Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | DOMINGOS MORAIS | ||
Descritores: | AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO ASSISTENTE RECURSO DE APELAÇÃO LEGITIMIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP202006221197/19.1T8AVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO NÃO ADMITIDO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Na acção especial de reconhecimento do contrato de trabalho, o legislador colocou, como partes principais, o Ministério Público e o empregador demandado, sem definir qual a posição do trabalhador interessado. II - Dada a natureza pública do interesse prosseguido pela Lei n.º 63/2013, de 27.08 - o combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado -, a possibilidade de intervenção do trabalhador, prevista no artigo 186.º-L, n.º 4, do CPT, apenas lhe permite aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público na petição inicial e não também aos alegados pelo empregador na contestação. III - Neste contexto específico da tramitação da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a posição do trabalhador é a de “assistente”, de auxílio ao M. Público. IV - O “assistente” apenas pode recorrer de decisão que directamente o prejudique (artigo 631.º, n.º 2, CPC), como por exemplo: (i) do indeferimento de requerimento em que peça a intervenção na causa; (ii) da não admissão de qualquer articulado por ele oferecido; (iii) da rejeição de qualquer prova que ele pretenda produzir. V - Estando a actividade processual do “assistente” subordinada à do Ministério Público, carece de legitimidade para impugnar, mediante recurso de apelação, a decisão final desfavorável. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1197/19.1T8AVR.P1 Origem: Comarca Aveiro-Aveiro-Juízo Trabalho-J2. Relator - Domingos Morais – Registo 871 Adjuntos – Paula Leal de Carvalho Rui Penha Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. - O Ministério Público, na sequência de participação que lhe foi apresentada pela ACT, instaurou, na Comarca de Aveiro, Aveiro, Juízo do Trabalho, Juiz 2, a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, com B…, contra C…, Lda., alegando, em síntese que: 1. No dia 03-01-2019, pelas 12h30, as inspectoras de trabalho da ACT referidas na participação, efectuaram uma visita inspectiva ao local de trabalho acima identificado, sito na D…, na Rua …, em Esmoriz, tendo sido interlocutor o sócio-gerente, E…; 2. Conforme informação prestada pelo interlocutor, a C… presta a actividade medicina física e de reabilitação (MFR), nas instalações da D…, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços celebrado com a F…; 3. Com o referido contrato, a C… compromete-se a desenvolver as actividades de MFR aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, no âmbito do acordo bilateral de MFR que a F… estabeleceu com a Administração Regional de Saúde do Centro (ARS – Centro), nas instalações da F…, bem como outros serviços de saúde a utentes particulares ou de outros subsistemas; 4. Mais informou que, para o desenvolvimento da sua actividade, a C… tem ao seu serviço, naquele local de trabalho, 2 fisioterapeutas (sócios-gerentes), 1 técnica auxiliar de fisioterapia e 1 assistente administrativa, beneficiando ainda da actividade de 10 fisioterapeutas, 1 assistente administrativa e 1 auxiliar de serviços gerais, em regime de prestação de serviços; 5. No decorrer da visita, foi identificada a prestadora de actividade B…, acima referida, entre outros prestadores; 6. A prestadora B…, encontrava-se a desenvolver a actividade de fisioterapeuta, com as seguintes características: a. No local determinado pelo beneficiário da prestação, sito nas instalações da D…, localizada na Rua …, em Esmoriz; b. Utilizando, no exercício das suas funções, equipamentos, instrumentos e materiais pertencentes/propriedade do beneficiário da prestação, nomeadamente fardas, equipamentos e produtos utilizados nos tratamentos, macas, entre outros que sejam necessários ao desenvolvimento da sua actividade; c. Com observância de horas de início e termo da prestação determinadas pelo beneficiário da actividade, de segunda a sexta-feira, das 08h00 às 12h00 e das 13h00 às 17h00 (8h/dia); d. Recebendo do beneficiário da actividade, com uma periodicidade mensal, uma quantia de 5€/hora, perfazendo uma média mensal de cerca de 800€; e. A referida prestadora iniciou a sua actividade para a C… em Dezembro de 2012, e realizava anteriormente 8 horas de trabalho por dia, mas que após ter tido um bebé passou a prestar 6h30/dia; f. A prestadora informou que é o médico fisiatra que determina/prescreve os tratamentos, que dão sempre um parecer ao Dr. E…, que faz registo dos tempos de trabalho, tem alguma flexibilidade no horário durante a tarde, que goza normalmente 2 semanas de férias, não pagas, conforme acordado com o beneficiário da actividade e ser-lhe requerido que avise atempadamente quando necessita de faltar, para que possa ser substituída e que não tem seguro de acidentes de trabalho; g. Se tivesse necessidade de faltar, teria de avisar para que pudesse ser substituída, sendo que as faltas não lhe erma pagas e que se, próximo do fim do horário não tivesse utentes, não se poderia ausentar, sob pena de não receber essa hora. 7. Consultado o Sistema de Informação da Segurança Social, foi verificado que, à data da visita inspectiva, o beneficiário da actividade (entidade empregadora) apenas tinha ao seu serviço, para além dos 2 sócios-gerentes, 2 trabalhadoras, sendo o desenvolvimento da actividade prosseguida pelo beneficiário assegurada, aparentemente, maioritariamente pelos prestadores de actividade onde estava incluía a prestadora B…; 8. A prestadora referida estava integrada na estrutura organizativa do beneficiário da actividade, em relacionamento directo com o referido representante legal, reconhecendo-o como sua entidade empregadora e obedecendo às instruções daquele emanadas. 