Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
852/21.0T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUÍSA LOUREIRO
Descritores: CLÁUSULA DE RESERVA DE PROPRIEDADE
RESERVA DE PROPRIEDADE A FAVOR DE TERCEIRO
SUB-ROGAÇÃO
Nº do Documento: RP20240404852/21.0T8STS.P1
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A cláusula de reserva de propriedade visa assegurar o pagamento do preço, sendo a propriedade utilizada com função de garantia; a sua transferência fica sujeita a uma condição potestativa a parte debitoris.
II - A estipulação de uma cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro financiador não está abrangida pela letra ou pela ratio do art. 409.º do Cód. Civil. Esta estipulação é violadora do disposto nos arts. 604.º, n.º 2, 694.º e 1306.º, n.º 1, do Cód. Civil.
III - A declaração sub-rogatória na reserva de propriedade visa defraudar o numerus clausus previsto nos arts. 604.º, n.º 2, e 1306.º do Cód. Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 852/21.0T8STS.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo Local Cível de Santo Tirso – Juiz 1



Recorrente(s) A..., S.A.
Recorrido(a/s) Massa Insolvente de B..., Unipessoal, L.da



Sumário
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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:


I. Relatório

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

Massa Insolvente de B..., Unipessoal, L.da, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra A..., S.A., pedindo que seja “declarada nula a cláusula de reserva de propriedade a favor de 321 CRÉDITO (…) que incide sobre a viatura (…) com a matrícula ..-PJ-.. e ordenado o cancelamento do respetivo registo junto da competente conservatória do registo automóvel (…)”.
Para tanto, alegou que a insolvente adquiriu uma viatura, com recurso a financiamento por uma instituição de crédito. No âmbito do contrato de mútuo, foi constituída uma reserva de propriedade a favor do terceiro financiador, ora ré. A ré nunca foi titular da propriedade reservada, pelo que a cláusula que estabelece a reserva é nula.

Citada, a ré contestou, defendendo-se por exceção (abuso do direito) e por impugnação.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação procedente, concluindo nos seguintes termos:
(…) declara-se a nulidade da cláusula de reserva de propriedade a favor de A..., S.A., que incide sobre a viatura de marca Peugeot, modelo ..., com a matrícula ..-PJ-...
Mais se determina o cancelamento do respetivo registo junto da competente conservatória do registo automóvel e inscrita a respetiva propriedade, sem quaisquer ónus.

Inconformada, a ré apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
w) A constituição de reserva de propriedade a favor da mutuante é válida, tendo em conta o atual contexto macroeconómico e acima de tudo o papel desempenhado pelas financeiras e mutuantes que, permitem a aquisição de bens de consumo. (…)
vv) Cremos que esta questão se poderá ultrapassar recorrendo ao princípio fundamental do regime dos contratos – o Princípio da Liberdade Contratual – cfr. artigo 405.º do Código Civil. (…)
yy) Assim, à luz deste princípio basilar do regime dos contratos, não se vislumbra qualquer obstáculo legal a que o alienante possa transferir um direito que é seu para a esfera jurídica de terceiro, neste caso a Financeira, no âmbito do contrato tripartido.
zz) Se o alienante pode reservar para si a propriedade da coisa como garantia do cumprimento das obrigações do comprador, também pode transferir esse direito para terceiro, precisamente aquele que lhe retirou o risco do negócio que celebrou.
aaa) Este entendimento encontra pleno acolhimento no artigo 591.º do Código Civil. (…)

II. Objeto do recurso

A única questão a tratar prende-se com a validade da cláusula de reserva de propriedade constituída a favor de terceiro financiador, no atual ordenamento jurídico português.
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III. Fundamentação

Factos provados conforme decidido pelo tribunal ‘a quo’

