Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | VÍTOR MORGADO | ||
Descritores: | HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA CONCURSO DE CRIMES DANOS INDIRECTOS | ||
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Nº do Documento: | RP2013101612/10.6GNPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/16/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Comete 5 crimes de Homicídio por negligência, do art. 137.º, n.º 1, do Cód. Penal, o arguido que, com vista à reparação de uma avaria eletrónica, imobiliza o veículo (pesado de mercadorias) na autoestrada e desliga todo sistema elétrico antes de colocar o triângulo de pré-sinalização, momento em que foi embatido por outro veículo, tendo resultado do embate a morte de 5 dos seus passageiros. II – Não são indemnizáveis os danos reflexos ou indiretos peticionados pelas sociedades empregadoras das vítimas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso nº 12/10.6GNPRT.P1 Origem: 2º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I – Para julgamento em processo comum e perante tribunal coletivo, o Ministério Público acusou e o JIC pronunciou - B…, casado, motorista, filho de C… e de D…, natural de … - Penafiel, onde nasceu a 03/03/1960, portador do BI nº ……. e residente na …, nº .., … – Penafiel, imputando-lhe a prática de factos suscetíveis de integrarem, no seu entendimento, a comissão, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de cinco crimes de homicídio por negligência, previstos e declarados puníveis pelo artigo 137º, nºs 1 e 2, do Código Penal e de duas contraordenações por infração ao disposto, respetivamente, pelos artigo 5º, nº 2, e 63º, nºs 1 e 3, al. a), e pelo artigo 87º, nº 3, do Código da Estrada. A folhas 689 e seguintes, veio a sociedade “E…, Ldª”, deduzir PIC contra a “Companhia de Seguros F…, S.A.”, pedindo a condenação desta, a título de indemnização, no pagamento da quantia 73.400,00 euros, acrescida dos juros, calculados à taxa legal, desde a notificação até pagamento integral. Fundou a sua pretensão no acidente descrito nos autos e nos danos emergentes e lucros cessantes que terá sofrido em virtude da sua ocorrência – com a morte dos seus empregados e do seu sócio-gerente e ainda com a inutilização da carrinha que utilizava na sua atividade. A folhas 704 e seguintes, veio a sociedade “G…, Ldª”, deduzir PIC contra a “Companhia de Seguros F…, SA”, pedindo a condenação desta, a título de indemnização, no pagamento da quantia 48.500,00 euros, acrescida dos juros, calculados à taxa legal, desde a notificação até pagamento integral, fundando a sua pretensão no acidente descrito nos autos e nos danos emergentes e lucros cessantes que terá sofrido em virtude da sua ocorrência – com a morte dos seus empregados e ainda com a inutilização da carrinha que utilizava na sua atividade. A final da audiência de julgamento, o tribunal coletivo proferiu acórdão em que decidiu: «1. Absolver o arguido B… da pronúncia, na parte em que lhe é imputada autonomamente a prática das contraordenações ao disposto nos artigos 5º, nº 2, 63º, nºs 1 e 3, al. a) e 87º, nº 3, do Código da Estrada; 2. Condenar o arguido B…, pela prática, em autoria material e na forma consumada de cinco crimes de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo artº 137º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um desses crimes; 3. Procedendo ao cúmulo jurídico das penas parcelares impostas, condenar o arguido B… na pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão efetiva; 4. Julgar o PIC deduzido pela “E…, Lda.” contra a Companhia de Seguros F…, SA”, parcialmente procedente, por parcialmente provado, pelo que: 4.1. Condenam a demandada no pagamento à demandante da quantia que se vier a liquidar em decisão ulterior, reduzida porém em 30% (trinta por cento), a título de indemnização referente aos danos lucro cessantes resultantes direta e necessariamente da perda repentina da prestação laboral dos seus trabalhadores, da morte do respetivo legal representante e da privação do uso da viatura “Peugeot …”, por força do sinistro referido nos autos, com o limite global do pedido, a que acrescem os respetivos juros de mora desde a notificação, calculados à taxa legal, até integral pagamento; 4.2. Absolvem a demandada do demais peticionado; 5. Julgar o PIC deduzido pela “G…, Ldª”contra a Companhia de Seguros F…, SA”, parcialmente procedente, por parcialmente provado, pelo que: 5.1. Condenam a demandada no pagamento à demandante da quantia que se vier a liquidar em decisão ulterior, reduzida porém em 30% (trinta por cento), a título de indemnização referente aos danos lucro cessantes resultantes direta e necessariamente da perda repentina da prestação laboral dos seus trabalhadores, por força do sinistro referido nos autos, com o limite global do pedido, a que acrescem os respetivos juros de mora desde a notificação, calculados à taxa legal, até integral pagamento; 5.2. Absolvem a demandada do demais peticionado.» Para fundamentar factualmente a citada parte dispositiva do acórdão, o tribunal coletivo fez a seguinte apreciação sobre a matéria de facto (factos provados, factos não provados e respetiva motivação): «A - Factos provados[1]: Factos respeitantes à pronúncia, PICs e contestações 1. No dia 26 de janeiro de 2010, pelas 6h45m, o arguido B… conduzia o veículo trator de mercadorias da marca “Volvo”, modelo “…”, com a matrícula ..-..-TM, o qual fazia conjunto com o semirreboque de carga da marca “…”, modelo “…”, de matrícula P-….., pela Autoestrada .., pela via mais à direita e em direção ao Porto (sentido …/…); 2. Tal veículo seguia carregado com uma carga de paralelipípedos de granito (no semirreboque), o que no total (tara do veículo e carga) perfazia 38 toneladas; 3. Para suportar o peso da carga, o semirreboque assenta a sua parte traseira em dois eixos, cada um com dois pneus de cada lado; 4. No local, inexiste iluminação artificial, estava bom tempo e era de noite, permitindo a visibilidade possível pela difusão da luz das óticas (o que permitia visualizar pelo menos 100 metros da faixa de rodagem); 5. Quando o arguido se aproximava do km 14,200, em …, nesta comarca, numa zona em que a autoestrada tem três vias e descreve uma curva ampla e prolongada à direita, atento o sentido de marcha …/…, com um declive ascendente de cerca de 6%, o veículo por si conduzido teve, tal como aliás havia sucedido 52 vezes nos últimos 4 dias, mais uma interrupção do funcionamento do pedal do acelerador; 6. Em consequência, o veículo “Volvo” e respetivo semirreboque desacelerou acentuadamente, pelo que o arguido encostou-o um pouco à sua direita, ocupando assim parte da berma (que possui uma largura de 1,6 metros), acabando por parar, mas de modo a ocupar a quase totalidade da faixa mais à direita da autoestrada, no referido sentido de marcha (…/…); 7. Uma vez imobilizado o dito trator “Volvo” e respetivo semirreboque e com vista a resolver o problema, o arguido desligou o motor do veículo e respetivas luzes, saiu de seguida daquela viatura e abriu uma portinhola existente junto à porta do condutor, a fim [de] procurar ferramentas e o triângulo de sinalização de avaria, tendo entretanto desligado o corta-corrente, situado no exterior, por detrás da cabine do condutor (antes porém de colocar no devido lugar o triângulo sinalizador de avaria, que não teve tempo de colocar na via antes do embate que a seguir se descreve); 8. No mesmo contexto de tempo e lugar, seguia, no mesmo sentido de marcha, também pela via mais à direita (para onde passou a circular depois de momentos antes ter circulado pela via central) e a uma velocidade não concretamente apurada mas situada entre os 117 km/h e os 124 km/h, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias da marca “Peugeot”, modelo “…”, com a matrícula ..-EL-.., conduzido por H…; 9. No mesmo veículo seguiam, além do mais, as vítimas I…, J…, K…, L… e M…; 10. Uma vez que o trator “Volvo” e respetivo semirreboque estavam sem qualquer luz ligada e porquanto o condutor do ligeiro de mercadorias não atentou naquele obstáculo, designadamente nos refletores traseiros do semirreboque (que poderia ter identificado a uma distância de pelo menos 75 metros), tendo o H… só reparado no pesado imobilizado quando já estava muito próximo dele (a distância não apurada), não teve sequer tempo de travar e não conseguiu imobilizar o ligeiro de mercadorias por si conduzido ou passar atempadamente para a via imediatamente à esquerda (via central), tendo ido assim embater violentamente com a parte frontal direita do veículo “Peugeot” na traseira do lado esquerdo do aludido semirreboque; 11. Fê-lo com tal violência que penetrou no canto traseiro esquerdo do semirreboque e enfiou-se depois de encontro aos rodados traseiros esquerdos daquele, arrancando o primeiro eixo – o posterior –, arremessando-o para a frente, para junto do outro que também empurrou mais para a frente, empenando ainda a jante do rodado duplo e rebentando os pneus aí colocados; 12. Em consequência do referido embate, os supra mencionados I…, J…, K…, L… e M… sofreram as lesões descritas nos relatórios de autópsia médico-legal de fls 161 a 167 e 494 a 500 (J…), 170 a 175 e 178 a 182 (I…), 185 a 189 e 503 a 508 (K…), 192 a 197 (L…) e 200 a 208 (M…), cujo teor aqui damos por reproduzido, lesões essas que lhes determinaram direta e necessariamente a morte; 13. O arguido entrou na referida autoestrada não obstante ter perfeito conhecimento de que o veículo por si habitualmente conduzido tinha tido, nos 4 dias anteriores, 52 interrupções do funcionamento do pedal do acelerador, tendo ainda consciência de que era elevada a probabilidade de ocorrer a mesma anomalia e que a mesma poderia conduzir à imobilização forçada da viatura, numa altura em que ainda era de noite; 14. Sabia o arguido que tal conduta não lhe era permitida, mas não teve consciência de que da mesma pudesse resultar a morte das cinco vítimas; 15. A demandante “E…, Ldª”, é uma sociedade que se dedica à atividade de construção civil e engenharia civil, reparação de canalizações, eletricidade, limpeza e desinfeção de cisternas; 16. Para o exercício desse fim, a dita sociedade tinha ao seu serviço trabalhadores, nomeadamente da arte de pichelaria e eletricidade e utilizava, em regime de locação financeira (celebrado com “N…, SA”), o veículo automóvel ligeiro de mercadorias da marca “Peugeot”, modelo “…”, de matrícula ..-EL-.., acima referido; 17. O identificado veículo encontrava-se seguro na “Companhia de Seguros O…, S.A.”, apólice ………., sendo titular a demandante “E…”; 18. Esse veículo era, quase de forma exclusiva, utilizado como meio de transporte dos trabalhadores que, sob as ordens e direção da “E…”, prestavam serviços e trabalhos nas obras que esta, no exercício da sua atividade, executava; 19. Diariamente, de segunda a sexta-feira de manhã, esses trabalhadores eram conduzidos das suas residências, situadas no concelho de Marco de Canaveses, para o local onde estavam a ser executadas as obras e ao fim do dia de trabalho regressavam a casa no mesmo veículo; 20. Por sua vez, a demandante “G…, Ldª”, é uma sociedade que se dedica à atividade de construção civil, obras públicas e atividades conexas; 21. A demandante “G…” utilizava também o referido veículo para transportar trabalhadores, materiais e ferramentas de trabalho por acordo com o sócio-gerente da demandante “E…”, que era igualmente sócio da primeira; 22. No dia 26.01.2010, como era habitual, o indicado veículo (conduzido pelo motorista H…) saiu de Marco de Canaveses, nele seguindo (além do mais) os trabalhadores L…, K… e P… e ainda o sócio-gerente da demandante M…, para prestar trabalho em obras localizadas na zona do Porto; 23. Os referidos trabalhadores haviam firmado contrato laboral com a demandante “E…” e, sob as suas ordens, fiscalização e direção, prestavam os trabalhos e serviços inerentes à sua categoria como trolha, picheleiro, eletricista e outras artes nas obras que esta executava; 24. Para o exercício do fim social da demandante “G…”, esta sociedade tinha ao seu serviço como trabalhadores I…, J… e Q… (que seguiam também no veículo ligeiro de mercadorias “Peugeot” já referenciado, aquando do acidente, para prestarem o seu trabalho nas obras que a demandante “G…” tinha em curso na zona do Porto); 25. Os referidos trabalhadores haviam firmado contrato laboral com a demandante “G…” e, sob as suas ordens, fiscalização e direção, prestavam os trabalhos e serviços inerentes à sua categoria como operários da construção civil; 26. Na sequência do acidente acima descrito, o veículo “Peugeot” referido ficou completamente danificado, sem qualquer possibilidade de reparação, ou seja, com perda total, o que determinou a caducidade do contrato de locação financeira; 27. A demandante “E…” ficou assim privada do seu uso (designadamente para transportar trabalhadores e materiais ligados ao seu ramo de atividade), sendo certo que não dispunha, nem dispõe presentemente, de qualquer outro veículo com as mesmas características, nem condições económicas para adquirir nova viatura do género; 28. Esse veículo havia sido adaptado para transportar materiais e ferramentas numa caixa metálica; 29. No mesmo veículo era feito igualmente o transporte das ferramentas de trabalho utilizadas nas obras (pertencentes a ambas as demandantes); 30. Em consequência do embate, resultou a perda de 5 vidas (as vítimas mortais já referenciadas) e lesões corporais sofridas por outras três pessoas (o respetivo condutor – H… –, P… e Q…, que sofreram lesões que determinaram o respetivo internamento hospitalar); 31. Esse facto e a falta de veículo de transporte com características semelhantes às do veículo “Peugeot” determinaram a perda de trabalhos que ambas as demandantes tinham em perspetiva e perturbou a normal execução das obras em curso, algumas das quais não chegaram a ser concluídas; 32. O falecido M… era o único sócio e gerente da demandante “E…”. Era ele quem geria e orientava a atividade desta sociedade unipessoal, quem contactava com os clientes e procurava no terreno novas oportunidades, para além de supervisionar, orientar e acompanhar os trabalhos e serviços efetuados pelos trabalhadores; 33. A sua morte provocou perturbações ao nível da gestão da “E…” durante alguns meses, potenciando a quebra de rendimentos; 34. Viram-se assim ambas as demandantes na contingência de recusar trabalhos, devido à falta de trabalhadores aptos à execução daqueles serviços (pichelaria, eletricista e trolha) e de meio de transporte para os fazer deslocar à zona do Porto, onde as demandantes, além do mais, faziam a manutenção de condomínios e a “G…” executava também a reparação e benfeitorias em vários imóveis; 35. Por contrato denominado de “seguro”, titulado pela apólice nº ………, a demandada “Companhia de Seguros F…, SA” assumiu a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas pelos danos causados pelo veículo pesado, trator de matrícula ..-..-TM, e bem assim do semirreboque de matrícula P-….., conforme certidão da apólice entretanto junta e cujo teor aqui damos por reproduzido; Factos respeitantes ao percurso de vida do arguido, sua condição sócio-económica e antecedentes criminais e estradais 36. B… cresceu em … (Penafiel), num agregado constituído pelos pais e um grupo de seis irmãos. A situação económica assentou no exercício da profissão de motorista pelo pai, sendo a mãe doméstica, e marcou-se pela precariedade; 37. A dinâmica familiar promoveu laços de vinculação segura, um ambiente estruturante e um modelo educativo de regras e valores convencionais; 38. Integrou o contexto escolar em idade própria, concluiu a 4ª classe aos doze anos de idade, acumulando o investimento escolar com o trabalho na construção da habitação própria do agregado, construída integralmente pela família; 39. Aos doze anos de idade, iniciou o investimento profissional numa pedreira, como manobrador de máquinas, com a supervisão do progenitor (que desempenhava as funções de encarregado geral). Manteve-se durante dezoito anos nesta atividade e na mesma entidade patronal; 40. Casou aos vinte e um anos de idade e dessa relação matrimonial nasceram duas filhas, atualmente com vinte e nove e dezasseis anos de idade. A relação conjugal decorreu de forma gratificante e o arguido valorizou a família e o respetivo bem-estar, bem como o trabalho, o qual foi assumindo uma dimensão privilegiada de investimento na sua trajetória de vida; 41. Em 1993, com o intuito de melhorar as condições de vida, emigrou para a Alemanha, levando consigo a cônjuge e a filha, tendo nascido naquele país a filha mais nova. Permaneceram naquele país dez anos; 42. Em Portugal, reintegrou a atividade profissional numa pedreira (“S…, Ldª”), onde se mantém até à como motorista; 43. À data dos factos, o arguido integrava o agregado constituído por si, pelo cônjuge e pelas duas filhas, um genro e um neto; 44. O agregado apresentava uma dinâmica familiar ajustada, assente na solidariedade entre os seus elementos; 45. Mantinha a inserção na empresa “S…, Ldª”, a filha mais velha trabalhava como cabeleireira e o genro como motorista; 46. O agregado mantinha uma situação económica estável, assente no investimento profissional dos três elementos referenciados; 47. Habitam em casa própria, numa pequena moradia com adequadas condições de habitabilidade, inserida em meio rural e sem problemáticas sociais associadas; 48. Atualmente, o arguido mantém as mesmas condições, mantém a mesma atividade profissional e aufere cerca de 770 euros mensais líquidos. É tido pela sua entidade patronal como trabalhador cumpridor e responsável. As despesas do agregado são suportadas integralmente pelo vencimento do arguido, como forma de ajudar a filha e o genro, que canalizam os seus rendimentos para os encargos de uma habitação própria que se encontram a construir; 49. A filha menor, de dezasseis anos, integra o contexto escolar e encontra-se totalmente a cargo do arguido e esposa; 50. Como despesas mensais fixas, o agregado suporta o pagamento de cerca de 90 euros referente à eletricidade, 25 euros respeitantes ao consumo de água e 25 euros de gás; 51. No meio social, o arguido é referenciado como uma pessoa normativa, ajustada no relacionamento interpessoal, não lhe sendo conhecidas atitudes antissociais; 52. O arguido mostra-se apreensivo com o desfecho deste processo, revelando preocupação pelas consequências que dele possam advir; 53. Mostra-se psicologicamente afetado pelos acontecimentos que deram origem a este processo, encontrando na família e na aceitação dos pares comunitários a estrutura psicossocial para lidar com a situação; 54. A sua imagem não ficou prejudicada no meio social em que se insere, apesar do conhecimento do presente processo, não tendo a vida do arguido sofrido, até à data, qualquer alteração 55. O arguido não tem antecedentes criminais; 56. Do seu registo individual de condutor nada consta. * B - Factos não provados:Não se provou qualquer outro facto para além dos acima referidos, designadamente: - Que o arguido tenha desligado as luzes do pesado por si conduzido por descuido; - Que, no sentido …/…, no local do acidente, a berma tenha 1,3 metros de largura; - Que, aquando do embate, o trânsito fosse intenso; - Que a velocidade recomendada para o local fosse de 70 km/h; - Que a avaria verificada no “Volvo” tivesse provocado uma falha da energia e luz que impossibilitasse a respetiva sinalização e que tenha sido por isso que o arguido não ligou os “piscas”; - Que essa avaria tivesse ocorrido na sequência do “Volvo” ter passado por uma “falta de estrada” ou “lacada” ali existente e que o camião tivesse vibrado e que dessa forma tivesse levado à perda de energia; - Que a anomalia no pedal do acelerador não seja potenciadora da perda de potência do motor e da velocidade do pesado e respetiva paragem; - Que o “Volvo” e respetivo semirreboque tenham sido encostados pelo arguido o mais à direita possível; - Que todos os ocupantes da viatura “Peugeot” fossem a dormir; - Que tivesse sido um bombeiro a desligar a energia (no corta-corrente); - Que quando o “Volvo” se imobilizou, o arguido tivesse saído da viatura munido do triângulo e que com a maior rapidez que lhe era permitida tivesse ido logo colocá-lo na estrada, apenas não tendo chegado a tempo[2]; - Que, aquando do embate, o “Volvo” ainda estivesse em movimento ou que tivesse acabado de parar, em todo o caso, antes do arguido ter saído daquela viatura; - Que o condutor do veículo “Peugeot” pudesse ter identificado a presença de um trator pesado de mercadorias e respetivo semirreboque imobilizados, naquelas circunstâncias, a distância não inferior a 100 metros; - Em que data foi celebrado o contrato de locação financeira entre a demandante “E…” e “N…, SA”, qual o valor da renda mensal paga e qual o estado do seu cumprimento à data da sua caducidade; - Que as ferramentas de trabalho das demandantes tenham ficado destruídas e sem qualquer valor; - Que a “E…” tenha despendido qualquer quantia na adaptação do veículo “Peugeot” com uma caixa metálica destinada a transportar ferramentas e materiais de construção civil; - Que rendimento obtinham as demandantes com a manutenção de condomínios; - Que trabalhos de construção civil foram recusados ou não executados por ambas as demandantes em face da morte ou lesões corporais sofridas pelos seus trabalhadores na sequência do acidente descrito e ainda em face da inexistência de veículo de transporte com idênticas características às da “Peugeot …” referida nos autos e ainda da morte do legal representante da “E…” e, por consequência, qual foi a dimensão da respetiva perda de lucros. * C - A convicção do tribunal:O tribunal ponderou de forma conjugada os seguintes elementos de prova: Da informação prestada pelo INEM a fls. 226, respeitante ao sinistro em causa nos autos, decorre que o primeiro pedido de socorro foi efetuado telefonicamente no dia 26.01.2010, às 6h58m. Na participação de fls 102 a 106 foi registado que o sinistro terá ocorrido pelas 6h45m, no local indicado na acusação (cfr. ainda o “Relatório Tático de Inspeção Ocular” de fls 40 e ss.). Nesses documentos estão identificados os respetivos intervenientes e vítimas. O arguido, por seu turno, confirmou que o acidente se deu por volta dessa hora e naquele local. Confirmou ainda que era o condutor do trator “Volvo” referenciado nos autos (matrícula ..-..-TM) e respetivo semirreboque (matrícula P-…..), o qual seguia com um carregamento de cubos de granito (cfr. guia de remessa de fls 111) e pela via mais à direita (veículo e carga pesariam no total 38 toneladas, segundo o arguido e a testemunha T…, legal representante da firma “S…, Lda.”). Por seu turno, também a testemunha H… confirmou que era o condutor do ligeiro de mercadorias (“Peugeot …” de matrícula ..