Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | AIRISA CALDINHO | ||
| Descritores: | CRIMES TRIBUTÁRIOS NULIDADE DA ACUSAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP20120523132/06.1IDPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/23/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | A vantagem patrimonial ilegítima, suscetível de causar diminuição das receitas ao fisco, é elemento essencial para a verificação do ilícito tributário, quer em sede de IVA quer em sede de IRC, sendo nula acusação que a omite. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n. º 132/06.1IDPRT.P1 2.ª Secção Criminal Tribunal Judicial de Marco de Canavezes * Acordam, em conferência, na 2:ª Secção Criminal:* I. No processo n.º 132/06.1IDPRT do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, o Ministério Público interpõe recurso da decisão instrutória que declarou a nulidade parcial da acusação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes.O Ministério Público recorreu, apresentando as seguintes conclusões: - “... 1. Na sequência do requerimento de abertura de instrução, em que o arguido invocou a nulidade da acusação por falta de liquidação, por parte do Ministério Público, da vantagem patrimonial obtida, no que concerne a IRC a Mm.ª Juiz com funções instrutórias proferiu despacho no qual declarou a nulidade da acusação, tendo para tanto invocado os artigos 120º, n.°s 1 e 2 e 122º, n.° 2, al. d) do Código de Processo Penal por não constar da acusação a liquidação da vantagem patrimonial ilegítima obtida pelos arguidos no que respeita ao IRC. 2.Sucede que prima facie, a decisão recorrida confunde a nulidade do inquérito fundamentando a declaração de nulidade no artigo 120º, n.° 2, al. d) do C.P.P., com a nulidade da acusação, sendo que os casos que a fundamentam estão expressamente elencados no artigo 283.° do Código de Processo Penal. 3.Efectivamente, in casu, não ocorreu qualquer omissão ou deficiência do inquérito. Na verdade, a vantagem patrimonial auferida pelos arguidos quer em sede de IVA quer em sede de IRC foi devidamente liquidada pela Direcção de Finanças no decurso do inquérito, tal como resulta do relatório pericial junto aos autos a fls. 320 a 335, por aquela entidade que procedeu a inquérito. 4.Aqui chegados, temos que compulsada a acusação pública, não se nos afigura que a mesma padeça de qualquer dos vícios elencados no artigo 283.° do Código de Processo Penal. 5.Sucede que a acusação descreve detalhadamente as facturas em causa nos autos, os seus montantes relativos ao valor líquido, ao IVA que foi nelas aposto e ao valor total, bem como as datas a que as mesmas se reportam. 6.Na acusação estão explanados todos os elementos que permitem concluir pela vantagem patrimonial auferida pelos arguidos, pelo que a não aposição expressa desse montante não configura qualquer nulidade, maxime da acusação, consequência que não tem qualquer suporte legal. 7.Acresce que o Juiz de instrução, sempre que entenda alterar o conteúdo da acusação, altera-a desde que se trate de alteração não substancial dos factos acusados. 8.Sendo que a inclusão do cômputo da vantagem patrimonial obtida a qual consta expressamente do relatório pericial e que se poderá obter a partir de elementos expressamente constantes da acusação não constitui alteração substancial, estando pois, dentro dos limite das competências do Juiz de Instrução. 9.A decisão proferida pela Mma Juiz com funções instrutórias não tem qualquer suporte legal, além de ter violado o preceituado no artigo 283.°, 307º, 308 e 309.° do Código de Processo Civil.” O arguido B… respondeu pela improcedência do recurso. Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II. Resulta dos autos que o Ministério Público deduziu acusação contra C…, Lda, B…, D…, E…, Lda, e F…, nos seguintes termos: - “... Desde a sua constituição até esta data os arguidos B1… e D… são os únicos sócios e gerentes da sociedade arguida, "C…, Leia", com sede na Rua …, freguesia …, concelho de Marco de Canaveses; A sociedade arguida "C…, Lda, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial deste concelho sob o número …./……..; Na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais, a sociedade arguida "C…, Lda", no ano de 2001 a 2004, inclusivé, encontrava-se colectada no Serviço de Finanças de Marco de Canaveses, pelo exercício da actividade de construção de edifícios (CAE ......), e enquadrava-se, a título de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, e para efeitos de IRC no regime geral de tributação. A sociedade E…, Lda, com sede no …, …, …. Fafe, pessoa colectiva n.