Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
194/23.7GBFLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DO VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
MEDIDA DAS PENAS PRINCIPAL E ACESSÓRIA
Nº do Documento: RP20240110194/23,7GBFLG.P1
Data do Acordão: 01/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A simples questão do quantum exacto das penas só deve ser objecto de alteração em recurso se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.
II - Num crime de condução de veículo em estado de embriaguez, a fixação das penas principal e acessória pelo mínimo legal só faz sentido em contexto em que se verificou confissão integral e sem reservas do arguido, inexistem antecedentes criminais e a TAS apurada está muito próxima do valor de 1,20 g/l, o necessário para que a conduta seja considerada crime.

[Sumário da responsabilidade do Relator]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 194/23.7GBFLG.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Criminal de Felgueiras

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo Abreviado n.º 194/23.7GBFLG, a correr termos no Juízo Local Criminal de Felgueiras, por sentença de 12-07-2023, foi decidido, para além do mais:
«A) Condenar o arguido AA, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, praticado em 3 de maio de 2023, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante total de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros);
B) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 (sete) meses, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal»
*
Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs recurso, solicitando a redução da pena de multa e da pena acessória ao mínimo legal.
Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1. Em 15/07/2021, o Arguido/Recorrente foi condenado por um crime de condução de veículo em estado de embriaguez ((art. 292.º/1 CP).
2. O arguido não se conforma com pena de multa concretamente aplicada, concretamente, com o quantitativo diário fixado (6,00€) porquanto revela-se excessiva.
3. O Tribunal não ponderou o Tribunal a integração socio-profissional e familiar do arguido, que aufere o salário mínimo nacional, que tem três filhos, contribuindo com a quantia mensal de 225,00€; que contribuiu com a quantia mensal de 225,00€ para as despesas com a casa; não tem antecedentes criminais pela prática de crime de idêntica natureza.
4. Não justifica, sequer, por que razão se afastou, na fixação do quantitativo diário, do mínimo legal, sendo certo que ao fazê-lo coloca em causa coloca o mínimo de subsistência do arguido.
5. Atento o provado, o quantitativo diário da pena de multa tinha que ter sido fixado no mínimo legal. Pelo que, sempre a pena concretamente aplicada tinha que ser inferior e deve ser reduzida.
6. Quanto à sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 7 meses, atentos os factos provados supratranscritos, e a primariedade do agente em crimes desta natureza, revela-se a mesma excessiva pelas razões evidenciadas, devendo ser reduzida ao seu mínimo legal, o que se requer
*
O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, considerando não assistir qualquer razão ao recorrente e pugnando pela manutenção da decisão recorrida, sintetizando a sua posição nas seguintes conclusões:
«1 - O recurso interposto incide sobre a douta sentença proferida no âmbito dos presentes autos, a qual condenou o arguido, ora recorrente, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de 6 (seis) Euros, que perfaz o total de 420,00 (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 7 (sete) meses.
2 - As conclusões delimitam o objecto do recurso.
3 - No que se refere ao quantitativo diário fixado de € 6,00, parece-nos ajustado aos seus rendimentos e encargos pessoais, devendo ser reservada a aplicação da quantia mínima, € 5,00 para os casos de absoluta carência económica.
4 - Quanto à pena acessória de 7 meses de proibição de conduzir em que foi condenado, considerando que já tem antecedentes criminais ainda que por crimes de outra natureza, a TAS de 2,556 gr/l apresentada, sendo esta pena acessória como a pena mais temida e a que de algum modo, apresenta um efeito mais dissuasor e melhor protege os bens jurídicos e a reintegração do agente, apenas pode pecar eventualmente por defeito.
5 - A sentença ora recorrida nenhum reparo nos merece, devendo a mesma ser mantida, nos seus exactos termos, não se mostrando violada qualquer norma legal nem constitucionalmente protegida.»
*
Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer em que pugnou, igualmente, pelo não provimento do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.
*
Notificado nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrente não apresentou resposta.
*
Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
*
II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
A única questão que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se a medida concreta das penas principal e acessória aplicadas é excessiva, devendo ser reduzida nos termos propostos.