A. B..., Unipessoal, L.da, (…) insolvente (…) celebrou com a ré em 8 de junho de 2017, contrato de mútuo destinado ao financiamento para aquisição da viatura de marca Peugeot, modelo ..., com a matrícula ..-PJ-...
B. Tendo sido fixado que a quantia mutuada no montante global de € 13 350,00, seria paga em 72 prestações, mensais, sendo o custo total do mútuo, a reembolsar à ré de € 17 515,40.
C. Foram ainda, estipuladas garantias de pagamento que consistiram na aceitação de livrança em branco, pessoalmente avalizada pela então, gerente da insolvente, com autorização de preenchimento da mesma, bem como, acessoriamente, reserva de propriedade a favor da ré, sobre o identificado veículo, até integral pagamento do efetivo custo da quantia mutuada.
D. Nessa data, o referido veículo foi vendido à insolvente, por C..., L.da, (…) tendo esta, recebido de imediato, o respetivo preço.
E. Atento o processo de insolvência, a insolvente, deixou de proceder ao pagamento das prestações devidas à ré e o veículo foi objeto de apreensão para a massa insolvente, aqui autora.
F. Tendo sido elaborado o auto de inventário pelo administrador de insolvência, bem como o respetivo auto de apreensão de bens móveis, no qual o veículo automóvel em causa, foi descrito na verba n.º 29.
G. Após a apreensão do veículo não foi instaurada qualquer ação de restituição ou a sua separação da massa insolvente.
H. A ré reclamou nos autos de insolvência referidos, o crédito de que é titular por via do incumprimento deste contrato, pela insolvente, tendo-lhe sido reconhecido e graduado no lugar que lhe compete e de natureza comum, pelo montante de € 8 542,15.
I. A ré recusa o levantamento da reserva de propriedade que sobre a veículo, instituiu a seu favor.
J. Esta recusa, impede a autora de vender o veículo sem qualquer ónus, no âmbito da liquidação da massa insolvente.
K. A A..., S.A., no exercício da sua atividade, financia a aquisição de bens de consumo duradouros.
L. A sociedade mutuária B... apenas liquidou as trinta e nove prestações.
M. No dia 23 de outubro de 2020, o administrador de insolvência apresentou nos autos o relatório a que alude o artigo 129.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas e os anexos que acompanhavam o mesmo, apesar de não se pronunciar concretamente sobre a intenção de cumprir ou não o contrato de financiamento, reconheceu à aqui contestante o valor de €8.542,15, dos quais €8.285,03 sob condição.
N. Uma vez que não se pronunciou expressamente sobre o cumprimento ou não do contrato de financiamento, a aqui contestante apresentou um requerimento nos autos de insolvência, onde requereu expressamente ao tribunal que notificasse o Exmo. Sr. Administrador de Insolvência para vir informar se pretendia cumprir com o contrato de financiamento, o que não informou.
O. Pese embora o tribunal por despacho de 12 de novembro tenha ordenado a notificação administrador de insolvência para se pronunciar sobre o requerido, a verdade é que o mesmo, apresentou um requerimento nos autos a alegar que a reserva de propriedade a favor da aqui contestante é nula e que, havia constituído mandatário para requerer a nulidade da garantia prestada a favor da 321 Crédito.
P. Por despacho proferido em 26 de novembro de 2020, o tribunal proferiu despacho ordenando que os autos aguardassem a instauração da presente ação.
Q. O valor atribuído pelo administrador de insolvência no auto de inventário é de €4.250,00

Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:
1. A constituição de reserva de propriedade a favor do financiador
1.1. Os termos da questão
1.2. Confronto com a reserva de propriedade em sentido próprio
1.3. A estipulação de um direito real de garantia
1.3.1. A preferência
1.3.2. A possibilidade de o credor haver para si a coisa onerada
1.3.3. Violação da proibição do pacto comissório
2. A sub-rogação do financiador nos direitos do vendedor
2.1. A sub-rogação na reserva de propriedade
2.2. A sub-rogação do financiador nos direitos do vendedor
3. Conclusão
4. Responsabilidade pelas custas

1. A constituição de reserva de propriedade a favor do financiador

1.1. Os termos da questão

A questão a apreciar nesta apelação tem vindo a ser discutida há perto de duas décadas, tanto jurisprudencialmente, como pela doutrina. Encontra-se exaustivamente tratada, designadamente, no recente Ac. do TRG de 11-05-2023 (1683/23.9T8BRG.G1) ou, mais distantemente, em Paulo Ramos de Faria, «A reserva de propriedade constituída a favor de terceiro financiador», Julgar, n.º 16, Janeiro-Abril, 2012, pp. 13 a 43, acórdão e artigo que seguiremos de perto, citando repetidamente (transcrevendo), sem outra menção de proveniência.

