Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3105/20.8T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: PATROCÍNIO OBRIGATÓRIO
RENÚNCIA AO MANDATO
EXTINÇÃO DO MANDATO
Nº do Documento: RP202411253105/20.8T8GDM.P1
Data do Acordão: 11/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na redação inicial do Código de Processo Civil de 1961, nos casos de patrocínio obrigatório, se a parte notificada da renúncia ao mandato se demorasse a constituir novo advogado, podia o renunciante requerer a fixação de prazo para constituir novo mandatário para que findo esse prazo se extinguisse o mandato por renúncia; na eventualidade de o renunciante ser advogado do réu e deste não constituir mandatário no prazo fixado para o efeito, o processo prosseguiria os seus termos, aproveitando-se os atos anteriormente praticados pelo renunciante.
II - De acordo com o disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 47º do Código de Processo Civil, nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os atos anteriormente praticados.
III - Uma vez que a extinção do mandato nos casos de renúncia em processo em que é obrigatório o patrocínio judiciário, não sendo constituído novo mandatário pelo réu na sequência da notificação da renúncia, só opera volvidos vinte dias sobre a notificação da renúncia, forçosa é a conclusão de que até esse momento o réu continua a ser patrocinado pelo advogado renunciante.
IV - Excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3105/20.8T8GDM.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 3105/20.8T8GDM.P1 elaborado pelo relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]

Em 01 de novembro de 2020, com referência ao Juízo Local Cível de Gondomar, Comarca do Porto, A... Unipessoal, Lda. intentou a presente ação declarativa comum contra B... - Unipessoal, Lda. pedindo que seja declarado resolvido o contrato de compra e venda celebrado com esta, relativo à aquisição da viatura automóvel de matrícula ..-MO-.. e, consequentemente, que seja a ré condenada a restituir-lhe o valor de € 11 000,00, a título do preço pago pela aquisição da referida viatura, bem como € 1 290,00 referentes aos custos de reparação da mesma e € 1 350,00 respeitantes ao valor da viatura de substituição que a autora teve de alugar, perante a impossibilidade de utilizar a que adquiriu à ré.

Para fundamentar as suas pretensões a autora alegou em síntese que adquiriu à ré, que se dedica ao comércio do ramo automóvel, uma viatura da marca ..., matrícula ..-MO-.., do ano de 2011; desde o primeiro contacto com o sócio-gerente da ré que o sócio-gerente da autora deixou bem claro que pretendia adquirir uma viatura usada, em perfeito estado de funcionamento e conservação e que não tivesse sido objeto de qualquer tipo de acidente de viação, tendo-lhe sido garantido que a viatura em causa preenchia todos esses requisitos; o preço foi pago, foi emitido documento de quitação e a viatura foi entregue à autora; no dia 16 de maio de 2020, o sócio-gerente da autora iniciou uma viagem com o veículo em questão, com destino à Bélgica; depois de percorridos cerca de 50 quilómetros com a mesma, começaram, imediatamente, a aparecer mensagens de anomalias no “tablier/mostrador” do referido veículo; informado o sócio-gerente da ré, este aconselhou o sócio-gerente da autora a seguir viagem, assegurando-o de que se trataria de anomalia relacionada com o filtro de partículas; porém, o veículo continuou a assinalar diversas anomalias; quando chegou à Bélgica, o sócio-gerente da ré sugeriu ao sócio-gerente da autora que a viatura fosse levada a uma oficina, comprometendo-se a suportar todos os custos com a reparação; já na oficina, foram detetadas várias anomalias, tendo sido necessária a mudança do filtro de partículas e do termostato de temperatura, o que importou para a autora um custo de € 1 290,00; por existirem outras anomalias, a oficina aconselhou a autora devolver o veículo ao stand onde havia sido adquirido; para além do filtro de partículas e termostato (acima já mencionados), apresenta anomalias no sistema “Hill Holder” e com grande frequência fica sem acesso a indicações do nível de óleo ou temperatura; consome 3 litros de óleo em cada 1.900,00 quilómetros, além de problemas de funcionamento no “Turbo”; descobriu ainda a autora que o veículo lhe foi vendido sem inspeção; tudo isto foi comunicado à ré, nomeadamente através de duas cartas, datadas de 16 de junho de 2020 e 30 de julho de 2020, tendo-lhe sido solicitada a restituição do valor pago pelo automóvel.

Citada, a ré contestou, por exceção e impugnação.

Em sede de exceção, invoca a caducidade do direito da autora, dizendo que só com a citação para os termos da presente ação, é que a ré teve conhecimento da existência de defeitos no veículo vendido à autora, pelo que já se mostrava expirado o prazo de dois meses de que a autora dispunha para denunciar os mesmos.