-EL-..) e que nos momentos que precederam o acidente seguia na faixa mais à direita da autoestrada (que naquele local se desenvolve em três faixas no sentido …/…, sentido de marcha de ambas as viaturas, após o nó de …). A posição dos sinistrados no veículo ligeiro de mercadorias está ilustrada no esboço de fls. 575 e assim foi confirmado pela testemunha H…[3] (dada a forma como o embate se deu – conforme mais à frente se verá – não foi por acaso que os ocupantes do lado direito da viatura em causa faleceram todos). Os primeiros dois veículos referenciados foram matriculados em 2002 e o ligeiro de mercadorias foi matriculado em 2007, sendo certo que todos tinham a inspeção periódica em dia (cfr. fls. 57 a 60, 73 e 74). Nenhum dos condutores apresentava álcool no sangue (cfr. fls 110 e 244). Estava bom tempo e era de noite (cfr., em todo o caso, a esse propósito, o “Relatório Técnico” de fls. 858 e ss., mais concretamente fls. 864). O veículo pesado de mercadorias e respetivo semirreboque estavam seguros na demandada, conforme se divisa na certidão da apólice junta. Por seu turno, o “Peugeot …” estava seguro na “Companhia de Seguros O…, SA”, conforme se verifica na certidão da apólice entretanto junta. A via onde se deu o acidente é uma autoestrada que tem as características assinaladas na acusação e na contestação aos PICs (neste caso com exceção da largura da berma direita, que é de 1,6 metros), conforme decorre, designadamente, do “Relatório Tático de Inspeção Ocular” de fls 40 e ss., do croqui de fls 107, do “Relatório Fotográfico” de fls 115 e ss. (ali se vê a disposição dos veículos após o acidente, o que se deverá conjugar com as medições assinaladas no croqui de fls 107), do “Relatório de Averiguação” efetuado para a “Companhia de Seguros O…, SA”, de fls 569 e ss. e do “Relatório Técnico” de fls 858 e ss., apresentado pela demandada “Companhia de Seguros F…, SA”, com a sua contestação. Pode-se dizer que quanto a esses aspetos (hora do acidente, posição de marcha dos veículos e seu posicionamento imediatamente antes e logo após o embate) a prova produzida foi pacífica, não tendo sido posta em causa por quem quer que seja, designadamente pelo arguido e pela testemunha H… (este último condutor do ligeiro de mercadorias). É também seguro que, aquando do acidente, o veículo pesado de mercadorias estava com a totalidade das luzes desligadas (cfr. o depoimento do arguido e das testemunhas H… e U…, esta última a única testemunha ocular ouvida que não teve intervenção no acidente). Também existiu unanimidade entre os condutores de ambos os veículos quanto ao facto da viatura ligeira de mercadorias ter embatido violentamente com a parte da frente do lado direito na parte traseira esquerda do semirreboque do pesado de mercadorias (sem que tenha existido qualquer travagem), o que de resto é corroborado pelas evidências patenteadas no “Relatório Fotográfico” de fls 115 e ss. Veja-se que inexistem rastos de travagem e o ligeiro de mercadorias, na sequência do embate, rodou para a esquerda cerca de 45º, deixando, por esse motivo, um dos rodados traseiros uma marca no pavimento (cfr. as fotos de fls 127 e 146 e o posicionamento quase perpendicular dum veículo em relação ao outro). Consequentemente, o condutor do veículo ligeiro de mercadorias (conforme referiu) só se apercebeu do pesado quando dele já estava muito próximo, tão próximo que nem deu tempo para sequer travar (segundo disse, esboçou apenas um desvio para a esquerda, facto de que não estamos seguros). É ainda pacífico que do sinistro resultou a morte das pessoas indicadas na acusação. A este propósito, veja-se o “Relatório Fotográfico” já referenciado, os relatórios de autópsia das vítimas mortais de fls. 161 a 167 e 494 a 500 (J…), 170 a 175 e 178 a 182 (I…), 185 a 189 e 503 a 508 (K…), 192 a 197 (L…) e 200 a 208 (M…) e ainda a identificação civil por BI das referidas vítimas mortais (fls 359 a 363). Tomando então como verídica aquela factualidade, certo é que entretanto os depoimentos prestados pelo arguido e pelas testemunhas H… e U… são divergentes. Desde logo, o arguido referiu que na sequência do facto do veículo por si conduzido ter trepidado momentos antes numa “falta de estrada” (deduzimos que junta de dilatação) ficou sem qualquer energia, tendo parado o motor, pelo que se tentou aproximar o mais possível à direita e, quando a viatura estava prestes a imobilizar-se e o depoente a puxar o travão de mão, ocorreu o embate descrito nos autos. Sucede que a perceção transmitida pela testemunha U… foi a de que o veículo pesado já se encontrava parado quando segundos antes passou por ele e constatou que estava sem qualquer luz ligada, pensando para consigo “olha-me este filho da puta, aqui parado sem iluminação”. Mal pensou isto, deu-se o estrondo, divisando pelos espelhos retrovisor que o acidente se tinha dado (seguiu marcha até às portagens de …, altura em que providenciou pelo socorro). Portanto, tendo presente que o seu depoimento nos mereceu toda a credibilidade (veja-se que é pessoa sem qualquer relacionamento com qualquer um dos condutores das viaturas ou vítimas e respetivos familiares), convencemo-nos de que o pesado estava parado aquando do embate. Esta circunstância é ainda corroborada pelo depoimento da testemunha H… quando referiu ter visto uma portinhola aberta na cabine do pesado (onde normalmente se guarda ferramenta e sinalização, do lado do condutor[4]), o que significa que o arguido já tinha inclusive saído do pesado. Ademais, parecer-nos-ia inverosímil que o ligeiro de mercadorias tivesse ficado na posição ilustrada na reportagem fotográfica a que já aludimos se o obstáculo em que embateu (semirreboque) estivesse em movimento, ainda que lento. Além disso, o Sr. perito ouvido (V…) referiu que, caso o motor do trator tivesse parado de trabalhar, conforme referiu o arguido, quase de imediato a viatura se imobilizaria, tanto mais que o local configura uma subida (com cerca de 6% de inclinação) e o semirreboque ia carregado de cubos de granito (tudo num total de 38.000,00 quilos). Por outro lado, a explicação dada para a imobilização do veículo pelo arguido é completamente inverosímil, conforme procuraremos demonstrar. Especula o arguido que o corta-corrente (cfr. fotografias de fls. 963 e 964), na sequência da trepidação já referida, terá cortado a corrente da viatura – razão pela qual ficou sem qualquer luz e o motor parou – voltando a ligar quando o pesado sofreu o impacto do embate por banda do ligeiro de mercadorias, o que justificaria o facto da viatura por si conduzida entretanto passar a dispor de energia elétrica (veja-se que, mesmo com o corta-corrente desligado é possível retirar o disco do tacógrafo, pois tal é feito manualmente, abrindo o tacógrafo com uma chave, conforme referiu o agente da GNR W…, sendo certo que foi o arguido quem assim abriu o tacógrafo e entregou o respetivo disco àquela testemunha. Em todo o caso, conforme emergiu do depoimento do agente da GNR X…, quando o veículo foi rebocado tinha energia, pois os quatro piscas foram ligados[5]). Ora, a versão dos factos apresentada pelo arguido é inverosímil, pois seria quase o mesmo que dar-se como provado que dois raios caíram quase em simultâneo no mesmo sítio. Veja-se que, naquela versão dos acontecimentos, o pesado perdeu energia por trepidação numa junta de dilatação (que fez com que o corta-corrente desligasse a corrente elétrica) e voltou a ganhá-la por causa do embate (com o impacto, o corta-corrente voltou a ligar a energia)! Haverá, concerteza, uma explicação mais lógica e sem cair no chavão de que (no campo das hipóteses)“tudo é possível”. Com efeito, conforme resulta do relatório pericial de folhas 67 a 71, nos 4 dias anteriores ao sinistro, o pesado de mercadorias tinha registado 52 interrupções do funcionamento do pedal do acelerador, o que significa – conforme esclareceu o Sr. perito V… – que o veículo perdeu potência (o motor ficou em ponto morto), facto de que o arguido não havia dado conhecimento à sua entidade patronal (conforme emergiu do depoimento da testemunha Y…, legal representante da entidade patronal do arguido). Essa anomalia foi também constatada pelo Sr. perito V… aquando do teste efetuado ao veículo (cfr. o respetivo depoimento e o relatório de diligência externa de fls. 30 e 31). E terá sido essa a razão da imobilização daquela viatura na autoestrada. Na verdade, não obstante o arguido e as testemunhas Z…[6] e AB… (que na nossa perceção foram completamente tendenciosas, pois são conhecidos do arguido) terem dado a entender que é uma “anomalia normal/habitual” e que é ultrapassada carregando no pedal do acelerador, o certo é que o Sr. perito V… referiu que tal anomalia é rara e, pese embora carregando insistentemente no acelerador (não basta um toquezinho) o motor possa ganhar potência, a forma mais normal e eficaz de ultrapassar essa anomalia é desligando a viatura e o corta-corrente para depois o voltar a ligar (foi esse aliás o procedimento adotado aquando do teste do pesado quando mais uma vez se verificou a falha do pedal do acelerador). Ora, segundo nos convencemos, foi isto mesmo que sucedeu, pois, recorde-se, o pesado seguia carregado e em plena subida, daí que com mais acuidade se tenha sentido a falta de potência no motor e se tenha dado a imobilização daquela viatura[7]. Isto é, o arguido desligou a viatura e o corta-corrente. Não o fez por descuido (conforme referido na acusação)[8], mas propositadamente, por forma a melhor solucionar o problema da falta de potência no motor, por força da anomalia então verificada no pedal do acelerador. S.m.o., esta é a única explicação lógica e plausível para o sucedido; tudo o mais são especulações sem qualquer credibilidade. Note-se ainda que, pese embora o corta-corrente não tenha sido peritado, o certo é que foi testado e nenhuma anomalia foi registada pelo Sr. Perito[9], o que descredibiliza totalmente – se dúvidas houvessem – a versão do arguido. De resto, nem o arguido confirmou o que alegou na contestação, no artº 9º, parte inicial. Acresce que ninguém, para além do arguido, confirmou a existência de qualquer “falta de estrada” pouco antes do local do acidente. Pelo contrário, segundo a descrição feita pela GNR (e aliás visível nas fotos) o piso da via era (e é) em asfalto e encontrava-se em bom estado de conservação[10]. Se “falta de estrada” ou “lacada” houvesse, ela ter-se-ia de situar em local muito próximo do sítio onde o pesado se imobilizou, o que não foi assinalado pelas autoridades policiais, apesar de logo no local terem colhido aquela versão dos factos pelo arguido, pelo que seria um facto relevante e que, a existir tal deficiência no piso da via, por certo seria assinalado. Vejamos agora o comportamento do condutor do ligeiro de mercadorias, “Peugeot …”, matrícula ..-EL-.. (testemunha H…). Já vimos que ele foi surpreendido pelo trator “Volvo” e respetivo semirreboque, o qual se encontrava imobilizado a ocupar a quase totalidade da faixa da direita da autoestrada, no sentido …/…, e a surpresa foi tanta que nem sequer acionou o mecanismo de travagem da viatura que conduzia (segundo emerge do seu depoimento, esboçou apenas um pequeno desvio para a esquerda, em todo o caso, mesmo nesta versão[11], manifestamente insuficiente para evitar o embate). Eram 6h45m e, portanto, de noite. Já vimos então que, quando dele se apercebeu, não conseguiu evitar o embate com a parte da frente direita do ligeiro de mercadorias na parte traseira esquerda do semirreboque, com a violência que as fotografias ilustram (cfr. o “Relatório Fotográfico” de fls 115 e ss.). No “Relatório Técnico” apresentado pela demandada com a sua contestação, calcula-se a visibilidade que a testemunha em causa teria e qual a velocidade a que seguia o veículo por si conduzido (esse cálculo de visibilidade tem porém uma fragilidade – pressupõe que o condutor já estivesse a contar com aquele obstáculo e que logo o poderia identificar com precisão, isto é, um veículo imobilizado na via). Também da foto de fls. 119 (e respetiva legenda) resulta que o veículo pesado poderia ser avistado a 150 metros de dia. Ora, segundo a testemunha H…, condutor do ligeiro de mercadorias, impri[mi]a a este veículo uma velocidade na ordem dos 100 km/h; seguiria porém seguramente a mais, dada a violência do embate. Nessa medida, pareceu-nos credível a projeção a esse propósito efetuada no “Relatório Técnico” (que o seu autor – AC… – confirmou e explicou na audiência de julgamento). Porém, não obstante a dinâmica do acidente [se] ter dado de forma muito semelhante ao visualizado na audiência de julgamento (mediante o programa informático “PC-Crash”[12]; cfr. ainda fls 838 a 890), do ponto de vista de um condutor diligente e tempo de reação necessário para que se pudesse ter apercebido da existência de um pesado imobilizado na via direita (naquele local e àquela hora) e encetado a manobra de diversão [?] que se impunha, não nos parece plausível que a testemunha H… pudesse ter imobilizado a viatura que conduzia antes de embater no semirreboque. De todo o modo, não obstante não darmos como seguro que a testemunha H… pudesse ter parado no espaço visível e livre antes de embater no pesado e que pudesse ter avistado aquele obstáculo (identificando-o como uma viatura imobilizada na via) no espaço de 150 metros[13], parece-nos indesmentível que, ainda assim, se tivesse sido diligente, sempre conseguiria desviar a viatura que conduzia para a esquerda, a tempo de evitar o embate, tanto mais que as vias central e esquerda estavam livres aquando do sinistro[14]. Calculámos que poderia ter identificado o pesado imobilizado naquelas circunstâncias a pelo menos 75 metros de distância. Se assim tivesse detetado, por certo ter-se-ia desviado para a esquerda a tempo de evitar o embate, tanto mais que o trânsito, àquela hora, era escasso e as vias central e da esquerda estavam desimpedidas. Não se demonstrou que a velocidade recomendada para o local fosse de 70 km/h (não se vislumbra onde a demandada foi buscar tal ideia), sendo certo que o respetivo limite máximo permitido é de 120 km/h. Em face do exposto, parece-nos plausível que concorreram para o acidente as condutas negligentes de ambos os condutores (mais temerária, em todo o caso, a conduta do arguido, pois – adiantando já um juízo de valor - é grosseiramente negligente uma conduta em que, naquelas circunstâncias, dificulta de forma relevantíssima a visibilidade do pesado, ainda por cima numa via sem iluminação e de trânsito rápido). Isto posto, invocam as demandantes “E…” e “G…” diversos danos patrimoniais emergentes e lucros cessantes. A testemunha AD… (funcionário da “E…” e sócio da “G…”) referiu que, à data do sinistro, colaborava com a demandante “E…”, mas não era então seu funcionário (auxiliava o gerente – o falecido M… – na orçamentação das obras). Hoje é sócio da demandante “G…”. Sabe que a “Peugeot …” era utilizada por força de contrato de “leasing”[15], mas não sabe por qual das demandantes (ambas as firmas, conforme nos pareceu óbvio, confundem-se). Também não sabe, relativamente aos trabalhadores falecidos, a que empresa estariam ligados por vínculo laboral. A utilização que era dada por ambas as demandantes àquela viatura era a de transporte de pessoal e de ferramentas (aquele modelo tem uma configuração própria para essa finalidade, pelo que é plausível que fosse usada nesses moldes). Por ambas eram ainda usadas mais duas ou três viaturas, mas não tinham aquelas características. Descreveu as atividades empresariais de cada uma das demandantes de modo semelhante ao alegado. Deu conta que aquelas empresas perderam quase todos os trabalhos que tinham em curso porquanto não foi possível no imediato substituir os trabalhadores falecidos. Em todo o caso, concluíram as obras mais importantes. Ignora que material se perdeu no acidente. A testemunha AE…, por seu turno, é TOC de ambas as demandantes, há cerca de 7/8 anos. Confirmou o objeto social de ambas as firmas sensivelmente conforme alegado. Deu conta da inatividade de ambas durante uns meses na sequência do acidente (só a partir de junho de 2010 é que a atividade voltou ao normal). Referiu que o veículo “Peugeot …” foi para abate (cfr. ainda o documento de fls. 697). Era utilizado pela “E…” por força de contrato de “leasing” e nela eram transportados os trabalhadores. Segundo ainda referiu, as empresas dispunham de mais duas ou três viaturas (mas não tinham aquelas características). Ora, desta descrição sumária dos depoimentos das testemunhas em causa (inquiridas acerca dos PICs) se verifica a pobreza da prova produzida a propósito dos alegados danos patrimoniais emergentes e lucros cessantes. Na verdade, mesmo considerando a prova documental apresentada com aquelas pretensões indemnizatórias – que, em boa verdade, nada demonstram de seguro[16] –, ficamos sem saber qual a real dimensão dos danos lucro cessantes (qual o volume de obras e inerentes lucros perdidos pela falta súbita de trabalhadores e do gerente da “E…”). Ficamos ainda sem saber qual a renda mensal paga pela “E…” e em que estado estava o contrato de “Leasing” referente à viatura em causa. Por outro lado, não obstante as demandantes não terem feito prova documental de que os falecidos (com exceção do M…, que era sócio-gerente) fossem seus trabalhadores (o que seria muito fácil, bastando para tanto juntar cópia de recibos de vencimento), parece indesmentível que aquelas pessoas estavam ao serviço das demandantes e que iam trabalhar em obras no Porto, conforme era habitual (as referidas testemunhas ouvidas a propósito dos PICs e o condutor da viatura “Peugeot” confirmaram esse facto). Ainda quanto aos danos lucro cessantes, as demandantes não apresentaram qualquer prova documental relevante acerca dessa factualidade, designadamente de ordem contabilística, visto que essa perda de lucros teria reflexos ao nível das contas de exercício e nas respetivas declarações de IRC respeitantes a 2010 (aí se poderia divisar a perda de lucros por comparação com os anos anteriores). Por outro lado, quanto às ferramentas de trabalho, é visível em algumas fotografias a existência de uma caixa na zona de carga do veículo “Peugeot” e que, mesmo após o embate, se manteve fechada (cfr., designadamente, a fotografia de fls. 130). Seria nessa caixa que iriam acondicionadas as ditas ferramentas. Assim sendo, dada a periclitante prova produzida a esse propósito (fundada apenas nos referidos depoimentos) e dada a natureza resistente dos objetos em causa, não estamos seguros de que tenham sido danificados e muito menos destruídos, matéria que assim [se] tem por não demonstrada (ignoramos se no veículo eram ou não transportados outros instrumentos de trabalho, designadamente no exterior dessa caixa, ainda na zona de carga do veículo). O mesmo se diga quanto ao respetivo valor. Ignora-se também se a “E…” suportou algum custo na construção e instalação no veículo de tal caixa, pois a prova acerca dessa matéria produzida foi absolutamente nula. Em face de tudo isto, assim se explica a matéria que a propósito dos PICs se deu como provada/não provada. Quanto ao percurso de vida do arguido e sua condição sócio-económica, o tribunal valorou o relatório social junto aos autos, em conjugação com as declarações do próprio (foi questionado e respondeu acerca da sua condição sócio-económica) e das testemunhas que lhe serviram de abonação e que, de uma forma geral, dele transmitiram uma imagem positiva, de pessoa responsável e trabalhadora (cfr. o depoimento das testemunhas AF…, AG… e Y…). Por fim, no que respeita aos antecedentes criminais do arguido, valorou-se o CRC de folha 952 e, quanto ao seu Registo Individual de Condutor, teve-se em consideração o teor de folha 212.» * Inconformado com o assim decidido no acórdão da 1ª instância, o arguido interpôs recurso do mesmo, cujos fundamentos resumiu nas seguintes conclusões:«A. Sofre o [acórdão] em crise dos males que ficaram explicitados na motivação oferecida, para a qual remete no seu detalhe nos diversos pontos explicitados. B. É nulo o acórdão porque cometeu vários erros de apreciação relativamente ao ponto "7" dos factos provados. C. Antes de mais porque omitiu o real exame crítico da prova que indicou dado que, se ateve a uma ponderação unilateral e subjetiva das várias hipóteses, explicações e alternativas possíveis indicadas no acórdão. D. Não atendendo a que, o exame crítico da prova que se indica não é, nem pode ser coincidente com o exercício que fez o tribunal neste acórdão, enunciando uma presunção pré-condenatória, seguindo-se uma mera descrição de hipóteses alternativas contrárias que despreza apelidando-as de "especulações sem qualquer credibilidade. " E. O todo reduzindo-se a um exercício meramente formalista, decerto hábil, porém com o propósito de fazer realçar desde o início a justeza da opção pré escolhida. F. Forma unilateral de fundamentar essa, comprovada pelos dois trechos já supra citados: "Na verdade, não obstante o arguido e as testemunhas Z… e AB… (que na nossa perceção foram completamente tendenciosas, pois são conhecidos do arguido) terem dado a entender que é uma "anomalia normal/habitual" e que é ultrapassada carregando no pedal do acelerador, o certo é que o Sr. perito V… referiu que tal anomalia é rara e, pese embora carregando insistentemente no acelerador (não basta um toquezinho) o motor possa ganhar potência, a forma mais normal e eficaz de ultrapassar essa anomalia é desligando a viatura e o corta corrente para depois o voltar a ligar…" (...) "Ora, segundo nos convencemos, foi isto mesmo que sucedeu … O arguido desligou a viatura e o corta-corrente. Não o fez por descuido (conforme referido na acusação), mas propositadamente por forma a melhor solucionar o problema da falta de potência no motor, por força da anomalia então verificada no pedal do acelerador. S. m. o., esta é a única explicação lógica e plausível para o sucedido; tudo o mais são especulações sem qualquer credibilidade." G. Atribuindo credibilidade zero às duas testemunhas mecânicos de camiões só porque eram conhecidas do recorrente e emprestando toda a credibilidade ao depoimento do alegado "perito" – só porque assim foi apresentado – mas omitindo que o mesmo mais não era do que um funcionário, engenheiro da "Volvo." H. Omitindo ainda de ponderar nessa questão da credibilidade teórica do seu depoimento, ao contrário do que fez com as declarações das duas testemunhas mecânicos, se é ou não plausível que um funcionário e representante da marca venha depor para denunciar falhas técnicas da mecânica dos veículos cujas qualidades está suposto defender. I. E mais ainda de ponderar e de explicar por qual razão um mecânico de camiões que neles trabalha todos os dias, reparando as avarias que se vão sucedendo, não tem pelo menos a mesma credibilidade e conhecimento prático do que um engenheiro da Volvo que apenas está suposto descrever em tese e na teoria o comportamento das estruturas que estudou. J. Dando, por esse motivo, a defesa de barato que, num juízo rigoroso e equitativo, o tribunal não podia acolher sem mais como tendenciosos os depoimentos das duas testemunhas mecânicos só porque eram conhecidas do arguido e emprestar toda a credibilidade ao denominado "Perito" que mais do que conhecido, é funcionário e quadro técnico da Volvo. K. Mas também incorrendo em vício de conhecimento de questões técnicas que lhe estava vedado conhecer sem um juízo valorativo pelo menos do mesmo nível, dando ou omitindo respostas adequadas a várias questões das quais a primeira é a de saber por que razão técnica inultrapassável era necessário ligar o corta corrente para voltar a acionar o bom contacto entre o acelerador e o motor. L. Quando é certo e do senso comum que, ainda que "a forma mais normal e eficaz de ultrapassar essa anomalia (...) fosse desligar "a viatura..." (o que em nada ficou demonstrado, nem é verdadeiro), bastaria acionar a chave da ignição e desligar o motor. M. E também que o corta corrente é um dispositivo de segurança primário que, só é ligado nas situações em que há perigo de incêndio de um veículo por derramamento de combustível na via ou nas partes internas do motor. O que é normalmente efetuado pelos bombeiros quando chegam em caso de acidente. O que certamente sucedeu, mas não foi apurado pelo tribunal. N. Não podendo deixar de se ponderar que o corta corrente só é acionado quando é indispensável retirar toda a fonte de energia primária ao veículo e que essa indispensabilidade não foi nem explicada pelo perito da Volvo, e muito menos o foi pelo tribunal no acórdão, não passando, assim, de uma mera afirmação destituída de força lógica e de fundamentação técnica. O. Afirmação que é aliás contraditória com a outra produzida de que era necessário desligar o motor para voltar a ligá-lo para que o acelerador voltasse a funcionar plenamente. O que a interrupção da energia no corta corrente por si e por definição impede. P. Mais errando o acórdão neste importante ponto e nas questões técnicas