Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1644/24.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNETO NASCIMENTO
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
REQUISITOS
BEM COMUM DO CASAL
Nº do Documento: RP202405091644/24.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O embargo de obra nova pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- deve estar em causa uma obra, um trabalho ou serviço;
- a obra, o trabalho ou o serviço devem encontrar-se em execução;
- a obra, o trabalho ou o serviço devem ser novos, isto é, deve verificar-se uma novidade;
- tem de verificar-se a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse em consequência dessa obra, trabalho ou serviço;
- a obra, o trabalho ou o serviço devem causar, ou ameaçar causar, um dano ou um prejuízo.
II - O artigo 397.º/1 CPCivil exige que a ofensa do direito resulte de uma obra, trabalho ou serviço que cause ou possa causar prejuízo, não relevando uma qualquer ofensa, mas antes a ofensa de que resulte prejuízo.
III - A autorização, dada por um dos cônjuges, ao proprietário do prédio confinante, para que possa proceder à escavação do prédio, bem comum do casal, em vista da construção de um muro de contenção periférico da habitação que pretendia construir no seu lote - naturalmente com a possibilidade de ocupação do prédio com pessoas, máquinas e materiais – enquadra-se no conceito de acto de mera administração, de administração ordinária.
IV - Assim, tal autorização não tornava a obra ilícita e, mesmo que se verificassem todos os demais requisitos de que depende a procedência do procedimento de embargo de obra nova, faltaria, sempre a ilicitude subjacente ao apontado 4.º requisito, atinente com a ofensa do direito real de propriedade em consequência da aludida obra.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação - Processo 1644/24.0T8VNG - Procedimento Cautelar (CPC2013) – do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 3


Relator – Ernesto Nascimento
Adjunto – Paulo Duarte Teixeira
Adjunta – Isoleta Almeida Costa






Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

AA instaurou a presente providência cautelar de embargo de obra nova, contra o requerido BB, pedindo que, sem a audiência prévia do requerido – que a ter lugar, com as demoras inerentes, pode comprometer a finalidade da providência (evitar o agravamento do volume de escavação para o interior do lote ...0 e o próprio risco de construção/implantação de obra no prédio da requerente - seja decretado o embargo da obra de construção na Rua ..., ..., em ..., ou, subsidiariamente, se ordene que o requerido se abstenha de ocupar, com pessoas, máquinas e materiais, o prédio da requerente que possui 280 m2.

Alegou em síntese que,

- é, juntamente com o seu marido, com quem é casada no regime da comunhão geral de bens, dona e legítima possuidora de um prédio urbano, terreno destinado a construção, denominado lote ...0, com 280 m2, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ...;

- entre o final de 2023 e o início de 2024, a convite do requerido, ocorreu uma reunião, no local dos lotes, entre este, a requerente, o marido desta, o pai do empreiteiro e uma outra pessoa, que não sabe identificar;

- na qual, o primeiro solicitou à requerente e marido autorização para que a escavação necessária ao muro de contenção periférico da habitação que pretendia construir no seu lote ...1 entrasse no prédio referido em 1) em cerca de 60 cm. e no máximo 1 m., e por um período de apenas quinze dias;

- a requerente mulher foi peremptória a recusar esse pedido;

- no passado dia 12-02-2024, a requerente, por volta das 10 h., foi surpreendida ao tomar conhecimento que o requerido tinha delimitado com um fio amarelo a divisória dos lotes ...0 e ...1;

- dois dias após, a requerente deparou-se com parte do seu prédio escavado numa largura superior a 1,50 m;

- sem o seu consentimento e contra a vontade da requerente, nessa ocasião reiterada quer perante o requerido (ao telefone) quer perante o pai do empreiteiro (presencialmente);

- mau grado a oposição manifestada pela requerente à continuação dos trabalhos, o facto é que a obra continuou;

- no dia 19-02-2024, a requerente tomou conhecimento que o requerido tinha vedado o prédio da aqui requerente, sem que esta tenha dado qualquer consentimento para o efeito;

- factos que ofendem o seu direito de propriedade e de posse, tendo sido, aparentemente, os trabalhos de escavação autorizados pelo seu marido, colocando-se, assim, a questão de saber se tal consentimento é ou não suficiente para o efeito;

- no entanto, a autorização para escavação e vedação do prédio não se enquadra no conceito de acto de administração ordinária, na justa medida que tais actos alteram a própria substância do património comum do casal, através de uma (injustificada) variação negativa do mesmo, ultrapassando, por conseguinte, as finalidades próprias da mera administração;

- assim, na ausência de consentimento ou autorização da requerente, estamos em face de uma “ilegitimidade conjugal”, pois malgrado os poderes de disposição dos cônjuges surjam tratados a propósito das incapacidades conjugais, a doutrina tem, recorrentemente, chamado a atenção para o facto de se tratar antes de ilegitimidades dos cônjuges, pois não são estabelecidas para cada um deles, por se reconhecer que ele é inapto ou menos idóneo, por causa do casamento, para governar a sua pessoa ou os seus bens, mas sim em vista de proteger o outro cônjuge e os interesses gerais da família;

- para que a obra cause prejuízo «basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa. Trata-se de dano jurídico, isto é, de dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou da fruição»;

- a requerente está privada de exercer integralmente o seu direito de propriedade;

- verificam-se, assim, os requisitos de urgência e a necessidade de proceder à cessação da conduta do requerido e do seu empreiteiro, evitando-se, assim, o agravamento da situação, o que justifica a utilização da presente providência;

- existe, ainda, o justo e fundado receio de que o requerido cause aos direitos tutelados da requerente lesão grave e de difícil reparação;

- com a continuação dos trabalhos, este pode vir a edificar o muro de contenção periférico no interior do lote ...0.

O requerimento inicial veio a ser indeferido liminarmente, nos termos dos artigos 226.º/4 alínea b), 362.º e 397.º/1 CPCivil.

Inconformada, recorre a requerente, pugnando pela revogação de tal despacho, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

1 - A recorrente está em desacordo com o despacho que indeferiu liminarmente procedimento cautelar de embargo de obra nova, o qual faz uma incorrecta apreciação, interpretação e integração das questões de facto e de direito atinentes com o thema decidendum.

2- O Tribunal a quo indeferiu liminarmente a providência por considerar sumariamente que:

a) «Relativamente ao segundo requisito … Pelo alegado pela requerente essa escavação já se encontra feita e concluída»;

b) «Quanto ao terceiro requisito … se é verdade que a escavação é uma coisa nova, a verdade é que a mesma será temporária e não implicará uma modificação substancial do terreno da requerente. Pois, conforme foi alegado pela requerente, tal escavação manter-se-á apenas durante 15 dias».

c) «Relativamente ao quarto pressuposto … Assim sendo, também não está preenchido o quarto requisito, pois a atuação do requerido, com a realização da escavação mediante a autorização do marido da requerente, também proprietário do imóvel, levará à conclusão de que a atuação do requerido é lícita».

d) «Por fim, quanto ao pressuposto da existência de um prejuízo ou de uma ameaça de prejuízo, pressupõe a existência de uma obra, trabalho ou serviço novo que cause ou ameace causar um prejuízo... Quanto a este requisito nada foi alegado pela requerente».

3- No que respeita ao requisito aludido em a) da Conclusão 2.ª, é certo que na verificação do início e da conclusão da obra relevam o momento em que o embargo judicial é requerido - cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 165, e na jurisprudência, designadamente, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 20-10-1994 (Norberto Brandão) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-07-2009 (Rui Vouga), acessíveis em www.dgsi.pt.

4- Sucede que em momento algum do requerimento inicial se colhe que a obra está concluída, tanto que a requerente alega que a obra continuou (Ponto 24) e que o requerido no dia 19-02-2024 (véspera da propositura do procedimento cautelar) teve a desfaçatez/atrevimento de vedar o terreno da requerente, impedindo a própria (e marido) de entrar no que é seu (Ponto 25).