Em sede de impugnação, afirma que a viatura foi entregue sem qualquer defeito ou desconformidade, o que foi confirmado visualmente pelo representante da própria autora e pelo comercial da ré, aquando da entrega; diz ainda desconhecer as intervenções ou reparações feitas na viatura; não obstante, sustenta que a autora nunca teria direito à resolução do contrato, na medida em que as alternativas que são facultadas ao comprador encontram-se ordenadas, entre si, numa ordem lógica, devendo conceder-se, em primeiro lugar, o direito ao vendedor de eliminar os defeitos ou substituir a coisa; frustrando-se esta hipótese, tem o comprador direito à redução do preço e, só como último recurso, à extinção do contrato; a seu ver, no caso, não ocorreu incumprimento definitivo da ré, pelo que, mesmo que se viesse a apurar um defeito de fabrico, e/ou falta de conformidade, ainda seria possível o cumprimento do contrato; quanto ao valor da “indemnização” de € 2 640,00, afirma que emerge de alegação vaga e meramente subjetiva, com total ausência de factos que permitam a um homem médio entender o motivo e a razoabilidade do pedido, já que a petição inicial não detalha o nexo de causalidade entre a falta de conformidade do bem e o custo incorrido, mormente no que refere à locação de uma viatura, pelo período de três meses; as reparações que foram levadas a cabo executam-se em poucos dias, não se justificando a locação de uma viatura de substituição pelo período de três meses.

A autora respondeu à matéria da exceção, sustentando ter observado o prazo para denúncia dos defeitos, na medida em que o sócio-gerente da autora entrou por diversas vezes em contacto com o sócio-gerente da ré, designadamente através de mensagens e telefonicamente, mais lhe tendo sido comunicado por escrito o sucedido, em cartas de 16 de junho de 2020 e 30 de julho de 2020.

Após audição das partes, foi dispensada a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da causa no montante de €13.640,00, relegou-se para momento ulterior o conhecimento da exceção de caducidade, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes, designando-se dia para realização da audiência final.

Realizou-se uma sessão da audiência final com produção de prova pessoal.

Em 06 de dezembro de 2023, a Ilustre Mandatária da ré renunciou ao mandato, tendo o Sr. Juiz a quo ordenado o cumprimento do disposto no artigo 47º, nºs 1, 2 e 3, alínea b), do Código de Processo Civil, logo advertindo a ré de que era seu entendimento que se mantinha o dever de o renunciante representar o representado durante o prazo de que este dispõe para constituir novo mandatário.

Em 11 de dezembro de 2023 realizou-se a segunda sessão da audiência final designada com o acordo das partes sem que a Sra. Advogada renunciante tenha comparecido e sem que a mandante ré tivesse sido notificada da renúncia ao mandato, sendo proferido o seguinte despacho no início da sessão:

Certamente por lapso, a notificação com a advertência do disposto no art.º 47º, n.º 3 do

CPC, foi expedida à Autora e não à Ré, sendo que quem renunciou foi a mandatária desta última.

Assim, pelo exposto, determina-se que seja repetida, de forma correta, a notificação em questão.

Paralelamente, uma vez que a renúncia, por não ter sido notificada, ainda, à Ré, não produziu sequer os seus efeitos, nos termos do art.º 47.º n.º 2, tudo se passa como se a Ré ainda tivesse mandatário validamente constituído, pelo que, estando esta regularmente notificada para a presente audiência de julgamento e não tendo comunicado qualquer impedimento, não se deslumbra obstáculo ao início dos trabalhos, o que se determina.

Em 15 de janeiro de 2024 foi proferida sentença[2] que terminou com o seguinte dispositivo:

Nestes termos e pelo exposto, decide-se julgar improcedente, por não provada, a excepção peremptória de caducidade invocada pela Ré e totalmente procedente, por totalmente provada, a presente acção e, em consequência:

a) Considera-se resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre a A. A... UNIPESSOAL, LDA. e a Ré B... UNIPESSOAL, LDA., tendo por objecto a viatura ..., matrícula ..-MO-..;

b) Condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 13.640 (treze mil, seiscentos e quarenta euros), a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor para as operações civis, contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento.

Em 20 de fevereiro de 2024, inconformada com a sentença cujo dispositivo precede, B... - Unipessoal, Lda. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A decisão em realizar a sessão de julgamento a 11 de Dezembro de 2013 violou o princípio do contraditório, do acesso á Justiça e o direito ao patrocínio judiciário.

Indubitavelmente que a Ré por não estar devidamente patrocinada em juízo sofreu prejuízos, como se colhe da Douta sentença.

Razão pela qual padece de Nulidade o ato de realização da audiência de julgamento realizada a 11 de Dezembro de 2023 o que expressamente se argui.

O tribunal a quo deveria dar sem efeito ou adiar a audiência pelas razões já invocadas, tanto mais obrigatória a constituição de advogado nos presentes autos, pelo que não podia a recorrente estar, por si própria, em juízo, sem ter sequer sido ainda notificada da Renúncia nos termos e para os efeitos do artigo 47.º do CPC.

A produção de prova acabou por ter lugar, na ausência do mandatário faltoso, sendo que tal facto claramente influenciou o exame e a decisão da causa, condenando indevidamente a Ré no pedido da Autora.

A Ré não estando devidamente notificada, e não tendo sido representada na audiência por advogado, em caso de patrocínio obrigatório terá como consequência a nulidade da sentença nos termos do art.º 615 do CPC n.1 alínea d) e violação do artigo 40 n.1 a) do CPC.