que, ou omitiu, ou se permitiu abordar sem sustentação e conhecimento adequados, porque não ponderou que o corta corrente situado na parte exterior é um dispositivo diretamente ligado à cablagem da bateria a montante e a jusante ao motor de arranque, nada tendo a ver com o acelerador, nem com a centralina, pois tem apenas como função isolar as estruturas vitais do acesso à energia elétrica primária. Q. Omissões na fundamentação tão gravosas que só podem ser explicadas pelo afã de inculcar a ideia pré-concebida do cometimento de negligência grosseira por parte do arguido, o qual – também nunca vem salientado – é um experimentadíssimo condutor profissional de camiões, há mais de vinte e cinco anos, dez deles passados a percorrer as autoestradas da Alemanha onde foi emigrado. R. Juízo erróneo, que o tribunal procurou reforçar ancorando-se numa pretensa atrapalhação do arguido, ela mesma contraditória, caso tivesse ocorrido, com a ideia de negligência grosseira, pois sempre seria uma causa de exclusão da ilicitude ou da consciência plena da ilicitude sob uma das formas da negligência ou pelo menos fortemente atenuadora. S. E errando ainda do ponto de vista técnico, mas também do senso comum, dado que todo o condutor sabe que desligar o motor de um veículo nada tem a ver com o desligar das luzes e mesmo que assim sucedesse sempre se manteria ativo o dispositivo autónomo das 4 luzes de perigo intermitentes que não é possível desligar mesmo com o veículo parado na estrada e sem condutor, como tantas vezes se verifica na estrada (carros mal estacionados). T. Mais ainda, omitindo que o arguido poderia ter desligado o motor na chave de ignição do camião para logo de seguida o voltar a acionar, mesmo em andamento ao sentir alguma perda de potência do motor e isso nunca implicaria sequer a necessidade de desligar as luzes. U. Antes, seria perfeitamente possível desligar o motor e deixar ligadas as luzes (máximos, médios ou mínimos) ou ligar as quatro luzes de perigo – intermitentes, como sucede em qualquer carro. V. Por conseguinte é contraditório e um contrassenso, tendo o tribunal julgado erroneamente essa questão, para além de aparecer como absurdo que o arguido, para fazer reganhar potência, não só desligasse o motor e as luzes e, depois saísse da viatura para, cá fora, ligar o corta corrente, mas, antes disso, deslocar-se lá atrás a 30 metros na estrada e de noite para colocar o triângulo, para assim e só depois voltar e cortar propositadamente toda a energia ao veículo, impossibilitando o acionamento do motor e voltar tudo de novo ao contrário para retomar a marcha. X. Acreditar em tal afirmação é o mesmo que dizer então, que o arguido, atacado de loucura ou por instinto perverso tenha decidido suicidar-se ou cometer um atentado terrorista na via pública. O que, a suceder, deveria e poderia ter o tribunal apurado, ordenando oficiosamente a perícia psiquiátrica forense adequada e possível. Y. Tendo o tribunal errado também porque não ponderou criticamente e sem pré-juízo emocional, porventura derivado do conhecimento da tragédia posteriormente ocorrida, a explicação plausível do arguido, das duas testemunhas mecânicos e da omissão da testemunha/perito, engenheiro da Volvo, que nem essa hipótese simples se lembrou de referir, a saber, como provável que, ao passar pela junta de dilatação – com cerca de 35 centímetros de largura e profunda (cerca de 4-6 cm) por falta de enchimento – os bornes da bateria se tivessem vibrado e deslocado, o que, conjugado com algum verdete depositado, tivesse provocado uma falha total da energia do veículo, motor e luzes, obrigando-o a parar. z. Uma situação plausível, simples e corrente que pode acontecer em qualquer veículo, sendo que, no caso de um isolamento momentâneo a partir da bateria, ou do corta corrente ou até no interior das cablagens, nada impede que, passados segundos ou minutos, por qualquer outra vibração contrária, ainda que mais pequena já com o veículo parado (bater de portas, ou o do próprio embate da carrinha de seguida) o veículo possa ter reganhado por si a energia momentaneamente perdida, o que, aliás sucedeu e ficou comprovado nos autos. aa. Errando ainda na tese que acolheu, a saber, que o veículo marcharia em velocidade tão lenta que a passagem sobre a junta não seria de molde a provocar a trepidação capaz de fazer interromper o fornecimento de energia, pois foi o próprio tribunal que assumiu a incapacidade para apurar a que velocidade seguia o camião. bb. Não apuramento, esse, que só ocorreu porque não ordenou oficiosamente a peritagem capaz de testar tecnicamente a capacidade de subida, daquele veículo a qual, nunca poderia em todo o caso para efeitos de prova ser considerada inferior a 50 quilómetros por hora. cc. Impossibilitando a si mesmo conhecer que o camião em causa tem 460 cavalos de potência, o que permite assumir uma velocidade de subida naquele local e carregado de, pelo menos, em caso de necessidade, 80 km/h. dd. E omitindo de ponderar que, caso contrário, se o veículo fosse incapaz de seguir a velocidade superior a 50 km/h mesmo em subida, então legalmente tratar-se-ia de transporte especial com necessidade de autorização própria e acompanhamento de batedores assinalado com a descrição luminosa e escrita de "Transporte excecional. " ee. A que acresce a omissão de ponderação, certamente por desconhecimento do local que, vindo de baixo e de trás (cerca de 2 quilómetros antes) tenha vindo o camião embalado na longa descida proveniente de … - km 17,4 – mantendo velocidade acima de 90 ou 100 km/hora durante o viaduto que atravessa … e iniciasse a subida de cerca de 500 -600 metros até ao local onde sucedeu a falha de energia, com uma velocidade não longe dos 70 a 80 km/hora. ff. Tal como sucedeu aliás e com toda a probabilidade ao veículo sobrelotado de mercadorias que contra ele embateu e que lá no cimo ainda dispunha de uma velocidade de 117 a 124 km/h como ficou provado. gg. O tribunal errou, pois, neste importante conjunto de matérias, sobretudo porque omitiu ordenar oficiosamente a diligência essencial para a descoberta da verdade – inspeção ao local – para comprovar que a afirmação da velocidade tão lenta do camião não tem qualquer fundamento, antes é infirmada, a partir da observação do local que é público e das caraterísticas técnicas do motor do camião Volvo em causa. hh. Mais errou na apreciação da prova ao afirmar que a testemunha que ultrapassara pouco antes o camião constatou que o mesmo não tinha as luzes ligadas, mas olvidando que, a mesma disse também que não avistou o arguido no exterior e que, pelo retrovisor não podia assegurar que o veículo se encontrava parado de todo ou se ainda vinha em andamento, sendo que logo de seguida ocorreu o embate lá atrás. ii. E ainda ao não ponderar que, não tendo sido avistado, nesse momento, o arguido no exterior do camião por ninguém, não era possível provar que a portinhola só podia ter sido aberta pelo arguido e não pela trepidação ou da junta de dilatação ou até se não viria já aberta por esquecimento ou durante a viagem. jj. O que leva a defesa a impugnar formalmente em direito e também de facto a matéria relativa ao ponto "7" dos factos provados, devendo o seu conteúdo ser modificado no sentido de ser dado como não provado que o arguido tivesse, após a imobilização do veículo, desligado o motor e as luzes e, após, tivesse saído e aberto a portinhola, tendo entretanto desligado o corta corrente situado no exterior. kk. Portinhola que nem viu quem abriu e ou se abriu por si mesma. ll. Devendo ainda o acórdão ser declarado nulo em direito quanto às questões sindicadas, por omissão de real exame crítico da prova e omissão de realização de diligências essenciais para a descoberta da verdade, erro de apreciação da prova indicada no acórdão e também, erro notório de apreciação e contradição insanável da fundamentação. mm. É ainda nulo o acórdão por erro de apreciação das matérias atinentes ao ponto "4" na matéria de facto provada, antes de mais porque, se tivesse ordenado a inspeção ao local, não se teria bastado com a mera afirmação de que "estava bom tempo e era de noite, permitindo a visibilidade possível pela difusão da luz das óticas (o que permitia visualizar pelo menos 100 metros da faixa de rodagem);" nn. Pois poderia facilmente verificar in loco que a visibilidade sem obstáculos permanentes e totais alcança cerca de 2,5 km desde o km 17 situado no alto em direção a quem desce para o viaduto de … e, logo no final, inicia a longa subida até ao local do acidente (cerca de 600 a 800 metros). oo. Omissão de prova que permitiria ao tribunal perceber, fazendo uma retrospetiva para momentos anteriores ao acidente que, num qualquer momento antes do embate, era impossível ao condutor do veículo Peugeot sinistrado não ter visualizado ao longe – antes, durante ou após a passagem no longo viaduto de … – as luzes do camião, durante a subida e ainda em andamento. pp. E permitiria também compreender e fazer refletir que, uma coisa é o alcance das óticas (máximos) de noite que é de cerca de 100 a 120 metros quanto à faixa de rodagem; outra bem diferente e omissa no acórdão é aquela que nos garante que é de noite e com bom tempo que melhor se consegue perceber e visualizar ao longe as luzes da retaguarda dos veículos que seguem à frente, por vezes a distâncias de centenas de metros e até, de quilómetros. qq. Para compreender que, atendendo à velocidade provada do veículo Peugeot sinistrado – 117 a 124 km por hora – no alto da serra e provavelmente em baixo e muito atrás, a 170 a 180 Km/h, e a velocidade provável do camião antes da falência da energia, teria sido possível determinar o local provável (ou os vários locais prováveis) em que o condutor do veículo da retaguarda avistou seguramente ao longe as luzes do camião ainda em movimento, provavelmente a subir o longo percurso de cerca de 800 metros até ao local do acidente. rr. Motivos aduzidos e pelos quais a defesa entende que neste ponto concreto a matéria de facto aportada é insuficiente para a decisão da matéria de facto, devendo o acórdão ser considerado nulo e revogado e a prova renovada. ss. É também nulo o acórdão relativamente à matéria dos pontos "5" e "6" dos factos provados, porque a partir de um alegado registo de anomalias o tribunal deu como adquirido um outro facto que não ficou provado, através da prova efetivamente produzida em audiência. tt. A saber, que foi devido a uma nova falha desse tipo que o camião foi obrigado a parar, através de um discurso assertivo e voluntarista com base num pré juízo acolhido como a única verdade possível, sem real exame crítico da prova efetivamente produzida. uu. Não explicando criticamente as razões técnicas de tal pré-opção, pois é evidente que, se o veículo entrou em falência e acabou por parar, sempre teria que desacelerar, mas sobretudo porque o veículo, nessas circunstâncias, tanto desacelera por anomalia momentânea do acelerador, como também desacelera se ocorrer um súbito corte da energia elétrica. vv. Ora, o tribunal errou em questão técnica que lhe estava vedado apreciar livremente sem um juízo adequado, a saber, deu de barato que só a primeira hipótese se comprovou, unicamente porque do disco resultou a perceção de que a anomalia "havia sucedido 52 vezes nos últimos 4 dias" e, por conseguinte, estava encontrada a explicação: "mais uma interrupção do funcionamento do pedal do acelerador;" ww. Consolidando unilateralmente essa opção decidida previamente, através da confirmação honesta do arguido em audiência, o qual confirmou que, por vezes, essa anomalia havia ocorrido – mas algumas vezes, apenas – explicando porquê e como havia sempre sido resolvida, afirmando que o camião nunca parou por esse motivo, mas pelo facto de ter trepidado com violência ao passar por cima da falha na junta de dilatação, que provocou a interrupção da energia. xx. E ainda, levando o tribunal, perante a lógica desta explicação, a omitir a inspeção ao local para observar a referida junta de dilatação, dando preferência ao testemunho do "perito" - engenheiro ao serviço da "Volvo" - e desprezando por completo, cominando-os de "tendenciosos", os depoimentos das duas testemunhas mecânicos de camiões, só porque eram conhecidos do arguido. yy. Mas como não chegava, porque ficou provado que a energia elétrica ficou subitamente interrompida e o arguido sempre o afirmou, então, perante essa dificuldade, o tribunal fez do complicado simples e encontrou uma explicação sem a mais ínfima prova: o recorrente, "atrapalhado", desligou propositadamente o motor e as luzes para poder retomar de imediato a potência... e, sempre "atrapalhado" decidiu sair do carro, procurar o triângulo e, "entretanto" ligar o corta corrente e provocar justamente o efeito contrário ao pretendido: retomar a marcha do motor! zz. Convicção expressa mas que padece do vício de contradição insanável da fundamentação: primeiro porque, se nos últimos 4 dias a anomalia tinha sido registada 52 vezes e o veículo sempre tinha sido reposto na sua potência da forma como o arguido e as duas testemunhas mecânicos (voltar a pisar no acelerador) afirmaram, então cai por terra a afirmação do "Perito" engenheiro da "Volvo" de que a melhor maneira de resolver o problema é o de desligar o motor e voltar a ligá-lo. aaa. Em segundo lugar, porque parece contraditório afirmar que o arguido - motorista experimentado - desligou, naquela ocasião, o motor, as luzes e ligou o corta corrente, "atrapalhado" e "propositadamente" quando das vezes anteriores nunca o fez! Ou pelo menos o tribunal não provou que o fez! Nem ponderou essa possibilidade. bbb. Mas errou também na fundamentação quanto a várias questões técnicas, a primeira das quais é que as anomalias que os sensores detetam e que enviam num primeiro momento ao computador de bordo não têm correspondência com o número de anomalias efetivamente ocorridas e sobretudo sentidas pelo condutor porque uma só anomalia real, pode dar origem a vários registos repetidos inscritos no disco do computador, bastando ligar e desligar a chave da ignição várias vezes durante o dia para que isso suceda dado que o aparelho funciona como uma espécie de repetidor/armazenador das anomalias detetadas num primeiro momento. ccc. Razão pela qual o arguido confirmou naturalmente em tribunal que só se apercebeu poucas vezes dessa desconformidade do acelerador, tendo-as sempre resolvido voltando a carregar no acelerador, e conduz a pensar que o número de 52 registos nada ou pouco tem a ver com as falhas efetivas pressentidas e resolvidas pelo condutor do veículo, matéria omissa na ponderação do tribunal. ddd. A segunda reside na certeza técnica de que a falha momentânea de comunicação do sensor do acelerador à centralina nunca ou raramente ocorre nas subidas com o pedal no fundo. eee. Razão, certo técnica, mas fácil de apreender pelo senso comum: quando o camião se encontra a subir com o acelerador a fundo, significa que já tinha sido encetada com sucesso a comunicação da potência à centralina através do sensor (palheta) do acelerador e desta ao sistema de injeção, razão pela qual nunca ocorre essa falha. fff. Por conseguinte, tratando-se de falha da comunicação do sensor do acelerador, ela só sucede - normalmente - em terreno plano ou nas descidas, sempre que o condutor, por um motivo natural ou, de poupança de combustível, levanta o pé do acelerador ou trava ligeiramente, para de seguida voltar a acelerar e a reiniciar a comunicação – aí residindo o terreno propício para a reemergência da falha por vezes detetada. Porque esse tipo de anomalia só sucede no início da comunicação do sensor à centralina do veículo. A partir do momento em que a comunicação primária tem sucesso, não há razão técnica para que a falha sobrevenha com o pedal a fundo. ggg. Falha que pode ter origem permanente (pequeníssima deterioração num segmento de circuito integrado) ou esporádica (depósito momentâneo de poeiras ou de verdete) ou até devido à forte humidade do ar, sendo que as consequências dessa anomalia comum nos sistemas de aceleração modernos, nem sempre são de desaceleração, mas também do contrário: súbito aumento da potência, casos em que o veículo passa por arranques de potência e fortes diminuições intervaladas por vezes até com ratés ruidosos, fruto da descoordenada combustão gerada devido às entradas caóticas de combustível nas câmaras de combustão do motor. hhh. Mas o elemento crucial é a certeza sempre diminuída no acórdão de que o motor nunca se desliga: ou perde potência e passa ao ralenti ou dispara e, sempre em ponto morto, origina grandes e sonoras rotações. Em todo o caso, essa anomalia em nada afeta o sistema elétrico e de luzes. iii. E ainda errou o acórdão por omissão e insuficiência na questão da prova de que o camião desacelerou acentuadamente pelo motivo de falha no acelerador, porque se o tribunal deu esse facto como provado, se consultou o disco duro e se ficaram registadas as 52 anomalias, isso significa que a última detetada teria que ficar registada em momento anterior ao acidente. O que conduz à imprescindibilidade de conhecer um elemento da maior importância: o dia, a hora, o minuto e o segundo desse último registo e saber se a última anomalia registada teve ou não a ver com a falha no sensor do acelerador. jjj. Ora, como em lado algum do acórdão esse momento vem explicitado, o acórdão é nulo, porque o tribunal não conheceu de questão que podia e devia conhecer. kkk. Mas errou também na apreciação que fez da prova que indicou relativa à parte final do ponto "6" porque o que o tribunal não disse é que o problema não foi de erro do arguido, mas sim, de delineamento da 3ª faixa da direita como sendo de recurso para veículos pesados lll. Pois é certo que, se o local desde o início da subida até ao alto (perto do local do acidente) numa distância de cerca de 800 metros comporta 3 vias, conforme aparece nos dois grandes painéis quadrados com fundo azul (um no início da subida e o outro no final, a cerca de 20 metros adiante do local do acidente, como se pode constatar nos fotogramas dos autos). mmm. Não é menos certo, como é percetível nos fotogramas de que se requereu a junção a esta motivação, que as duas faixas do meio e da esquerda têm a largura regulamentar destes equipamentos (autoestradas): 3,20/3,40 metros; mas já a largura da faixa da direita comporta apenas 2,60 metros de largura, ou seja, menos 60 a 80 cm que as duas da esquerda, sendo que a linha da direita é contínua e delimita a tal berma referida que vai até aos rails metálicos, berma que, ao contrário do que afirma o acórdão, tem apenas 1,24 metros de largura e não 1,6, havendo locais onde essa berma estreita até aos 80 cm. Basta ir lá e medir. nnn. E a certeza assim oferecida (é certeza, porque é pública e a autoestrada ainda lá está) poderia ajudar o tribunal a compreender, se lá tivesse querido ir, que o camião em causa tem a largura de rodado e do reboque sensivelmente a mesma - 2,57 metros - e a largura de 2,98 metros com os retrovisores laterais estendidos, tanto bastando para perceber que, mesmo em andamento normal, os veículos pesados e até ligeiros estão praticamente impossibilitados de rolar sem tocar com frequência na linha contínua da berma mais à direita. ooo. Particularidade fundamental, quando aferida às afirmações imprecisas do acórdão em factos não provados, a saber, "- Que no sentido …/…, no local do acidente, a berma tenha 1,3 metros de largura; - Que a velocidade recomendada para o local fosse de 70 km/h, " ppp. E cuja omissão levou porventura o tribunal a não atender a que, delineada e delimitada com aquela pouca dimensão em largura, naquela subida longa de 800 metros com declive de 6%, a faixa da direita não passa de uma faixa lenta destinada a veículos pesados ou similares ou ligeiros de muito pouca cilindrada. Pois essas dimensões mantêm-se em todas as subidas dessa autoestrada nos dois sentidos e, por conseguinte, não é plausível que se trate de um erro técnico de engenharia reiterado ao longo de dezenas de quilómetros. qqq. Uma faixa não propícia à rodagem a veículos ligeiros de mercadorias, como o que embateu no camião, o qual, em todo o caso seguia sobrelotado e a velocidade muito superior à legalmente autorizada em qualquer das três faixas, que é, em autoestrada, de 110 km/h. rrr. Motivos acrescidos que permitem sindicar o acórdão neste ponto e nesta parte final ferido de nulidade por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade e erro notório na apreciação da prova, dado que a largura exata das berma e faixas de rodagem é pública e mensurável e não pode ser adquirida por documento relatando um mero e impreciso exame ocular junto aos autos de que o tribunal se serviu para ponderar sobre esses factos. sss. A matéria dos pontos "5" e "6" deve pois ser alterada no sentido proposto pela defesa. ttt. Errou ainda o tribunal notoriamente na forma como ponderou e decidiu a questão da velocidade do veículo Peugeot em "8" dos factos provados e suas consequências e esta é matéria relevante, porque da correção e modificação pode facilmente ser esclarecida com justiça, equidade e rigor a verdade no que respeita às responsabilidades recíprocas do arguido e também do condutor do veículo Peugeot que embateu no camião. uuu. Recordando que o tribunal, uma vez mais, incorreu em falta de transparência e contradição da fundamentação, porque ao mesmo tempo afirmou que a carrinha Peugeot seguia "... a uma velocidade não concretamente apurada" para logo de seguida dar como provado que a mesma seguia a velocidade "situada entre os 117 km/h e os 124km/h". vvv. Acantonando-se nessa afirmação contraditória para através de omissão de várias questões que devia conhecer na fundamentação voltar a dar nota de presunção condenatória, pois desconheceu um facto de extrema importância: a velocidade máxima autorizada em autoestrada para aquele tipo de veículos é de 110 km/h. Assim prejudicando novamente o recorrente. xxx. E recusando por omissão ponderar que, de noite, na faixa lenta, numa subida com 6% de declive e já no limiar da parte mais alta dessa longa subida com cerca de 800 metros desde o final do viaduto de …, o Peugeot conseguiu alcançar a velocidade proibitiva e não autorizada que foi sem dúvida o elemento causal principal direto do acidente e não qualquer outro! yyy. Mas também errou - sempre por omissão - ao desconhecer e não retirar as consequências pelo facto de o veículo Peugeot seguir àquela velocidade proibida e perigosa, a subir e de noite, para mais sobrelotado com 8 passageiros, quando está regulamentado para 7 não dispondo nem de lugar, nem apoio de cabeça, nem cinto de segurança para o oitavo. zzz. Atingindo essa incompreensível omissão um ponto desconfortante a quem lê o acórdão dado que o tribunal não poderia deixar de refletir, em particular se tivesse ordenado oficiosamente a inspeção ao local, que o veículo Peugeot que tem uma potência de 130 CV e motor 2,2 HDI, sobrelotado e ainda carregando material e ferramentas, nunca poderia alcançar a velocidade no alto da serra que ficou provada - 117/124 km/h - se não viesse fortemente embalado desde a sua retaguarda a cerca de 2 km, na descida do km 17,4 passando pelo viaduto de … (800 metros) a, pelo menos 170/180 km/h. Cálculo perfeitamente possível de realizar e omitido. AA. Razões que levam a defesa a pugnar pela nulidade do acórdão neste ponto "8", por clara insuficiência da matéria de facto para a decisão, omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal devia conhecer e omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade. Com as legais consequências. BB. É também nulo o acórdão em várias vertentes do direito por erro de apreciação na questão da provada responsabilidade penal por negligência grosseira e ainda por contradição insanável da fundamentação. CC. A matéria fundamental que julgamos ter o tribunal apreciado injustamente, porque levou à condenação de um