Para análise da questão que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente.
Após audição da leitura da sentença para a acta, verifica-se ser do seguinte teor o elenco dos factos que o Tribunal a quo deu por provados na sentença recorrida:
- No dia 3 de maio de 2023, cerca das 22h04, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-QO, na Rua ... – ... – Felgueiras, o qual foi submetido à pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, acusou uma T.A.S. de 2,556 g/l, após a dedução do erro máximo admissível de uma T.A.S (2,69g/l);
- O arguido agiu de forma de livre, voluntária e conscientemente ao conduzir, na via pública, o mencionado veículo depois de ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade tal que poderiam determinar, como determinaram, uma T.A.S. igual ou superior a 1,2g/l e não obstante esse conhecimento não se inibiu de conduzir na via pública.
- O arguido sabia que a conduta supradescrita era proibida e punida pela lei penal;
- O arguido trabalha na construção civil, auferindo o ordenado mínimo nacional;
- É solteiro e tem três filhos menores, pagando mensalmente a título de prestação de alimentos dos três a quantia de € 225;
- Vive em casa de uma tia, com a mesma, contribuindo mensalmente com a quantia de € 200 para as despesas;
- Tem o 6.º ano de escolaridade;
- Confessou os factos;
- Tem os antecedentes criminais que constam do CRC junto aos autos.
*
Vejamos, então, se a medida concreta das penas principal e acessória aplicadas é excessiva, devendo estas ser reduzidas nos termos propostos.
*
Na determinação da medida concreta da pena impõe-se ao julgador que tenha presente o disposto em três normas fundamentais nesta matéria, os arts. 40.º, 70.º e 71.º do CPenal.
Dispõe o primeiro dos indicados preceitos, com a epígrafe “Finalidades das penas e das medidas de segurança”, que:
«1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.»

Tendo presente estas finalidades, deve o julgador de seguida, na operação de escolha da pena, ter em atenção a regra ínsita no art. 70.º do CPenal, segundo o qual:
«Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

Por fim, especifica o terceiro dos indicados preceitos (art. 71.º do CPenal) que na determinação da medida concreta da pena deve o julgador ter em atenção que:
«1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.»

Nas palavras sempre actuais de Figueiredo Dias[2], «A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.»

Para além destas indicações é preciso não perder de vista que «[a] necessidade, proporcionalidade e adequação são princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.»[3]

A medida concreta da pena tem, pois, de ser fixada de modo a permitir a satisfação das exigências de prevenção geral, salvaguardando as expectativas da comunidade na validade e manutenção/reforço da norma violada – o que constitui o seu limite mínimo, abaixo do qual não estão a ser cumpridas as finalidades da punição –, embora sem ultrapassar a medida da culpa – que funciona como limite máximo da medida da sanção, sob pena de ser posta em causa a dignidade da pessoa do delinquente –, devendo a concretização da pena, a fixar entre tais limites mínimo e máximo, corresponder ao necessário e suficiente para a reintegração do agente, aí sendo realizado o juízo de ponderação das exigências de prevenção especial.

São estes parâmetros de concretização da pena que é aplicada ao arguido condenado que devem estar explicitados na sentença, permitindo aos destinatários da mesma acompanhar o percurso decisório do julgador na 1.ª Instância.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo há muito que «Em matéria de medida concreta da pena, apesar de se mostrar hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar» substituída pela de autêntica aplicação do direito, aceitando-se a sindicabilidade da correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa e a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.»[4]

No mesmo sentido, entre outros, entendeu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 05-04-2017[5] que:
«I - No quadro da moldura penal abstracta, a fixação [da pena] estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
II - Relativamente à determinação do quantum exacto de pena [só] será objecto de alteração se tiver ocorrido violação das regras da experiência ou se se verificar desproporção da quantificação efectuada.»