5- Em momento nenhum do requerimento inicial, a Requerente afirma que a obra irá durar 15 dias, limitando-se no Ponto 19 a dizer que o requerido em reunião ocorrida no final de 2023 ou início de 2024 pediu autorização para a escavação e que a mesma iria durar cerca de quinze dias. As palavras são do requerido não da requerente.

6- É, por isso, incognoscível de onde o Tribunal a quo retirou a conclusão de que a obra já está concluída.

7- Quanto ao pressuposto referido em b) da Conclusão 2.ª, dá-se por reproduzido tudo atrás se alegou quanto à suposta duração das obras.

8- No que respeita à asserção da não modificação substancial do terreno, é certo que, conforme refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 256: «… A “novidade” que entra na qualificação do procedimento implica que apenas possam ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa, excluindo as que se traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente».

9- No entanto, e com todo o respeito por diversa opinião, entendemos que escavar o terreno da requerente a uma profundidade que se encontra visível nas fotografias juntas aos autos é introduzir uma modificação substancial da coisa, uma transformação, e não uma obra secundária ou superficial.

10- Quanto à alínea c) da Conclusão 2.ª, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que o consentimento do marido da requerente é um acto de administração ordinária, por não diminuir o património do casal nem implicar despesas extraordinárias.

11- Com que base ou segurança jurídica pode o Tribunal a quo dizer que a escavação durará 15 dias e que está implícito que no final desse período o requerido reporá o terreno no estado em que se encontrava?

12- Fazendo apelo às palavras de Manuel Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1998, pág. 61 e ss., entendemos que a autorização para escavação do prédio da requerente não se enquadra no conceito de acto de administração ordinária, na justa medida que tal acto altera a própria substância do património comum do casal, através de uma (injustificada) variação negativa do mesmo, ultrapassando, por conseguinte, as finalidades próprias da mera administração.

13- Em todo o caso, impõe-se trazer ao conhecimento do Tribunal ad quem que o marido da requerente em 22-02-2024 exigiu ao requerido a reposição do terreno no estado em que se encontrava antes da obra e a retirada da vedação que abusivamente colocou no prédio da requerente e marido - cfr. Doc. 1.

14- A junção do documento é admissível em conformidade com o disposto no art. 425.º do CPC, para onde remete o art. 651.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, pois trata-se de um documento produzido dois dias após a propositura da presente providência cautelar.

15- Por último, e no que concerne à alínea d) da Conclusão 2.ª, entendemos que o prejuízo, como requisito de embargo de obra nova, não carece de valoração autónoma, derivando sempre pura e simplesmente da própria violação do direito, bastando a ilicitude para haver prejuízo - cfr. Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 3.ª Edição atualizada, 1994, Coimbra Editora, 19; Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. II, 3.ª ed., pág. 64/65; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015 (Moreira do Carmo)

16- No embargo de obra nova, o requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns não especificados, bastando-lhe alegar e provar a ilicitude do facto e a ofensa ao seu direito {cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 28-10-1998 (proc. 24886) e de 03-04-2000 (proc. 28398), in www.dgsi.pt. e do Tribunal da Relação de Évora de 29-11-2001, in C.J., Tomo 5, pág. 253, e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-07-2019 (Luís Cravo)}.

17- Ora, o prejuízo da requerente é insofismável, porquanto viu ser devassado o seu direito de propriedade e inclusivamente mostra-se impedida de aceder ao interior do seu terreno, ou seja de exercer a posse sobre o seu terreno, facto que por si só é um prejuízo.

18- Seja como for, o facto de (1) o requerido ter escavado uma área de terreno muito maior da que tinha inicialmente avançado; (2) uma obra que dura mais do que os quinze dias anunciados, (3) o ter vedado o terreno da Recorrente sem cuidar de pedir a esta e ao marido qualquer autorização, são reveladores de uma personalidade conflituante e desafiadora, sendo, pois, legítimo o receio manifestado pela Recorrente nos Pontos 44 e 45 do requerimento inicial, ou seja que o recorrido venha a edificar o muro periférico no interior do prédio da requerente.

19- Termos em que o despacho violou o art. 397.º, n.º 1 do CPC, devendo, pois, ser revogado.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão, nos termos dos artigos 644.º/1, 645.º/1 alínea d) e 647.º/3 alínea c) CPCivil.

Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que a tal nada obsta.

II. Fundamentação

II. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente são as de saber se,
- a decisão recorrida viola o artigo 397.º/1 CPCivil.

II. 2. Vejamos primeiramente o teor do despacho recorrido.

“ (…)

Tendo em conta o alegado pela requerente, afigura-se-nos que o presente procedimento cautelar deve ser liminarmente indeferido, sem necessidade de citação do requerido e de produção de prova.

As providências cautelares são entendidas como instrumentos jurídicos destinados a acautelar o efeito útil das ações ou execuções de que dependem, constituindo meios de antecipação de um determinado efeito jurídico. Na realidade, atendendo ao dano que pode resultar da demora na prolação de uma decisão final, o Tribunal adota determinadas medidas ou decreta certas providências, na expectativa ou na previsão de que o seu juízo provisório venha a ser confirmado pela decisão definitiva - cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, p. 626.

Por outro lado, as providências cautelares têm características que as diferenciam das ações, quer pelo seu carácter instrumental - sendo dependentes de uma ação que será intentada posteriormente à sua emissão ou que já se encontra pendente – quer pela ausência de autonomia, na medida em que os seus efeitos dependem do resultado alcançado na ação definitiva.

Dispõe o artigo 362.º, n.º 1, do Código do Processo Civil que, quando alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.

Adianta o artigo 397.º, n.º 1 do CPC que “Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.”

Para que o embargo de obra nova possa ser decretado torna-se necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: a) deve estar em causa uma obra, um trabalho ou serviço; b) a obra, o trabalho ou o serviço devem encontrar-se em execução; c) a obra, o trabalho ou o serviço devem ser novos, isto é, deve verificar-se uma novidade; d) tem de verificar-se a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse em consequência dessa obra, trabalho ou serviço; e) a obra, o trabalho ou o serviço devem causar, ou ameaçar causar, um dano ou um prejuízo.

Quanto ao primeiro requisito, a jurisprudência tem vindo a entender que constituem obras, trabalhos ou serviços suscetíveis de embargo de obra nova a abertura de valas.

Relativamente ao segundo requisito, é igualmente necessário que se tenha iniciado a execução de uma obra, trabalho ou serviço. Todavia, há que salientar esta providência cautelar só pode ser decretada desde que a obra se encontre em curso, isto é, que não esteja concluída aquando do decretamento da providência. António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, 3.ª edição, p. 248, ensina que “(…) tem claro significado de limitar o embargo às obras ou trabalhos que não se mostrem ainda concluídos nos seus aspetos fundamentais.”

No caso dos autos, a requerente alega que o requerido lhe transmitiu a intenção de construir uma escavação necessária ao muro de contenção periférico da habitação que pretendia construir no seu lote ...1 entrasse no prédio da requerente em cerca de 60 cm. e no máximo 1 m., e por um período de apenas quinze dias.

Pelo alegado pela requerente essa escavação já se encontra feita e concluída.

Desta feita, não está preenchido este pressuposto do procedimento cautelar.

Quanto ao terceiro requisito, é, pois, necessário que esteja em causa uma obra, trabalho ou serviço efetivamente “novo”, isto é, que implique uma “modificação substancial da coisa”. No caso dos autos, se é verdade que a escavação é uma coisa nova, a verdade é que a mesma será temporária e não implicará uma modificação substancial do terreno da requerente. Pois, conforme foi alegado pela requerente, tal escavação manter-se-á apenas durante 15 dias.