° ………, colectada para o exercício de construção de edifícios, a que corresponde o CAE …..-.., inscrita na C.R.P. de Fafe e desde a sua constituição até esta data o arguido F… era o seu sócio único e gerente. Neste contexto, concertados entre si, em data não concretamente apurada do ano de 2003, o arguido F…, na qualidade de legal representante da sociedade "E…, Lda decidiu emitir facturas forjadas, as quais iriam ser contabilizadas pelos arguidos B… e D… na sociedade arguida "C…, Lda". Tais facturas fictícias referiam-se a alegados serviços prestados pela arguida E…, Lda" à arguida "C…, Lda.". No desenvolvimento de tal plano, o arguido F…, tal como se tratassem de verdadeiras, isto é correspondendo a serviços prestados à sociedade "E…, Lda.", preencheu ou autorizou que preenchessem em seu nome e depois assinou diversas facturas, nelas escrevendo ou autorizando que escrevessem o serviço prestado, o seu preço e o valor do IVA, tudo conforme infra se discrimina. Assim, na factura n° …, o arguido F… escreveu ou mandou escrever a data 15 de Julho de 2003, o valor líquido de 25.866,00 € e o IVA no montante de 4.914,54_€ bem como o valor total de € 30.780,54, apondo ainda que a factura se destinava a pagar serviços prestados de cofragem e betonagem na obra "…", tendo depois aposto o carimbo da sociedade; Na factura n° …, o arguido F… escreveu ou mandou escrever a data 25 de Julho de 2003, o valor liquido de 12.469,00 € e o IVA no montante de € 2.369,11, bem como o valor total de 14.838,11€ apondo ainda que a factura se destinava a pagar serviços prestados na obra …, tendo depois aposto o carimbo da sociedade; Na factura n° …, o arguido F… escreveu ou mandou escrever a data 14 de Agosto de 2003, o valor liquido de 17.060,00€ e o IVA no montante de € 3.241,40€ bem como o valor total de € 20.301,40, apondo ainda que a factura se destinava a pagar serviços de cofragem e betonagem prestados na obra "…" …, tendo depois aposto o carimbo da sociedade; Na factura n° …, o arguido F… escreveu ou mandou escrever a data 29 de Agosto de 2003, o valor líquido de 10.220,00€ e o IVA no montante de € 1.941,80, bem como o valor total de € 12.161,80, apondo ainda que a factura se destinava a pagar serviços de cofragem e betonagem prestados na obra … tendo depois aposto o carimbo da sociedade; Na factura n° …, o arguido F… escreveu ou mandou escrever a data 16 de Setembro de 2003, o valor líquido de 28.280,00€ e o IVA no montante de € 5.373,20, bem como o valor total de € 33.653,20, apondo ainda que a factura se destinava a pagar serviços de cofragem e betonagem prestados na obra “…”. Na factura n° …, o arguido F… escreveu ou mandou escrever a data 26 de Julho de 2004, o valor líquido de 25.237,50€ e o IVA no montante de € 4.795,12, bem como o valor total de € 30.032,62, apondo ainda que a factura se destinava a pagar serviço prestado em …, tendo depois aposto o carimbo da sociedade; Na factura n° …, o arguido F… escreveu ou mandou escrever a data 27 de Agosto de 2004, o valor líquido de 33.200,00€ e o IVA no montante de € 6.308,00, bem como o valor total de € 39.508,00, apondo ainda que a factura se destinava a pagar serviços prestados na obra de …, tendo depois aposto o carimbo da sociedade; Na factura n° …, o arguido F… escreveu ou mandou escrever a data 27 de Setembro de 2004, o valor líquido de 18.730,00€ e o IVA no montante de € 1558,70, bem como o valor total de € 22.288,70, apondo ainda que a factura se destinava a pagar serviços prestados na obra de …, tendo depois aposto o carimbo da sociedade; Na factura n° …, o arguido F… escreveu ou mandou escrever a data 30 de Setembro de 2003, o valor líquido de 39.695,67€ e o IVA no montante de € 7.542,17, bem como o valor total de € 47.237,84, apondo ainda que a factura se destinava a pagar 283.540,53 Kg de aço aplicados na obra do … tendo depois aposto o carimbo da sociedade; De acordo com o plano previamente traçado pelos arguidos, as facturas supra referidas foram integradas pelos arguidos B… e C… na contabilidade da sociedade "C…, Lda.", como se de verdadeiros custos se tratassem, tendo sido contabilizada no ano 2003 e 2004 Efectivamente, os arguidos B… e D…, com conhecimento e anuência do arguido F… integraram e contabilizaram as referidas facturas na escrita da sociedade "C…, Lda.", de