cidadão, simples trabalhador, primário e chefe de família, à condenação injusta e desmesurada da pena cumulada de 5 anos e 8 meses de prisão. DD. Começando a abordagem pela inevitabilidade de sindicar o acórdão por ter incorrido em contradição insanável da fundamentação a qual ressalta do próprio texto pois em "7" dos factos provados descreve a forma como deu como provado que o arguido atuou "com vista a resolver o problema...”; para ao mesmo tempo afirmar: "Ora, segundo nos convencemos, foi isto mesmo que sucedeu pois, recorde-se, o pesado seguia carregado e em plena subida, daí que com mais acuidade se tenha sentido a falta de potência no motor e se tenha dado a imobilização daquela viatura. Isto é, o arguido desligou a viatura e o corta corrente. Não o fez por descuido (conforme referido na acusação) mas propositadamente, por forma a melhor solucionar o problema da falta de potência no motor, por força da anomalia então verificada no pedal do acelerador." EE. E afirmar mais adiante: "Em face do exposto, parece-nos plausível que concorreram para o acidente as condutas negligentes de ambos os condutores (mais temerária, em todo o caso, a conduta do arguido, pois – adiantando já um juízo de valor – é grosseiramente negligente uma conduta em que, naquelas circunstâncias, dificulta de forma relevantíssima a visibilidade do pesado, ainda por cima numa via sem iluminação e de trânsito rápido)." FF. Para, finalmente, vir também afirmar: "O arguido entrou na referida autoestrada não obstante ter perfeito conhecimento de que o veículo por si habitualmente conduzido tinha tido, nos 4 dias anteriores, 52 interrupções do funcionamento do pedal do acelerador, tendo ainda consciência de que era elevada a probabilidade de ocorrer a mesma anomalia e que a mesma poderia conduzir à imobilização forçada da viatura, numa altura em que ainda era de noite;" GG. Afirmações desconcertantes, mas que parecem contraditórias e no mínimo pouco precisas, pois ninguém de boa fé fica a perceber qual foi e de quem foi na verdade a negligência grosseira, o todo complicando-se com a conduta do condutor da viatura ligeira de mercadorias, que, tendo também sido considerada, no acórdão, negligente e concorrendo para o acidente trágico ocorrido, não foi objeto de retirada de quaisquer consequências em favor da posição do recorrente. HH. E mais ainda se for tido em consideração o conjunto de factos omissos pelo tribunal na fundamentação: faixa lenta, sem as medidas adequadas – 2,60 m de largura – com uma linha contínua à direita a delinear a berma (com 1,24 – 1,30m e, em certos troços em curva, com pouco mais de 80 cm) junto ao rail de proteção; velocidade máxima para aquele tipo de veículo em autoestrada de 110 km e não de 120 km; o veículo ligeiro seguia a velocidade entre 117 a 124 km/h pela direita; seguia em sobrelotação, com oito homens, quando a lotação máxima é de 7 pessoas; com aquela sobrecarga e com aquele tipo de motor teria que vir embalado com velocidade muito maior, a roçar os 170/180 km no início da subida, 1500 metros atrás. II. Mas também errou na apreciação por várias outras razões, a primeira porque não há qualquer prova de que o camião tivesse parado por falha de contacto do acelerador: o arguido negou perentoriamente essa causa em audiência, forneceu outra explicação plausível adequada: a falha total de corrente provocada pela passagem abrupta sobre a junta de dilatação na estrada, a qual lá está ainda e sempre bem visível mas agora colmatada a cerca de 25 metros atrás do local do acidente. JJ. Em segundo, porque o tribunal não fixou na sentença a hora exata do último registo de anomalia, pois dessa forma seria fácil provar sem dúvidas o que afirmou e o arguido sempre negou. KK. Em terceiro, porque, sendo o recorrente condutor habitual, já havia por poucas vezes notado falhas momentâneas de contacto do acelerador, as quais sempre resolveu como era habitual: voltando a carregar no acelerador. E essa possibilidade, rejeitada pelo tribunal, não o foi, tão pouco pelas duas testemunhas mecânicos, nem pelo engenheiro da "Volvo", que não desmentiu essa possibilidade, apenas referindo que era mais adequado desligar o motor e o corta corrente, mas sem explicar tecnicamente porquê. LL. Ora o tribunal não explicitou criticamente a lógica da sua convicção, pois nunca tal anomalia o obrigara a parar o camião e, muito menos, se o fizesse, a desligar luzes e corrente. MM. E ainda menos explicou logicamente na fundamentação como é que o sistema das 4 luzes intermitentes falharia, mesmo com o motor e as luzes desligadas, se é um sistema autónomo? E, se sempre resolveu esses pequenos percalços do modo a que se habituou, por qual razão instintivamente e naquele momento, de noite, modificaria o seu modo de atuar, se a anomalia fosse a mesma, complicando o procedimento. NN. E ainda errou porque resultou a incapacidade do tribunal em provar que tal avaria esteja classificada no quadro das avarias graves impeditivas de controlo e muito menos de poder o veículo rodar. Nem ficou provado que os 52 registos tenham correspondido na realidade a 52 falhas concretas pressentidas pelo condutor. Ou se poucas delas foram repetidas e amplificadas (memória do computador) das várias vezes que foi acionada a chave da ignição. OO. Erros e omissões que impedem que racionalmente ao recorrente possa ser assacada a conduta grosseiramente negligente, a que acresce o facto de, para um camionista profissional, habituado a uma viatura que conduz há muito tempo, a qual nunca lhe deu problema grave na estrada, vistoriada legalmente de 6 em 6 meses e que enfrentou algumas vezes essa falha esporádica de contacto que sempre resolveu, tenha sido natural continuar o seu trabalho de motorista como o fazia todos os dias, sem lhe passar pela cabeça que esse retomar do trabalho poderia ser considerado como negligência grosseira. PP. Errando, assim, porque essa conduta em si não poderia ser caraterizada como negligente, muito menos grosseira, desde que o tribunal tivesse conseguido abstrair da emoção e do pré juízo condenatório derivado da tragédia que sucedeu e que a todos emocionou e afetou ulteriormente. O que, infelizmente, não parece ter conseguido. QQ. Mas também é nulo porque apreciou a prova circunstancial, relacionada com as aludidas falhas de contato do acelerador, como se o retorno do arguido à estrada nessa madrugada com o camião constituísse algo de tão duvidoso e grave que o devesse fazer recuar e decidir não ir. RR. Sem ter em conta que, no caso concreto, habituado que estava o arguido ao veículo e às suas pequenas deficiências e, alheados da tragédia que sucedeu, nada poderia levar a crer que seria temerário rodar com o mesmo, o que seria diferente, caso o veículo tivesse um falha grave nos travões, ou os pneus em muito mau estado ou com perda de combustível ou ainda, se saísse de noite, sabendo que tinha falhas graves nas luzes: essa, sim, poderia ser considerada negligência grave, o que não sucedeu e, por isso, o tribunal a qualificou de negligência inconsciente. SS. Pois falhas mecânicas sempre ocorrem e não é proibido parar, mesmo numa autoestrada, em caso de avaria: em certos casos, é mesmo inevitável, seja em que local for. Sendo inegável que o arguido cumpriu as regras, pois seguiu sempre pela faixa mais à direita, naquele trecho a subir, adequado a veículos lentos e que, por uma razão ou por outra, o veículo avariou no local, procurando o recorrente encostá-lo o mais à direita possível junto da berma e do rail de proteção. Como é, aliás, visível nas fotos juntas aos autos. TT. Vindo a talhe de foice, como conclusão, que é a nossos olhos absurdo criticar o arguido pelo facto de a parte traseira ter ficado um pouco mais desviada para a faixa de rodagem: porque, para estacionar diretamente um veículo longo, a parte que encosta primeiro junto ao rail é a frente do camião, não podendo o arguido, com o motor parado, naquelas circunstâncias, inverter a marcha e fazer manobras de ajustamento. UU. Na sequência do que foi dito, a defesa está convicta de que o recorrente não cometeu, por consequência, qualquer negligência, pelo facto de, embora conhecendo as falhas fortuitas e momentâneas de contacto do acelerador, ter decidido rodar com o camião. Essa atuação não só não foi negligente, mas ainda que, em tese, se admita que o fosse, nunca poderia ser cominada como grosseira, dado que sempre resolveu o problema sem parar o camião. VV. Mas também cometeu o tribunal erro de apreciação de natureza subjetiva e contradição insanável da fundamentação, quanto é certo que afirmou no acórdão que o arguido atuou assim para resolver o problema, porque ficou "atrapalhado." Pois, se assim foi, então estaria por natureza e pela força das coisas descartada a negligência grosseira, atenta a prova de causa de atenuação da ilicitude e da responsabilidade. XX. E a verdade é que não há uma única prova de ter o arguido desligado as luzes e ainda menos o corta corrente, pois nenhuma testemunha viu o arguido fora do camião no local e momento do acidente. Em especial, a testemunha que passou, ultrapassando o camião poucos segundos antes do embate, afirmou não ter visto o arguido fora da viatura. E, em seguida, pelo retrovisor, afirmou que não tinha a certeza se o veículo se encontrava parado ou ainda em andamento quando pressentiu o estrondo devido ao embate lá atrás. ZZ. Temos assim um quadro global em que ninguém viu o arguido desligar as luzes; mesmo que sentisse a necessidade de desligar o motor para voltar a acioná-lo, tecnicamente não era preciso desligar as luzes para tal conseguir concretizar; e mesmo que desligasse o motor e acionasse o desligamento das luzes, ainda nessa hipótese extrema, o sistema de perigo e de aviso das 4 luzes intermitentes, sendo autónomo, nunca deixaria de poder ser acionado. AAA. Mas o tribunal, sem real análise crítica da prova, preferiu construir intelectualmente um edifício presuntivo, dando como provado, sem prova adquirida em audiência, a seguinte sequência de factos: 1.O arguido ficou atrapalhado; 2. Encostou o veículo à berma e parou nesse local de forma incorreta porque enviesada; 3. Desligou o motor e as luzes; 4. Não acionou as 4 luzes intermitentes; 5. Saiu da viatura para "resolver o problema"; 6. Ligou o corta corrente, interrompendo a energia na fonte ao veículo; 7. Com a intenção de só depois ir colocar lá atrás, a 30 metros, o triângulo; 8. Para regressar depois à frente do camião; 9. Voltar a acionar o corta corrente repondo a energia; 10. Subir de novo e voltar a entrar na cabine; 11. De novo acionar a chave da ignição ligando o motor; 12. E desse modo retomar a marcha do veículo. BBB. Permitindo-se assim o tribunal, através de meras presunções desconexas de sentido e de razoabilidade, produzir uma espécie de curta-metragem de factos sem assento probatório que, a corresponderem à realidade, deixariam de lado qualquer veleidade de configuração da negligência grosseira, para passar ao campo da inimputabilidade ou do homicídio qualificado cometido por um frio psicopata alheio ao perigo e ao medo. CCC. Porque é impossível um camionista, com 25 anos de experiência na estrada, que, segundo o acórdão, já havia detetado e resolvido a mesma anomalia "52 vezes", sem uma vez só ter atuado do modo complexo e absurdo descrito, tendo bastado o acionamento do acelerador sempre com o veículo em movimento, tenha por qualquer razão misteriosa enlouquecido e adotado um procedimento contrário naquela situação e de noite. DDD. E permite devolver a mesma conclusão que antes o tribunal havia produzido no acórdão: "a versão apresentada pelo…" tribunal..." é inverosímil, pois seria o mesmo que dar-se como provado que dois raios caíram quase em simultâneo no mesmo sítio." EEE. E errou porque, através de fundamentação arbitrária sem assento factual, rejeitou a outra explicação, a saber, que o veículo, provavelmente devido a forte trepidação derivada da junta de dilatação que se encontra cerca de 25 metros atrás, ao passar pela mesma, sofreu um corte súbito da energia – um apagão total – que o fez atuar dessa forma e, diga-se, dentro das regras possíveis e adequadas. FFF. A que acresce um novo erro de apreciação do tribunal, que não teve em conta que os refletores da retaguarda do camião são perfeitamente visíveis à noite e fazem precisamente o mesmo papel do triângulo, devendo este ser colocado apenas, desde que haja tempo útil e não represente grande perigo para quem o vá colocar a 30 ou 40 metros atrás naquelas circunstâncias. Acrescentando que, não raro, o triângulo aposto na estrada é mais útil de dia do que à noite. GGG. Finalmente, errou o tribunal e, que se nos perdoe a repetição, porque não ponderou que da prova não resultou explicação técnica ou razão lógica que justifique a necessidade, em caso de anomalia de contato do acelerador, não só de desligar o motor, mas também as luzes e sobretudo ligar o corta-corrente e interromper a fonte da energia, quando se sabe que o corta-corrente nada tem a ver com o acelerador, nem com a centralina, mas apenas com a bateria e com o motor de arranque. HHH. Elementos conjugados que levam a defesa com a convicção, assente na razoabilidade e na fragilidade da prova efetivamente produzida em audiência e o erro na apreciação dos elementos circunstanciais e pessoais da vida do recorrente, a sustentar que o mesmo não foi negligente, em todo o caso ao ponto de negligência tal que possa, razoavelmente e com rigor, cristalizar-se na figura da negligência grosseira, assim apelidada no acórdão em confronto com o edifício artificial que construiu. Quando é patente que se tratou [de] não [mais] do que um caso fortuito que o recorrente nem sequer podia prever, como não previu e ficou provado. III. Motivos aduzidos e pelos quais deve o acórdão ser revogado e o arguido absolvido dos crimes por que foi condenado. JJJ. Mal andou finalmente o acórdão na apreciação e aplicação da lei quanto à medida e forma de execução da pena, sendo nulo por erro de apreciação e insuficiência para a decisão da matéria de facto em que assentou a desmesura da pena de prisão efetiva aplicada. KKK. Porque não teve em devida conta na escolha da pena os princípios constitucionais, que definem a forma e o modo da imposição das penas criminais que contendem com os direitos fundamentais da pessoa, a começar, obviamente, pelo direito à liberdade. LLL. Acolhendo uma visão simbólica e com a pretensão sócio pedagógica capaz de confortar os ânimos exaltados e as emoções justamente sentidos pela população perante a tragédia vivida. MMM. Para tal diminuindo, na ponderação feita, a importância da experiência profissional do recorrente na condução de camiões ao longo de mais de vinte e cinco anos, permanecendo primário e sem notícia de qualquer confronto com a justiça e "-- sobretudo afastando com desdém as explicações que o mesmo forneceu em audiência de julgamento, as quais [foram] tratadas de forma unilateral e apressadamente como inverosímeis. NNN. Sem ter tido em conta que foram omitidas diligências essenciais para a descoberta da verdade, de que se destacam a importância da deslocação ao local, para avaliar a ampla visão da estrada ao longo de 2 quilómetros, a realidade da existência da junta de dilatação na estrada cerca de 25 metros antes do local do acidente, as medidas exatas das faixas de rodagem e da berma (omissas ou erradas no acórdão) e, também, a omissão de perícia ao estado do corta corrente e das cablagens e bornes da bateria. 000. Diligências fundamentais que muito teriam ajudado o arguido nas explicações, que forneceu de boa fé e que não foram realizadas por via do pré-juízo condenatório que, sabe-se lá por que razão, o tribunal acolheu desde o início e vem patente no acórdão. PPP. Sendo de salientar que o fundamentalismo, acolhido no acórdão para alcançar matéria que viesse a justificar a condenação, se manteve em relação à desmesura da medida da pena, que bem sabia o tribunal teria que resultar na efetividade da sua execução e ressalta da fundamentação no acórdão. QQQ. Pois dela ressalta à evidência uma não escondida animosidade e preocupação em exacerbar até ao extremo limite os mais ínfimos traços negativos atribuíveis em tese ao comportamento do arguido, ao mesmo tempo que se encurta ao mínimo outros que lhe são favoráveis e ficaram provados, em especial o facto de o arguido, naturalmente, ter ficado profundamente afetado com a tragédia que viveu. RRR. E ainda mais chocante a forma exígua e omissa como o tribunal não ponderou a questão da responsabilidade e negligência – essa sim, suicidária e grosseira – do condutor da viatura ligeira que provocou o acidente, o qual seguia pela faixa da direita, destinada a veículos pesados mais lentos e que, mesmo assim, de noite, sobrelotado, com 8 passageiros e material, atingiu no alto da serra a velocidade provada de 117 a 124 km/hora, bem sabendo que mesmo em condições normais nunca a velocidade máxima autorizada para aquele veículo poderia ser superior a 110 km/h. sss. Não ponderando que resulta desse facto provado que, vindo de trás, embalado, a velocidade a que chegou ao viaduto de …, antes de iniciar a longa subida, teria que ser da ordem dos 170 a 180 km/h para poder alcançar aquela a que embateu na traseira do camião. TTT. Preferindo a pedagogia da sanção total, filha da velha teoria fundamentalista, opção injusta e desnecessária, seja do ponto de vista da prevenção geral, como da especial e com a qual não concordamos, sobretudo pela desmesura que levou o tribunal ao tipo de pena que aplicou ao arguido, sobretudo na medida extremamente exagerada que levou, num caso de puro acidente de estrada, a uma monstruosa pena cumulada de 5 anos e 8 meses de prisão. DUU. Pena que, mesmo a justificar-se, o que só em tese se admite, pois a defesa pugna pela absolvição, em todo o caso nunca deveria ser superior a 3 anos, suspensa na sua execução. VVV. Motivos aduzidos e pelos quais deve o acórdão ser revogado e apreciada de novo, face aos vícios apontados, a questão da responsabilidade e qual e por consequência, as da natureza e medida adequada e proporcional da eventual pena a aplicar, sem prejuízo de poder e dever o tribunal absolver o arguido nos termos supra descritos nesta motivação. XXX. Está também ferido de vícios vários o acórdão na questão da ponderação da pluralidade das infrações relacionadas com o crime cometido por negligência, a saber, por erro na aplicação da lei, omissão de pronúncia na questão da suspensão da pena, nas penas parcelares. YYY. Mas sobretudo por interpretação inconstitucional da norma penal substantiva que define legalmente os parâmetros da figura da negligência. ZZZ. É, assim e antes de mais, nulo porque ao mesmo tempo que deu como assente que o arguido cometeu os crimes em estado de negligência inconsciente, recusou tirar as consequências, afirmando no acórdão que essa qualificação penal é irrelevante nas consequências. AAAA. O que conduz, de imediato, à certeza de que o tribunal fez tábua rasa do disposto na norma substantiva e se recusou a aplicar a lei penal na diferenciação que faz no diploma próprio (art. 15° do C. Penal), aplicando efetivamente uma interpretação inconstitucional da figura da negligência, que fere o princípio constitucional da obrigatoriedade de não julgar contra legem e contra os princípios constitucionais e ainda o princípio da competência reservada dos órgãos legislativos, para a feitura e a alteração das leis. BBBB. Mas errou também, porque omitiu [ ] ponderar, de forma crítica e suficiente, assente nos factos de natureza objetiva e pessoais sobre a possibilidade de suspensão de cada uma das penas parcelares que decidiu e, assim, levou a um cúmulo jurídico que o tribunal bem sabia ser legalmente incompatível com a figura da suspensão da execução da pena cumulada, mesmo com regime de prova. CCCC. E ainda mais, porque acolheu a tese injusta da pluralidade em detrimento da tese da unidade das infrações, tratando-se de acidente, razão pela qual nos parece a mais adequada ao caso, tanto mais que foi o tribunal que declarou simultaneamente o arguido culpado pelo cometimento dos crimes por negligência grosseira e na figura da negligência inconsciente. DDDD. Acrescentando, desse modo, um novo erro de apreciação, porque da conjugação não retirou, como deveria, a consequência óbvia de constatar a diminuição da culpa e a necessidade de um forte abaixamento das penas. EEEE. Motivos aduzidos e pelos quais deve ser revogado e reformulado no sentido ora aduzido pela defesa. FFFF. Feriu assim os arts. 97° n° 5; 120° n° 2, al. d) in fine; 151°; 158°; 163° nºs 1 e 2; 171º; 374° nº 2; 379° nº 1, als. a) e c); 410° nºs 1, 2, als. a), b) e c) e 412° do CPP; arts. 8°; 204° e 205° n° 1 da CRP; artigo 6° n° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.» * A este recurso respondeu o Ministério Público, propugnando a integral manutenção do julgado na parte criminal, sintetizando as suas contra-alegações nas seguintes conclusões:«1. O que está sob recurso é o douto Acórdão de 17 de Abril de 2012, proferido a fls. 1013 a 1057 dos autos de Processo Comum Coletivo n° 12/l0.6GNPRT, do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Valongo. 2. O recurso vem movido pelo arguido B…, que foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática, em concurso efetivo, de cinco crimes de homicídio por negligência grosseira, do artigo 137°, nºs 1 e 2 do Código Penal. 3. Sucede que nenhuma das razões invocadas pelo recorrente é a nosso ver procedente, não se vislumbrando, por outro lado, fundamentos para invalidar o douto acórdão recorrido, no todo ou em algum dos seus segmentos. 4. Assim, não se vislumbra que tenham sido violados quaisquer preceitos legais, nomeadamente os indicados pelo recorrente, e isso seja no tocante à fixação dos factos ou às determinações do direito. 5. No que concerne à impugnação da matéria de facto, por parte do recorrente B…, não tem este, manifestamente, a menor razão, desde logo porque desconsiderou totalmente não só a fundamentação elaborada pelo tribunal recorrido, como as declarações prestadas pelo perito V…, conjugados com os demais meios de prova constantes dos autos, a que, de resto, se alude em tal fundamentação. 6. Aliás, o douto acórdão ora em recurso apresenta-se, designadamente no que concerne à factualidade dada como provada, devida e corretamente motivado. 7. Por isso, nenhum reparo pode merecer a apreciação da matéria de facto feita pelo tribunal recorrido, porquanto formou a sua convicção segundo critérios lógicos, objetivos e em obediência às regras de experiência comum, o que tudo bem motivou e objetivou, segundo o princípio consagrado no artigo 127° do Código de Processo Penal. 8. Desta sorte, os factos dados por provados no douto acórdão em apreço são bastantes e conduzem à conclusão inexorável de que o arguido B… praticou os crimes de homicídio por negligência grosseira por que foi condenado. 9. Parece também evidente que o Tribunal recorrido ao lançar mão das regras de experiência comum, de acordo com as exigências da lei processual – como prescreve o artigo 127° do Código de Processo Penal – e face à prova produzida em audiência de julgamento, não poderia concluir de forma diversa da expressa na factualidade provada. 10. De resto, face à matéria de facto dada como provada e não provada e respetiva fundamentação, é manifesto que não se verificam na decisão recorrida os vícios previstos no artigo 410° do Código de Processo Penal, parecendo-nos que o recorrente confunde, de forma impressionante, os apontados vícios com a mera discordância da valoração da prova produzida. 11. Nem se descortina que o douto acórdão proferido padeça de qualquer das nulidades previstas no artigo 379° do Código de Processo Penal, ou que se tenha verificado a nulidade a que se reporta o artigo 120°, nº 2, alínea d), do mesmo Código, cujo prazo de arguição, aliás, já há muito decorreu, como resulta do artigo 120°, nº 3, do Código de Processo Penal. 