qualquer utilizador pudesse visualizar os mesmos, efetuar as encomendas que bem entendesse e proceder ao respetivo pagamento, através dos métodos de pagamento nessa plataforma previstos.

7. A R. criou e desenvolveu essa plataforma e assim se iniciou e desenvolveu a relação comercial entre ambas as partes, com início em 15 de maio de 2018.

8. A R. rececionava nas suas contas bancárias a totalidade da venda on-line dos produtos da autora, enviava-lhe os resumos mensais das vendas operadas e respetivos montantes para que esta emitisse as devidas faturas.

9. Deduzidas dos referidos 15% de comissão.

10. A A. emitia e enviava, então, à ré as faturas e respetivas notas de crédito, de forma a perfazer o valor que lhe cabia pelas vendas operadas nessa plataforma (85%).

11. Na criação da dita plataforma, a ré associou informaticamente a mesma a contas bancárias apenas da sua titularidade.

12. A R. sempre se recusou a alterar a situação descrita.

13. A R. promovia, publicitava e vendia os produtos da autora da marca ...” nos seguintes sítios da internet:

- https://B....com/pt/

- https://B...-lab.com/

14. A A. opôs-se à renovação da referida “parceria”, em 16 de outubro de 2020 - cfr. doc. nº 4 junto com a petição inicial.

15. O que reiterou em 19 de outubro e 19 de novembro de 2020 - cfr. docs. n.ºs 5 e 6 juntos com a petição inicial.

16. Na sequência dessa oposição, A. e R. acordaram que os artigos daquela continuassem a ser vendidos na referida plataforma até às 23:59 horas do dia 15 de maio de 2021, salvo reclamações e devoluções pendentes após essa data.

17. E que o produto das vendas dos artigos da autora que viesse a ser apurado fosse restituído/pago pela ré à autora até ao dia 20 de junho de 2021.

18. Apenas em 30 de julho de 2021, a ré enviou à autora o resumo das vendas dos produtos desta operadas na referida plataforma e-commerce - cfr. doc. n.º 7 junto com a petição inicial

19. Desse resumo constam concretamente todos os artigos da autora vendidos nessa plataforma, respetivas quantidades, custos, portes, entre outros, referentes ao período de 01 de maio até 30 de junho de 2021, nomeadamente, o seguinte:

- “total fatura”: € 53.054,05

- “total nota crédito”: € 18.555,88

- “a pagar”: € 34.498,17

- “total fatura”: € 743,62

- “total nota crédito”: € 612,50

- “a pagar”: € 131,12

- “total”: € 34.629,29

- cfr. doc. nº 7 junto com a petição inicial.

20. Tendo em conta as vendas realizadas e os concretos valores contabilizados pela ré, a autora emitiu e enviou à ré as respectivas facturas, designadamente:

- fatura n.º 31/2, de 02.08.2021, com vencimento em 02.08.2021, no valor de €53.054,05 (cinquenta e três mil e cinquenta e quatro euros e cinco cêntimos, IVA incluído)

- fatura n.º 31/3, de 02.08.2021, com vencimento em 02.08.2021, no valor de €743,62 (setecentos e quarenta e três euros e sessenta e dois cêntimos, IVA incluído) - cfr. docs. n.ºs 8 e 9 juntos com a petição inicial.

21. E ainda as respectivas notas de crédito:

- nota de crédito n.º 31/2, de 02.08.2021, no valor de € 18.555,88 (dezoito mil,quinhentos e cinquenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos, IVA incluído)

- nota de crédito n.º 31/3, de 02.08.2021, no valor de € 612,50 (seiscentos e doze euros e cinquenta cêntimos, IVA incluído)

- cfr. docs. n.ºs 10 e 11 juntos com a petição inicial.

22. Do qual resulta o total de € 34.629,29 (trinta e quatro mil, seiscentos e vinte e nove euros e vinte e nove cêntimos, IVA incluído), a ser pago pela ré à autora.