que são sócios-gerentes, utilizando os seus valores para cálculo quer nas declarações trimestrais de IVA, quer nas declarações anuais de IRC, como custos efectivos de serviços prestados e com reflexo no cálculo dos referidos impostos, com o objectivo de defraudar, como efectivamente defraudaram a Fazenda Nacional, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC, obtendo assim ambos os arguidos, à custa do Estado, proventos económicos Todos os arguidos sabiam da forma como funcionava a incidência fiscal, designadamente que em sede de IVA o imposto a entregar ao Estado resulta da diferença entre o IVA liquidado nas facturas de venda ou de prestação de serviços e o IVA suportado e constante das facturas de compra. Acresce ainda que, o que também sabiam os arguidos, em sede de imposto sobre o rendimento, in casu de pessoas colectivas (IRC), a apresentação na contabilidade de despesas que não fossem efectivamente suportadas incrementava os custos diminuindo o lucro tributável e, consequentemente, o valor do imposto a pagar. Igualmente sabiam os arguidos que as mencionadas facturas não correspondiam a quaisquer transacções levadas a cabo ou prestação de serviços e que as mesmas se destinavam apenas a gerarem o correspondente aumento de custos para efeitos de diminuição de tributação em sede de IRC e IVA da sociedade arguida "C…, Lda Agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo com um plano previamente estabelecido, com a intenção de conseguirem uma vantagem patrimonial indevida para a sociedade arguida "C…, Lda" e ao mesmo tempo diminuir as receitas fiscais do Estado, perfeitamente cientes do carácter proibido e punível das suas condutas. Pelo exposto, cometeram os arguidos - B…, D… e F…, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelos art°s 103°, n° 1, e 104°, n° 2, ambos do RGIT, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, com referência ao disposto no art° 19°, n° 3, do CIVA. - as sociedades arguidas, "C…, Lda" e "E…, Lda um crime de fraude qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos art°s 7°, n° 1, 103°, n° 1, e 104°, n° 2, ambos do RGIT, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, com referência ao disposto no art° 19°, n° 3, do CIVA, sendo ainda solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas e coimas em que os arguidos, pessoas singulares acima identificados e respectivos sócios-gerentes venham a ser condenados, de acordo com o disposto no art° 8°, nas 3 e 5, do referido diploma.” O arguido B… requereu a abertura de instrução, arguindo a nulidade da acusação por não ter liquidado, no que concerne ao IRC, a vantagem patrimonial. Aberta a instrução, foi realizado o debate instrutório, vindo a ser proferida decisão instrutória que, a propósito da nulidade arguida decidiu o seguinte: - “… Veio o arguido alegar a nulidade da acusação por falta de liquidação, por parte do Ministério Público, da vantagem patrimonial obtida, no que concerne ao IRC. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o art. 283°, n° 3, alínea b) do Código de Processo Penal que, "a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada". Ao arguido é imputada, em co-autoria material, a prática de um crime de fraude fiscal qualificada. Nos termos do art. 103° do RGIT, "1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável; b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária; c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. 2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a (euro) 15000. 3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária" (sublinhado nosso). E, por força do art. 104°, nos 1 e 2, do mesmo diploma legal, 1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias: a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária; (...) d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária; e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro; (...) 2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente". No nosso entendimento, o disposto no art. 103º, n.° 2 é aplicável à fraude fiscal qualificada e assim, só haverá crime se a vantagem patrimonial ilegítima for de montante igual ou superior a € 15.000,00 (neste sentido vide, Ac. Relação do Porto, de 16.03.2011, Proc. n° 65/05.9IDAVR.P1, disponível in www.dgsi.pt em que pode ler-se: "Assim e quer se entenda que a não punibilidade dos factos de defraudação do fisco susceptíveis de causar uma "vantagem patrimonial ilegítima ... inferior a € 15.000" [103.