A omissão de uma formalidade que a lei prescreva, produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa, ex vi art. 195º nº1 CPC, o que efectivamente sucede in casu.

Com o acto anulado, anulam-se também os termos subsequentes, que dele dependam absolutamente, ex vi art. 195º nº2 CPC, com as legais consequências e ser novamente agendada audiência de discussão e julgamento, com possibilidade de defesa e contraditório pela recorrente.

A PRESENTE SENTENÇA NÃO JULGOU VERIFICADA COMO DEVERIA JULGAR A CADUCIDADE DO DIREITO DA AUTORA, sendo o prazo para denúncia de dois meses após a verificação do defeito (ocorrida a 16.05.2020), prazo esse de dois meses se tornou completo em 16.07.2020 uma vez que À RÉ B... Unipessoal Lda. apenas lhe foi comunicado o alegado defeito da viatura em 04.11.2020.

Antes desta data não se pode considerar válida e foi dirigida pela aqui AUTORA qualquer comunicação enunciativa da falta de conformidade da viatura, devendo considerar-se caducado o prazo de denúncia do defeito ou falta de conformidade da viatura.

Resultou descrito no presente recurso, estarmos perante um erro de julgamento, exposto pelo enquadramento jurídico realizado na sentença em crise e pela conclusão na condenação a que nela se chegou; acrescido da mesma não se apresentar como uma decisão materialmente justa.A... Unipessoal, Lda. respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.

Em 07 de abril de 2024 foi proferido o seguinte despacho:

Vem a recorrente suscitar a nulidade da sentença, invocando para o efeito o disposto no 615º do CPC (sem referir número ou alínea), pois, a seu ver, a última sessão da audiência de julgamento, do dia 11/12/2023, não se deveria ter realizado, atenta a renúncia da anterior mandatária da Ré recorrente.

Cabe proferir despacho nos termos do artigo 617.º, n.º 1, do CPC.

Cumpre salientar, antes de mais, que não se trata de uma nulidade da sentença.

A existir, a nulidade prender-se-á com a prática de um acto não permitido por lei (artigo 195.º, n.º 1, do CPC) no decurso da audiência de discussão e julgamento.

E, como tal, não sendo caso do artigo 199.º, n.º 3, do CPC, teria de ser suscitada perante o Tribunal onde foi praticada e no prazo geral de 10 dias, contados desde a notificação da sentença à R., na pessoa da sua nova mandatária, já que nesse momento a Ré não pode desconhecer que o julgamento se concluiu sem a presença da anterior mandatária (artigo 199.º, n.º 1, do CPC).

Prazo que não foi respeitado, pelo que a arguição da nulidade sempre seria, neste momento, extemporânea.

De todo o modo, caso os Exmºs Srs. Desembargadores entendam conhecer da mesma, sempre diremos que, a nosso ver, a mesma não se verifica.

A diligência foi marcada para o dia 11/12/2023 com o acordo das partes (vd. requerimento de 25/9/2023 e despacho de 29/9/2023).

Por requerimento datado de 6/12/2023, veio a anterior mandatária da R. renunciar ao mandato.

A 7/12/2023, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Notifique a renúncia ao mandante e à A., nos termos do artigo 47.º, n.º 1 e 2, do CPC, com a advertência prevista no n.º 3, al. b) da mesma norma.

Mantém-se, por ora, a data designada para julgamento, considerando que os efeitos da renúncia só se produzem com a notificação ao R. e, para além disso, é nosso entendimento que os mandatários estão obrigados a assegurar a representação deste durante o prazo de que dispõe para constituir novo mandatário, conforme jurisprudência abundante nesta matéria. Notifique.”, do qual as partes, incluindo a R., na pessoa daquela que era ainda a sua mandatária, foram regularmente notificadas.

Certamente por lapso, nesse mesmo dia 7/12/2023, a secretaria expediu a notificação prevista no artigo 47.º, n.º 3, do CPC, à Autora e não à R. (refª 454784912).

Na sessão da audiência de discussão e julgamento do dia 11/12/2023, foi proferido o seguinte despacho: “Certamente por lapso, a notificação com a advertência do disposto no art.º 47º, n.º 3 do CPC, foi expedida à Autora e não à Ré, sendo que quem renunciou foi a mandatária desta última. Assim, pelo exposto, determina-se que seja repetida, de forma correta, a notificação em questão. Paralelamente, uma vez que a renúncia, por não ter sido notificada, ainda, à Ré, não produziu sequer os seus efeitos, nos termos do art.º 47.º n.º 2, tudo se passa como se a Ré ainda tivesse mandatário validamente constituído, pelo que, estando esta regularmente notificada para a presente audiência de julgamento e não tendo comunicado qualquer impedimento, não se deslumbra” (vislumbra) “obstáculo ao início dos trabalhos, o que se determina. Notifique.”

Note-se que o lapso da secretaria é de todo irrelevante, na medida em que dificilmente se asseguraria a notificação da R. em tempo útil, considerando que a renúncia deu entrada no dia 6, depois do horário de expediente e dias 9 e 10 de Dezembro foram fim-de-semana.