Relativamente ao quarto pressuposto, a providência cautelar de embargo de obra nova só pode ser decretada quando da execução da obra, trabalho ou serviço novo resulte a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse. Quanto a este requisito, cumpre apreciar a questão de saber se a existência do consentimento do marido da requerente – conforme por esta alegado - para a realização da obra é suficiente para afastar a ofensa ao direito de propriedade da requerente.

A regra de que ambos os cônjuges são administradores dos bens comuns está contida no n.º 3 do artigo 1678.º CC: qualquer dos cônjuges, desacompanhado do outro, tem legitimidade para a prática de atos de administração ordinária sobre os bens comuns. Os restantes atos relativos aos bens comuns carecem do consentimento de ambos os cônjuges.

A administração ordinária corresponde à prática de atos de gestão normal dos bens, de conservação ou de frutificação normal. A administração extraordinária traduz os atos destinados a realizar benfeitorias ou prover à frutificação anormal dos bens. Os negócios que alterem a própria substância do património administrado, que importem a substituição de uns bens por outros, que afetem, numa palavra, o capital administrado, pondo-se em risco, por importarem um novo e diverso investimento desse capital.

Ora, analisado a autorização feita pelo marido, uma vez que em nada altera o património do casal, não o diminui o património, não implica despesas extraordinárias, terá de se considerar como um ato de administração ordinária. A reforçar tal posição temos o facto de a necessidade de abrir a escavação ser apenas durante o período de 15 dias, pelo que está implícito que no final desse período o requerido reporá o terreno no estado em que estava. Na verdade, inexiste qualquer ato que implique a alienação ou qualquer prejuízo para o direito de propriedade da requerente.

Assim sendo, também não está preenchido o quarto requisito, pois a atuação do requerido, com a realização da escavação mediante a autorização do marido da requerente, também proprietário do imóvel, levará à conclusão de que a atuação do requerido é lícita.

Por fim, quanto ao pressuposto da existência de um prejuízo ou de uma ameaça de prejuízo, pressupõe a existência de uma obra, trabalho ou serviço novo que cause ou ameace causar um prejuízo.

Como ensina Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 4.ª edição, p. 303, “De facto, o embargo só pode ser decretado desde que se verifique, pelo menos, a possibilidade de ocorrência de danos irreparáveis ou de difícil reparação, ou seja, não pode ser decretado o embargo de obra nova se o prejuízo já se verificou, ainda que possa vir a ser agravado pela obra em curso.” Neste sentido Ac. STJ de 10.12.1996, processo n.º 96A798, disponível em www.dgsi.pt segundo o qual “O artigo 412 n. 1 do CPC67 não se aplica ao caso de não se verificar a possibilidade de ocorrência de danos irreparáveis ou de difícil reparação” e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.6.1998, processo n.º 98A600, disponível em www.dgsi.pt segundo qual “A lei não autoriza o embargo se o prejuízo já ocorreu e apenas poderá vir a ser agravado pela obra que está em curso.”.

Quanto a este requisito nada foi alegado pela requerente.

Por tudo o exposto, entende o tribunal que não estão verificados os pressupostos necessários para o decretamento do procedimento cautelar requerido pela requerente.

Porém, a título subsidiário, veio a requerente ainda peticionar que deverá ser no mínimo ordenado que o requerido se abstenha de ocupar, com pessoas, máquinas e materiais, o seu prédio.

Quanto a este pedido, poderá o tribunal configurar tal pedido no âmbito do procedimento cautelar comum.

Perante isto, terá de se analisar se estão preenchidos todos os pressupostos do procedimento cautelar comum, a saber: a probabilidade séria da existência do direito; o fundado receio de que o mesmo seja lesado, de forma grave e dificilmente reparável; a adequação da providência à remoção do perigo que o direito corre; a ausência de providência cautelar especificada aplicável ao caso concreto; a exigência de que o prejuízo que acarrete o decretamento da providência não seja superior ao dano que se quer evitar.

O primeiro dos pressupostos, emergente do disposto no artigo 362.º, e 368.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, assenta no fummus boni iuris, ou seja, na probabilidade séria da existência do direito, em relação ao qual a requerente deve trazer prova sumária, mas segura (summario cognitio). O mesmo é dizer que “O pressuposto da probabilidade séria supera os meros indícios, mas fica aquém do nível de convicção necessário para decretar a inversão do contencioso (…) e ainda mais longe do que se revela necessário para o reconhecimento do direito na ação principal” (ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado – Vol.I, 2ª edição, Almedina, 2020, p.429). Tal como denota Palma Carlos, a lei não exige que o direito que se pretende acautelar exista efetivamente. Pelo contrário, o que é relevante é que da matéria de facto alegada pelo requerente da providência cautelar se possa extrair a conclusão de que ele “pode ser titular do direito de que se arroga” – cfr. Adelino da Palma Carlos, “Procedimentos cautelares antecipadores”, in O Direito, ano 105.º, julho-setembro 1973, p. 242).

Quanto a este pressuposto, da factualidade sumariamente alegada pela requerente podemos concluir que a mesma é proprietária, juntamente com o seu marido, do mencionado prédio.

Já o requisito atinente ao periclum in mora, traduz-se na verificação de um fundado receio de lesão do direito titulado pelo requerente, de forma grave e dificilmente reparável, que seja causado pela demora inerente à propositura da ação e consequente tramitação processual destinada a efetivar a pretensão do requerente. Como refere Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 4.º edição, Almedina, p. 203, “o periculum in mora refere-se ao perigo no retardamento da tutela jurisdicional, procurando-se evitar que, por causa do tempo necessário para o julgamento definitivo do mérito da causa, o direito que se pretende fazer valer em juízo acabe por ficar irremediavelmente comprometido.”

Daqui resulta que o receio deve ser sustentado em factos objetivos, sérios, que demonstrem a necessidade urgente de adotar medidas tendentes a evitar o prejuízo, e que “não deve assentar em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor (…) antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1/10/2013, disponível em www.dgsi.pt).

O periculum in mora é constituído por dois elementos essenciais: a demora e o dano decorrente dessa demora.

Relativamente à demora, a providência cautelar visa proteger o justo receio de alguém se ver prejudicado por uma conduta de terceiro, inquietação que poderia ser agravada de forma efetiva, com as delongas normais dum pleito judicial. Já no que concerne ao dano, a providência cautelar só pode ser decretada desde que este seja grave e irreparável ou de difícil reparação, isto é, quando não seja viável a reintegração do direito de forma específica ou por equivalente no decurso de um juízo de mérito.

Quanto à demora, e tendo em conta o alegado pela própria requerente, a escavação apenas durará 15 dias, ou seja, o próprio ato é temporário.

Quanto ao dano, a requerente nada alega em concreto sobre se este é grave e irreparável ou de difícil reparação. A requerente não invoca factos que justifiquem o dano grave e irreparável. E, além disso, nada refere sobre a ocupação com pessoas, máquinas e materiais cause um dano grave e irreparável.

Como tal, não se encontrando preenchido um dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, deve a mesma ser indeferida.

(…)”.

II. 3. A questão prévia da junção de documento.

Pretende a apelante a junção, nesta sede, do documento em que o seu marido, em 22.22024 exigiu ao requerido a reposição do terreno no estado em que se encontrava antes da obra e a retirada da vedação, pretextando ser admissível, nos termos do artigo 425.º CPCivil, por remissão do artigo 651.º/1, dado tratar-se de um documento produzido dois dias após a propositura da presente providência cautelar.