Esta jurisprudência reflecte a ideia, que perfilhamos, de que a alteração da medida concreta da pena em sede de recurso deve respeitar a zona de liberdade do julgador em 1.ª Instância ao fixar o quantum da pena, desde de que se situe entre os referidos limites que satisfazem as necessidades de prevenção especial (o mínimo necessário à salvaguarda das expectativas comunitárias e o máximo balizado pela culpa do agente) e não ocorra violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção na pena aplicada.

Nesta operação de detalhe das opções levadas a cabo pelo Tribunal na escolha e determinação da medida concreta da pena, após audição da leitura da decisão para acta, apurou-se que o Tribunal a quo ponderou as elevadas exigências de prevenção geral, em face dos elevados índices de sinistralidade de ocorrem nas estradas nacionais e que frequentemente têm por base a condução de veículos sob a influência do álcool e a ilicitude do facto, considerada muito elevada, dada a taxa de alcoolémia apurada (2,556 g/l), constituindo esta conduta crime a partir de uma TAS de 1,20 g/l.
Ponderou que o arguido confessou os factos e encontra-se minimamente inserido em termos sociais.
Teve ainda em atenção que o arguido tem antecedentes criminais, embora por outro tipo de ilícito.
Assim, optou por uma pena de multa.
Na fixação do quantitativo diário foi ainda ponderado o disposto no art. 47.º, n.º a 1 e 2, do CPenal, tendo em conta as condições económicas do arguido.
O Tribunal a quo afastou a aplicação da pena de admoestação atenta a elevada sinistralidade rodoviária no país e a existência de antecedentes criminais.
No que concerne à pena acessória o Tribunal a quo ponderou as circunstâncias a que já aludiu, salientando a elevada taxa de álcool no sangue registada e a confissão dos factos.