9. Em 17 de Janeiro de 2019 foi remetida ao representante legal do beneficiário, por correio registado, uma Notificação e Auto (procedimento constante do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, na sua redacção actual) mas não foi regularizada a situação da prestadora de actividade G…; 10. O vínculo laboral existente entre a Ré e a trabalhadora G… consiste num verdadeiro contrato de trabalho, ainda que a tempo parcial, enquadrável no conceito definido no art.º 12.º do Código do Trabalho. Terminou, pedindo: “I. Ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e a trabalhadora B… II. Ser reconhecido que tal relação laboral teve início em Dezembro de 2012.”. 2. - Citada, a ré contestou, alegando, em resumo, que a actividade de fisioterapeuta, desenvolvida por B…, para C…, Lda., tem sido ao abrigo de um contrato de prestação de serviços. E concluiu: “Deve ser julgada não provada e improcedente a acção, com a consequente absolvição da Ré do pedido”. 3. – Notificada, B… apresentou articulado próprio, aderindo aos factos apresentados pelo Ministério Público e alegando factualidade que, no seu entender, sustenta uma relação de trabalho. Terminou, pedindo: “Nestes termos, deve a presente acção ser julgada provada e procedente, e por via dela, ser reconhecido que o contrato celebrado entre a Ré e a Trabalhadora, B…, em Dezembro de 2012, é um verdadeiro Contrato de Trabalho enquadrável no conceito definido no art. 12º do Código do Trabalho.”. 4. - Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, a Mma. Juiz proferiu decisão: “Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, julga-se improcedente a presente acção, absolvendo-se a R. do pedido. Valor da acção: € 5.001,00, dado que não se apuraram elementos que permitam apurar a utilidade económica do pedido e a lei prevê a admissibilidade de recurso para a Relação. Custas pela trabalhadora, uma vez que apresentou articulado próprio – art. 186º-Q, nº4 do C.P.Trab. Comunique a decisão à ACT e ao Instituto da Segurança Social- nº9 do art 186º-O do C.P.Trab”. 5. - A prestadora, B…, apresentou recurso de apelação, concluindo: “1 – O Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho propôs ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com processo especial, contra a Ré, alegando, relativamente à aqui Recorrente, que o contrato que vincula a Recorrente à Ré é, pelas características em que é exercida a atividade, um contrato de trabalho e não de prestação de serviços, devendo, portanto, ser assim reconhecido. 2 - Realizado o julgamento, foi proferida decisão que não reconheceu a existência de um contrato de trabalho entre as partes, pelo que a Ré foi absolvida do pedido. 3 - O presente recurso vem interposto da matéria de facto e de direito. …………………………… …………………………… …………………………… 6. – A ré contra-alegou, concluindo, em resumo: “Nada se provou quanto à existência de uma relação funcional ou hierárquica da recorrente relativamente aos representantes legais ou quaisquer trabalhadores da recorrida. O tempo de trabalho era, pois, definido e preenchido em função do nível de serviço concretamente existente, podendo os prestadores da atividade fazerem trocas entre colegas, sem necessidade de autorização da recorrida. O juízo global a fazer é, pois, indicador da existência e um contrato de prestação de serviços. Termos em que negando provimento ao recurso farão inteira JUSTIÇA!”. 7. – O M. Público, na 1.ª instância, não recorreu, nem respondeu ao recurso de apelação e às respectivas contra-alegações da ré. 8. - O M. Público, junto deste Tribunal Superior, não emitiu parecer, atento o requerimento que antecede. 9. - Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 657.º, n.º 2, do CPC. Cumpre apreciar e decidir. II. - Fundamentação de facto 1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto: …………………………… …………………………… …………………………… III. – Fundamentação de direito 1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, os objectos dos recursos estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, supra transcritas. Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. 2. - Questão prévia: da (in)admissibilidade do recurso da prestadora, B…. 2.1. - O artigo 641.º - Despacho sobre o requerimento – do CPC dispõe: “1 - Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar. 2 - O requerimento é indeferido quando: a) Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora de prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer; b) (…).”