De todo o modo, como é nosso entendimento – do qual a anterior mandatária da R. foi oportunamente informada – para além da renúncia, no caso, não ter sequer sido notificada ao mandante, ainda que o tivesse sido, o mandatário que renuncia continua vinculado ao mandato durante os 20 dias de que o mandante dispõe para constituir novo mandatário (sempre que a sua constituição seja obrigatória), como é, aliás, dever deontológico dos advogados (artigo 100.º, n.º 2, do EOA) – vd., por ex., acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/11/2023, Proc. n.º 13284/21.1T8PRT-A.P1, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/2/2021, Proc. n.º 5403/18.1T8VIS.C1, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/3/2021, Proc. n.º 2128/15.3T8VNF-A.G1, todos em www.dgsi.pt

Pelo exposto, entendemos não haver qualquer nulidade, nada havendo, da nossa parte, a suprir ou reparar.

Notifique.

Logo de seguida a este despacho, foi proferida decisão admitindo o recurso interposto como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de seguida.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil)[3], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da nulidade da sentença recorrida ex vi artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil e da nulidade processual por omissão de formalidade, tudo em virtude de se ter realizado a segunda sessão da audiência final sem que a ré estivesse patrocinada;

2.2 Da caducidade do direito da autora de denúncia dos defeitos do veículo objeto da compra e venda;

2.3 Da inexistência do direito de resolução do contrato de compra e venda por parte da compradora[4].

3. Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida que não foram impugnados e que se mantêm em virtude de não se divisar qualquer razão legal para a sua oficiosa alteração

3.1 Factos provados


3.1.1

A ré é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de automóveis -

importação e exportação.


3.1.2

Em maio de 2020 o sócio-gerente da autora deslocou-se ao estabelecimento comercial da ré, sito na Rua ..., ..., ..., Portugal, com o intuito de adquirir um automóvel ligeiro, mais propriamente uma carrinha.

3.1.3

No mencionado estabelecimento encontravam-se diversas viaturas que foram exibidas à autora pelo sócio-gerente da ré (B...).

3.1.4

Desde o primeiro contacto com o sócio-gerente da ré, o sócio-gerente da autora deixou bem claro que pretendia adquirir uma viatura usada, em perfeito estado de funcionamento e conservação e que não tivesse sido objeto de qualquer tipo de acidente de viação.

3.1.5

Tendo sido informado do referido no ponto anterior, o sócio-gerente da ré apresentou-lhe uma viatura da marca ..., matrícula ..-MO-.., do ano de 2011.

3.1.6

E transmitiu ao sócio-gerente da autora que a viatura acima melhor identificada preenchia todos esses requisitos, estando em perfeito estado de conservação e não tendo qualquer problema/anomalia.

3.1.7

No dia 11 de maio de 2020, a autora acordou com a ré a compra e venda da referida viatura, pelo valor de €11.000,00 (onze mil euros).

3.1.8

A título de pagamento, a autora entregou à ré o cheque n.º ...38, da Banco 1..., no valor de €11.000,00.

3.1.9

Tendo sido emitida fatura pela ré, datada de 14 de maio de 2020, no valor de €11.000,00 - Fatura n.º1 2020/7.

3.1.10

Nesse mesmo dia 11 de maio de 2020, o veículo foi entregue à autora.

3.1.11

No dia 16 de maio de 2020, o sócio-gerente da autora iniciou uma viagem com o referido veículo automóvel, com destino à Bélgica.

3.1.12

Quando tinha percorrido cerca de 50 quilómetros, começaram a aparecer mensagens de avarias no tablier/mostrador do referido veículo.

3.1.13

O sócio-gerente da autora informou de imediato o sócio-gerente da ré por telefone.

3.1.14

O sócio-gerente da ré aconselhou o sócio gerente da autora a seguir viagem – tendo informado este último que deveria tratar-se de uma anomalia relacionada com um sensor e que não existiria qualquer problema em prosseguir viagem.

3.1.15

Percorridos mais alguns quilómetros, o veículo automóvel continuou a assinalar avarias no painel de instrumentos.

3.1.16

Assim que a viatura chegou à Bélgica, o sócio-gerente da autora, contactou de imediato o sócio-gerente da ré a fim de o informar do sucedido - tendo-o informado das anomalias que o veículo automóvel tinha assinalado.

3.1.17

Nesse seguimento, o sócio-gerente da ré sugeriu que o sócio-gerente da autora levasse o veículo automóvel até uma oficina de reparação automóvel - comunicando-lhe que todos os custos que este tivesse com a reparação do veículo automóvel seriam a seu encargo.

3.1.18

A viatura foi levada a uma oficina.

3.1.19

Onde foram detetadas anomalias no veículo automóvel.

3.1.20

Foi mudado o filtro de partículas e reparado o turbo do mesmo.

3.1.21

Serviço pelo qual a autora pagou o valor de € 1 290,00.

3.1.22

Contudo, o veículo automóvel ainda continuava a apresentar problemas mecânicos.