23. A ré recebeu os originais dessas facturas e dessas notas de crédito, que não foram devolvidas.

24. A A. enviou à R., por correio registado uma comunicação, datada de 19 de agosto de 2021, recepcionada em 20-08-2021, solicitando-lhe o pagamento da quantia descrita em 22. - cfr. doc. nº 12 junto com a petição inicial.

25. A. e Ré assumiram que a parceria envolvia, da parte da Ré e na sua globalidade, o seguinte:

a. Disponibilização de uma plataforma e-commerce (website de vendas);

b. Manutenção de conteúdos do site (mudança de banners/imagens);

c. Administração e gestão de questões mais técnicas (nomeadamente alterações ao código do site, melhoramento técnico do site);

d. Design de conteúdos (edição de imagens e criação de conteúdos novos);

e. Copy dos produtos (criação de descrições dos artigos vendidos no site);

f. Carregamento de produtos;

g. Apoio na faturação (as faturas dos artigos vendidos no site, eram emitidas pela Ré, pelo seu sistema de faturação com NIF B.... A fatura era disponibilizada em tempo real no backoffice da marca cujo acesso a C... detinha para poder operar /descarregar):

h. Gestão de devoluções (assim que uma peça era devolvida aos armazéns da C..., a C... dava entrada em armazém através do backoffice da marca e a B... efetuava a devolução do dinheiro aos clientes através das suas contas bancárias);

i. Emissão mensal de relatórios de performance (publicidade online);

j. Emissão mensal do resumo das vendas de ambas as plataformas (B... SQUARE + C...);

k. Servidor (local onde o site se encontrava alojado);

l. Apoio ao cliente e todo o suporte que advém na sequência do mesmo (esclarecimento de dúvidas de clientes, localização das encomendas, devoluções, trocas, etc);

m. Apoio/serviço logístico (as cartas de porte/envio eram geradas pela Ré através da sua conta de expedição e disponibilizadas no backoffice da marca. Nesta rubrica também era prestado um serviço de intermediação entre a Ré e a empresa D... (logística) no sentido de localizar encomendas e prestar informações relativas aos envios, assim como agendar recolhas/envios à C... e clientes;

n. Realização de investimento (€) mensal em publicidade online (ads) com o objetivo de atrair novos clientes e gerar mais vendas no site (este investimento era realizado através das contas bancárias da B... e faturado mensalmente à C...);

o. Gestão da publicidade online (serviço faturado mensalmente através de um fee de gestão);

p. Apoio ao cliente – este apoio era prestado nas línguas PT, ES, EN (português, espanhol, inglês), pontualmente se necessário em francês ou alemão.

q. renovação do Domínio (o pagamento do domínio do site da C... era efetuado pela B... sempre que era solicitado ou necessário executar).

26. Os serviços indicados a) a l) tinham como contrapartida o pagamento de um fee inicial de 5.000€ e de uma percentagem de 15% + IVA sobre as vendas.

27. Todos os restantes serviços e custos cabiam ser suportados pela A. (custos logísticos, renovação de domínio, investimento e gestão da publicidade online), por se tratar de serviço prestados para além dos previstos na parceria; a R. cobrou-se de tais serviços.

28. A cobrança de uma plataforma de vendas online é efectuada através de plataformas de pagamento, que em específico foram quatro: a Ifthenpay (pagamentos por Entidade/Referência – Multibanco), a Lusopay (pagamentos por Entidade/Referência – Multibanco, usada em substituição da Ifthenpay), a Stripe (pagamentos por cartão de crédito) e a Paypal (pagamentos por por cartão de crédito).