Vejamos.
Diz o artigo 410.º CPCivil – diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem – que a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
Em processo comum, a regra geral é a da apresentação da prova com os articulados, sendo restrita a possibilidade de apresentação em momento posterior, conforme se alcança de normas como as dos artigos 423.º, 424.º, 522.º/2, 572.º alínea d), 588.º/5 e 598.º – as quais são emanações do princípio da celeridade processual que orientou a reforma processual operada pela Lei 41/13, de 26.06, especialmente em sede de direito probatório.
Segundo o artigo 423.º/1, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado, n.º 2.
Finalmente, diz o n.º 3, ainda da mesma norma, que, após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles, cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Depois do encerramento da discussão da causa, no caso de recurso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, artigo 425.º.
Por isso, dispõe o artigo 651.º/1 que, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
O que resulta da conjugação das normas dos artigos 423.º/1, 2 e 3 e 425.º é que a apresentação de documentos perante o tribunal de 1ª instância tem de ser feita até ao encerramento da discussão da causa.
Em síntese, nos termos do artigo 423.º, a apresentação de documentos perante o tribunal de 1ª instância pode ser feita em três momentos:
- com os articulados: é esta a regra geral consagrada no n.º 1;
- até 20 dias antes da data em que realize a audiência final, sem necessidade de apresentar qualquer justificação, a não ser para evitar a condenação em multa, n.º 2;
- após aquele limite temporal, se não tiver sido possível a apresentação até àquele momento ou se a apresentação se tiver tornado necessária em virtude de ocorrência posterior, n.º 3.
Como se entendeu no Acórdão deste Tribunal 17.12.2014, consultado nesta data no site da dgsi, o prazo de 20 dias antes da realização da audiência previsto no artigo 423.º/2 para a junção de documentos após os articulados, deve ser contado tendo como referência a realização da audiência e o uso daquela faculdade cabe tanto quando ocorre um adiamento (ainda que verificado logo após a sua abertura) como uma repetição da audiência.
Na “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei 113/XII (2ª)[1], justifica-se a solução que veio a ser consagrada no artigo 423.º da seguinte forma: Em consonância com o princípio da inadiabilidade da audiência final, visando disciplinar a produção da prova documental, é estabelecido que os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, assim se assegurando o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios”.
Daqui decorre a excepcionalidade da apresentação de documentos em momento posterior ao indicado no n.º 2 do artigo 423.º, já que tal apresentação tardia pode acarretar o adiamento da audiência de julgamento, se a parte contrária não puder examinar o documento no acto, artigo 424.º.
No caso previsto no n.º 3, como decorre das regras gerais sobre ónus da prova, contidas no artigo 342.º/1 CCivil, cabe ao apresentante a alegação e prova da impossibilidade de apresentação em momento anterior ou da ocorrência posterior que tornou necessária a apresentação.
Estamos perante a junção de um documento que não visa provar qualquer facto que haja sido alegado no requerimento inicial, desde logo.
Com efeito, reporta-se a um facto que apenas veio a ocorrer depois da instauração da providência cautelar.
E, assim sendo, desde logo, não pode, não deve, ser admitida a sua junção, dado que a mesma não se reporta a qualquer facto necessitado de prova, para utilizar a expressão constante do citado artigo 410.º.
Ou, para prova, dizemos nós, de qualquer facto concreto de onde possa emergir o invocado direito da apelante. Ou facto que faça parte da causa de pedir em que sustenta o seu arrogado direito.
Se o documento cuja junção se requer não se reporta a factos relevantes para o conhecimento da bondade da pretensão deduzida, então, não há como o não ter como impertinente.
E, assim, indefere-se à requerida junção.

II. 4. Os requisitos do embargo de obra nova.

II. 4. 1. A contextualização do recurso.

Está aqui em causa a verificação de todos os apontados requisitos, com excepção do primeiro – único que a decisão recorrida entendeu verificar-se.

Com efeito.

Na decisão recorrida considerou-se que, relativamente ao segundo requisito, pelo alegado pela requerente, a escavação já se encontra feita e concluída.

Entende, contudo, a apelante que,

- em momento algum do requerimento inicial se colhe que a obra está concluída, tanto que alegou que a obra continuou, artigo 24 e, que o requerido no dia 19.2.2024, véspera da propositura do procedimento cautelar, teve a desfaçatez/atrevimento de vedar o terreno da requerente, impedindo a própria de entrar no que é seu, artigo 25;

- em momento nenhum do requerimento inicial afirma que a obra irá durar 15 dias – o que disse foi que o requerido em reunião ocorrida no final de 2023 ou início de 2024 pediu autorização para a escavação e que a mesma iria durar cerca de quinze dias, artigo 19, tendo-se limitado a reproduzir o que lhe foi dito pelo requerido;

- na verdade, à data em que o embargo foi requerido a obra não estava concluída e, por isso, não podia ter sido retirada aquela conclusão;

Na decisão recorrida, quanto ao terceiro requisito, admitindo-se, muito embora, ser a escavação uma coisa nova, considerou-se ser a mesma temporária e que não implicará uma modificação substancial do terreno da requerente, uma vez que, como por si alegado, tal escavação manter-se-á apenas durante 15 dias.

Entende a apelante – para além de repetir a argumentação acerca da questão dos 15 dias – que escavar o terreno a uma profundidade que se encontra visível nas fotografias juntas aos autos é introduzir uma modificação substancial da coisa – o terreno foi transformado, não se tratando de uma obra secundária ou superficial.

Quanto ao quarto requisito, entendeu a decisão recorrida que, também, não estava preenchido, pois que a actuação do requerido, com a realização da escavação mediante a autorização do marido da requerente, também proprietário do imóvel, levará à conclusão de que a mesma é lícita.

Finalmente, quanto ao quinto requisito atinente com a existência de um prejuízo ou de uma ameaça de prejuízo, entendeu a decisão recorrida que tal pressupõe a existência de uma obra, trabalho ou serviço novo que cause ou ameace causar um prejuízo e, que, nesta sede, nada foi alegado.

Entende a apelante que,

- o seu prejuízo é insofismável, porquanto viu ser devassado o seu direito de propriedade e inclusivamente mostra-se impedida de aceder ao interior do seu terreno, estando impedida de exercer a posse sobre o seu terreno, facto que por si só é um prejuízo;

- o facto de o requerido ter escavado uma área de terreno da requerente muito maior da que tinha inicialmente aflorado, uma obra que dura mais do que os quinze dias anunciados, o ter vedado o terreno da recorrente sem cuidar de pedir a esta e ao marido qualquer autorização, são reveladores de uma personalidade conflituante e desafiadora, sendo, pois, legítimo o receio alegado nos artigos 44 e 45 do requerimento inicial, de que o requerido venha a edificar o muro periférico no interior do prédio da requerente.

II. 4. 2. O texto legal.


Com as providências cautelares visa-se alcançar uma decisão provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, o efeito útil da acção definitiva a que se refere o artigo 2.°/2 CPCivil; ou seja, a prevenir as eventuais alterações da situação de facto que tornem ineficaz a sentença a proferir na acção principal, que essa sentença (sendo favorável) não se torne numa decisão meramente platónica, cfr. Professor Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 23.
“Os procedimentos cautelares são meios expeditos que têm por fim assegurar os resultados práticos da acção, evitar prejuízos graves ou antecipar a realização do direito, conciliando, na medida do possível, o interesse da celeridade com o da ponderação, mas não podendo as partes pretender torná-los em substitutos do procedimento comum como forma rápida de realização dos seus interesses”, cfr. Professor Alberto dos Reis, in BMJ, 3.º/35.
“Os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial, donde que seja necessário, em primeiro lugar, que o requerente do procedimento cautelar justifique, mesmo de forma sumária, o seu direito”, cfr. acórdão da RC de 18.10.2005, consultado no site da dgsi.

Invocando a violação do artigo 397.º/1 CPCivil, mostra a apelante discordar da decisão recorrida porquanto entende que a mesma faz uma incorrecta apreciação, interpretação e integração das questões de facto e de direito.

Vejamos.