3.1.23

Na oficina automóvel, aconselharam o sócio-gerente da autora a entregar o veículo automóvel ao Stand onde o mesmo tinha sido adquirido.

3.1.24

O sócio-gerente da autora, confrontado com o sucedido, comunicou de imediato ao sócio-gerente da ré, tanto o valor do custo da reparação, como o que lhe havia sido comunicado pela oficina automóvel.

3.1.25

Tendo-lhe sido dito, mais uma vez, pelo mesmo que o assumiria o custo da reparação.

3.1.26

O que nunca aconteceu.

3.1.27

Para além do filtro de partículas e do turbo, objeto da intervenção suprarreferida, acima mencionado, o veículo apresenta anomalia no sistema “Hill Holder”.

3.1.28

E consome 3 litros de óleo em cada 1.900,00 quilómetros.

3.1.29

O que é demasiado para um veículo automóvel como o que aqui está em causa, apenas podendo ser resultado de um qualquer problema mecânico[5].

3.1.30

A viatura foi vendida à autora sem inspeção periódica válida.

3.1.31

A autora remeteu à ré carta registada com aviso de receção, subscrita pelo seu mandatário, datada de 16 de junho de 2020, na qual diz, para além do mais que “é intenção do nosso Constituinte devolver a viatura perante a devolução do preço recebido – sendo que se for por uma solução consensual, estará disponível para aceitar só receber o que pagou pela mesma abdicando dos gastos que entretanto teve e estão documentados. A razão de ser prende-se, como sabe dos contactos que já teve diretamente com o N/C, com os diversos defeitos da viatura além de que a mesma não tem sequer a vistoria periódica

realizada há muito tempo – o que lhe foi tempestivamente comunicado diretamente pelo N/C e ao que nunca deu cabal solução. Neste momento a viatura está imobilizada, com todo o prejuízo daí resultante para o N/C. Assim sendo, aguardamos resposta até ao próximo dia 22/06/2020. Aproveitamos ainda para o informar de que, caso não haja acordo, iremos recorrer à via judicial e nesse caso irá ser peticionado o valor pago pela viatura mas também todos os prejuízos e custos que entretanto o N/C teve, bem como lucros cessantes pelo facto da mesma estar parada”.


3.1.32

A carta referida no ponto anterior foi remetida para a sede da R., tendo o aviso de receção sido assinado a 18 de junho de 2020, com aposição dos dizeres “B...”.

3.1.33

Posteriormente, a autora, novamente por intermédio do seu mandatário, remeteu à ré nova carta registada com aviso de receção, datada de 30 de julho de 2020, na qual, para além do mais, diz que “(…) no dia 16/5/2020, deslocamo-nos no referido veículo numa viagem à Bélgica. Sendo que nessa viagem, percorridos pouco mais de 50 Kms, surgiram sinais de aviso no tablier do veículo. Como abe, telefonei-lhe de imediato (ao Senhor AA), na presença das testemunhas que faziam viagem comigo – ao que o referido proprietário do stand (B...) mandou prosseguir viagem pois seria um problema no filtro de partículas e que depois repararia. Passados mais alguns quilómetros, surgiram novas anomalias – as quais voltaram a ser reportadas ao proprietário do Stand. Quando chegou à Bélgica, e após ter obtido consentimento telefónico do referido Senhor AA, efetuou a reparação necessária de forma a que o veículo se pudesse deslocar de volta para Portugal – reparação essa no valor de € 1.290,00 (mil duzentos e noventa euros) e que se consubstanciou na mudança do filtro de partículas e do termostato de temperatura. Todavia, a sinalização de problemas continuavam, pelo que a oficina da Bélgica recomendou que o veículo fosse levado ao stand onde foi comprado para que estes reparassem o resto das anomalias – entre elas o sistema “Hill Holder”, bem como os instrumentos que permitem ver a temperatura e nível de óleo do motor e o turbo, e consumo excessivo do óleo do motor (muito excessivo

mesmo – cerca de 3 litros para percorrer 1900kms). Entretanto, o adquirente do veículo descobriu ainda, por mera casualidade, que a viatura, ao contrário do que lhe tinha sido informado, foi vendida sem que tivesse efetuada a respetiva inspeção – sendo a última de 19/12/2017 conforme se veio a apurar documentalmente. Regressou a Portugal tendo-o informado de todos estes aspetos. Apesar das suas palavras, a verdade é que não reparou a viatura nem pagou o preço das reparações efetuadas na Bélgica, sem a qual o veículo não poderia voltar a Portugal. Posto isto, efetua esta interpelação legal para que se considere formalmente notificado, por escrito (dado que verbalmente já foi inúmeras vezes), de que tem a partir desta data, 30 dias para reparar a viatura, em todos estes aspetos, efetuar a sua vistoria periódica obrigatória (em falta no momento da venda) bem como para nos pagar a quantia de € 1.290,00. Deverá enviar-nos carta registada para a morada da nossa empresa (…) na qual nos indique o local onde devemos entregar a viatura para procederem às referidas intervenções. (…) Se optarem por não efetuar todas as reparações necessárias neste prazo final de 30 dias (onde se inclui a vistoria obrigatória), bem como, cumulativamente, não nos pagaram o valor que tivemos de suportar na Bélgica na quantia de € 1.290,00, desde já fica informado, que em setembro, sem qualquer outra interpelação, iremos dar entrada da respetiva ação judicial, na qual iremos eventualmente pedir a resolução do negócio, com restituição do preço pago e indemnização das despesas entretanto suportadas, além de danos não patrimoniais os quais serão igualmente peticionados – em alternativa poderá ser pedida ainda uma indemnização que permita a reparação do veículo em todas as suas necessidades, dada a Vossa total inércia na reparação dos problemas do veículo. (…)”