29. Essas plataformas cobram uma percentagem dos pagamentos efectuados através delas.

30. Estes pagamentos foram feitos através de conta bancária da Reconvinte.

31. A R. emitiu a factura nº FAS 1/346, de 3/11/2021 no valor de € 47.888,65 e com vencimento na mesma data, sendo que exigiu tal valor à Reconvinda, através de comunicação concretizada a 10 de Novembro de 2021, recebida e conhecida da Reconvinda; esta fatura é referente a: reembolso referente às taxas dos métodos de pagamento do site C..., debitadas pelo fornecedor Lusopay, conforme relação em anexo, 589,90; reembolso referente às taxas dos métodos de pagamento do site C..., debitadas pelo fornecedor Stripe, conforme relação em anexo, 21142,24; reembolso referente às taxas dos métodos de pagamento do site C..., debitadas pelo fornecedor Paypal, conforme relação em anexo, 17202,62, num total de 38933,86 Euros que, acrescidos de I.V.A. à taxa de 23%, perfazem o montante de 47888,65 Euros – docs. de fls. 86-87 juntos com a contestação/reconvenção.

32 (aditado): As taxas dos métodos de pagamento online foram sendo suportadas pela R. até ao fim do contrato.

Factos não provados:

A. Sucede que, desde sempre, a ré impediu a autora de aceder a esses mesmos domínios, impossibilitando-a de efetuar vendas, devoluções, atender a reclamações, prestar apoio ao cliente, entre outros.

B. Desde sempre a ré reteve todos os documentos solicitados pela autora indispensáveis ao desenvolvimento da sua atividade comercial.

C. Tais como, guias de transporte, reclamações de clientes, comprovativos de pagamento, notas de crédito, faturas, listagem de clientes, entre outros.

D. A R. atuava da forma descrita, porque apenas ela detinha os códigos e passwords de acesso à referida plataforma.

E. Impedindo, pois, a autora de aceder à mesma, de prestar o devido apoio ao cliente, atender a reclamações, entre o mais.

F. Em diversas ocasiões a autora solicitou à ré que se abstivesse de atuar da forma descrita.

G. Suprimido.

H. As taxas dos métodos de pagamento [online]([14]) foram sendo suportadas pela R..

I. A Reconvinte não tinha ainda repercutido esses custos à Reconvinda, vendo a a sua margem diminuída mas aliviando financeiramente a Reconvinda, temporariamente, na fase inicial do negócio).

J. Os créditos já apurados ascendem a 47.888,65 (38.933,89 € + IVA), com a seguinte imputação:

a. Paypal - Maio 2018 até 15.05.2021 - 17.202,62€;

b. Stripe - 01.01.2019 a 15.05.2021 - 21.142,24€;

c. Lusopay - Novembro de 2020 a 15.05.2021 - 589,00€”.

 O Direito aplicável aos factos:

É muito difícil, no Direito, estabelecer-se uma delimitação absoluta entre a matéria de facto e a de Direito.

Sem prejuízo, tentaremos ser claros – e sucintos, sem considerandos desnecessários([15]).

As alterações introduzidas na matéria de facto acabam por não serem relevantes para a aplicação do Direito.

Sendo a questão de interpretação contratual, ou seja, quem deveria suportar os custos das comissões ou taxas bancárias pelos pagamentos eletrónicos, temos que atentar ao teor do acordado pelas partes.

Como é patente, a expressão “custos de comissões bancárias” – ou análoga, como, por exemplo “custos de comissões por métodos de pagamento online” – não consta do contrato.

Sem ser necessário qualquer exercício hermenêutico, atente-se no teor (literal) do disposto no art.º 236.º, n.º 1, do C.C., “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele” e no art.º 237.º do mesmo Código, “[e]m caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos [negócios] onerosos o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações”([16]).

Fizemos tais menções por acharmos que as próprias epígrafes das cláusulas são reveladoras: assim, a da primeira é “objeto” e a da 6.ª é “retribuição”, sendo que em 6.5 apenas se refere as comissões mencionadas em 6.3, 15% + I.V.A. do valor das vendas. Da cláusula 7.ª (“outros direitos da R.”) também nada se extrai que pudesse sustentar a pretensão da R.

A recorrente muito apela à cláusula 1.ª 1.2, “A Primeira Parceira obriga-se a praticar todos os atos necessários ou convenientes à comercialização dos produtos, incluindo a assistência pós-venda e a cobrança” – assim, e tratando-se de uma parceria para que a R. venda produtos (da A.) online, e não se enquadrando a questão no âmbito da assistência pós-venda, resta a cobrança.

Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, cobrança significa “[a]cção ou resultado de [cobrar]. Recebimento de dívidas, donativos, prestações, impostos, receitas; acção ou resultado de pedir ou exigir um pagamento que é [devido]. Conjunto das operações efectuadas pelas instituições bancárias em nome dos seus clientes, com recibos, letras, valores… mediante uma [comissão]”([17]).

Este apontamento etimológico é importante, porquanto não estando em causa um ato de cobrança pela A., dado que a venda era efetuada pela R. e esta cobrava o preço aos compradores, cai o argumento desta, na medida em que o que está em causa é a responsabilidade pelo pagamento das comissões ou taxas bancárias.

Os factos provados e não provados (bem como a análise crítica da prova, efetuada pelo tribunal a quo e por Este) falam por si.

A R., talvez propositadamente, pretende que se ignore que as comissões ou taxas que lhe foram cobradas pelos prestadores de serviços de pagamentos online emergem de contratos celebrados entre si e essas entidades, nos quais, obviamente, a A. não foi parte.

A título de exemplo, e dado que uma de tais entidades referidas nos autos é a Paypal, transcrevemos aqui parte do teor dos contratos que a mesma outorga: “[o] presente Contrato de Serviços de Pagamento com Cartão Online do PayPal («Contrato») contém os termos de um contrato celebrado entre o Utilizador (também designado por «Comerciante) e a PayPal (Europe) Sàrl et Cie, SCA (a «PayPal» ou referida na primeira pessoa do plural). [2.1] Modo de pagamento das comissões. [O] Utilizador aceita pagar as comissões especificadas no presente Contrato à medida que se tornam devidas sem compensação ou dedução. Salvo indicação em contrário no presente Contrato, o Utilizador autoriza-nos a deduzir as nossas Comissões dos montantes que transferimos, mas antes de esses fundos serem creditados na sua Conta. Salvo disposições adicionais no presente Contrato, o Utilizador aceita pagar as comissões estabelecidas no Contrato do Utilizador ([18]).

Nada tendo estes contratos (celebrados entre a R. e outras entidades) a ver com o contrato de parceria, claro está que não pode ser imputado a uma terceira pessoa (a A., parceira) o cumprimento de uma obrigação emergente de um contrato alheio – o que também em nada colidiria com a possibilidade de, ao abrigo da liberdade contratual, prevista no art.º 405.º do C.C., as partes fixarem livremente que, num dado contrato de parceria, independentemente de comissões por venda e cobrança de serviços extra, as comissões ou taxas resultantes de pagamentos online serão imputadas a determinada parte (neste caso, teria sido à A., mas tal não foi convencionado).

Ocorre-nos referirmos, ainda que perfunctoriamente, a teoria do chamado efeito externo das obrigações; como Almeida Costa resume, “[t]odavia, a opinião entre nós dominante, e que temos como exacta, não admite, em princípio, o efeito externo das obrigações. O problema ultrapassa, obviamente, a pura análise da letra da lei e ocasiona uma controvérsia mais ampla. Entende-se que uma tal orientação levaria demasiado longe a responsabilidade de terceiros, sendo até susceptível, por isso mesmo, de entravar a actividade negocial. A esta consideração de razoabilidade acresce, no plano do direito constituído, a verificação de que, em vários preceitos, o nosso legislador parece haver aderido ao conceito da eficácia relativa dos direitos de [crédito]”([19]) – de todo o modo, diga-se, em momento algum foi levantada nos autos, nem é levantável, a questão de a A. ter provocado um incumprimento contratual por parte da R.

Observem-se, por elucidativos, os factos de a R. sempre ter pagado tais comissões às entidades terceiras, de sempre se ter cobrado de serviços extra à A., de apenas depois de o contrato de parceria ter terminado ter decidido “faturar” à A. tais comissões ou taxas… – mas, como os próprios representantes da R. admitiram, levantariam tal questão se o contrato terminasse por iniciativa da A. recorrida (eventualmente, dizemos, fosse por denúncia, fosse por resolução).