Dispõe o n.º 1 do artigo 397.º CPCivil – única norma cuja violação vem invocada pela apelante - que: “aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”.
Daqui resulta que o embargo de obra nova depende da verificação, cumulativa, de vários requisitos, correctamente, assinalados, de resto na decisão recorrida – e, cuja enunciação aqui seguiremos, tal e qual, em vista da maior facilidade da abordagem das causas de discordância da apelante, a eles reportada:

1. deve estar em causa uma obra, um trabalho ou serviço;

2. a obra, o trabalho ou o serviço devem encontrar-se em execução;

3. a obra, o trabalho ou o serviço devem ser novos, isto é, deve verificar-se uma novidade;

4. tem de verificar-se a ofensa de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse em consequência dessa obra, trabalho ou serviço;

5. a obra, o trabalho ou o serviço devem causar, ou ameaçar causar, um dano ou um prejuízo.

II. 4. 3. Aproximação ao caso concreto.

Cremos bem que mesmo a serem julgados como provados todos os factos alegados no requerimento inicial, o indeferimento liminar seria o resultado necessário, em face do enunciado texto legal.

Não há dúvida de que estamos perante uma obra levada a cabo no prédio que é bem comum do casal formado pela apelante e pelo marido.

Obra que está em execução, dada a sua natureza de permitir a construção do muro de contenção periférico da habitação que o requerido pretende levar a cabo no seu lote ...1, contíguo ao da requerente.

Obra que se não pode ter como concluída, pois que apenas se poderia considerar como tal, se apenas faltasse levar a cabo trabalhos reputados, no contexto, natureza, características e finalidade da mesma, como secundários e/ou complementares. Se estando o prejuízo em execução, não pudesse, afinal, ser aumentado, pela sua prossecução, nem eliminado pela sua suspensão.

Só se se pudesse ter a obra como concluída, tendo a providência uma finalidade de mera prevenção, não seria susceptível de abarcar uma situação em que a lesão do direito se consumara já.

Apenas nesse caso, o embargo já nada acautelaria e assim, careceria de justificação, porquanto a lesão do direito se não encontrava em execução mas consumada, pelo que não se agravaria com a continuação da obra.

Situação que, de todo, não é a descrita no requerimento inicial,

Obra, naquele contexto, naturalmente, nova. Que constitui uma novidade perante o quadro pré-existente. Obra que não é nem a reprodução, nem a repetição, pura e simples, de uma outra qualquer. Tão pouco, reconstrução, remodelação ou reabilitação.

Obra cuja localização, natureza, dimensão e características, tal como se encontra, neste momento, constitui uma ofensa ao direito real de propriedade da apelante sobre o lote ...0.

Escavar o terreno, como foi feito, só não é introduzir uma modificação substancial no prédio da apelante, porque, afinal, aquela obra é uma obra secundária, constitui um preliminar, a primeira fase, em vista da construção do aludido muro.

Constitui uma modificação, passageira, aparente, seguramente, transitória, apesar de, por definição, não superficial.

No que respeita à asserção da não modificação substancial do terreno, é certo que, conforme refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, 4.ª edição revista e actualizada, 244 e 256 que, “tem sido entendimento jurisprudencial restringir o embargo às obras relevantes, excluindo as meramente secundárias…a “novidade” que entra na qualificação do procedimento implica que apenas possam ser embargadas obras que impliquem uma modificação substancial da coisa e se não traduzam em meras modificações superficiais… a obras que, embora não sejam necessariamente permanentes, se caracterizem por uma certa estabilidade”.

Obra que, por isso mesmo, é, por definição, susceptível de causar um dano ou um prejuízo à apelante, como decorrência da violação do seu direito de propriedade.
Mas atentemos na caracterização deste 5.º e último requisito.

Como vimos já, na decisão recorrida, considerou-se que nada foi alegado.

A isto contrapõe a apelante que,

- o seu prejuízo é insofismável, porquanto viu ser devassado o seu direito de propriedade e inclusivamente mostra-se impedida de aceder ao interior do seu terreno, estando impedida de exercer a posse sobre o seu terreno, facto que por si só é um prejuízo;

- o facto de o requerido ter escavado uma área de terreno da requerente muito maior da que tinha inicialmente aflorado, uma obra que dura mais do que os quinze dias anunciados;

- o ter vedado o terreno da recorrente sem cuidar de pedir a esta e ao marido qualquer autorização, são reveladores de uma personalidade conflituante e desafiadora, sendo, pois, legítimo o receio alegado nos artigos 44 e 45 do requerimento inicial, de que o requerido venha a edificar o muro periférico no interior do prédio da requerente.
Que não terá sido, desde logo, alegado o “periculum in mora” consubstanciado em quaisquer danos concretos que possam ser provocados pela execução da obra e que por isso justifiquem a necessidade do recurso a este procedimento cautelar – célere, por definição.
Esta questão reporta-se, desde logo, ao facto de saber se ao embargo de obra nova se aplica, ou não, um dos requisitos do procedimento cautelar comum, o periculum in mora, ou seja, da necessidade, ou não, de o requerente alegar e provar, indiciariamente, o fundado receio de que o seu direito sofrerá lesão grave e de difícil reparação, se não for de imediato tutelado pela providência.
Quanto a este ponto a doutrina e a jurisprudência encontram-se divididas.
Para uns, “o requisito do receio de "lesão grave e dificilmente reparável" contemplado no artigo 362.º/1 CPCivil para as providências cautelares não especificadas não é aplicável às providências especificadas, designadamente ao embargo de obra nova … em relação a cada uma das providências especificadas, a lei prevê determinados fundamentos, respeitantes ao dano causado ao direito do requerente…; por isso, a aplicação subsidiária prevista no citado artigo 376.º/1 não abrange aquele fundamento; em particular com referência ao embargo de obra nova, o "prejuízo" confunde-se com a própria violação do direito do requerente ou da sua posse e a função essencial da providência é o julgamento antecipado (embora provisório), de modo a evitar-se que aquela violação perdure por período mais ou menos longo”, cfr. acórdão do STJ de 29-06-99.
Neste entendimento, o prejuízo não carece de valoração autónoma, pois de alguma forma já está ínsito na ofensa do direito, o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa, não sendo necessário alegar a existência de perdas e danos, por o dano ser jurídico.
Desde que o facto tem a feição de ilícito, porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para efeitos de embargo de obra nova, cfr. Professor Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 63 e ss., Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 30, acórdão da RC de 8/1/91 in CJ, I, 42, acórdão da RE de 29.11.2001 in CJ, V, 253 e deste Tribunal de 23.2.2012, consultado no site da dgsi.

Para o Professor Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 3.ª ed., 64/65, “ ... basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa. Trata-se de dano jurídico, isto é, de dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou da fruição. Desde que o facto tem feição de ilícito, porque é contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou numa fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos do embargo de obra nova; o embargante não precisa de filiar o seu prejuízo noutra razão que não seja a ofensa da sua situação jurídica subjectiva, não precisa de alegar que, na realidade das coisas, a obra lhe acarreta perdas e danos”.

No embargo de obra nova, o requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns não especificados. Basta-lhe alegar e provar a ilicitude do facto e a ofensa ao seu direito, cfr. acórdãos deste Tribunal de 28.10.1998 e de 3.4.2000, consulados, ambos, no site da dgsi e acórdão da RE de 29.11.2001 in CJ, V, 253.

Isto é, nesta tese o "prejuízo" a que se refere o artigo 397.°/1 não tem o mesmo sentido da "lesão grave e dificilmente reparável" que constitui fundamento dos procedimentos cautelares não especificados, artigo 362.°/1.