3.1.34

A carta referida no ponto anterior foi remetida para a sede da ré, mostrando-se o aviso de receção assinado a 31 de julho de 2020, com aposição dos dizeres “B...”.

3.1.35

Não houve qualquer resposta ao teor destas comunicações por parte da ré.

3.1.36

A autora despendeu €1.350,00 com o aluguer de um veículo de substituição, durante três meses.

3.1.37

O qual era imprescindível às deslocações da autora[6].

3.1.38

A viatura adquirida pela autora à ré destinava-se ao transporte de trabalhadores, no âmbito da atividade de construção civil exercida pela primeira.

3.1.39

O filtro de partículas havia sido anulado, em momento anterior à venda do veículo pela ré à autora.

3.1.40

No “check up” à viatura solicitado pela ré e datado de 30 de abril de 2020, faz-se referência à existência uma “fuga de óleo pelo karter”, que não foi reparada por aquela.

3.1.41

A presente ação foi intentada via CITIUS no dia 01 de novembro de 2020 e a ré citada no dia 04 de novembro de 2020.

3.2 Factos não provados


3.2.1

A viatura transacionada tenha sido entregue à autora em perfeito estado de funcionamento, sem qualquer defeito ou desconformidade, quer face à finalidade da mesma, quer face à composição técnica preconizada pela marca ....

3.2.2

O que de resto, foi validado visualmente pelo legal representante da aqui autora.

3.2.3

E tecnicamente pelos manuais de marca, que acompanhavam a viatura e atestavam a sua conformidade.

3.2.4

Aquando da entrega da viatura, o comercial da aqui ré procedeu ao seu prévio exame e cabal explanação da mesma e suas caraterísticas e especificidades, à autora.

3.2.5

No momento referido em 13 [3.1.13], o sócio-gerente da autora também informou o sócio-gerente da ré por mensagem escrita.

3.2.6

Tenha sido mudado o termostato de temperatura.

3.2.7

Depois da intervenção referida em 20 [3.1.20], o veículo automóvel, com grande frequência, fica sem acesso a indicações do nível de óleo ou temperatura.

4. Fundamentos de direito

4.1 Da nulidade da sentença recorrida ex vi artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil e da nulidade processual por omissão de formalidade, tudo em virtude de se ter realizado a segunda sessão da audiência final sem que a ré estivesse patrocinada

A recorrente pugna pela anulação da sentença recorrida em virtude de a segunda sessão da audiência final se ter realizado sem que a ré estivesse patrocinada, ora referindo que esse alegado procedimento do tribunal recorrido integra nulidade processual, ora imputando à sentença recorrida a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, não esclarecendo se, na sua perspetiva, ocorre omissão ou excesso de pronúncia.

Cumpre apreciar e decidir.

Antes de mais, importa aferir da propriedade da suscitação desta questão em via de recurso.

A nosso ver, dado que a realização da segunda sessão da audiência final foi decidida com base em decisão judicial fundamentada, a ter ocorrido a invocada patologia adjetiva, nunca seria caso de reclamação suscitando a verificação de nulidade processual, pois que esse alegado desvio do disposto na lei adjetiva ficou explicitamente coberto por decisão judicial.

Ora, como refere o Sr. Professor Alberto dos Reis, “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se[7].

A decisão judicial em causa não é daquelas que é passível de recurso autónomo (artigo 644º, nº 2, do Código de Processo Civil), pelo que deve admitir-se a sua impugnação com o recurso da sentença (artigo 644º, nº 3 do Código de Processo Civil).

Por outro lado, a questão do patrocínio judiciário da ré na sessão da audiência final realizada em 11 de dezembro de 2023 não era uma das questões a decidir na sentença proferida em 15 de janeiro de 2024, tanto mais que a questão havia sido apreciada em anterior decisão adrede proferida, achando-se o tribunal recorrido vinculado ao decidido por força dos efeitos do caso julgado formal (artigo 620º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Conclui-se por isso que a alegada desconformidade adjetiva suscitada pela recorrente não integra nulidade de sentença por omissão de pronúncia, nem tão-pouco por excesso de pronúncia pois não se divisa na decisão recorrida qualquer pronunciamento excessivo.

Apreciemos então se a decisão proferida em 11 de dezembro de 2023 padece de ilegalidade por violação do disposto na lei adjetiva.

Nos termos do disposto no artigo 47º, nº 2, do Código de Processo Civil, “[o]s efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte.”