. (negrito nosso) 5 - A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º.”. Por sua vez, o artigo 652.º - Função do relator – estatui: “1 - O juiz a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente: a)…; b) Verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso;”. 3 - Salvo o disposto no n.º 6 do artigo 641.º, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão;”. (negritos nossos) Apreciemos. 2.2. – Esta mesma questão já foi apreciada no acórdão de 07.05.2018 do TRP, proferido no processo n.º 9505/16.0T8VNG.P1, subscrito pelo mesmo colectivo destes autos e cuja fundamentação seguiremos de perto. O artigo 631.º - Quem pode recorrer - n.º 1, do CPC, dispõe: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.”. E o n.º 2 acrescenta: “As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.”. Com efeito, sem embargo do exercício da acção pelo Ministério Público, que com competência própria, definida pela lei (artigo 186.º-K, do CPT), é parte legítima [artigo 30.º, n.º 3 do CPC e já apreciada na jurisprudência do Tribunal Constitucional – acórdãos (TC) n.º 94/2015 (João Cura Mariano), P. 822/14 (com rectificação ordenada no ac. 116/2015), de 11.02; n.º 204/2015 (João Cura Mariano), P. 1054/14, de 25.03.2015; n.º 219/2015 (Ana Guerra Martins), P. 1104/14, de 08.04.2015 e n.º 228/2015, (Maria de Fátima Mata Mouros), P. 10/15, de 28.04.201514 -], a lei prevê a intervenção do trabalhador no artigo 186.º-L, n.º 4, do CPT, preceito que dispõe que o trabalhador é notificado da data de audiência de julgamento, “com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário”. Assim, se no que concerne à posição processual do Ministério Público e do empregador, o legislador os colocou como partes principais, já no que concerne ao trabalhador, a posição que este ocupa, por dubiamente definida, vem dando lugar a distintos entendimentos que o colocam ora como parte principal, ora como parte acessória [Viriato Reis e Diogo Ravara defendem “que o trabalhador terá a posição processual de assistente (arts. 326.º e segs. do CPC2013 – cf. e-book CEJ)” –, ora como um tertium genus. Deste modo, não definindo a lei processual laboral qual a concreta posição processual do trabalhador, na acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, outra solução não resta do que o recurso às regras da lei processual civil, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do CPT, com as devidas especificidades. Nos termos do artigo 311.º - Intervenção de litisconsorte – do CPC, “Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.”. Por sua vez, o artigo 326.º - Conceito e legitimidade da assistência – do CPC, dispõe: “1 - Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode intervir nela como assistente, para auxiliar qualquer das partes, quem tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a essa parte. 2 - Para que haja interesse jurídico, capaz de legitimar a intervenção, basta que o assistente seja titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão do assistido.”. E nos termos do artigo 327.º, n.º 1, do CPC, “O assistente pode intervir a todo o tempo, mas tem de aceitar o processo no estado em que se encontrar”. Daqui resulta que nos incidentes de intervenção principal e de assistência, o “interveniente” pode aderir a uma de duas posições: à do autor ou à do réu. Já nos termos do citado artigo 186.º-L, n.º 4, do CPT, o trabalhador apenas pode intervir após os articulados do M. Público – petição inicial – e do empregador – contestação – [“4 - O duplicado da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento], com a faculdade de aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público na petição inicial ou de apresentar articulado próprio e constituir mandatário forense. E no caso de apresentar articulado próprio, o trabalhador poderá aderir à posição do empregador, contra o fundamento da acção intentada pelo M. Público? A nosso ver, a resposta só pode ser negativa, porque o citado artigo 186.º-L, n.º 4, do CPT, ao referir expressamente que a adesão deve ser feita aos factos alegados pelo M. Público, afasta a possibilidade de adesão do trabalhador ao articulado do réu empregador, assim dando prevalência à natureza pública do interesse prosseguido pela Lei n.º 63/2013, de 27-08, isto é, o combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado. [Sobre a natureza pública do interesse prosseguido pela Lei n.º 63/2013, de 27-08, cf. os acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto, datados de 2014.12.17 – processos n.º 309/14.6TTGDM.P1, n.º 1083/14.1TTPNF.P1, n.º 299/14.5T8PNF.P1 e n.º 549/14.8TTMTS.P1 -, publicados em www.dgsi.pt, e dos acórdãos de 2015.02.09, de 2015.02.23 e de 2015.03.23 - respectivamente, processos n.º 1082/14.3TTPNF.P1, n.º 321/14.5TTPNF.P1, n.º 311/14.8TTGDM.P1, n.º 1060/14.2TTPNF.P1 e n.º 938/2014.8TTPRT.P1 -, não publicados]. Ora, neste contexto específico da tramitação da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, tudo leva a crer que a posição do trabalhador é a de “assistente”, de auxílio ao M. Público – cf. artigo 328.º, n.