°, n.° V, corresponde a uma condição objectiva de punibilidade ou integra antes o elemento descritivo do crime de fraude fiscal, o certo é que esse perigo de prejuízo ou de diminuição das vantagens tributárias no valor de € 15.000 é sempre "o mínimo dos mínimos" que justifica segundo o legislador, a criminalizarão das condutas de fraude fiscal" e na doutrina, Alfredo José de Sousa, in "Infracções Fiscais (Não Aduaneiras)", V Edição, Almedina, pág 89). Ora, compulsada a acusação pública, verifica-se que esta descreve os montantes relativos às facturas em causa nos autos que reputa de "fictícias", montantes esses relativos ao valor líquido, ao IVA e ao valor total. Descreve, ainda, as datas a que se reportam as facturas. Todavia, apenas faz referência ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), aquando da descrição do elemento subjectivo e de uma forma muito geral (a fls. 517 e 518 pode ler-se: ...acresce ainda que, o que também sabiam os arguidos, em sede de imposto sobre o rendimento (..), a apresentação na contabilidade de despesas que não fossem efectivamente suportadas incrementava os custos diminuindo o lucro tributável e, consequentemente, o valor do imposto apagar. Igualmente sabiam os arguidos que as mencionadas facturas não correspondiam a quaisquer transacções levadas a cabo ou prestação de serviços e que as mesmas se destinavam apenas a gerarem o correspondente aumento de custos para efeitos de diminuição de tributação em sede de IRC e IVA da sociedade arguida "C…, Lda."). Assim, dúvidas não restam de que da acusação não consta a liquidação da vantagem patrimonial ilegítima obtida pelos arguidos no que respeita ao IRC. Ora, a vantagem patrimonial susceptível de causar diminuição das receitas tributárias é elemento típico essencial para a verificação do ilícito. Como ensinam TOLDA PINTO e REIS BRAVO, "é, por isso, indispensável o seu cálculo e liquidação no âmbito da instrução do respectivo processo. A realização de tal diligência caberá à entidade concretamente competente para proceder, em termos normais, à liquidação do imposto" (in "Regime Geral das Infracções Tributárias e Regimes Sancionatórios Especiais Anotados", Coimbra Editora, 2002, pág. 312) Na esteira do entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra expresso no seu acórdão datado de 13.05.2009, proc. n° 33/05.0JBLSB-L.C1, disponível in www.dgsi.pt consideramos que a falta deste elemento, configura omissão de acto processual na fase do inquérito para a qual o Código de Processo Penal comina a nulidade prevista no art.° 120°, n° 2 alínea d). Nulidade cujo conhecimento depende de arguição pelos interessados até ao encerramento do debate instrutório (cfr. alínea c) do n.° 3). A prova dos factos que integram o tipo pertence ao Ministério Público e a realização da diligência cabe à entidade concretamente competente para proceder à liquidação do imposto. Ora esta é urna nulidade sanável. Sempre que a lei não disponha expressamente em contrário, a nulidade é sanável. Assim, o n° 1 do art. 120° do CPP estabelece o princípio da subsidiariedade da nulidade sanável. Por força do n° 2 do art. 122° do CPP, a declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição (...). Ou seja, a declaração de nulidade tem, por fim, o efeito de repetição do acto nulo, quando ela for possível e necessária. Por último, cabe referir que, à semelhança do que acontece quando na acusação pública falta o elemento subjectivo do tipo, também neste caso em que falta a liquidação da vantagem patrimonial ilegítima obtida pelos arguidos, no que respeita ao IRC, a fim de se poder aferir da prática do crime de fraude fiscal qualificada (e repita-se, apenas no que respeita ao IRC) não cabe ao juiz de instrução substituir-se ao Ministério Público, incluindo no despacho de pronúncia os factos omissos a esse respeito. Por outro lado, também não podemos considerar urna alteração não substancial dos factos, nos termos do art. 303°, n° 1 do CPP, uma vez que esta teria de, necessariamente, resultar de actos de instrução ou do debate instrutório, o que não ocorreu. Assim sendo, consideramos que a operação de liquidação do IRC, pelo Ministério Público na sua douta acusação, é um acto necessário e útil para se aferir da existência do crime de fraude qualificada quanto a esse acto tributário em concreto, tendo em conta que, ainda que a acusação prosseguisse quanto ao IVA, a existência de crime quanto ao IRC