De acordo com o disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 47º do Código de Processo Civil, nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias, se a falta for do réu, do executado ou do requerido, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os atos anteriormente praticados.

Este regime foi introduzido no Código de Processo Civil de 1961 pelo decreto-lei nº 329-A/95 de 12 de dezembro justificando-se no seu relatório esta alteração nos termos seguintes:

Quanto ao patrocínio judiciário, procede-se, no essencial, a uma reformulação do regime de renúncia do mandato judicial, procurando alcançar solução, que se supõe ponderada, entre a eventual inexigibilidade ao mandatário de prosseguir com o patrocínio do seu cliente e o interesse do autor em não ver o possível conflito entre o réu e o seu advogado repercutir-se negativamente na celeridade do andamento da causa.

De facto, até à citada alteração e desde o Código de Processo Civil de 1961, nos casos de patrocínio obrigatório, se a parte notificada da renúncia ao mandato se demorasse a constituir novo advogado, podia o renunciante requerer a fixação de prazo para constituir novo mandatário para que findo esse prazo se extinguisse o mandato por renúncia; na eventualidade de o renunciante ser advogado do réu e deste não constituir mandatário no prazo fixado para o efeito, o processo prosseguiria os seus termos, aproveitando-se os atos anteriormente praticados pelo renunciante (artigo 39º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil de 1961[8]).

Deste confronto de regimes resulta evidente o intento do legislador de com as alterações introduzidas pelo decreto-lei nº 329-A/95 de 12 de dezembro imprimir celeridade à produção de efeitos da renúncia ao mandato nos casos de patrocínio judiciário obrigatório, passando a parte patrocinada pelo advogado renunciante a dispor do prazo de vinte dias contados da notificação da renúncia para constituir novo mandatário.

Este regime da renúncia ao mandato manteve-se, como vimos, no Código de Processo Civil que vigora atualmente.

Uma vez que a extinção do mandato nos casos de renúncia em processo em que é obrigatório o patrocínio, não sendo constituído novo mandatário pelo réu na sequência da notificação da renúncia, só opera volvidos vinte dias sobre a notificação da renúncia, forçosa é a conclusão de que até esse momento o réu continua a ser patrocinado pelo advogado renunciante.

Deste modo, a afirmação da recorrente de que a segunda sessão da audiência final se realizou sem que a ré estivesse patrocinada não é correta pois estava patrocinada pela Sra. Advogada renunciante.

O tribunal recorrido foi cuidadoso ao ordenar a notificação da renúncia ao mandato requerida cinco dias antes da data acordada entre as partes para a realização da segunda sessão da audiência final, logo advertindo que até à produção de efeitos pela renúncia se mantinha o dever de a Sra. Advogada renunciante patrocinar a ré.

Finalmente, o atraso da secretaria judicial na efetivação da renúncia ao mandato foi inócuo na medida em que ainda que tivesse sido logo efetivada[9], ressalvado o caso altamente improvável de constituição imediata de mandatário ainda antes da diligência agendada, sempre a Sra. Advogada renunciante se mantinha obrigada a patrocinar a ré até que decorresse o aludido prazo de vinte dias para constituição de novo mandatário.

Assim, face ao exposto, improcede esta questão recursória.

4.2 Da caducidade do direito da autora de denúncia dos defeitos do veículo objeto da compra e venda

A recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida pois entende que se verifica a caducidade do direito de a autora denunciar os defeitos do veículo que lhe vendeu.

Argumenta a recorrente que apenas com a citação para a presente ação teve conhecimento dos defeitos invocados pela autora e que antes dessa data não se pode considerar válida qualquer comunicação da autora à ré a acusar defeitos no veículo vendido[10]. Retira-se do corpo das alegações que a “invalidade” de qualquer comunicação anterior à sua citação para a ação resulta de não se mostrar instruída com procuração com poderes para declaração de resolução.

Cumpre apreciar e decidir.

Na contestação a ora recorrente negou que tivesse recebido alguma comunicação da autora denunciando os defeitos no veículo que lhe havia comprado.

Apenas nas alegações de recurso suscita uma eventual ineficácia das comunicações escritas da autora que lhe foram endereçadas e por não se mostrarem instruídas com procuração com poderes especiais.

Como é sabido, excetuando o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), da existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil), da alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do Código de Processo Civil) ou da mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil), os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas[11].

Por isso, no que respeita este segmento das conclusões do recurso dos recorrentes, por constituir uma questão nova que não é de conhecimento oficioso, este tribunal abstém-se de conhecer este fundamento do recurso.

4.3 Da inexistência do direito de resolução do contrato de compra e venda por parte da compradora

A recorrente pugna pela “anulação” da decisão recorrida por não se verificarem os pressupostos legais para a resolução do contrato, pois que, na sua perspetiva, esse direito é subsidiário apenas nascendo no caso de o defeito não ser reparado, no caso de a coisa defeituosa não ser substituída ou na eventualidade de não ocorrer redução do preço.

Cumpre apreciar e decidir.

A resolução do contrato é admitida com fundamento no disposto na lei ou em cláusula contratual (artigo 432º, nº 1, do Código Civil).