12. Devem, pois, improceder todos os fundamentos invocados pelo recorrente B…, devendo ser confirmada a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo. 13. Aliás, o douto acórdão ora em recurso captou com rigor a prova produzida na audiência de discussão e de julgamento, 14. Tendo operado uma sábia subsunção jurídica e aplicação do direito. 15. Sendo manifesto que o arguido revelou uma atitude particularmente censurável de leviandade e de descuido perante o comando jurídico-penal, é inequívoco que se mostra preenchido o crime de homicídio por negligência grosseira, do artigo 137°, nºs 1 e 2, do Código Penal. 16. Perfilhamos, igualmente, o entendimento adotado no douto acórdão ora em recurso de que se, através de uma mesma ação, são mortas várias pessoas, estamos perante uma hipótese de concurso efetivo, sob a forma de concurso ideal. 17. Também as penas aplicadas ao arguido se nos afiguram justas, necessárias e adequadas. 18. Na verdade, os acidentes rodoviários com consequências graves constituem um grave problema de saúde pública e uma causa importante de morte no nosso país. 19. Existem, pois, fortes razões de prevenção de defesa da sociedade e de proteção eficaz dos bens jurídicos violados, bem como ao nível de responsabilização do arguido, que justificam a pena única aplicada, mostrando-se, assim, prejudicada a questão suscitada relativa à suspensão da execução da pena de prisão. 20. De todo o modo, o Tribunal recorrido, relativamente ao arguido B…, ponderou, em conjunto, não apenas os factos e a personalidade deste recorrente e a circunstância de não ter antecedentes criminais, mas também as exigências de prevenção geral e especial, a gravidade da sua conduta, a segurança da sociedade em geral e a tutela do bem jurídico em causa.» * Por sua vez, a demandada cível F…, discordando do decidido no acórdão de 1ª instância relativamente aos pedidos cíveis das sociedades demandantes, veio também interpor recurso, cujas alegações condensou nas sequentes conclusões:1. Porque, se é certo que a demandada, ora recorrente, não logrou fazer a prova de alguns dos factos em que fazia ancorar a conclusão de que o acidente em causa nos autos se ficou a dever a culpa única e exclusiva do condutor do veículo ligeiro de mercadorias, 2. não menos certo é que dos factos dados como provados resulta à saciedade que a atuação do condutor desse veículo ligeiro se traduziu na prática de contraordenações graves, traduzidas na violação do disposto nos artigos 3°, 24° e 27° do Código da Estrada, 3. tendo agido, na ocasião, de uma forma no mínimo temerária, já que, numa via de lentos da AE, impunha ao veículo que conduzia uma velocidade superior àquela que, em abstrato e em condições ótimas de circulação, lhe estava autorizada, claramente negligente, não consentânea com o cuidado exigível ao ato de conduzir, 4. numa atuação tanto mais grave quanto é certo que, nas circunstâncias apuradas, esse condutor podia e devia ter evitado a colisão na traseira do semirreboque ou, ao menos, procedido de molde a minorar as suas terríveis consequências; 5. porque, assim sendo, considera a recorrente que essa atuação impõe uma repartição de responsabilidades oposta à determinada na douta sentença, isto é, de 70% para o condutor do ligeiro e de 30% para o arguido, ou, no mínimo, ser essa repartição fixada em 50% para cada um, por ser, tanto num caso como no outro, mais consentânea com a censura que a atuação do condutor do ligeiro de mercadorias merece; 6. porque, independentemente de assim não ser entendido, decorre do disposto no artigo 483° do Código Civil que a obrigação de indemnizar apenas se verifica em relação aos diretamente lesados, 7. que o mesmo é dizer que a titularidade do direito de reparação cabe, em princípio, à pessoa ou pessoas a quem pertence o direito ou interesse juridicamente protegido que a conduta ilícita violou, 8. apenas se configurando como exceção a essa regra a que resulta do estipulado a esse respeito no artigo 495° do Código Civil, que consagra como terceiros com direito a indemnização por danos de natureza patrimonial os que socorreram a vítima – nº 2 – os estabelecimentos hospitalares e os médicos ou outras pessoas que hajam contribuído para o seu tratamento ou assistência – e os que legalmente lhe podiam exigir alimentos ou aqueles a quem a vítima os prestava no cumprimento de uma obrigação natural – nº 3; 9. porque, fora dessas situações, quer a Doutrina quer a Jurisprudência repudiam a invocação de outros danos patrimoniais reflexos, nomeadamente os danos causados a determinada empresa em resultado de acidente que afete um seu funcionário ou administrador, 10. como decorrência de insofismável opção do legislador, revelada ainda nos Trabalhos Preparatórios, de onde resulta que só foram consideradas pertinentes as pretensões que encontrem eco, ainda que mediato, na norma ínsita no artigo 495° do Código Civil; 11. porque, dessa forma, é inequívoco que à face do nosso atual sistema jurídico os danos reflexos ou indiretos que extravasem a previsão dos artigos 483°, 495° e 496° do Código Civil (e, em casos excecionais, nas situações avulsas que se deixaram referidas no corpo da presente alegação) não são indemnizáveis, 12. fácil é tirar a conclusão de que não merece acolhimento o pedido de indemnização formulado pela demandante G…, Lda., pelo facto de ter perdido trabalhadores que estavam ao seu serviço por causa do acidente de viação em causa nos autos, com a inerente paragem de obras em curso, perda de outras e de perspetivas de negócio, 13. e igual conclusão se surpreende no tocante ao segmento do pedido formulado pela demandante E…, Lda., de haver indemnização referente a lucros cessantes resultantes da perda repentina da prestação laboral dos seus trabalhadores e da morte do respetivo representante. 14. E porque assim, ao decidir de forma diversa a, aliás, douta sentença em crise violou, por erro de aplicação e interpretação, o disposto nos artigos 3°, 24° e 27º do Código da Estrada, e bem assim o disposto nos artigos 483º e 495º do Código Civil. * Cumpre decidir.* II – FUNDAMENTAÇÃOO âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [17], sem prejuízo das de conhecimento oficioso. Como já vimos, estamos em face de dois recursos com objetivos e linhas de força bastante diversos: o interposto pelo arguido, visando a parte criminal e, essencialmente, matéria de facto; e o interposto pela seguradora, versando sobre os pedidos cíveis dos entes societários demandantes, incidindo principalmente sobre questões de direito. Quanto ao recurso do arguido, colocam-se, como questões mais importantes a decidir, as de saber: ● se o acórdão recorrido está inquinado de nulidade por omissão de pronúncia sobre questão de que o tribunal devia conhecer, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea ), do Código de Processo Penal ou de nulidade por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d), do mesmo diploma; ● se o acórdão recorrido está afetado dos vícios de insuficiência da matéria de facto para a decisão, de contradição insanável da fundamentação e/ou de erro notório de apreciação da prova; ● se o tribunal recorrido incorreu nos erros de apreciação da prova mencionados neste recurso; ● se, em todo o caso, a existir negligência do arguido, esta não pode ser considerada grosseira, nomeadamente por não ser exclusiva, até por o condutor do veículo em que seguiam as vítimas ter sido o principal causador do acidente; ● se, além do mais, tendo o arguido agido com negligência inconsciente, não deve considerar-se autor de 5 crimes de homicídio negligente, mas apenas de um; ● se, em qualquer caso, a pena a aplicar ao arguido deve ser inferior a 5 anos de prisão, sempre suspensa na sua execução. No que se refere ao recurso interposto pela demandada cível F…, as principais questões a decidir consistem em saber: ● se os danos reflexos ou indiretos que extravasem a previsão dos artigos 483°, 495° e 496° do Código Civil (e, em casos excecionais, as situações avulsas expressamente previstas na lei) não são indemnizáveis, devendo, por isso, improceder as pretensões indemnizatórias das sociedades demandantes; ● se, em todo o caso, atendendo à importante contribuição do condutor do veículo Peugeot (onde seguiam as vítimas mortais) para a verificação do acidente, as quotas de responsabilidade deveriam ser inversas às fixadas no acórdão recorrido, isto é, sendo atribuída ao arguido 30% da culpa e ao condutor do Peugeot 70%, ou, quando muito, uma quota de 50% a cada um dos responsáveis. * A) As nulidades suscitadas pelo arguidoO arguido considerou que o acórdão recorrido enferma de nulidades por violação do disposto nos artigos 379º, nº 1 alíneas a) e c), e 120º, nº 2, alínea d) “in fine”, ambos do Código de Processo Penal – por alegadamente nele se ter omitido o exame crítico das provas e se ter conhecido de questões de que se não podia conhecer (excesso de pronúncia), por um lado, e por se terem omitido diligências, por outro. Mais concretamente: relativamente ao ponto “7” da factualidade provada, na conclusão ll), o arguido alega que o tribunal recorrido teria omitido um real exame crítico da prova; relativamente ao ponto “4”, na conclusão mm), o arguido chama a atenção para que o tribunal recorrido deveria ter ordenado uma inspeção ao local para melhor poder determinar as condições de visibilidade aí existentes; e, relativamente aos pontos “5” e “6”, na conclusão ss), o arguido pretende pôr em crise a inferência probatória sem apoio em provas produzidas em audiência, concretizada em considerar-se que a avaria do veículo pesado conduzido pelo arguido se ficou a dever a uma falha/anomalia eletrónica do pedal do acelerador. Na verdade, é nula a sentença que não contiver “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos (…) que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” – artigos 379º, nº 1, alínea a) e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal. No que respeita ao item nº 7 da matéria de facto dada como provada, o tribunal recorrido não deixou de fazer o exame crítico das provas previsto na lei, pois, além de mencionar e descrever aquelas que o convenceram e aqueloutras que não lhe mereceram credibilidade, explicou os motivos de credibilidade e de não credibilidade das provas documentais, periciais e pessoais atinentes à factualidade em causa. Questão diversa é a de saber se as opções decisórias tomadas pelo tribunal coletivo recorrido foram as mais corretas, se não terá errado ou ido longe de mais nas inferências feitas a partir de provas indiretas, etc.. Mas essas outras questões nada têm a ver com falta de exame crítico das provas, que é assacada ao acórdão recorrido, pelo que não se verifica a invocada nulidade. No que respeita ao item nº 4 da factualidade provada, como já referimos, entende o arguido que o tribunal recorrido deveria ter ordenado uma inspeção ao local para melhor poder determinar as condições de visibilidade aí existentes, o que, em seu conceito, implicaria a verificação da nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d), “in fine”, do Código de Processo Penal, por omissão de diligência que deveria reputar-se essencial para a descoberta da verdade. Porém, ainda que, para além da abundante documentação existente (participação policial com memória descritiva, fotografias, relatórios), fosse de reputar como essencial para a descoberta da verdade uma inspeção judicial ao local, tendo estado o arguido presente na audiência de julgamento, há muito que se encontraria precludida a possibilidade de a invocar, face ao disposto no nº 2 e respetiva alínea a) do citado artigo 120º. Estaria também inquinada de nulidade a fixação de factos efetuada sob os itens 5 e 6 da factualidade provada, porque, “a partir de um alegado registo de anomalias, o tribunal deu como adquirido um outro facto, que não ficou provado através da prova efetivamente produzida em audiência” – ver conclusão ss). Tanto quando conseguimos atingir, a “nulidade” consistiria aqui em o tribunal ter errado “em questão técnica que lhe estava vedado apreciar livremente sem um juízo adequado, a saber, deu de barato que só a primeira hipótese se comprovou, unicamente porque do disco resultou a perceção de que a anomalia "havia sucedido 52 vezes nos últimos 4 dias" e, por conseguinte, estava encontrada a explicação: "mais uma interrupção do funcionamento do pedal do acelerador" – conclusão vv). Porém, se se concede que a violação do disposto no artigo 163º do Código de Processo Penal pode implicar nulidade por falta de fundamentação, se o julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos [18], o que é certo é que inexiste, no caso, qualquer divergência em relação ao juízo pericial, havendo, pelo contrário e no fundamental, concordância com o mesmo, pelo que inexiste qualquer nulidade, sem prejuízo do eventual questionamento da opção/convicção do tribunal recorrido ao nível d apreciação da matéria de facto. Improcede, assim, também, com clareza, esta arguição de nulidade. * B) Os invocados vícios enquadráveis no nº 2 do artigo 410º do CPP Alegou o arguido/recorrente que o tribunal a quo incorreu nos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova – artigo 410°, n.º 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal. No âmbito do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento – desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou o erro notório na apreciação da prova. Estes fundamentos de recurso alegados pelo arguido – cujo conhecimento sempre seria, aliás, oficioso, no âmbito restrito imposto pela chamada “revista alargada” [19] – passarão a ser, de seguida, apreciados. * Na alínea iii) das suas conclusões de recurso, o recorrente fala na insuficiência na questão da prova (de que o pesado desacelerou acentuadamente pelo motivo de falha no acelerador) e na alínea AA) refere “razões que levam a defesa a pugnar pela nulidade do acórdão neste ponto ‘8’, por clara insuficiência da matéria de facto para a decisão” (por falta de ponderação da perda de velocidade do ligeiro na subida).No entanto, dizendo este vício – da insuficiência da matéria de facto para a decisão – respeito à carência da matéria de facto para a solução de direito adotada, com facilidade se constata que não configuram tal vício a mera insuficiência das provas, nem a simples omissão de diligências probatórias. Não pode, pois, a este propósito, invocar-se a exiguidade da matéria de facto para uma decisão de facto diferente da que foi proferida. Na verdade, tratando a alínea a) do preceito em causa da carência ou escassez da matéria de facto para a decisão de direito, não se aplica aos casos de insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão que compete ao recurso da matéria de facto [20]. Só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz [21]. Mas também se não pode invocar este dispositivo legal para sindicar alegada escassez da matéria de facto para uma decisão de direito diversa da adotada pelo tribunal a quo, como parece sugerir o arguido na sua conclusão AA). Não se verifica, assim, no caso concreto, o invocado vício da alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal. * Refere também o arguido, nas alíneas yy, zz) e uuu) das suas conclusões de recurso, a verificação do vício da contradição insanável da fundamentação da decisão recorrida, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal.Assim, relativamente à alínea yy), menciona existir contradição entre a “atrapalhação” do arguido e a sua reação de desligar propositadamente o motor e as luzes para poder retomar de imediato a potência e sair do carro, procurar o triângulo e ligar o corta-corrente. No entanto, refira-se, desde já, que em lugar algum do acórdão recorrido se menciona a existência de “atrapalhação” do arguido, pelo que, sendo forçoso que os vícios do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal resultem do texto da decisão recorrida, cai pela base a suposta contradição que se quis mostrar na aludida alínea yy). Por outro lado, na alínea zz) das conclusões de recurso do arguido, o pretenso vício de contradição insanável da fundamentação mais não representa do que a tentativa do arguido de contrapor a sua própria convicção à convicção do tribunal recorrido. Também aqui, a suposta contradição não se extrai do texto da decisão recorrida, mas sim do confronto do mesmo com provas que a mesma desconsiderou quanto à sua credibilidade. Mais uma vez, estaríamos no campo do eventual erro de julgamento e não no domínio do vício de contradição da fundamentação. Finalmente, na conclusão uuu), o recorrente assinala contradição da fundamentação, porque ao mesmo tempo afirmou que a carrinha Peugeot seguia "... a uma velocidade não concretamente apurada" para, logo de seguida, dar como provado que a mesma seguia a velocidade "situada entre os 117 km/h e os 124km/h". Salvo o devido respeito, não existe entre as duas afirmações contradição lógica (e muito menos insanável), pois uma velocidade que se pode situar entre os 117 km/h e os 124 km/h não se encontra concretamente apurada, pelo menos com rigor. Não se estando, neste caso, perante o vício alegado, a arguição do mesmo tem que improceder. Refere ainda o arguido, nas alíneas FF) e GG) das conclusões, que existiria contradição (ou ininteligibilidade, como referido na motivação do recurso?) relacionada com os factos contidos nos itens nºs 13 e 14 da factualidade provada. Mas, verdadeiramente, o que o recorrente pretende realçar é uma alegada dúvida sobre quais os factos que, segundo o tribunal recorrido, teriam fundamentado a qualificação como grosseira da negligência referente ao(s) crime(s) cometido(s) – se os dos itens nºs 13-14, se os do item nº 7, se (poder-se-ia acrescentar) os de ambos. Mas tal dúvida, salvo o devido respeito, nada tem a ver com contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, mas apenas com a qualificação jurídica dos factos provados. * Quanto ao invocado erro notório na apreciação da prova, é certo que, nos termos do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, designadamente, como prevê a alínea c) do citado nº 2, o erro notório na apreciação da prova.Conforme explicita Germano Marques da Silva [22], “erro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média dele se dá conta”, devendo resultar com toda a evidência do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum [23]. Diversamente, o mero erro de julgamento ocorre quando o tribunal dá como «provado» certo facto em relação ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ter sido considerado «não provado», ou então o contrário, isto é, quando o tribunal considera «não provado» algum facto que, perante a prova produzida, deveria ter sido considerado provado. O erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média [24]. Compulsado o texto da decisão recorrida, não se surpreende aí qualquer erro ostensivo ou evidente, nem ao mesmo se chega com o contributo das regras da experiência comum. Com efeito, no acórdão recorrido, explicitam-se com suficiente clareza as provas e o percurso lógico-cognitivo que, a partir delas, conduziu o tribunal a dar como provados os factos cuja prova o arguido ora põe em crise. O acórdão recorrido apresenta-se como uma peça processual com mediana coerência lógica interna, explicando quais as provas documentais, periciais e pessoais que convenceram o tribunal recorrido e na parte em que o convenceram, assim como as que não o convenceram, por se mostrarem, em seu juízo, frágeis, parciais ou contraditórias. Assim, parecendo, embora, querer aludir à existência deste vício, como resulta do teor das aludidas alegações do recurso, o recorrente invocou a prova produzida para demonstrar a existência do vício invocado, confundindo, em boa medida, o erro de julgamento da matéria de facto e o vício previsto no artigo 410º, nº2, alínea c), do Código de Processo Penal. Depreende-se, pois, do conjunto formado pela matéria de facto provada e pela respetiva motivação, que não se encontra na decisão recorrida qualquer erro notório na apreciação da prova. Por consequência, também a invocação do vício previsto no nº 2, alínea c), do artigo 410º do Código de Processo Penal deve improceder. * C) Os alegados erros de julgamentoSegundo o arguido/recorrente, terá havido uma errada valoração e apreciação da prova, que permitia e ou até exigia uma diversa fixação da matéria de facto – pois o tribunal recorrido se teria baseado na versão trazida aos autos, designadamente, pela prova pericial e pelo perito V… – desvalorizando as declarações do arguido e dos depoentes Z… e AB… (pessoas das relações pessoais e profissionais do arguido, tendo o primeiro, enquanto mecânico que costuma reparar o veículo pesado interveniente, reparado a caixa de velocidades daquele veículo, no dia 21/01/2010, conforme documento de folha 306), testemunhas que, relativamente à forma de resolver a avaria em causa, depuseram como se de peritos se tratasse, pois a nada assistiram “in loco”. Porém, desde logo, ocorre que o nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal dispõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. Acresce que, de acordo com o nº 4 do mesmo artigo, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do nº 3 se devem fazer por referência ao consignado na ata, nos termos do nº 2 do artigo 364º, estando o recorrente obrigado a indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Ora, o arguido, nem na sua motivação de recurso e nem nas respetivas conclusões, transcreve efetivamente qualquer passagem dos depoimentos prestados no julgamento, não fazendo, por maioria de razão, qualquer indicação concreta de tais passagens com referência aos suportes técnicos da gravação, por menção ao consignado na ata [25]. Quando nem a própria motivação contém as especificações em causa, não é viável sequer dar cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 417º do Código de Processo Penal, em que se prevê que o relator convide o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afetada. Na verdade, a possibilidade de convite à complementação ou ao esclarecimento restringe-se às conclusões, sendo a lei processual expressa no sentido de que “o aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação” (nº 4 do mesmo artigo 417º do Código de Processo Penal). Verifica-se, face à motivação e às conclusões do recurso, que o arguido não cumpriu um dos requisitos legais para que se pudesse considerar existir um verdadeiro recurso sobre matéria de facto na sua aceção ampla, isto é, no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto prevista nos nºs 3 e 4 do artigo 412º e na al. b) do artigo 431º do Código de Processo Penal. Cumpre aqui anotar que não se desconhece o teor do decidido pelo S.T.J. no acórdão de uniformização nº 3/2012, de 8/3/2012 [26], que “fixou” jurisprudência nos seguintes termos: «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações». No caso vertente, não transcrevendo o recorrente passagens concretas das declarações e depoimentos das testemunhas que invoca, não se verificaria, em bom rigor, um dos pressupostos de aplicabilidade da doutrina do referido acórdão uniformizador. Deste modo, por falta da concreta especificação e localização das passagens da prova gravada, não haveria que apreciar o recurso sobre a matéria de facto com a amplitude pretendida pelo arguido, pelo que deveria ter-se, em princípio, como assente, tal matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido. No entanto, mesmo não se localizando com precisão as referidas passagens, entende-se que é, apesar de tudo, possível identificar os depoimentos invocados pelo arguido e confrontá-los com os restantes e sobretudo com as declarações do perito V…, que constituem um dos principais suportes probatórios considerados pelo tribunal recorrido. Por outro lado, existem outras provas (não pessoais), cuja apreciação não se encontra vedada ao tribunal de recurso. * A matéria de facto provada posta em causa no recurso interposto é a vertida sob os nºs 4 a 10 e 13.No que se refere ao item nº 4 – atendendo ao teor elucidativo e insuspeito da participação elaborada pela GNR e mesmo dos depoimentos dos seus militares (as testemunhas X… e W…), que sustentam os dados fornecidos quanto ao estado do tempo e à visibilidade – nenhuma censura merece a versão factual aí dada como provada. Mantém-se, assim, a respetiva formulação: “4. No local, inexiste iluminação artificial, estava bom tempo e era de noite, permitindo a visibilidade possível pela difusão da luz das óticas (o que permitia visualizar pelo menos 100 metros da faixa de rodagem)”. * É no item nº 5 (2ª parte) que começa a revelar-se crucial a valoração das provas produzidas, pois inexistem (para além das declarações do arguido) provas diretas da causa da paragem do veículo pesado.Destacam-se, aqui, por um lado, a prova pericial realizada ao veículo pesado pelo técnico (engenheiro) da Volvo, V…, cujo relatório consta de folha 67 dos autos (o qual prestou esclarecimentos na audiência de julgamento) e, por outro, as declarações do arguido, que seriam credibilizadas, segundo o recorrente, pelos depoimentos (meramente opinativos) dos mecânicos Z… e AB…. No relatório de folha 67, afirma-se que, através da leitura dos códigos eletrónicos de avaria, se detetou que o veículo em causa, nos 4 dias que antecederam o acidente, registou 52 falhas de sinal do pedal do acelerador. Refere-se, ainda que, no teste de estrada realizado, se verificaram, em 45 minutos, 12 falhas em tal pedal. Na audiência de julgamento, o técnico V… esclareceu que: as aludidas avarias caraterizam-se pela sua aleatoriedade; a forma mais eficaz de repor o funcionamento pleno do veículo é desligar tudo, isto é, desligar toda a corrente elétrica com o corta-corrente, e só depois (dando tempo a que se apaguem todos os ficheiros temporários da centralina) religar a eletricidade e acionar o motor de arranque, para voltar ao funcionamento sem erros; em subida, quando o acelerador falha no sentido de colocar o motor ao “ralenti”, a paragem é tão rápida que nem dá tempo de encostar à direita a totalidade do conjunto trator/reboque (não andará mais de 20 metros); uma irregularidade/falha da estrada, em princípio, não faz acionar o corta-corrente, nunca tendo ouvido falar em cortes totais de energia por irregularidades da estrada; pode acontecer o acelerador voltar a funcionar com sucessivos acionamentos do respetivo pedal, mas não é método com grande hipótese de êxito; quando a viatura chegou às instalações da concessionária, teve logo uma avaria no acelerador (com o engenheiro AH…, gestor da unidade), o que os impossibilitou de confirmarem a hora da última avaria anterior (27’54’’ a 28’03’’ da gravação). Por seu turno, o arguido declarou, no seu interrogatório em audiência de julgamento, que quando passou numa junta de dilatação, o camião fez uma lacada e, passados uns segundos, ficou sem energia nenhuma, parando-lhe o motor e apagando-lhe as luzes, pelo que tentou encostar o mais possível à direita; “aquilo foi quando deu a ‘lacada’, só pode ter sido no corta-corrente, não sei…” (18’06’’ a 18’15’’ da gravação). A testemunha Z…, que disse ser mecânico habitual do veículo em causa, opinou que os problemas do acelerador não provocam a paragem do veículo e que pode ter acontecido uma avaria no corta-corrente, podendo este desligar-se sozinho com a trepidação e depois ter-se voltado a ligar com o embate. A testemunha AB…, mecânico e colega de trabalho do arguido, opinou também que uma avaria no acelerador não obriga o veículo a parar e que basta um toque no acelerador para ele voltar a acelerar. Há ainda que levar em consideração os depoimentos dos militares da GNR que estiveram no local e que tomaram as medidas cautelares tidas por convenientes: os depoentes X… (do NIC) e W… (cabo do Posto da Maia). O primeiro, referiu que o condutor do pesado lhe disse que o veículo estava sem corrente elétrica, por avaria, pelo que decidiu selá-lo. Também o depoente W… disse ter recebido do arguido informação semelhante, sendo o condutor do pesado que tirou a folha do registo do tacógrafo. Face à informação dada pelo arguido, nenhum destes depoentes verificou a posição do corta-corrente. No entanto, afirmou o depoente X… que, quando o senhor do reboque lá chegou, pôs os quatro piscas a funcionar, surpreendendo o depoente, que lhe perguntou como o tinha feito, sendo-lhe dito que tinha simplesmente desligado o corta-corrente, que era o que obstava a que houvesse corrente elétrica. O arguido alega agora que a energia elétrica se terá desligado com a “lacada” e que se terá voltado a ligar com o embate sofrido. No entanto, para além de esta versão não estar de acordo com o depoimento de X…, revelasse, de todo, inverosímil. Assim, o arguido falou primeiramente em avaria elétrica, depois na origem desta na “lacada” causada pela junta de dilatação, mas que teria sido revertida com o embate. Finalmente, face à evidência de que a falta de eletricidade se ficou a dever à posição em que estava o corta-corrente, referiu que a “lacada” é que deveria ter acionado este dispositivo, não se sabendo, então, qual o papel do embate do ligeiro na traseira do pesado… Por outro lado, as opiniões dos depoentes Z… e AB…, para além de serem pessoas das relações do arguido (como é frisado no acórdão recorrido), não constituem prova atendível, pois nada tendo visto e a nada tendo assistido, também não realizaram qualquer perícia ao pesado. De entre a prova agora “revisitada”, destaca-se positivamente, pelas suas objetividade, equidistância e qualidade técnica, a vistoria realizada ao veículo pesado pelo perito V…. Também importantes se revelam os esclarecimentos prestados por este perito na audiência de julgamento. Da verificação de, pelo menos, 51 avarias codificadas como sendo referentes à falha de sinal do pedal do acelerador nos 4 dias que antecederam o acidente, bem como a verificação de mais uma aquando do aparcamento no concessionário e de mais 12 durante os 45 minutos do teste de estrada, é possível inferir – em conjugação com as regras da experiência e com as restantes circunstâncias que rodearam o acidente – que a imobilização, em subida, do veículo pesado se ficou a dever à 52ª avaria constatada naqueles 4 dias. Nem se diga (como alega o arguido) que tal avaria não pode ocorrer em subida, por o pesado já ir estabilizadamente acelerado. Mesmo admitindo que se ponha em causa que tal falha é simplesmente aleatória (ver perícia), não pode esquecer-se que se trata de um veículo com caixa manual, que fará, necessariamente, sobretudo quando carregado e em ladeiras longas, mutações várias na caixa de velocidades (vulgarmente chamadas “passagens de mudanças”), antecedidas de “levantamentos de pé” do pedal do acelerador, sob pena de o motor atingir picos de rotação muito nocivos para o sistema mecânico propulsor e muito desagradáveis para quem quer que esteja nas imediações. A possibilidade de o pesado ter sofrido uma falta geral de energia com a passagem pela pretensa junta de dilatação mal conservada [27] e de ter-se religado a energia com o embate do ligeiro de mercadorias é, na verdade, remotíssima (como bem ponderou a 1ª instância, comparando-a à possibilidade de caírem dois raios no mesmo local). Não é suficiente para concitar a aplicação do princípio in dubio pro reo, que implica a existência de uma dúvida razoável que não permite ao julgador afirmar, em consciência e com segurança, que determinado indivíduo cometeu os factos pelos quais vinha acusado e foram objeto de análise em audiência de julgamento. O uso deste princípio não é compaginável com um mero capricho ou vontade de absolver por parte do juiz, resultando, sim, da prova que foi produzida e causou no espírito do julgador a dúvida que este não consegue ultrapassar para condenar em consciência. Já não há só uma presunção de inocência, há também uma dúvida válida sobre a verificação de factos alegados pela acusação ou pela defesa. A dúvida tem, pois, que assumir uma natureza irredutível, insanável, pois não se pode perder de vista que, nos atos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida [28]. Realmente, se quisermos conjeturar, podemos aventar as mais diversas hipóteses. No entanto, o julgador não pode enlear-se em especulações, tem de saber separar o trigo do joio, ter a noção do verosímil e do inacreditável e apreciar a prova segundo as regras do entendimento correto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, tendo presente que a verdade que se busca em processo penal não é uma verdade absoluta, mas uma verdade histórico-empírica e processualmente válida. Ora, há que convir que seria uma extraordinária coincidência que o veículo conduzido pelo arguido sofresse um corte de corrente geral em consequência de um ressalto ou “lacada” – com origem numa eventual irregularidade do piso da estrada associada a uma junta de dilatação, cuja existência nem o esboço da GNR, nem as fotos juntas, nem as perícias efetuadas, nem o depoimento de qualquer testemunha indiciam – e que, alguns segundos depois, o funcionamento normal do sistema elétrico tivesse sido reposto pelo embate da carrinha onde seguiam as vítimas. Por tudo o que vem exposto – pela via indutiva resultante da conjugação das provas indiretas ou indiciárias tidas como válidas e convincentes com as regras da lógica e da experiência comum – nenhuma censura tem este tribunal a que se tenham dado como provados os factos constantes do item nº 5 da matéria de facto assente no acórdão recorrido, que se mantém com a seguinte redação: “5. Quando o arguido se aproximava do km 14,200, em …, nesta comarca, numa zona em que a autoestrada tem três vias e descreve uma curva ampla e prolongada à direita, atento o sentido de marcha …/…, com um declive ascendente de cerca de 6%, o veículo por si conduzido teve, tal como aliás havia sucedido 52 vezes nos últimos 4 dias, mais uma interrupção do funcionamento do pedal do acelerador.” * No que respeita aos factos dados como provados no item nº 6, dir-se-á que aí se inicia a fixação da forma como o arguido reagiu à avaria eletrónica do veículo por si conduzido.Como decorre dos esclarecimentos prestados pelo perito V…, naquelas circunstâncias, a perda de velocidade é tão rápida que “praticamente nem dá para encostar” a viatura, que andará mais uns 20 metros. A consequente posição enviesada do conjunto trator/reboque é representada no esboço descritivo elaborado pela GNR. Não se veem, pois, razões, para imputar ao arguido as “deficiências” da paragem do veículo por si conduzido, como parecem inculcar os vocábulos “um pouco” e “de modo a ocupar a quase totalidade”. O item nº 6 passará, por isso, a ter a seguinte redação: 6. Em consequência, o veículo “Volvo” e respetivo semirreboque desacelerou acentuada e subitamente, pelo que o arguido tentou encostá-lo, no máximo, à sua direita, ocupando, assim, com a parte do trator, a maior parte da largura da berma (que possui uma largura de 1,6 metros), mas acabando por parar, de modo a ocupar, com a parte posterior do semirreboque, a quase totalidade da faixa mais à direita da autoestrada, no referido sentido de marcha (…/…). * No item nº 7 dos factos dados como provados reside o cerne da conduta do arguido. Nele se condensa a forma como o arguido agiu, após a paralisação forçada do veículo por si conduzido, o tempo e o modo como o fez, sendo certo que a prova direta não se mostra suficiente para pormenorizar tal atuação, sendo necessário o recurso a provas indiretas e às regras da experiência.Embora o arguido ponha em causa, nas suas declarações que tenha desligado voluntariamente o motor e as luzes do veículo, uma vez que tudo indica que a avaria foi apenas no acelerador e sendo inegável (o próprio arguido o afirma) que o motor se encontrava desligado e as luzes apagadas no momento do acidente, tem que se concluir que o arguido desligou o motor e as luzes do veículo antes de tal embate – a fotografia tirada ao “tablier” do pesado, um pouco mais tarde, no local, pelo militar da GNR encarregado da investigação mostra o comutador redondo da iluminação (que existe à esquerda do volante, mas embutido sob o plano superior do referido “tablier”) na posição “0” ou desligado. De acordo com a normalidade do acontecer, com esta atuação, pretendia o arguido recolocar o veículo em funcionamento no mais curto período de tempo possível, desligando totalmente o corta-corrente para, pouco depois, reinicializar a centralina, então já liberta de qualquer ficheiro que sustentasse a avaria. Para tanto, saiu da viatura e ligou o corta-corrente (ligação que assim se manteve até que o serviço de reboque o desligou para pôr em funcionamento a sinalização de perigo). Antes que tivesse tempo de religar a energia elétrica, o ligeiro de passageiros que transportava as vítimas embateu na traseira do semirreboque. Se é certo que a portinhola existente junto à porta do condutor se encontrava aberta pelo arguido (como este afirmou), nenhuma espécie de lógica aponta para que tal abertura tenha sido anterior ao embate, pois o arguido não necessitava de qualquer ferramenta, nem tencionava (ao que tudo indica) usar o triângulo de pré-sinalização antes de ocorrer o acidente. Apenas pretendia recolocar o camião em funcionamento, sem avaria, no mais curto lapso de tempo. Só terá querido sinalizar os veículos com o triângulo de pré-sinalização após a ocorrência do acidente (embora partindo de outro contexto, é o próprio arguido que diz que só após o embate é que tirou o referido triângulo e o colocou a uns 100 metros. Consequentemente, decide-se reformular o item nº7, que passará a ter a seguinte redação: 7. Uma vez imobilizado o dito trator “Volvo” e respetivo semirreboque e com vista a resolver o problema, o arguido desligou o motor do veículo e respetivas luzes, saiu de seguida daquela viatura e ligou o corta-corrente, situado no exterior, por detrás da cabine do condutor; antes, porém, de voltar a ligar a energia elétrica, verificou-se o embate que a seguir se descreve. Correlativamente, adita-se à lista dos factos não provados que o arguido tenha aberto a portinhola existente junto à porta do condutor, a fim de procurar ferramentas e o triângulo de sinalização de avaria, para o colocar este na via antes da ocorrência do acidente. * Nos itens 8 e 9, descrevem-se as circunstâncias em que circulava o veículo ligeiro de mercadorias momentos antes do acidente.No fundamental, o seu conteúdo mostra-se de acordo com a prova produzida e, nomeadamente, com o “Relatório de Averiguação” efetuado para a “Companhia de Seguros O…, SA”, junto a folhas 569 e seguintes e com o “Relatório Técnico” de folhas 858 e ss., apresentado pela demandada “Companhia de Seguros F…, SA”. No item nº 8 apenas se substituirá o advérbio “concretamente” pelo advérbio “exatamente”. No item nº 9 acrescentar-se-á um detalhe atinente à lotação de ocupantes para que se encontrava preparado e homologado tal veículo, detalhe esse que decorre da prova documental. Assim, decide-se conferir aos itens nºs 8 e 9 a seguinte redação: 8. No mesmo contexto de tempo e lugar, seguia, no mesmo sentido de marcha, também pela via mais à direita (para onde passou a circular depois de momentos antes ter circulado pela via central) e a uma velocidade não exatamente apurada mas situada entre os 117 km/h e os 124 km/h, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias da marca “Peugeot”, modelo “…”, com a matrícula ..-EL-.., conduzido por H…; 9. No mesmo veículo, que tinha capacidade homologada para 7 ocupantes, seguiam 8 pessoas (além do condutor, mais 7 passageiros), incluindo as vítimas I…, J…, K…, L… e M…. * O item nº 10 da factualidade assente versa sobre a forma como o condutor do veículo ligeiro de mercadorias não se apercebeu atempadamente do obstáculo constituído pelo pesado e não efetuou qualquer manobra para evitar o embate.Ainda que “Relatório Técnico” de fls 858 e ss., apresentado pela demandada “Companhia de Seguros F…, SA” se assuma uma visibilidade de 150 metros e a possibilidade de o condutor do Peugeot ter a possibilidade teórica de imobilizar o veículo antes do embate mesmo seguindo a uma velocidade de 124 Kms/hora, entende-se que aí se não ponderam os necessários tempos de reconhecimento do obstáculo e de reação. Aceita-se, pois, o raciocínio efetuado pelo tribunal recorrido, do qual decorre que o condutor do ligeiro, mesmo à velocidade a que seguia, poderia/deveria ter evitado o obstáculo, ultrapassando-o pela esquerda, ao que nada obstava. Assim, decide conferir-se ao item nº 10 a seguinte redação: 10. Uma vez que o trator “Volvo” e respetivo semirreboque estavam sem qualquer luz ligada e porquanto o condutor do ligeiro de mercadorias não atentou naquele obstáculo, designadamente nos refletores traseiros do semirreboque (que poderia ter identificado a uma distância de pelo menos 75 metros), tendo o H… só reparado no pesado imobilizado quando já estava muito próximo dele (a distância não apurada), não travou, nem imobilizou o ligeiro de mercadorias por si conduzido, nem sequer passou atempadamente para a via imediatamente à esquerda (via central), tendo ido assim embater violentamente com a parte frontal direita do veículo “Peugeot” na traseira do lado esquerdo do aludido semirreboque; * O item nº 13 da factualidade dada como provada refere-se ao conhecimento pelo arguido das anteriores avarias no funcionamento do pedal do acelerador antes de entrar na autoestrada, ainda de noite.Segundo o relatório pericial de folha 67, quando o veículo pesado sofreu a 53ª avaria ao entrar na oficina da concessionária Volvo. Como a anterior avaria ocorreu na ocasião do acidente, ao entrar na autoestrada, só poderiam ter ocorrido 51 avarias nos 4 dias antecedentes. Não obstante não estar na sua disponibilidade ordenar a reparação do veículo, o arguido, como seu único condutor tinha conhecimento de um número elevado de avarias. Ao contrário do que ocorreu com o tribunal recorrido, não estamos convencidos de que o arguido não tenha comunicado à sua entidade patronal a existência de tal avaria – que mais não fosse pelos incómodos que a mesma lhe deverá ter causado, para além dos perigos inerentes – apesar do que em contrário disse a testemunha Y…, legal representante da sua empregadora. Assim, decide-se dar ao item nº 13 ora em apreciação a seguinte redação: 13. O arguido entrou na referida autoestrada em cumprimento de ordens da sua entidade patronal, não obstante ter conhecimento de que o veículo por si habitualmente conduzido tinha tido, nos 4 dias anteriores, 51 interrupções do funcionamento do pedal do acelerador, tendo ainda consciência da possibilidade de ocorrer a mesma anomalia e de a mesma poder conduzir à imobilização forçada da viatura, numa altura em que ainda era de noite. * Como se pode verificar, a impugnação feita pelo arguido da fixação da matéria de facto mostra-se maioritariamente improcedente, só procedendo de forma pontual, na estrita medida em que foi antecedentemente assinalado.* D) Enquadramento jurídico-criminal dos factos: grau de negligência, concurso e pena(s) concreta(s)Negligência grosseira? A primeira questão que se coloca situa-se ao nível da dilucidação do tipo de ilícito efetivamente preenchido pela atuação do arguido: se o do tipo de homicídio de negligência grosseira dos nºs 1 e 2 do artigo 137º do Código Penal (por que o arguido foi condenado pela 1ª instância), se o do crime de homicídio negligente simples, previsto apenas no nº 1 do mesmo artigo. Como referem Figueiredo Dias/Nuno Brandão [29], “a negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência”, implicando “uma especial intensificação da mesma não só ao nível da culpa, mas também ao nível do tipo de ilícito”. Segundo os mesmos autores, para além de se tornar “indispensável que se esteja perante uma ação particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adotada”, é ainda necessário que se alcance “a prova autónoma de que o agente, não omitindo a conduta, revelou uma atitude particularmente censurável de leviandade ou de descuido perante o comando jurídico-penal, plasmando nele qualidades particularmente censuráveis de irresponsabilidade e de insensatez (…)”. De igual modo, salientando este carácter superlativo do grau de culpa, Faria Costa refere «um alto e inqualificável teor de imprevisão (…) ou uma profunda ausência de cuidado elementar» [30]. O que se pode extrair destes posicionamentos dogmáticos é que a verificação de uma situação de negligência grosseira exige, clara e objetivamente, um comportamento do agente que ultrapassa em muito a simples falta de cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz e, antes, evidencia uma conduta insensata, irrefletida e mesmo irresponsável no modo de agir. No âmbito do exercício da condução de automóveis, constituem casos de negligência grosseira aqueles em que o condutor se demite de observar os mais elementares deveres de precaução, pratica uma condução temerária ou a efetua de uma forma totalmente despreocupada dos cuidados exigidos [31]. É necessário que a imagem global da ilicitude revelada pelo comportamento do condutor ultrapasse a do mero descuido e constitua uma falta de observância dos deveres de cautela tão clamorosa que o seu grau de ilicitude seja intolerável para o cidadão medianamente prudente [32]. Sublinhe-se que, na concretização e densificação do conceito de negligência grosseira devem, numa primeira fase, afastar-se todas as questões relacionadas com as consequências do facto, que, por muito graves que possam ser, não devem condicionar uma interpretação objetiva do conceito. O que se quer frisar, para o que interessa ao caso, é que há uma notória diferença entre o que é uma atitude negligente no exercício da condução da qual resulta a morte de um cidadão e uma atitude grosseiramente negligente da qual resulta a mesma morte de um cidadão, negligência grosseira essa que deve resultar do comportamento provado de que o condutor efetuava essa atividade de uma forma leviana, irresponsável, irrefletida e sem levar em conta os mínimos princípios exigidos na atividade de condução [33]. A factualidade apurada no caso em análise mostra-nos um veículo pesado que sofreu uma avaria eletrónica em subida, a qual provocou inexoravelmente a sua paragem em escassos segundos, sem que o respetivo motorista a tal pudesse obviar, não tendo sequer tempo para que a imobilização da totalidade do conjunto trator-reboque se verificasse o máximo à sua direita – sendo ainda certo que, no local, a berma não permitia acolher a integral largura desse conjunto. Até esse momento, não se pode afirmar que a conduta do arguido tenha violado, de forma relevante e exclusiva, os seus deveres de cuidado. Com efeito, diversamente do que parece inculcar o acórdão recorrido, não existem elementos para afirmar que toda a responsabilidade pelo mau funcionamento do pedal do acelerador do veículo trator (com 51 falhas anteriores, só nos 4 dias que antecederam o acidente) fosse do arguido. As regras da experiência deixam-nos, pelo menos, a dúvida séria de que uma tal avaria – com o rol de incomodidades e de situações difíceis que certamente teria vindo a implicar para o motorista – não fosse já do conhecimento da sua entidade patronal, que não diligenciou para a resolver [34]. Assim, há que avaliar a responsabilidade contraordenacional e criminal do arguido fundamentalmente levando em conta o seu comportamento posterior à ocorrência da manifestação de avaria que imediatamente precedeu o acidente destes autos. Tratando-se de uma imobilização forçada por avaria, cumpriu o arguido, na medida do que era concretamente praticável, a obrigação de aproximar o conjunto trator-reboque o mais possível do limite direito da faixa de rodagem, tal como