Tendo presentes os critérios apontados e a argumentação desenvolvida pelo Tribunal a quo para aplicação das penas não detectamos qualquer falha formal ou substancial a imputar à decisão recorrida quanto à concretização das penas.
O Tribunal a quo identificou a moldura penal abstracta correspondente ao tipo de crime pelo qual foi o arguido condenado, optou pela aplicação de pena não privativa da liberdade e concretizou de forma sumária, mas suficiente, em face dos factos dados como provados e dos preceitos referidos, os factores relevantes que militaram a favor e contra o arguido, decidindo depois pela aplicação da pena de 70 (setenta) dias de multa que considerou adequada.
A opção por uma pena de multa e não uma pena de prisão já representa um juízo de ponderação que reflecte uma valoração de menor censura sobre a conduta e dentro da moldura respectiva a fixação da pena em 70 dias de multa, considerando a muito elevada TAS registada e os antecedentes criminais do arguido, mesmo que diferente natureza, mostra-se perfeitamente razoável, ainda que tenha havido confissão dos factos, que, contudo, é nestes casos sempre de diminuto valor atenuativo, dada a evidência das provas baseadas no exame realizado para detecção de álcool no sangue.
O recorrente alega que o Tribunal a quo não ponderou todas as circunstâncias que o poderiam beneficiar, mas a audição da leitura da sentença demonstra que tal não é correcto.
Não existe, por isso, invocação de qualquer erro de julgamento, pelo que nos encontramos no puro campo da fixação do quantum da pena de multa, que não nos merece qualquer censura, por se encontrar dentro dos limites perfeitamente admissível de liberdade do julgador em face das circunstâncias apontadas e tendo em conta a jurisprudência citada.
E no que concerne ao quantitativo diário fixado (€ 6), considerando que o limite legal é de € 5 (cinco euros), que a actividade profissional do arguido é susceptível de lhe propiciar um rendimento mensal mínimo, e que o escalão mais baixo, de € 5, deve ser reservado aos indigentes e aos cidadãos economicamente mais desfavorecidos que o recorrente, não pode a taxa diária fixada ser considerada desadequada.
A este propósito, «[d]esde há muito a jurisprudência dos tribunais superiores tem considerado um ponto relevante para a fixação da pena de multa e que é o de que, aplicada esta, o quantitativo fixado deve constituir um sacrifício real para o/a condenado/a sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do agregado familiar pelo qual seja responsável, o que não é o caso. E isto para que a aplicação concreta da pena de multa não represente «uma forma disfarçada de absolvição ou de uma dispensa de pena ou isenção de pena que se não tem coragem de proferir»[6].
Atente-se também que a pena de multa fixada ao recorrente pode ainda beneficiar de mecanismos de adequação, conforme resulta do disposto nos arts. 47.º, n.ºs 3 e 4, 48.º e 49.º, n.º 3, do CPenal.
Assim, ao contrário do alegado, a fixação da medida concreta da pena de multa e respectiva taxa diária foi realizada de acordo com os parâmetros legais de proporcionalidade, adequação e necessidade, tendo em conta a medida da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial expressas na decisão recorrida.
O mesmo se diga da pena acessória de proibição de conduzir.
Como se firmou no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-01-2018[7], «A determinação da medida concreta da pena acessória é efetuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71º do Código Penal, uma vez que depende da gravidade do ilícito e da culpa do agente do crime.»
Contudo, a finalidade da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor «reside na censura da perigosidade, embora a ela não seja estranha a finalidade de prevenção geral (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág.165). Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou (cfr. acta n.º 8 da Comissão de Revisão do Código Penal)»[8].
É «uma função preventiva adjuvante da pena principal, que se dirige, ao menos nalguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação»[9].
Por tal razão, a medida a encontrar na fixação da pena acessória «não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos»[10].
Considerando tal desiderato, bem como a moldura penal abstracta de 3 (três) meses a 3 (três) anos de proibição de conduzir, em conjugação com os factos dados como assentes na sentença recorrida, designadamente o muito elevado grau de TAS apurado, muito acima da média verificada e correspondente a mais do dobro da TAS necessária para que a conduta seja considerada crime, e o facto de o recorrente já ter sido anteriormente condenado por um crime de desobediência e dois crimes de ofensa à integridade física simples, o que não permite afirmar que os factos que aqui se apreciam foram um acontecimento isolado e irrepetível na vida do recorrente, não podemos deixar de concordar com a medida da pena acessória fixada.
O mínimo legal reclamado pelo recorrente só faz sentido em contexto em que, para além da confissão integral e sem reservas dos factos, que aqui se verificou, inexistem antecedentes criminais e a TAS apurada está muito próxima do valor de 1,20 g/l, o necessário para que a conduta seja considerada crime.
Em suma, a fixação da medida concreta das penas principal de multa e acessória foi realizada de modo proporcional, adequado e necessário, tendo em conta a medida da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial, sendo de manter a decisão recorrida.
*
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3,5 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs. 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).

Porto, 10 de Janeiro de 2024
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Lígia Trovão
José Quaresma
________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 215.
[3] Acórdão do STJ de 22-11-2017, Proc. n.º 731/15.0JABRG.G1.S1 - 3.ª secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[4] Cf., entre muitos outros, acórdão de 11-10-2007, Proc. n.º 07P3171, acessível in www.dgsi.pt.
[5] Cf. Proc. n.º 47/15.2IDLRA.C1, acessível in www.dgsi.pt.
[6] Acórdão do STJ de 23-11-2017, Proc. n.º 146/14.8GTCSC.S1 - 5.ª Secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[7] Proc. n.º 149/17.0PFVNG.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[8] Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2015, Proc. n.º 167/15.3GBBCL.G1, acessível in www.dgsi.pt.
[9] Proc. n.º 149/17.0PFVNG.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[10] Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2015, Proc. n.º 167/15.3GBBCL.G1, acessível in www.dgsi.pt.