é um elemento relevante para determinação da medida da pena. Termos em que, ao abrigo do disposto nos arts. 120°, n°s 1 e 2, alínea d) e 122°, n° 2 do Código de Processo Penal, declaro a nulidade parcial da acusação pública no que concerne à imputação aos arguidos da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, com fundamento no facto de terem defraudado a Fazenda Nacional em sede de IRC, obtendo assim, à custa do Estado, proveitos económicos e determino a remessa dos autos aos Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes.” Do acabado de transcrever resulta que o tribunal a quo confunde, como refere o Ministério Público, nulidade do inquérito com nulidade da acusação. A nulidade da acusação ocorre quando ela omita algum dos elementos descritos no n.º 3 do art. 283.º do CPP. Trata-se de nulidade dependente de arguição, nos termos do art. 120.º do CPP. Este artigo elenca algumas nulidades dependentes de arguição, entre as quais se contando a insuficiência do inquérito na al. d) do seu n.º 2, mas tal não significa que sejam só essas as nulidades dependentes de arguição, como resulta do próprio preceito quando diz “além das que forem cominadas noutras disposições legais”. Cominando o art. 283.º do CPP com nulidade a omissão de algum dos elementos descritos nas diferentes alíneas do seu n.º 3, se tal omissão se verificar na acusação estamos perante uma nulidade dependente de arguição, segundo a disciplina do art. 120.º e ss do CPP, mas que não se enquadra especificamente em nenhuma das elencadas no n.º 2 deste artigo. Esclarecido este ponto, cabe analisar se, no caso em apreço, ocorre alguma das nulidades referidas, do inquérito ou da acusação. Como se colhe do parecer de fl.s 320-335, a vantagem patrimonial quer em sede de IVA quer em sede de IRC foi liquidada pela Direcção de Finanças no decurso da acção inspectiva, pelo que não ocorre a nulidade por insuficiência de inquérito prevista no invocado art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP. Mas, tendo sido liquidadas tais vantagens patrimoniais no decurso da acção inspectiva, a respeitante ao IRC não logrou descrição na acusação deduzida que se limita às genéricas expressões “utilizando os seus valores para cálculo quer das declarações trimestrais de IVA, quer nas declarações anuais de IRC, como custos efectivos de serviços prestados e com reflexo no cálculo dos referidos impostos, com o objectivo de defraudar, como efectivamente defraudaram a Fazenda Nacional, quer em sede de IVA, quer em sede de IRC, obtendo assim ambos os arguidos, à custa do Estado, proventos económicos”. Como se salienta no despacho recorrido, a acusação apenas faz referência ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, aquando da descrição do elemento subjectivo e de uma forma muito geral. Como refere o próprio recorrente, “a vantagem patrimonial susceptível de causar diminuição das receitas tributárias é elemento típico essencial para a verificação do ilícito”. “A necessidade de indicação na acusação dos factos imputados ao arguido decorre, por um lado, das exigências do princípio da vinculação temática, que é corolário do princípio do acusatório, e, por outro, do princípio do contraditório e do respeito pelas garantias de defesa do arguido.” (ac. RP de 30.11.2011, www.dgsi.pt) A acusação que omita a narração de factos que fundamentem a imputação ao arguido de determinado crime é nula porque não cumpre os requisitos da al. b) do n.º 3 do art. 283.º do CPP, aqui se contendo todos os factos essenciais à incriminação, como é, no caso, a indicação da vantagem patrimonial obtida a título de IRC. Assim sendo, cabendo à acusação, nos termos do disposto na al. b), do n.º 3 do art. 283.º do CPP, narrar os factos integradores do crime imputado, mormente os essenciais para a sua verificação, não cabe ao juiz, de instrução ou de julgamento, substituir-se ao Ministério Público, indo buscar às perícias os elementos factuais integradores do ilícito imputado na acusação. E recaindo a descrição desses factos à acusação, a omissão de algum deles, como é o caso da acusação deduzida nos autos, configura nulidade dependente de arguição, nos termos dos art.s 283.º, n.º 3, e 120.º, n.º 1, do CPP. III. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido, embora com fundamentação jurídica diferente. Elaborado e revisto pela primeira signatária. Porto, 23 de Maio de 2012 Airisa Maurício Antunes Caldinho António Luís T. Cravo Roxo |