º 1, do CPC. O assistente, como escreve Salvador da Costa, in Os incidentes da instância, 4.ª ed., pág. 152, tem “um interesse indirecto, porque não respeita ao pedido ou à defesa, mas à consequência da decisão que apreciou o litígio desenvolvido pelas partes primitivas”. (negrito nosso). Atento o disposto no artigo 328.º, n.º 2, do CPC, “Os assistentes gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que a parte assistida, mas a sua atividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar atos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido; havendo divergência insanável entre a parte principal e o assistente, prevalece a vontade daquela.”. No dizer de Alberto dos Reis, in Código de Processual Civil anotado, vol. I, pág. 473, “Os direitos processuais das partes principais podem condensar-se assim: articular, produzir provas, alegar, recorrer. Portanto, se a regra fosse inteiramente exacta, a actividade dos assistentes poderia também resumir-se nestes termos: é lícito ao assistente articular, produzir provas, alegar, recorrer. Mas a regra sofre uma limitação, resultante do artigo 680.º (actual 631.º, n.º 1). Os recursos só podem ser interpostos por quem for parte principal na causa; daí vem que proferida qualquer decisão favorável ao assistido, só este pode recorrer dela; o assistente não tem legitimidade para a impugnar mediante recurso. O artigo 680.º não obsta a que o assistente acompanhe o recurso interposto pelo assistido, auxiliando este, quer dizer, não obsta a que apresente qualquer alegação em reforço da alegação do recorrente; só obsta à interposição do recurso por parte do assistente. (…). O assistente só pode recorrer de decisão que directamente o prejudique (artigo 680.º, actual 631.º, n.º 2). É o caso: de o juiz indeferir o requerimento em que ele peça a intervenção na causa; de não admitir qualquer articulado por ele oferecido, de rejeitar qualquer prova que ele pretenda produzir, etc.. O princípio de que o assistente goza dos mesmos direitos que o assistido sofre, na sua actuação prática, uma limitação considerável: a actividade do assistente está subordinada à do assistido. (…). Nos articulados e nas alegações não pode tomar posição que colida com a assumida pelo assistido” – fim de citação (negrito nosso). Ou seja, o “assistente” trabalhador apenas pode interpor recurso de actos de natureza processual que directamente o prejudiquem: (i)do despacho de rejeição do requerimento de adesão “aos factos apresentados pelo Ministério Público”, (ii)do despacho de não admissão do seu “articulado próprio” ou (iii)da apresentação de procuração forense. [Sobre a qualidade de “assistente” do trabalhador e inadmissibilidade de seu recurso sobre o mérito de acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, cf. acórdão deste Tribunal da Relação, de 13 de Fevereiro de 2017, proc. n.º 6223/16.3T8PRT.P1, relatado pelo Exmo Sr. Desembargador, Nelson Fernandes, e subscrito pelo ora relator, na qualidade de 2.º Adjunto, e os acórdãos do mesmo TRP, de 11.05.2015, de 29.06.2015 e 16.12.2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt]. Uma nota final: E se o assistido não recorrer da decisão sobre o mérito da acção, o assistente fica “desprotegido” perante decisão desfavorável em acção de simples apreciação, como é o caso da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho? A resposta é dada pelo artigo 332.º - Valor da sentença quanto ao assistente – do CPC: “A sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido, exceto: a) Se alegar e provar, na causa posterior, que o estado do processo no momento da sua intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso de alegações ou meios de prova que poderiam influir na decisão final; b) Se mostrar que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova suscetíveis de influir na decisão final e que o assistido não se socorreu deles intencionalmente ou por negligência grave.”. Sobre esta matéria também já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, na sequência da improcedência da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho n.º 6223/16.3T8PRT.P1, supra referida, em acórdão de 21.02.2018, proc. n.º 9627/17.0T8PRT.P1, relatado pela Exma Sra. Desembargadora Paula Leal de Carvalho, cujo sumário se transcreve: “Tendo o Ministério Público intentado ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (arts. 186º-K e segs. do CPT) e tendo o alegado “trabalhador” aí apresentado articulado próprio, ação essa que foi, pela 1ª instância, julgada improcedente e, aí, não tendo o MP recorrido de tal decisão, nem tendo sido admitido o recurso então interposto pelo alegado “trabalhador” dada a sua qualidade de assistente, não se verifica, nos termos do disposto no art. 332º, al. a), do CPC, a exceção do caso julgado na ação de processo comum que, posteriormente, o “trabalhador” venha a intentar contra o alegado “empregador” em que esteja em causa o reconhecimento da existência desse invocado contrato de trabalho.”. Daqui se conclui pela inadmissibilidade do recurso da interveniente/prestadora, B…, atento o teor do seu objecto. Porto, 22 de Junho de 2020 Domingos Morais Paula Leal de Carvalho Rui Penha |