Constitui um menos.
Sufragando esta tese, de que para efeitos de decretamento da providência cautelar de embargo de obra nova, o prejuízo não tem de ser material, bastando que seja meramente jurídico, tal como sucede, por exemplo, com a violação do direito de propriedade do requerente, cfr. acórdão do STJ de 25.11.1998, acórdãos deste Tribunal de 9.12.1999, 10.1.2002, 2.5.2000, acórdão da RL de 26.1.2017, acórdãos da RG de 13.10.2016 e de 7.12.2016.
E, mais recentemente, o acórdão da RC, invocado pela apelante, de 10.7.2019 (Luís Cravo), cujo sumário refere que, “4. A lei, no caso de embargo de obra nova (ou respetiva ratificação judicial), contenta-se com a verificação de um dano jurídico. 5. Bastando, pois, que o facto tenha a feição de ilícito porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade ou noutro direito real (num direito de servidão) para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos de tal embargo de obra nova”.
Noutra tese, a instauração de uma providência cautelar não pode ter como fundamento apenas meros incómodos, ou meras ofensa normativas e formais, mas, antes concretas desvantagens, destruição, diminuição ou desvalor, em suma, um dano ou prejuízo objectivo, efectivo, verdadeiro, real, in natura, grave, substancial e dificilmente reparável - cfr. Baptista Lopes, in Procedimentos Cautelares, 141, cit. por A. Geraldes, Temas, 4.º, 246, acórdãos da RE de 2.12.1982 e 19.04.1990, in BMJ, 324.º/637 e 396.º/457; acórdão deste Tribunal de 3.6.2004 e da RC de 2.10.2007, ambos consultados no site da dgsi.
Salvo o devido respeito, não perfilhamos aquele primeiro entendimento. Propendemos para esta última tese.
Na verdade, se assim fosse, isto é, se bastasse a mera violação de um direito de propriedade, de um direito real ou pessoal de gozo ou da posse, o artigo 397.º/1, não aludiria, desde logo, à necessidade de a obra, trabalho ou serviço “causar ou ameaçar causar prejuízo”.
Acresce que, para efeitos de possibilidade de continuação da obra, o artigo 401.º impõe ao julgador que realize um juízo de ponderação entre o prejuízo resultante para o requerido em consequência da paralisação da obra e o prejuízo que pode advir para o requerente com a sua continuação.
Entende-se, por isso, que a verificação desse prejuízo não pode bastar-se com a mera afirmação da violação de um direito ou da posse, devendo, antes, sustentar-se em factos concretos e objectivos que revelem a ameaça ou a existência de um prejuízo.
À luz do princípio da proporcionalidade, o requerido pode ser autorizado a prosseguir com a obra se, para além de prestar caução, se reconhecer que o prejuízo que para ele decorreria em consequência da suspensão da obra é superior ao dano que o requerente quer evitar com a sua continuação ou se se reconhecer que, face à natureza da obra, a sua demolição permitirá restabelecer por completo o requerente ao estado em que se encontrava antes do prosseguimento dos trabalhos.
Daí que, tal como se referiu supra, o requerente deva alegar e provar o prejuízo ou a ameaça de prejuízo que poderá resultar para si em consequência da continuação da obra, por forma a que o juiz possa valorar adequadamente qual dos interesses em conflito deve prevalecer.
Se assim é, no momento em que a providência foi já decretada, em sede de apreciação da eventual continuação da obra, não se vislumbra razão para que não seja da mesma forma, quando, anteriormente, o Tribunal tiver que decidir sobre o decretamento da providência e, aqui possa prescindir da avaliação sobre a existência do prejuízo.
Se a aferição da magnitude do prejuízo dos litigantes releva naquela fase já avançada do procedimento, mal se compreenderia que ela não tivesse qualquer relevância logo no seu início, quanto mais não seja para se fazer uma triagem relativamente aos casos em que são alegados danos cuja irrelevância ou minudência não justifique este procedimento excepcional e urgente, indeferindo-se os mesmos liminarmente e, assim, se ganhando em termos de racionalização dos meios e da sua adstrição ao julgamento daqueloutros que efectivamente clamam aquela urgência.
Aquelas primeiras considerações gerais, tecidas a propósito dos procedimentos cautelares, que se têm por assentes na doutrina e jurisprudência, aplicam-se, igualmente, às providências nominadas.
Curiosamente a única excepção expressamente prevista na norma remissiva contida no artigo 376.º/1, “com exceção do preceituado no n.º 2 do artigo 368.º, as disposições constantes desta secção são aplicáveis aos procedimentos cautelares regulados na secção subsequente, em tudo quanto nela não se encontre especialmente prevenido”, reporta-se ao preceituado no n.º 2 do artigo 368.º, onde se refere que “a providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”.
Donde, resulta que para o afastamento dos princípios atinentes ao procedimento cautelar comum, importa que tal seja a solução inequivocamente mais defensável, face aos elementos lógico e teleológico da hermenêutica jurídica, na perspectivação e enquadramento da natureza e finalidades da globalidade dos procedimentos cautelares.
E sendo certo que tal génese, natureza, essência e finalidade primordial – assegurar o efeito útil da acção definitiva - de todos as providências é, senão a mesma, pelo menos idêntica ou similar.
Assim, entendemos que tal afastamento não se verifica no embargo de obra nova no concreto ponto que nos ocupa.
Já que o artigo 397.º/1 continua a exigir que a ofensa do direito resulte de uma obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou possa causar prejuízo.
Isto é, não releva uma qualquer ofensa, mas antes a ofensa de que resulte prejuízo.
Naturalmente que este prejuízo, no âmbito de uma qualquer providência cautelar, como seja a presente, não pode ser um qualquer e minudente prejuízo, quer na vertente qualitativa, quer na quantitativa.
Naquela é óbvio - sob pena de retornarmos a uma desfasada e anquilosada jurisprudência dos conceitos - não basta uma mera lesão jurídica, pairando formal e abstractamente, mas antes se deve exigir uma real, efectiva e objectiva lesão “in natura”.
Nesta - sob pena de se banalizar o presente procedimento cautelar, fomentando-se o recurso abusivo ao mesmo, com todos os inconvenientes daí advenientes, designadamente para a economia de meios – pois que ao procedimento, por via de regra segue-se a acção definitiva – e a consecução da justiça material - pois que, como se disse, por via de regra, aqui o contraditório não é exercitado e os meios probatórios são escassos – não basta um qualquer despiciendo ou minudente dano, lesão ou prejuízo, mas antes um prejuízo relevante e, na perspectiva das possibilidades das partes, rectius do requerido, irreparável ou de difícil reparação.
Só assim se justificando o chamamento desta – como, regra geral, de qualquer outra – providência, a qual tem cariz excepcional e apenas pode ser usada em situações de urgência e cabal necessidade, quando a acção de que é dependente não possa, atempadamente, apreciar e tutelar – pelas vias normais e com plena igualdade de armas dos litigantes – o pedido do autor.
Efectivamente, como já se disse, há que ter em conta que, “nas providências cautelares o risco de decisões injustas, decorrente das menores exigências em termos probatórios, é sempre maior do que em sede de acções definitivas, o que pode acarretar graves consequências, maxime nas de cariz antecipatório as quais excedem a natureza simplesmente cautelar ou de garantia, aproximando-se de medidas de índole executiva, pois que garantem, desde logo e independentemente do resultado que se obtiver na acção principal, um determinado efeito”, cfr. acórdão da RL de 30.5-2006, consultado no site da dgsi.
Este entendimento sai ainda reforçado se atentarmos no disposto no artigo 401.º CPCivil o qual, já depois de embargada a obra, admite a possibilidade da autorização da sua continuação, a requerimento do embargado, em dois casos:
- quando se reconheça que a demolição restituirá o embargante ao estado anterior à continuação;
- quando se apure que o prejuízo resultante da paralisação da obra é consideravelmente superior ao que poderá advir da sua continuação;
- em ambos os casos mediante caução prévia às despesas de demolição total.
Ou seja, da execução do embargo de obra emerge um conflito de interesses traduzido no interesse do dono da obra na sua continuação e no interesse do embargante na sua suspensão.
E no confronto entre os dois prejuízos - o resultante da suspensão da obra e o resultante da continuação -, isto é, entre as vantagens emergentes da providência e os prejuízos que dela podem advir para o embargado, deve prevalecer o interesse mais valioso.
Tanto assim que se se concluir que o prejuízo do requerido é mais relevante, deve ser-lhe permitida a continuação da obra, desde que preste caução.
Este preceito – artigo 401.º - e não obstante a não aplicação do n.º 2 do artigo 368.º aos procedimentos especificados imposta pelo artigo 376.º/1, consubstancia-se, como uma excepção a esta excepção, ou seja – e no que ao embargo de obra nova concerne – como uma repristinação deste segmento normativo, posto que condicionado à prestação de caução.