Em termos gerais, a resolução do contrato é admissível nos casos de impossibilidade de cumprimento (artigo 801º, nº 1 do Código Civil).

Porém, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro (artigo 801º, nº 2, do Código Civil). Embora inserida na divisão relativa à impossibilidade de cumprimento, esta previsão deve ser generalizada a todo o incumprimento definitivo[12].

Finalmente, “[s]e o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação” (artigo 808º, nº 1, do Código Civil).

No caso dos autos, o tribunal recorrido decretou a resolução contratual por ter entendido que a comunicação de 30 de julho de 2020 constituiu uma interpelação admonitória que converteu a mora em que a ora recorrente se encontrava quanto à obrigação de reparação dos defeitos no veículo que a recorrida lhe adquiriu em incumprimento definitivo, decorrendo deste incumprimento definitivo ficto o direito potestativo de resolução do contrato.

Neste contexto, a crítica que a recorrente endereça à sentença impugnada é sem objeto pois que o pedido de resolução do contrato não foi julgado procedente por se ter entendido inexistir uma relação de subsidiariedade da resolução face aos outros remédios legais previstos para o caso de incumprimento defeituoso, mas sim por ter ocorrido a conversão da mora da ora recorrente em incumprimento definitivo por força da interpelação admonitória que lhe foi dirigida na carta datada de 30 de julho de 2020.

Uma vez que o real fundamento jurídico da resolução contratual decretada pelo tribunal a quo não foi impugnado pela recorrente e não sendo essa matéria de conhecimento oficioso, improcede esta questão recursória, improcedendo totalmente o recurso de apelação interposto por B... - Unipessoal, Lda., sendo as custas do recurso da sua responsabilidade dada a total improcedência das suas pretensões recursórias (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em não conhecer da questão da caducidade do direito de denúncia por constituir uma questão nova e, no mais, em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por B... - Unipessoal, Lda. e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida proferida em 15 de janeiro de 2024.

Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


***


O presente acórdão compõe-se de dezanove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 25 de novembro de 2024

Carlos Gil

Mendes Coelho

Anabela Morais

______________________________
[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 16 de janeiro de 2024.
[3] No corpo das alegações, a recorrente manifesta o seu inconformismo contra os pontos 31, 32 e 33 dos factos provados. Porém, nas conclusões do recurso nada refere a tal respeito, pelo que visto o disposto no nº 4 do artigo 635º do Código de Processo Civil se entendeu que a recorrente tacitamente excluiu esta questão do objeto do recurso.
[4] Esta questão a decidir extrai-se da conjugação do último parágrafo das conclusões do recurso com o que foi exposto no corpo das alegações depois de se debruçar sobre a exceção perentória de caducidade.
[5] Sem a produção de prova pericial que servisse de suporte a este ponto, esta matéria valorativa não deveria constar dos factos provados.
[6] Este ponto tem natureza conclusiva.
[7] Veja-se o Comentário ao Código de Processo Civil do Sr. Professor José Alberto dos Reis, Volume 2º, Coimbra Editora 1945, página 507.
[8] No Código de Processo Civil de 1939, no caso de renúncia ao mandato em processo em que fosse obrigatório o patrocínio judiciário a renúncia só produzia efeitos após a constituição de novo mandatário; na eventualidade de a parte, depois de notificada da renúncia, se demorar a constituir novo advogado nos processos em que o patrocínio era obrigatório, o mandatário podia requerer a fixação de prazo para tal efeito e, deferida a fixação do prazo e expirado este, o mandato extinguia-se por renúncia, ficando a parte na situação de revelia (artigo 40º, segundo período do corpo do artigo e parágrafo único do mesmo).
[9] Acresce que a notificação da renúncia ao mandato cumprida por lapso na pessoa da autora em 07 de dezembro de 2023 apenas se veio a concretizar em 13 de dezembro de 2023, precisamente no mesmo dia em que se realizou a notificação da renúncia ao mandato na pessoa da ré, na sequência de expediente remetido em 11 de dezembro de 2023. Recorde-se que dia 08 de dezembro de 2023 foi feriado nacional e os dias 09 e 10 de dezembro foram, respetivamente, sábado e domingo.
[10] Anote-se que este raciocínio da ré é juridicamente errado, pois que, ao invés da prescrição (artigo 323º do Código Civil), a caducidade é impedida pela simples propositura da ação (artigo 331º, nº 1, do Código Civil).
[11] Sobre esta matéria vejam-se, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 139 a 142, anotação 5 ao artigo 635º do Código de Processo Civil; Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina 2009, Fernando Amâncio Ferreira, páginas 153 a 158.
[12] Neste sentido vejam-se: Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, coordenação de Ana Prata, Almedina 2019, página 1037 e 1038, nota sobre a divisão em geral da responsabilidade da coordenadora da obra; Código Civil Comentado, coordenação de António Menezes Cordeiro, II – Das Obrigações em Geral, Almedina 2021, penúltimo e último períodos da anotação 7 ao artigo 801º do Código Civil, da autoria do coordenador da obra.