prevê o nº 1 do artigo 87º do Código da Estrada. Apesar de, em princípio, ser proibida a reparação de veículos na via pública, no caso concreto, tal reparação impunha-se, por se tratar de avaria de fácil reparação tendente ao prosseguimento da marcha (nº 4 do citado artigo 87º do Código da Estrada). Deste modo, para observar todas as disposições legais aplicáveis, deveria o arguido, numa primeira fase, deixar ligadas as luzes de presença, ligar as luzes avisadoras de perigo e, saindo do veículo, colocar, à distância regulamentar, o triângulo de pré-sinalização – nº 3 do mencionado artigo 87º, artigo 63º, nº 3, alínea a), e artigo 88º, todos do Código da Estrada. Só então, por força das especiais características da avaria, deveria desligar todas as luzes e posicionar o corta-corrente na posição de total cesura da energia elétrica fornecida ao veículo pela bateria, durante alguns segundos – o tempo suficiente para que todos os ficheiros temporários perturbadores do regular funcionamento da centralina do veículo se apagassem. Depois, deveria religar, no corta-corrente, o fornecimento de energia elétrica ao veículo, subir à cabina para repor o motor em funcionamento, religar as luzes de perigo e de presença. Finalmente, deveria descer para recolher o triângulo de pré-sinalização de perigo, recolocá-lo no seu compartimento e reiniciar a marcha. Trata-se de um iter exigente e demorado, que, ainda assim, não afastaria toda a perigosidade da situação (prolongando-a no tempo), mas que a confinaria aos limites social e juridicamente exigíveis. Conforme resulta da factualidade provada, não foi este o comportamento do arguido, que, face à emergência, optou por – buscando a celeridade, mas postergando etapas que as regras estradais aplicáveis prescreviam – desligar, imediatamente, todas as luzes, descer e desligar a energia elétrica no corta-corrente. A tal ação, seguir-se-ia, previsivelmente, a religação da energia elétrica por desativação do corta-corrente, a recolocação do veículo em funcionamento e a reativação de toda a iluminação. No entanto, logo após desligar a energia no corta-corrente e antes que decorresse o período necessário para uma eficaz reinicialização do sistema eletrónico, ocorreu o acidente que é objeto destes autos. O arguido violou, assim, o disposto nos artigos 63º, nºs 1 e 3, al. a), e 87º, nº 3, do Código da Estrada. Tendo, porém, o seu comportamento relevância criminal, o sancionamento penal não é cumulável com a aplicação das coimas que corresponderiam às contraordenações das disposições estradais aludidas, sem prejuízo das eventuais sanções acessórias cabidas (nº 1 do artigo 134º do Código da Estrada). Nenhuma sanção acessória contraordenacional é aplicável no caso dos autos, por isso que as contraordenações cometidas não são classificadas como muito graves ou sequer como graves – por não constarem das enumerações taxativas dos artigos 146º e 145º do Código da Estrada – sendo, por defeito, consideradas leves (cfr. classificação plasmada no artigo 136º do mesmo diploma). É certo que a mera qualificação das contraordenações ditas “causais” como leves não obsta, por si só, a que se mostre afastada a possibilidade de o crime de homicídio negligente poder ser cometido com negligência grosseira. Embora noutro contexto – o do preenchimento da previsão do crime de perigo concreto do artigo 291º do Código Penal – Germano Marques da Silva [35] acentua que “a qualificação das contraordenações em muito graves, feita pelo Código da Estrada, assenta na presunção de perigo que se verifica naqueles comportamentos, mas para a qualificação de violação grosseira prevista no artigo 291º do Código Penal deverá sempre atender-se às circunstâncias concretas da circulação, relacionando a violação das regras da circulação rodoviária com o perigo previsível. Em circunstâncias de grande perigo previsível, a violação das regras de circulação, ainda que constituindo simplesmente contraordenações leves ou graves, pode ser qualificada de grosseira, se for de prever que naquela situação a violação das regras criará um perigo quase certo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado”. Mesmo não constituindo a classificação legal da gravidade das contraordenações ditas causais do acidente critério determinante da qualificação da negligência como simples ou grosseira, tal circunstância não deixa de ser, apesar de tudo, um índice a ponderar. Por outro lado, se é indiscutível que o acidente ora ajuizado não ocorreria sem a conduta ilícita do arguido, não pode deixar de assinalar-se que para o mesmo concorreu um comportamento, também ilícito e concausal, do condutor do veículo ligeiro de mercadorias em que seguiam as vítimas. Na verdade, o condutor do Peugeot imprimia a tal veículo uma velocidade entre 117 e 124 Km/hora (já depois de algumas centenas de metros de subida), quando a velocidade máxima permitida para tal tipo de veículos era, para o local (autoestrada), de 110 Km/hora, como estipula o nº 1 do artigo 27º do Código da Estrada (item nº 8 da factualidade provada). Por outro lado, possuindo a via três faixas naquele sentido de marcha e descrevendo aí uma curva larga para a direita (item nº 5), apurou-se que (item nº 8) o Peugeot tinha acabado de mudar, momentos antes, da faixa central para a faixa mais à direita (preferencial, em subida, para os veículos de marcha mais lenta), por forma (presume-se) a seguir a distância mais curta. Por fim, existindo uma visibilidade da faixa de rodagem de, pelo menos, 100 metros por difusão da luz das óticas (item nº 4) e sendo o semirreboque identificável a uma distância de pelo menos 75 metros, o condutor do Peugeot conduzia de tal forma desatento que só reparou no pesado imobilizado quando já estava muito próximo dele (a distância não apurada), não travou, nem imobilizou o ligeiro de mercadorias por si conduzido, nem sequer passou atempadamente para a via imediatamente à esquerda (via central), tendo ido assim embater violentamente com a parte frontal direita do veículo “Peugeot” na traseira do lado esquerdo do aludido semirreboque (item nº 10). O condutor do veículo ligeiro de mercadorias, apesar de não ter sido objeto da acusação (interveio nos presentes autos apenas como testemunha), infringiu, assim, as regras estradais sobre limites de velocidade, alterou imprudentemente a sua faixa de circulação, mudando para a faixa preferencial dos veículos mais lentos e patenteou muito censurável falta de atenção, pois deveria ter ultrapassado pela esquerda o veículo parado, voltando à faixa do meio ou mesmo da esquerda, pois tinha tempo para tal e nenhum impedimento de tráfego o impedia de fazê-lo. Estamos, pois, perante uma situação de concorrência de culpas, suscetível de desagravar o grau de culpa do ora arguido [36]. Olhando desapaixonadamente para o conjunto do comportamento do arguido – abstraindo do número de vítimas causadas pelo acidente e não lhe assacando o grosso da responsabilidade pelo mau funcionamento do veículo (atendendo, sobretudo, à sua condição de trabalhador por conta de outrem) – não se nos afigura que estejamos, em concreto, perante um caso de negligência grosseira, «enquanto alto e inqualificável teor de imprevisão e desrespeito das mais evidentes regras de cuidado para com o ‘outro’» [37]. A sua conduta preenche, tão só, a nosso ver, a previsão típica do nº 1 do artigo 137º do Código Penal. * Unidade ou pluralidade de infraçõesO arguido foi condenado, em concurso efetivo, pela prática de cinco crimes de homicídio por negligência, previstos no artigo 137º, nºs 1 e 2, do Código Penal. Alega, a este propósito, o arguido, ainda que a título subsidiário – isto é, para a hipótese de se considerar que a sua conduta tem relevância criminal – que, tendo então agido com negligência inconsciente, não deve considerar-se autor de 5 crimes de homicídio negligente, mas apenas de um [38]. Vejamos. O critério legal da unidade ou pluralidade de crimes encontra-se, atualmente, expresso no nº 1 do artigo 30º do Código Penal, que assim dispõe: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”. Isto é, em princípio, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos (concurso heterogéneo), ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (concurso homogéneo). Para melhor ilustrar o relevo desta norma introduzida com o Código Penal de 1982, assinale-se que Cavaleiro de Ferreira [39], no domínio do Código Penal de 1886, sempre entendeu que “a unidade do facto é a substância da unidade do crime: uma acumulação de crimes é sempre uma pluralidade de factos”; “(…) a pluralidade de lesão jurídica, por si só, não multiplica o número de crimes, desde que exista unidade de ação, ou do evento material ou da decisão voluntária; a dupla ou múltipla punição iria afetar o princípio do ‘non bis in idem’”. No entanto, face ao Código Penal de 1982, o mesmo autor [40] escreve: “O nº 1 do artigo 30º não atenta na unidade ou pluralidade de factos (condutas) para definir o concurso de crimes. Quer seja um facto ou vários factos que infringem plúrimas vezes normas incriminadoras, há concurso de crimes. Ou, dito singelamente, há concurso de crimes desde que o agente cometa mais do que um crime, quer mediante o mesmo facto, quer mediante vários factos. Com a definição legal, obnubila-se a distinção entre concurso real e concurso ideal, como desnecessária ou irrelevante”. Com efeito, também Figueiredo Dias [41], em síntese convergente quanto a este aspeto, expende: “Efetivamente, na distinção jurídico-penal da unidade e da pluralidade de crimes têm sido seguidas, no essencial, duas vias fundamentais: a de atender prioritariamente à unidade ou pluralidade de tipos legais de crime violados; ou a de conferir relevo decisivo à unidade ou pluralidade de ações praticadas pelo agente. A primeira via é assim claramente aceite e prosseguida pela nossa lei vigente. A segunda via impôs-se na jurisprudência e na doutrina germânicas e, a partir destas, em diversos países. Através dela se logra a distinção entre concurso ideal (a mesma ação viola várias disposições penais ou várias vezes a mesma disposição penal) e concurso real (diversas ações autónomas violam várias disposições penais ou várias vezes a mesma disposição penal). De acordo com o disposto no artigo 30º-1, não parece pois haver espaço para a distinção germânica entre um “concurso real” e um “concurso ideal”: no ordenamento jurídico português ou existe um concurso efetivo ou verdadeiro (hoc sensu, se quisermos, “real”), ou há unidade de facto punível e, por conseguinte, de crime.” Conforme hoje se plasma no artigo 13º do Código Penal (e como se dispunha já nos artigos 2º e 110º do Código Penal de 1886), só são puníveis criminalmente, em regra, os atos cometidos com dolo, reservando-se a punição por negligência para os contados casos em que a lei expressamente o prevê. Daí que a problemática da unidade ou pluralidade de infrações se coloque, com natural preponderância, relativamente aos crimes dolosos. A questão da unidade e pluralidade de infrações – adstrita à hipótese de a existência de uma só conduta naturalística negligente do agente ter causado múltiplas violações de bens jurídicos penalmente protegidos – tem sido abundantemente debatida na jurisprudência portuguesa há longas décadas, avultando que o S.T.J. se tem pronunciado, de forma esmagadoramente maioritária, no sentido de se verificar um único crime. Esta orientação, amplissimamente prevalecente no nosso mais alto tribunal, assenta essencialmente na consideração de que, nas condutas negligentes – mormente quando a negligência seja inconsciente – não prevendo o agente uma pluralidade de resultados típicos, não será possível formular uma pluralidade de juízos de censura, mas apenas um único. Neste sentido, veja-se, com exaustiva fundamentação, o acórdão do S.T.J. de 13/7/2011, publicado, nomeadamente, na C.J./S.T.J., ano XIX, tomo II, páginas 210 e seguintes [42], onde, a folha 217, se recenseiam 38 acórdãos do S.T.J. com idêntica linha de argumentação, desde 23/2/1945 até 21/9/2005. Esta posição, preponderante no S.T.J., tem vindo, no entanto, a perder terreno, desde logo ao nível doutrinal e, nos últimos anos, também na jurisprudência das diversas Relações. Com efeito, Jorge de Figueiredo Dias/Nuno Brandão, no Comentário Conimbricense do Código Penal, volume I, 2ª edição, páginas 186/187, sustentam que, se através de uma mesma ação são mortas várias pessoas, estar-se-á perante uma hipótese de concurso efetivo, sob a forma de concurso ideal, com absoluta indiferença por que a negligência tenha sido consciente ou inconsciente – em apoio de tal posição, citando a anotação crítica de Pedro Caeiro/Cláudia Santos, in R.P.C.C., 1996, 127, ao acórdão da Relação de Coimbra de 6/4/1995, “todavia apoiado em jurisprudência corrente, se não mesmo dominante, pelo menos ao nível do S.T.J. (…)”. No mesmo sentido vão os entendimentos de Germano Marques da Silva [43], Jorge Reis Bravo [44] e Paulo Dá Mesquita [45]. Também Paulo Pinto de Albuquerque [46] anota que, nos crimes que tutelam bens jurídicos pessoais, sejam dolosos, negligentes, cometidos por ação ou por omissão, a ponderação do bem jurídico implica necessariamente a consideração da pluralidade de vítimas. É esta, igualmente, a nossa posição, pelo que nenhuma censura temos a fazer, neste aspeto, à decisão recorrida. Entende-se, assim, que o arguido cometeu um cinco crimes de homicídio negligente, previstos e punidos pelo nº 1 do artigo 137º do Código Penal. * Escolha e medida das penasA moldura penal aplicável a cada um dos crimes cometidos é a de prisão até três anos ou, alternativamente, a de multa até 360 dias. No atual artigo 70º do Código Penal, estabelece-se que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Como frisa Figueiredo Dias [47], as referidas finalidades da punição são exclusivamente preventivas – de prevenção especial e de prevenção geral – e não finalidades de compensação da culpa. Embora reconhecendo-se a ausência de antecedentes criminais, as necessidades de prevenção geral são, no presente caso, de grande relevo, pelo que se não mostra suficiente a aplicação de penas de multa. Opta-se, pois, por penas de prisão. É, pois, dentro dos limites desta pena privativa da liberdade que se deverá encontrar a medida justa e adaptada de cada uma das penas de prisão a aplicar ao caso concreto, sendo certo que não há qualquer razão para particularizar cada uma das penas, uma vez que os bens jurídicos violados são exatamente equivalentes. Figueiredo Dias [48] propõe um critério de determinação da medida da pena que se nos apresenta como o mais consentâneo com o disposto nos artigos 40º e 71º da atual versão do Código Penal Português. Entende que as finalidades de aplicação de uma pena residem, primordialmente, na necessidade de tutela dos bens jurídicos, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida (prevenção geral positiva ou de integração), e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Este entendimento, aliás, encontra expresso acolhimento nos nºs 1 e 2 do artigo 40.º da versão do Código Penal emergente da reforma de 1995. É a estes vetores que se deve atender para a determinação da medida concreta da pena, tal como o fez, por exemplo, o S.T.J., em acórdão de 24/05/1995, publicado na Col.Jur./S.T.J., ano III, tomo II, página 210. Assim, continuando a seguir Figueiredo Dias [49], importa encontrar uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. Abaixo dessa medida, é possível encontrar outros pontos em que aquela tutela é ainda efetiva e consistente. Isto até se atingir um limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Entre aquela medida ótima de tutela dos bens jurídicos e este limiar mínimo, atuam pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. A culpa, por seu turno, constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, sendo certo que, atualmente, a doutrina e a jurisprudência entendem que, no juízo de culpa, deve predominar a culpa pelo facto. Escreve-se, a este propósito, no acórdão da Relação de Coimbra de 17/01/1996 [Col.Jur., ano XXI, tomo I, página 40 [50]], na esteira da orientação doutrinal defendida por Anabela Miranda Rodrigues [51]: “parte-se, assim, de uma conceção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta”; e “o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico.” Para aferir do grau das exigências de prevenção que, no caso, se fazem sentir e da medida da culpa, importa, como já se deixou aflorado, atender aos fatores exemplificativamente positivados de determinação da medida da pena. Estes fatores são enumerados, de modo não exaustivo, no nº 2 do artigo 71º do Código Penal. In casu, os fatores a ponderar são, fundamentalmente, os seguintes: - o grau de ilicitude, que deve considerar-se médio; - o grau de violação dos deveres impostos ao arguido, enquanto motorista profissional, é relevante; - as necessidades de prevenção geral positiva mostram-se, como já foi dito, bastante evidentes, atendendo a que urge pôr travão à quotidiana perda de vidas por acidentes estradais; - a culpa, apesar de se situar no âmbito da negligência inconsciente, revela-se, ainda assim, considerável, dada a importância dos cuidados omitidos, sendo o arguido motorista profissional; - a inexistência de antecedentes criminais do arguido e a sua boa integração social, laboral e familiar são fatores que tornam pouco prementes as necessidades de prevenção especial; - o arguido tem uma situação económica estável, mas modesta, pois, auferindo 770 euros mensais líquidos do seu trabalho, tem a seu cargo a sua esposa e uma filha menor que se encontra a estudar. O grau de culpa, só por si, não suporta uma pena superior a 2 anos e meio de prisão. As necessidades de prevenção geral colocam a “fasquia” punitiva máxima também nos 2 anos e meio de prisão. As baixas necessidades de prevenção especial (bom comportamento do arguido, traduzido, além do mais, na inexistência de antecedentes criminais) fazem baixar a pena para 2 anos de prisão. Assim, o arguido deve ser condenado em 5 penas parcelares de 2 anos de prisão. * Na atual versão do artigo 77º do Código Penal, o legislador consagrou, para as hipóteses em que o mesmo agente tenha praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, um sistema de pena conjunta obtida através de um cúmulo jurídico.Os limites que balizam essa pena são estabelecidos no nº 2 do mesmo preceito: “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.” Temos, assim, uma moldura de concurso com um mínimo de 2 anos de prisão e um máximo 10 anos de prisão – cfr. o citado nº 2 do artigo 77º do Código Penal. Conforme resulta do nº 1 do artigo acima citado, na medida da pena única devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Não se trata, bem entendido, de uma operação de determinação da medida de pena reconduzível à usada para o achamento de uma pena isolada ou das diversas penas parcelares, cujos critérios vêm balizados no artigo 71º do Código Penal. Aplica-se aqui um critério especial que, não assumindo o rigor e a extensão pressupostos no mencionado artigo 71º, implica, ainda assim, uma adequada fundamentação, como é pressuposto pelas disposições conjugadas dos artigos 77º nº 1 e 71º nº 3 do Código Penal. Escreve Figueiredo Dias [52] que “[t]udo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (...) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.” Como já acima se referiu, a tarefa de determinação da medida da pena do concurso – não sendo, em termos legais, tão rigidamente balizada como a determinação das penas isoladas ou das penas parcelares passíveis de cúmulo jurídico – não pode ser entendida, apesar de tudo, como uma atividade isenta de regras e que dispense fundamentação. “O modelo de fixação da pena no concurso de crimes rejeita uma visão atomística dos vários crimes e obriga a olhar para o conjunto. (…) O conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão entre os factos concorrentes” [53]. Considerando os factos no seu conjunto, importa mencionar que todos os crimes em concurso foram cometidos através da mesma singular atuação. Não se pode, assim, falar sequer em pluriocasionalidade e muito menos em tendência criminosa. Justifica-se, portanto, a aplicação de uma pena única de 3 anos e 6 meses de prisão. * Como decorre da atual redação do nº 1 do artigo 50º do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Pretende-se, como diz Anabela Rodrigues [54], alcançar a socialização, prevenindo a reincidência. Para aplicação desta pena de substituição é, pois, necessário que possa concluir-se que o arguido provavelmente não voltará a delinquir. Tal conclusão tem de ser extraída de um juízo de prognose positiva que não corresponde a uma certeza, “antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga fundar” [55]. A jurisprudência tem, assim, vindo a sublinhar que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado [56]. Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a proteção dos bens jurídicos violados, refletindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta “ante et post crimen” e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infração. Assim, além de razões de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, devem ainda ter-se em conta as necessidades de prevenção geral, não tanto conexionadas com o seu efeito negativo, de pura intimidação, mas mais com o seu efeito positivo, de reforço da eficácia da norma através da aceitação da orientação sócio-cultural que nela se contém – de tal forma que a comunidade não encare a suspensão como sinal de impunidade, deixando de acreditar no sistema penal como eficaz na tutela dos bens jurídicos [57]. No presente caso, porque se trata da primeira vez que o arguido se vê confrontado com uma pena, o prognóstico sobre o seu futuro comportamento é abertamente positivo. No entanto, acentuando as exigências de prevenção geral, tem sido decidido, designadamente ao nível do S.T.J., que, em relação a acidentes de viação mortais ocorridos por culpa grave e exclusiva do condutor, convergem predominantemente fortes razões de prevenção no sentido de negar a suspensão de execução da pena [58]. Simplesmente, não obstante as exigências de prevenção geral sejam, como já se disse, fortes, não se mostra que, no presente caso, a culpa do arguido, além de grave, seja também exclusiva. Porém, uma vez que existe o perigo de o arguido não se sentir suficientemente alertado para os perigos envolvidos por este tipo de comportamentos, vê-se conveniência na subordinação da suspensão à observância de deveres/regras de conduta, nos termos previstos no nº 2 do artigo 50º do Código Penal e dos artigos 51º e 52º do mesmo diploma. Sendo o prazo de suspensão, obrigatoriamente, igual ao da pena única (nº 5 do artigo 50º), mostra-se inteiramente adequado que se condicione a mesma à obrigação de o arguido, durante o prazo de suspensão, frequentar ação de formação da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) – Reabilitação de condutores infratores – vertente criminal, ministrado em sábados, cujo modo de acesso pode ser consultado em www.prp.pt. * E) Pedidos cíveis – recurso da seguradoraConforme já acima demos notícia, o tribunal recorrido decidiu julgar os pedidos de indemnização civis deduzidos por “E…, Lda.” e “G…, Ldª” contra a Companhia de Seguros F…, SA”, parcialmente procedentes, por parcialmente provados, condenando a demandada a pagar às identificadas demandantes as quantias que se viessem a liquidar em decisões ulteriores, reduzidas em 30%, a título de indemnizações referentes aos danos emergentes e lucros cessantes resultantes “direta e necessariamente” da perda repentina da prestação laboral dos seus trabalhadores falecidos e ainda “da privação do uso da viatura ‘Peugeot …’”, por força do sinistro referido nos autos, com os limites globais dos pedidos. Contra tal se insurgiu a demandada seguradora, alegando, em primeira linha, no recurso que interpôs, que os danos reflexos ou indiretos que extravasem a previsão dos artigos 483°, 495° e 496° do Código Civil (e, em casos excecionais, as situações avulsas expressamente previstas na lei) não são indemnizáveis, devendo, por isso, improceder as pretensões indemnizatórias das sociedades demandantes. Apreciemos esta pretensão recursória. A pergunta básica e essencial que deve ser respondida neste contexto é a seguinte: à luz do direito constituído e da doutrina que sobre tal tema se tem debruçado, poderão as requerentes cíveis ser consideradas como lesadas, para efeito de serem indemnizadas no âmbito da responsabilidade civil extracontratual? O nº 1 do artigo 483º do Código Civil – ao estipular que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger direitos alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação – visa tutelar, fundamentalmente, os direitos subjetivos absolutos e os direitos familiares com eficácia absoluta, pois os direitos de crédito vêm tratados no capítulo da responsabilidade contratual [59]. Por sua vez, o artigo 495º do mesmo diploma contém a previsão legal expressa dos casos em que é devida indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal. No seu nº 1, este artigo particulariza a responsabilização do lesante, em caso de morte do lesado, pelas despesas feitas para salvar este e para lhe proporcionar os devidos serviços fúnebres (“sem excetuar as despesas de funeral”). O nº 2 do mesmo artigo especifica as pessoas ou entidades que têm direito a ser indemnizadas diretamente pelo lesante, por terem socorrido ou contribuído para o tratamento ou assistência da vítima, seja em caso de morte, seja de lesão corporal. Finalmente, o nº 3 do citado artigo estipula expressamente o direito de indemnização daqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. A economia destes preceitos do Código Civil parece ser elucidativa não só de quem, para além do lesado, pode exigir do lesante a indemnização de danos ou de despesas (e de que despesas), como de quem deve considerar-se lesado e credor de ressarcimento por danos extracontratuais. Ainda dúvidas se suscitassem, Pires de Lima e Antunes Varela [60] esclarecem que “o disposto no nº 3 constitui uma exceção ao princípio segundo o qual só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal tem direito a indemnização, e não os terceiros que apenas reflexa ou indiretamente sejam prejudicados”. Mais desenvolvidamente, também Vaz Serra, in B.M.J. nº 86, designadamente a páginas 114 e seguintes, se debruça sobre este tema. Assim, a página 114, escreve: “Na hipótese da chamada responsabilidade extracontratual, a indemnização só abrange, em princípio, o interesse do titular do bem que a lesão afeta imediatamente e não o de terceiro que indiretamente for prejudicado”. A página 116, reforça esta ideia dizendo: “A regra é, como se viu, que o direito de indemnização cabe apenas àquele contra quem o ato ilícito foi praticado e não a terceiros mediatamente prejudicados”. E, a páginas 120-121, em excurso pelo direito comparado (mais especificamente o italiano) e citando De Cupis [61], transcreve: «só o interesse à própria vida, à própria integridade física, à própria honra é tutelado diretamente, de modo a ser ressarcível o respetivo dano», sem o que «o ressarcimento atingiria uma extensão excessiva». E, mais adiante, “observa que destes princípios resulta que só as pessoas indicadas têm direito de indemnização jure próprio (não o tem, por exemplo, a identidade que, pela morte de um seu empregado, tem o dano de se ver privado dos serviços deste…)”. Enfim, como se verte no parecer da Procuradoria-Geral da República de 31 de outubro de 1969 [62] “a doutrina afirma e as leis consagram, em matéria de responsabilidade civil (…), o princípio de que só tem direito a ser indemnizado pelo obrigado à indemnização o titular do direito imediatamente afetado pelo facto danoso, não merecendo proteção legal os interesses de terceiros que indiretamente sofreram prejuízos”. Importa ainda salientar a anotação de Antunes Varela ao mesmo parecer [63], nesta parte concordante, quando escreve: “A regra consiste, rigorosamente, em não incluir na obrigação de indemnizar os danos sofridos indireta ou reflexamente por terceiro, limitando a reparação a cargo do lesante ou da pessoa onerada pelo risco aos danos causados ao titular do direito ou interesse ofendido. Este princípio é considerado válido não só para o domínio da responsabilidade extra contratual, como âmbito da responsabilidade contratual, apontando os autores para os excessos injustificáveis a que a solução contrária nos conduziria no cálculo da indemnização (…)”. Após este enquadramento doutrinal clarificador do sentido do direito aplicável ao caso, cabe aqui lembrar que as demandantes civis formularam pedidos que, em suma, encontrariam o seu alegado fundamento nos prejuízos que a morte das vítimas – seus empregados e, mesmo, num caso, sócio gerente da demandante E… – indireta ou reflexamente lhes causaram ou viriam a causar. A admitir-se um tal alargamento aos danos indiretos ou reflexos, aberta estaria a porta para que todos os terceiros que se sentissem lesados com a morte das vítimas (e não apenas os que a lei expressamente ressalva) pudessem aderir à acusação pública: o barbeiro ou o merceeiro que perderam os seus clientes e os réditos que os mesmos lhes trariam, o clube de caça que perdeu o seu sócio e o valor das respetivas quotas, et cetera…. Anote-se, ainda, que as requerentes cíveis, arvorando em causa de pedir o acidente, chegaram ao ponto de virem peticionar ao presente processo criminal os danos que lhes foram causados pela inutilização do veículo em que seguiam as vítimas. É indiscutível que, nesta parte, sempre se teriam que considerar como lesadas diretas, não se pondo em causa que possam deduzir contra a(s) seguradora(s) do(s) lesante(s) as respetivas ações cíveis tendentes ao seu ressarcimento. Simplesmente, há longos anos que inexiste o crime de dano negligente ou meramente culposo, pelo que lhes estava absolutamente vedada a adesão a um processo criminal cujo objeto principal é constituído por crimes de homicídio negligente (cfr. artigo 71º do Código de Processo Penal). Parece-nos, assim, de meridiana evidência que a decisão recorrida, tangentemente aos pedidos cíveis formulados nos autos, carece de qualquer fundamento legal, merecendo, por isso, provimento o recurso interposto pela seguradora. * Uma vez que os pedidos cíveis devem improceder, carece de interesse a questão subsidiária de saber qual a proporção das responsabilidades dos condutores dos veículos intervenientes no acidente e, decorrentemente, qual a proporção da responsabilidade da demandada, enquanto seguradora.* III – DECISÃO Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em: 1. Julgando parcialmente provido o recurso interposto pelo arguido B…, revogar parcialmente o acórdão recorrido, e consequentemente: a) condenar o arguido, como autor material de 5 (cinco) crimes de homicídio por negligência previstos e punidos pelo nº 1 do artigo 137º do Código Penal, em 5 (cinco) penas parcelares de 2 (dois) anos de prisão (cada uma); b) efetuando o cúmulo jurídico das aludidas penas, condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 (três) anos e 6 (seis) meses, condicionando tal suspensão à obrigação de o arguido frequentar, no prazo de um ano, ação de formação da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) – “Reabilitação de condutores infratores - vertente criminal”, ministrado em sábados, cujo modo de acesso pode ser consultado em www.prp.pt; 2. Julgando totalmente procedente o recurso da demandada cível Companhia de Seguros F…, S.A., absolvê-la integralmente dos pedidos formulados pelas requerentes cíveis “E…, Lda.” e “G…, Lda.”. * Sem custas, na parte criminal – nº 1 do artigo 513º (a contrario sensu) do Código de Processo Penal.Custas cíveis a cargo das demandantes. * Porto, 16 de outubro de 2013Vítor Morgado Raul Esteves ________________ [1] Nesta sede o tribunal não toma posição quanto à matéria de facto conclusiva e/ou de direito constante da acusação, dos PICs e das contestações, que assim é expurgada dos factos provados e não provados. [2] E isto porque antes cortou o fornecimento de corrente ao veículo no corta-corrente. [3] Nalgumas fotos constantes do “Relatório Fotográfico” de fls 115 e ss. ainda se vislumbram algumas das vítimas na viatura “Peugeot …”, antes de terem sido retiradas pelas equipas de socorro (cfr. fls 140). [4] Cfr. a fotocópia da fotografia da tampa desse compartimento, a folha 581 verso. [5] Referiu ainda que o corta-corrente estava na posição de desligado e que voltou a ser ligado. Mas, nesta parte, à cautela, o tribunal não valorou o respetivo depoimento, por poder ser considerado depoimento indireto, sendo certo que a testemunha em causa não conseguiu identificar a pessoa que lhe revelou esse facto – cfr. artº 129º, nº 1, do CPP. Não é, porém, linear que informações recolhidas no local pelas autoridades se possam subsumir à previsão do artigo 129º do CPP. [6] É mecânico e costuma reparar o veículo pesado referido nos autos. Aliás, no dia 21.01.2010 havia reparado a caixa de velocidades daquele veículo (cfr. documento de fls 306). [7] Veja-se que o arguido não a posicionou o mais à direita possível, junto aos rails, conforme deu a entender, o que denota claramente que a viatura imobilizou-se quase de imediato, quando mais uma vez se registou aquela anomalia (cfr. o “Relatório Fotográfico”, em particular a fotografias de fls 131 e a medição efetuada no croqui de fls 107). [8] Veja-se que o interruptor das luzes é rotativo, o que afasta qualquer hipótese de, por descuido do arguido, ter-se desligado, conforme aliás estava aquando da reportagem fotográfica (cfr. foto de fls 152, tirada cerca de 2 horas depois do acidente). [9] Dado o ano da viatura, não era possível verificar qualquer registo de anomalia do corta-corrente, como sucedeu com o pedal do acelerador, segundo o Sr. perito. Certo é que o corta-corrente foi desligado e ligado três vezes – justamente para ultrapassar a anomalia do pedal do acelerador aquando do teste da viatura pelo Sr. perito - e funcionou normalmente. [10] Ignora-se a que velocidade seguia o pesado (pois ninguém o referiu), mas não é difícil imaginar que seguia lentamente, pois ia com carga e a subir. Ora, quanto mais lenta for a marcha e maior for o rodado, menor será a trepidação provocada pelo mau piso da via, por uma “falta de estrada” ou junta de dilatação. Não se vê assim como é que o corta-corrente (que funcionava normalmente no mesmo dia aquando do teste da viatura pelo Sr. perito), devido a trepidação, pudesse de alguma forma misteriosa ter cortado a energia à viatura. [11] Não estamos seguros de que tenha sequer encetado qualquer desvio para esquerda, ainda que pequeno. [12] Ali parte-se do pressuposto de que o ligeiro de passageiros, momentos antes do embate, circulava na via central e que entretanto havia mudado para a faixa mais à direita. Tal facto não foi referenciado pela testemunha H… na audiência de julgamento, mas declarou-o às autoridades policiais (cfr. o auto de participação de acidente de viação) e à seguradora do “Peugeot” (“Companhia de Seguros O…, SA”) no respetivo processo de averiguações. [13] Mesmo um condutor diligente, a uma velocidade na casa dos 120 km/h., não deixaria de ter sido surpreendido pelo pesado, o qual, relembra-se, estava com as luzes completamente apagadas. Mesmo considerando os refletores de que dispunha a viatura nas óticas do semirreboque e placa refletora alertando para “veículo longo”, não seria facilmente discernível por um condutor atento que se trataria de um veículo (a via descreve uma ligeira curva à direita e aquele reflexo poderia ser confundido com sinalização estática vertical) e muito menos um veículo parado, daí que sempre demandaria algum tempo de reação, pelo que a viatura ligeira de mercadorias provavelmente sempre avançaria mais do que os 51 metros considerados a fls. 897, página 40 do “Relatório Técnico”, antes do respetivo condutor se ter apercebido do obstáculo e na hipótese de exercer de forma atenta a condução. Veja-se que o refletor que alerta para “veículo longo” tem uma visibilidade prejudicada pela carroçaria do semirreboque – que tapa em parte a zona superior desse painel refletor -, conforme se percebe da análise, por exemplo, das fotografias de fls. 121 e 870. Parece-nos assim algo precipitada a conclusão expressa a fls. 896, página 39 do “Relatório Técnico”. Como tal, parece-nos ainda que demandaria mais algum tempo de perceção do obstáculo e inerente reação, pelo que dificilmente a testemunha H… poderia divisar com clareza o obstáculo antes dos 75 metros de distância e, em face dessa perceção, agir em conformidade (em pouco mais de dois segundos), desviando para a esquerda a trajetória do ligeiro de mercadorias que conduzia, por forma a evitar a colisão, o que, apesar de tudo, entende-se ter sido possível. [14] Na audiência de julgamento visualizou-se a gravação a que aludem os fotogramas de fls 891 a 896 (a viatura em que seguia a testemunha AC… aquando da gravação dessas imagens circulava a uma velocidade de 90 km/h – percorrendo assim uma distância de 25 metros por segundo -, conforme referiu. Relembra-se que a “Peugeot …” seguia a uma velocidade situada na casa dos 117/124 km/h (a 120 km/h percorreria 33,3 metros por segundo. Isto é, a uma velocidade de 120 km/h, o ligeiro de mercadorias teria percorrido os 150 metros em cerca de 4,5 segundos). [15] Será por isso que na participação do acidente (cfr. fls 102) é referido que essa viatura pertence à “N…, SA”. A demandante “E…” podia e devia ter junto cópia desse contrato e apresentar prova documental quanto ao número de rendas pagas, mas não o fez. [16] Com exceção do documento de fls 697, são todos da lavra das demandantes e que bem poderiam estar redigidos em papel higiénico. Mesmo a cópia da fatura de fls 723 e 724 não está sequer assinada (trata-se de uma suposta cópia imprimida) e os demais documentos têm uma “assinatura” curiosa (não é feita manualmente). [17] Tal decorre, desde logo, do disposto, conjugadamente, no nº 1 do artigo 412º nos nºs 3 e 4 do artigo 417º do Código de Processo Penal. Ver também, nomeadamente, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, III, 3ª edição (2009), página 347 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (por exemplo, os acórdãos do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, página 196, e de 4/3/1999, CJ/S.T.J., tomo I, página 239). [18] Neste sentido, de que haverá nulidade por falta de fundamentação, sujeita ao regime do artigo 120º ou do artigo 379º nº 2 do CPP, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, Almedina, 17ª edição, página 418, [19] O acórdão do Plenário das secções criminais do S.T.J. de 19/10/1995, proferido no processo nº 46.580/3ª, publicado no D.R., I-A série, de 28 10/1995, fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal pelo tribunal de recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito. [20] Em idêntico sentido, veja-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal (…), 4ª edição, UCE, páginas 1080-1081. [21] Neste exato sentido, ver o acórdão do S.T.J. de 29/2/1996, in BMJ 454º-531 e seguintes. [22] Curso de Processo Penal, volume III, 3ª edição, página 336. [23] Vejam-se, por exemplo, os acórdãos do S.T.J. de 15/4/1998, in B.M.J. nº 476, página 82, e de 24 de Março de 2004, proc. nº 03P4043 (este relatado por Henriques Gaspar) . [24] Assim, veja-se o acórdão do S.T.J. de 17/12/1997, in B.M.J. 472º-497. Semelhante formulação adota Germano Marques da Silva, no seu já citado Curso de Processo Penal, volume III, 3ª edição, página 336, para quem “erro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta”. [25] Conforme se pode ler no Ac. R. de Évora de 12/03/2008, Proc. nº 2965/07-1 (relator: Martinho Cardoso), em www.dgsi.pt, quando pretende impugnar um facto específico, o recorrente tem que individualizar concretamente quais são as particulares passagens onde ficaram gravadas as concretas frases do universo das declarações prestadas que se referem ao ponto impugnado – e não indicar de forma global o teor das declarações prestadas pelas várias testemunhas (assistentes ou arguidos), prejudicando ou inviabilizando até o exercício legítimo do contraditório por parte dos sujeitos processuais interessados no desfecho do recurso, que assim irão ser confrontados com dezenas ou até centenas de minutos ou horas de gravações até descobrirem, se o conseguirem e se elas efetivamente existirem, as concretas passagens das declarações em que o recorrente presumivelmente se terá baseado para impugnar um determinado facto. [26] Publicado no DR, I série, nº 77, de 18/4/2012. [27] Que nenhuma das inúmeras fotografias do local, existentes nos autos, indicia e de que nenhuma testemunha fala. [28] A este propósito, veja-se Cristina Líbano Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997. [29] Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª edição, páginas 184-185. [30] Direito Penal Especial, Coimbra, 2004, página 95. [31] Veja-se, neste sentido, acórdão da Relação de Évora de 19/11/1991, in C.J., 1991, Tomo V, página 260. [32] No acórdão do S.T.J. de 19/5/1994, proferido no processo 46.279/3ª (citado por Maia Gonçalves, Código Penal anotado, 18ª edição, página 544), chega mesmo a exigir-se que a falta de observância dos deveres gerais de cautela seja tão grave “que a sua ilicitude fique no meio caminho entre o dolo eventual e a negligência consciente”, o que parece ser inaceitável, na medida em que se pretenda, em tese, negar a possibilidade de se agir com negligência grosseira em casos de negligência inconsciente. Como se extrai de Faria Costa, a folhas 95-96 da obra já citada na nota 30 (Direito Penal Especial), a negligência grosseira não é incompatível com a ocorrência da imprevisão subjacente à negligência inconsciente, podendo “coabitar” quer com a negligência consciente quer com a inconsciente. [33] Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 21/4/2010, recurso nº 3089/09.8TALRA.C1, relatado por Mouraz Lopes, acedido em www.dgsi.pt. [34] Isto (como já aludido na apreciação da parte fáctica do recurso) independentemente da negação de tal conhecimento pelo seu legal representante e da ocultação dessas reais dificuldades pelo próprio arguido, que, compreensivelmente, terá querido proteger o seu posto de trabalho. [35] 13. In “Crimes Rodoviários, Pena acessória e medidas de segurança”, ed. Universidade Católica, 1996, página 52. [36] Num outro registo secundário e quase marginal, poderá ainda referir-se que, tendo o veículo ligeiro capacidade para apenas 7 pessoas e transportando oito, uma delas tinha que, forçosamente, seguir sem cinto de segurança, sendo até conjeturável que todas as cinco que seguiam no banco de trás o não usassem, por falta de espaço. Ora, a diferença entre usar ou não o cinto de segurança pode significar que um ou outro dos ocupantes que pereceu se pudesse ter salvo. [37] Para usar as palavras de Faria Costa, Direito Penal Especial, obra já repetidamente citada, página 94. [38] A esta questão consagra, verdadeiramente, apenas uma conclusão (de entre as 131 que formula no seu recurso), onde alegou: “CCCC. E [o tribunal errou] ainda mais, porque acolheu a tese injusta da pluralidade em detrimento da tese da unidade das infrações, tratando-se de acidente, razão pela qual nos parece a mais adequada ao caso, tanto mais que foi o tribunal que declarou simultaneamente o arguido culpado pelo cometimento dos crimes por negligência grosseira e na figura da negligência inconsciente”. [39] Em Direito Penal Português, 1982, II, página 200. [40] In Lições de Direito Penal, Editorial Verbo, 2ª edição, 1987, páginas 381-382. [41] Em Direito Penal, Parte geral, Tomo I, Questões fundamentais, A doutrina geral do crime, 2ª edição (reimpressão), páginas 981-982. [42] Note-se que tal acórdão, relatado por Henriques Gaspar, bem como o extenso voto de vencido lavrado por Raul Borges, foi também publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 141.º, n.º 3970, com anotação concordante do Prof. Dr. Faria Costa. [43] “Responsabilidade pela conduta negligente com pluralidade de eventos – unidade e pluralidade de crimes”, estudo inserido na obra coletiva “Problemas fundamentais de Direito Penal, Colóquio Internacional de Direito Penal em homenagem a Claus Roxin”, Universidade Lusíada Editora, 2002, páginas 141-154. [44] No seu trabalho “Negligência, unidade de conduta e pluralidade de eventos”, publicado na Revista do Ministério Público, ano 18º, 1997, nº 71. [45] No seu trabalho “Processo ‘Hemodiálise de Évora’: Pluralidade de ofendidos em resultado da violação de um dever de cuidado – unidade ou pluralidade de infrações”, publicado na Revista do Ministério Público, ano 19º, Out/Dez de 1998, nº 76páginas 101 a 178, designadamente a página 151. [46] Comentário do Código Penal (…), Universidade Católica Editora, 2ª edição, páginas 158-159. [47] Direito Penal Português, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §557, páginas 363-364. [48] Fundamentalmente, na obra Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993. Vejam-se, sobre esta questão da medida da pena, designadamente, páginas 227 e seguintes. [49] Obra e local citados na nota anterior. [50] Relatado por Oliveira Mendes. [51] In A determinação da medida da pena privativa da liberdade, páginas 478 e seguintes. [52] Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, página 291. [53] Com esta formulação, veja-se o acórdão do S.T.J. de 27/6/2012, proferido no processo nº 70/07.0JBLSB-D.S1, relatado por Henriques Gaspar, atualmente consultável em www.dgsi,pt. [54] In A posição jurídica do recluso, páginas 78 e seguintes. [55] Ver o acórdão do S.T.J. de 13/05/2009, in C.J./S.T.J., ano XVII, tomo II, página 220. [56] Acórdãos do S.T.J. de 9/1/2002, recurso n.º 3026/01-3.ª, acedido in www.dgsi.pt, e de 18/10/2007, recurso n.º 3185/07, acedido em www.colectaneadejurisprudência.com. [57] Com idêntico entendimento, ver ac. da Rel. do Porto de 6/3/2013, recurso nº 425/12.9PDPRT.P1, relatado por Francisco Marcolino, acedido em www.dgsi.pt. [58] Vejam-se, neste sentido, por exemplo, o acórdão do S.T.J. de 5/2/1997, in B.M.J. nº 464, página 176 e o já acima citado acórdão de 13/7/2011, publicado na Col. de Jurisprudência/S.T.J., ano XIX, tomo II/2011, páginas 210-224.. [59] Ver Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, 4ª edição, página 472. [60] Obra citada na nota anterior, página 498. [61] Il danno, páginas 293 e seguintes. [62] Publicado in B.M.J. 196º, 161, mas também na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103º, nº 3421, páginas 245 e seguintes, com anotação de Antunes Varela, a folhas 251 e seguintes. [63] R.L.J., ano e número citados, página 250, nota 1 da 2ª coluna. ________________ Sumário (do relator): 1. Conduzindo o arguido camião carregado que se imobiliza o mais possível à direita em subida de AE, por avaria eletrónica no acelerador, e só pode reatar a marcha se desligar todo o sistema elétrico e, ao desligá-lo, é embatido por carrinha que transportava 8 trabalhadores, falecendo 5 deles, havendo concorrência de culpas, comete 5 crimes de homicídio negligente simples. 2. A pena de prisão de 3 anos e 6 meses em que o arguido é condenado admite suspensão da sua execução, embora condicionada à frequência de ação de formação da PRP. 3. Não podem as sociedades empregadoras das vítimas mortais deduzir pedidos cíveis por danos indiretos que terão sofrido em consequência daquelas mortes, pois os danos reflexos ou indiretos que extravasem a previsão dos artigos 483°, 495° e 496° do Código Civil não são ressarcíveis, devendo, por isso, improceder as pretensões indemnizatórias das sociedades demandantes. Vítor Morgado |