II. 4. 4. Baixando ao caso concreto.

No caso vertente, este requisito, a irreparabilidade do prejuízo, ou, ao menos, a sua magna gravidade que tenha virtualidade e força bastantes para fazer despoletar um procedimento urgente, apreciado com limitações processuais e probatórias, mas que pode já ter efeitos, por vezes graves e/ou, até, irreversíveis, na esfera jurídica de uma partes, não se encontra, de facto, presente.
O que foi alegado, sem mais nesta sede, não será manifestamente suficiente.
Ora in casu, não se pode dizer que a obra invocada reúna estas características, antes se apresentando como uma obra facilmente removível e, pela sua própria natureza e função, provisória, sem estabilidade, ou carácter permanente, em face da sua finalidade.
Constitui um preliminar, uma preparação, um instrumento, um acessório, da obra que o requerido pretende levar a cabo no seu prédio.
Obra que não se vislumbra que possa causar mossas irreparáveis no prédio da apelante, dado, o por definição, diminuto espaço de tempo por que perdurará, na situação em que se encontra.
E, por outro lado, decisivamente, a apelante não alega, desde logo, que foi necessário destruir qualquer plantação, sementeira, ou qualquer edifício, que ali existisse ou, sequer, que impeça, perturbe, em concreto, a fruição que faz usualmente do espaço.
E, muito menos, que dado o montante do prejuízo e/ou a fraca situação económica do requerido - serão irreparáveis ou de muito difícil reparação.
Ou que o decurso do tempo agravará o seu montante, em termos que, previsivelmente, o requerido não os poderá ressarcir.
Os factos que a requerente alega e os efeitos jurídicos que deles pretende extrair – maxime o pedido, principal, por ela formulado - podem e devem ser apreciados e decididos numa normal acção comum declarativa, não assumindo dignidade e relevância bastantes para fazerem despoletar a – repete-se - excepcional e urgente figura da presente providencia cautelar, cfr. acórdão deste Tribunal de 14.10.2008, consultado, nesta data, no site da dgsi.
Este é, claramente, um caso em que a “fattispeccie” que lhe subjaz não assume, a todos os títulos, magnitude e gravidade bastantes para que se possa deitar mão, sem o banalizar, e com todos os riscos que encerra, do procedimento cautelar do embargo de obra nova.
Antes a acção principal e definitiva se assumindo - com emergência nela de todas as suas exaustivas garantias processuais em temos de exercício do contraditório e de apresentação de probatória - o palco adequado para dirimir e fixar os direitos e deveres dos litigantes, cfr. acórdão da RC de 20.4.2021, que seguimos de perto, mesmo com transcrição.

Mas ainda que assim se não entendesse e se afirmasse estar verificado, alegado o prejuízo, derivado da mera violação do direito de propriedade da apelante, sempre importaria analisar a derradeira questão.

Ainda que se entendesse que o prejuízo, como requisito de embargo de obra nova, não carece de valoração autónoma, derivando sempre pura e simplesmente da própria violação do direito, bastando a ilicitude para haver prejuízo, sempre estaria o recurso votado ao insucesso.
Ainda que se não entendesse, que apenas as lesões graves e de difícil reparação ou irreparáveis merecem a tutela provisória.
Ainda que se não entendesse que estão afastadas do círculo de interesses, aqui, acautelados, ainda que irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são excluídas as lesões graves mas facilmente reparáveis, cfr. António Abrantes Geraldes, Temas – III, 3.ª ed. 101, ainda assim, o recurso estaria votado ao fracasso.

E, assim, somos chegados ao segmento essencial do recurso, atinente com a questão do facto de o marido da apelante ter dado autorização ao requerido para proceder à escavação no lote ...0.

Não sem antes dizermos o seguinte.

Diz a apelante que a violação do seu direito de propriedade se traduz, desde logo, porque está impedida de aceder ao interior do terreno - facto que por si só é um prejuízo.

Diz, ainda que o requerido escavou uma área de terreno muito maior da que tinha inicialmente aflorado e que a obra dura mais do que os quinze dias anunciados.

E, diz, que o facto de o requerido ter vedado o seu terreno, sem cuidar de lhe pedir a si e ao marido qualquer autorização, são reveladores de uma personalidade conflituante e desafiadora, sendo, pois, legítimo o receio de que venha a edificar o muro periférico no interior do seu prédio.

O conceito de embargo traduz a ideia de oposição ao prosseguimento de uma obra, o que é, no caso concreto, incompatível com a natureza da obra e do estado em que a mesma se encontra, no momento.

Isto sendo certo que na verificação do início e da conclusão da obra, o que releva é o momento em que o embargo é requerido

Embargar uma obra significa suspender provisoriamente uma obra cuja suspensão definitiva ou cuja demolição possa vir a ser decretada na acção.

Trata-se de uma providência cautelar que procura regular provisoriamente um litígio, garantindo a “estabilização da situação de facto” até que o direito seja declarado e reconhecido na acção principal.

No caso, salta à vista o manifesto interesse do requerido concluir a obra, que decidiu empreender, construir o muro e, naturalmente proceder ao aterro do espaço envolvente que, para o efeito, utilizou no prédio da apelante.

O facto de ter procedido à vedação do terreno ter-se-à prendido, mais, seguramente com a necessidade de assegurar as condições de segurança no trabalho, para quem ali está a executar a obra, do que impedir a passagem do apelante para a sua propriedade.

Quanto ao perigo de que o requerido venha, afinal, a construir o muro no seu prédio, importa ressalvar que se por um lado a obra anunciada, ainda não está acabada, concluída, no seu aspecto essencial – a construção do muro, naturalmente no prédio do requerido.

Por outro, a construção do muro, agora, no prédio da apelante, ainda se não iniciou.

Nada permite concluir, sugerir sequer, que o temido perigo, agora anunciado pela apelante, se venha a concretizar. E apenas se e quando vier a ocorrer poderá lançar mão de um procedimento para fazer o requerido parar.

Até lá é absolutamente temerário e não actual, a afirmação da violação do seu direito de propriedade, consubstanciado na construção do aludido muro.

II. 4. 5. E, assim, somos chegados ao segmento essencial do recurso, atinente com a questão do facto de o marido da apelante ter dado autorização ao requerido para proceder à escavação no lote ...0, bem comum do casal.

Sobre esta questão, concretamente, sobre o facto de o marido da apelante, quando está em causa a violação do direito de propriedade de um bem comum do casal, não estar na demanda, importa dizer, desde já, o seguinte.

Como é bom de ver, estando em causa um bem comum do casal, o normal seria o marido da apelante, também, ele, ser parte na providência.
Como ela refere, a dado passo, no dispositivo do requerimento inicial, o prédio que constitui o lote ...0, afinal é propriedade “dos requerentes.”
Mas não está, em qualquer repercussão, de resto, em termos processuais, apenas e tão só, porque afinal ele, próprio, pessoalmente deu autorização ao requerido para levar a cabo a obra.
Porventura, em menor dimensão e por tempo mais reduzido, é certo.
Mas que não altera o essencial. Se o marido da requerente agora viesse colocar em causa a licitude da obra e o requerido imputar-lhe-ia o facto de estar a litigar num quadro susceptível de integrar uma situação de “venire contra factum proprium”, em manifesto abuso de direito, como litigante de má fé, mesmo.

Adiante.

Nesta sede, entendeu a decisão recorrida que a obra era lícita, dado que a actuação do requerido, com a realização da escavação, fora precedida de autorização do marido da apelante.