Há outros dois aspetos a ter em linha de conta.

O primeiro, é que não se compreende que uma empresa que tem por objeto social a venda de produtos por via eletrónica celebre contratos sem prever expressamente tal questão e que depois a venha (pretender) levantar por o contrato ter sido denunciado, sabendo perfeitamente que para vender produtos online tem de outorgar outros contratos com outras entidades, relativos aos meios de pagamento.

A segunda é que, não sendo assim, e sendo todos os serviços extra faturados, por que razão se justificaria o recebimento contratualizado de 15% + I.V.A.? – Desafia a lógica comercial; como observou o gerente da A., se tais comissões ou taxas bancárias fossem a acrescer ao pagamento inicial de 5000 Euros (2 X 2500 Euros) e dos 15%+I.V.A. de comissão de venda, jamais teria celebrado o contrato.

Pelo exposto, a responsabilidade pelo pagamento das comissões ou taxas bancárias pelo processamento de pagamentos não é imputável à A. recorrida mas à R. recorrente, que celebrou esses contratos com entidades terceiras e que no contrato de parceria acordado com a A. não o estipulou.

Improcedem todas as conclusões da recorrente.

III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré.

Custas na primeira instância e da apelação pela R. recorrente, por ter decaído, art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C.


Porto, 08/04/2024.

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Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:

Relator – Jorge Martins Ribeiro,
1.ª Adjunta: Anabela Mendes Morais e
2.ª Adjunta: Ana Paula Amorim.


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[1] Aspas inglesas e francesas no original.
[2] Não há lapso de escrita; como resulta do requerimento de redução do pedido reconvencional, apresentado aos 13/02/2023, sendo a redução neste valor sem prejuízo de outro a determinar em incidente de liquidação, mas com o valor máximo de 47884,94 Euros.
[3] Certamente por mero lapso, no dispositivo o tribunal a quo não mencionou a absolvição da R. como litigante de má-fé.
[4] Negrito e aspas no original.
[5] Entre outros lapsos de escrita que poderíamos mencionar, convém referir que certamente quererá dizer “a A.”…
[6] Sublinhados e aspas no original.
[7] Aspas no original.
[8] Não sendo obrigação deste Tribunal identificá-los – tanto mais que, ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, há conclusões que, tal como estão redigidas, se afiguram ou desprovidas de lógica (ou com uma lógica que não descortinamos) ou então são intrinsecamente contraditórias…
[9] Itálico nosso.
[10] Itálico nosso.
[11] Não é verdade o alegado pela A. nas contra-alegações quando diz que a R. imputava aos compradores as comissões ou taxas de pagamentos online; é inequívoco que a R. as suportou, como resulta, da análise, por exemplo, do documento  n.º 175 (ref. 34735989), em que, e novamente a título de exemplo (pp. 3, 6, 9, 12), se vê os montantes líquidos que a R. considerava, após a dedução dessas suas despesas.
[12] Como resulta dos factos provados n.º 16 e n.º 17.
[13] Dizendo em momento posterior que tinha alertado a A. para tal (quanto às comissões bancárias) por escrito, mas não sabendo dizer por escrito “a onde”, que foi por conversas…
[14] Interpolação nossa, com supressão de texto conclusivo.
[15] Frequentes, potenciados pelas ferramentas de edição de texto no programa word.
[16] Interpolação nossa.
[17] Cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, I Volume, ..., Verbo, 2001, p. 850 (interpolação nossa).
[18] Acessível online: https://www.paypal.com/pt/webapps/mpp/ua/pocpsa-full?locale.x=pt_PT
[13/03/2024 (interpolação e itálico nosso; aspas e parênteses no original)].
[19] Cf. Mário Júlio de Almeida COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, pp. 71-73 (interpolação nossa).