Discorda a apelante do entendimento sufragado na decisão recorrida, de que, o consentimento do seu marido é um acto de administração ordinária, por não diminuir o património do casal nem implicar despesas extraordinárias.

Desde logo, porque suscita a questão de o comportamento do requerido sugerir o oposto da afirmação de que a escavação durará 15 dias e que no final o requerido reporá o terreno no estado em que se encontrava.

Vejamos.

O artigo 1678.º CCivil, sob a epígrafe de “administração dos bens do casal” dispõe que “cada um dos cônjuges tem a administração dos bens comuns”, n.º 2 alínea c).

E, o n.º 3 que, “fora dos casos previstos no n.º anterior, cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal; os restantes actos de administração só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges”.

No sentido de procurar um critério operativo que permita densificar tais conceitos indeterminados, a doutrina vem definindo actos de administração ordinária como aqueles que visam a conservação do bem ou a sua frutificação normal, sem alterarem a substância da coisa, e que podem ser efectuados sem sacrifício económico relevante e sem recurso às reservas financeiras, isto é, utilizando só uma parte dos rendimentos correntes, enquanto os actos de administração extraordinária serão aqueles que ainda se incluem nos poderes de administração mas que abrangem a feitura de obras que alteram a integridade do património ou actos de conservação, uso e fruição mas anormais e particularmente importantes, ou seja, abrangem os actos de frutificação anormal ou a realização de benfeitorias ou melhoramentos nos bens.

“Quando a lei restringe os poderes de certas pessoas aos actos de ordinária administração, sem mais especificações, necessário se torna conhecer o respectivo conceito.

A distinção não assenta na natureza jurídica dos actos, mas nos riscos ou na importância patrimonial dos mesmos.

Para determinar o sentido e a extensão do conceito de actos de mera administração importa ter presente a razão de ser dos preceitos legais, que em várias sedes, limitam os poderes de actuação jurídica de certas pessoas à mera administração.

Quando a lei não esclarece, através de uma definição ou de uma enumeração, quais os tipos de actos que integram uma dada categoria, é uma consideração teleológica (de conformidade com o fim legal) que nos deve guiar.

Onde a lei opera com a dicotomia administração-disposição, da ratio legis conduz à conclusão de os actos de mera administração ou de ordinária administração serem os correspondentes a uma gestão comedida e limitada, donde estão afastados os actos arriscados, susceptíveis de proporcionar grandes lucros, mas também de causar prejuízos elevados. São os actos correspondentes a uma actuação prudente, dirigida a manter o património e a aproveitar as suas virtualidades normais de desenvolvimento, mas alheia à tentação dos grandes voos, que comportam risco de grandes quedas.

Ao invés actos de disposição são o que, dizendo respeito a gestão do património administrado, afectam a sua substância, alteram a forma ou a composição do capital administrado, atingem o fundo, a raiz, o casco dos bens, são actos que ultrapassam aqueles parâmetros de actuação correspondente a uma gestão de prudência e comedimento, sem riscos”, cfr. Professor Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 407 e ss.

Concretizando algo mais, refere o Professor Manuel Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 62-63 que,

“Actos de mera administração serão pois os que correspondem a uma gestão patrimonial limitada e prudente em que não são permitidas certas operações – arrojadas e ao mesmo tempo perigosas – que podem ser de alta vantagem, mas que podem ocasionar graves prejuízos para o património administrado. Ao mero administrador são proibidos os grandes voos, as manobras audaciosas, que podem trazer lucros excepcionais, mas também podem levar a perdas catastróficas.

É doutrina pacífica que entra na mera administração tudo quanto diga respeito:

1) a prover à conservação dos bens administrados;

2) e promover a sua frutificação normal;

Por outro lado é seguro também que não pertencem à mera administração – sendo actos de disposição – os negócios que alterem a própria substância do património administrado, que importem a substituição de uns bens por outros, que afectem, numa palavra, o capital administrado, pondo-se em risco, por importarem um novo e diverso investimento desse capital. Por ex.: vender os prédios que constituem o capital confiado ao administrador para dar qualquer outra aplicação ao respectivo preço; comprar prédios com dinheiro que faça parte do mesmo capital”.

A esta luz, no domínio do direito da família, afigura-se-nos constituírem actos de administração ordinária, que cada cônjuge pode praticar isoladamente, aqueles que atendam às necessidades ordinárias e quotidianas da família, que não comportem decisões de fundo, susceptíveis de impedir ou condicionar a sua direcção conjunta.

E constituirá acto de administração extraordinária, aquele que implique uma alteração da composição que o património tinha no momento em que a administração se iniciou.

Ora, ao contrário, do que entende a apelante, a autorização, dada por um dos cônjuges, ao proprietário do prédio confinante, para que possa proceder à escavação do prédio, bem comum do casal, em vista da construção de um muro de contenção periférico da habitação que pretendia construir no seu lote ...1, com cerca de 60 cm e no máximo 1 m e, por um período de apenas 15 dias - naturalmente com a possibilidade de ocupação do prédio com pessoas, máquinas e materiais – enquadra-se no conceito de acto de mera administração, de administração ordinária.

Com efeito, os actos autorizados a praticar, em concreto, sobre o bem comum não alteram a própria substância do prédio, património comum do casal. Muito menos, através de uma (injustificada) variação negativa do mesmo, não ultrapassando, por conseguinte, as finalidades próprias da mera administração.

Se pertence a ambos, os cônjuges, em conjunto, a administração dos bens comuns, esta regra comporta a excepção de que cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária.

Deste regime resulta, ainda assim, que o casamento continua a ser fonte de ilegitimidades conjugais, que constam dos artigos 1682.º, 1682.º-A, 1682.º-B e 1683.º CCivil.

E, assim carecem de consentimento de ambos os cônjuges, apenas no regime de comunhão geral ou de adquiridos, mas já não no regime da separação de bens, a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis comuns, cfr. artigo 1682.º-A/1 alínea a) CCivil.

A ilegitimidade conjugal, no entanto, supre-se pelo consentimento do outro cônjuge, artigos 1682.º/1 e 3, 1682.º-A e 1682.º-B, que deve ser especial, para cada acto e que está sujeito à forma exigida para a procuração – isto é, a forma exigida para o respectivo negócio ou acto jurídico artigo 262.º/2 CCivil, exigindo-se habitualmente a intervenção conjunta e simultânea de ambos no acto a realizar - e pode ser judicialmente suprido, havendo injusta recusa ou impossibilidade, por qualquer causa de o prestar, artigo 1684.º CCivil.

E a nível de sanções para a ilegitimidade conjugal, resulta do disposto no artigo 1687.º, que os actos praticados contra o disposto nos artigos 1682.º/1 e 3, 1682.º-A, 1682.º-B e 1683.º/2, são anuláveis, a requerimento do cônjuge que não deu consentimento ou dos seus herdeiros, n.º 1, nos 6 meses subsequentes à data em que o requerente teve conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos 3 anos sobre a sua celebração, n.º 3.
Deste regime, assim sumariamente enunciado, resulta, então, que mesmo que assistisse razão à apelante na não qualificação como de administração ordinária a autorização dada pelo marido, ainda assim tal não se repercutia na licitude da actuação do requerido.

Não a tornava ilícita e daí, decisivamente, o irremediável e incontornável insucesso do recurso – mesmo que se verificassem todos os demais requisitos de que depende a procedência do procedimento de embargo de obra nova, faltaria, sempre a ilicitude subjacente ao apontado 4.º requisito, atinente com a ofensa do direito real de propriedade em consequência da aludida obra.



III. Sumário – artigo 663.º/7 CPCivil.
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IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento à apelação.

Custas pela apelante, atentas as regras do decaimento, contidas no artigo 527.º CPCivil.






Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1.º signatário.

Porto, 9/5/2024.


Ernesto Nascimento
Paulo Duarte Teixeira
Isoleta de Almeida Costa

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[1] DAR, II Série-A, n.º 41, 3º Suplemento, de 30.11.12.