1.2. Confronto com a reserva de propriedade em sentido próprio

Inserida nas condições gerais de contratos de mútuo para financiamento da aquisição de bens de consumo, surge com frequência uma cláusula de reserva de propriedade constituída a favor do mutuante – sustentando ser tal cláusula inadmissível, v. Fernando de Gravato Morais, Contratos de Crédito ao Consumo, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 299 a 309, Paulo Ferreira Duarte, Contratos de concessão de crédito ao consumidor, dissertação de mestrado inédita, Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito, 2000, p. 193, e Paulo Ramos de Faria, «A reserva de propriedade constituída a favor de terceiro financiador», Julgar, n.º 16, Janeiro-Abril, 2012, pp. 13 a 43 (o segundo estudo pode ser encontrado depositado na biblioteca universitária respetiva). Dando por adquirido que a designação atribuída pelas partes a uma estipulação negocial não é decisiva para a sua qualificação jurídica, podemos assentar, considerando a análise do instituto já feita, que a cláusula dita de “reserva de propriedade”, estipulada, sem mais, a favor da entidade financiadora da aquisição, não retrata a relação jurídico-material descrita na facti-species do art. 409.º, n.º 1, do Cód. Civil. A estipulação de uma cláusula de reserva de propriedade a favor de quem nunca foi titular da propriedade não encontra cobertura legal expressa no artigo citado, sendo essa estipulação insuscetível de passar no crivo do silogismo jurídico. Quem não é titular do direito não pode reservar para si tal titularidade.
Mas não é apenas a letra da lei que impede esta estipulação. Considerando a ratio da consagração legal da reserva de propriedade, se esta supre a inexistência de um penhor sem desapossamento, carece de justificação a sua estipulação por uma instituição de crédito (a quem já está franqueado este tipo de penhor). Do mesmo modo, se a cláusula de reserva de propriedade preserva o direito de resolução (face ao art. 886.º do Cód. Civil), não é ela necessária no contrato de mútuo.
Diferentes esquemas obrigacionais têm sido ensaiados, sempre com o intuito de permitir ao financiador adquirir os direitos que assistem ao titular da reserva de propriedade.
a) Casos há em que a reserva é clausulada no contrato de compra e venda, a favor do vendedor, ficando a transferência da propriedade condicionada ao integral cumprimento do mútuo. Não é clara a construção desta “reserva de propriedade alargada”, que leva a que o titular da garantia proporcionada pela reserva não seja o titular do crédito garantido. Na economia do contrato de alienação, esta cláusula não tem qualquer utilidade direta para o vendedor (o interesse do vendedor poderá residir na circunstância de integrar o mesmo grupo empresarial do mutuante). Também no âmbito do mútuo, a utilidade da cláusula é questionável. Se esta estipulação impede que o bem financiado integre o património do devedor, também obsta a que o mutuante o possa executar para satisfação do seu crédito. Por outro lado, não tendo o vendedor titular da reserva fundamento para resolver o contrato de compra e venda, que foi cumprido, nunca se poderá desfazer o negócio que legitima a posse do adquirente. Neste caso, o contrato de compra e venda, já cumprido, não terá por efeito transmitir a propriedade, sempre que o incumprimento do mútuo for definitivo. A aceitar-se este esquema contratual, estar-se-ia a aceitar que o nosso sistema jurídico admite uma venda meramente obrigacional.
Por outro lado, o inadimplente obtém um proveito injustificado: goza o bem como um verdadeiro proprietário, ao abrigo de uma compra e venda que já não pode ser resolvida; todavia, porque ainda não o é, o bem fica salvo da execução promovida pelos seus credores isto sem prejuízo de poder ser penhorada a expetativa de aquisição.
Adjetivando este acordo de fraudulento, v. Gravato Morais, Contratos, cit., p. 323 a 326. No direito alemão, a cláusula de reserva de propriedade é nula quando a transferência do domínio fica condicionada à satisfação pelo comprador de créditos de terceiros (§ 449/III do BGB). Este já vinha sendo o entendimento da doutrina alemã, antes mesmo de a lei o ter positivado v. Stefan Leible, «La reserva de dominio en el derecho alemán», RDP, Abril, 1999, pp. 289 e 290.
Este esquema contratual não pode ser aceite pois, na economia do instituto da reserva de propriedade, considerando a natureza do evento condicionante do efeito translativo, deve exigir-se que a certeza da sua não verificação constitua um fundamento da resolução do contrato, com base na lei v.g., o incumprimento definitivo ou fundado em cláusula contratual (art. 432.º, n.º 1, do Cód. Civil). De outro modo, poderíamos ter um contrato de compra e venda, por exemplo, integralmente cumprido insuscetível de ser resolvido por incumprimento , sem que a propriedade viesse a ser transmitida, por força de uma eventual impossibilidade de verificação da condição. Estar-se-ia a aceitar que o nosso sistema jurídico admite uma venda meramente obrigacional. O argumento não é excessivamente dogmático. Trata-se, apenas, de respeitar o disposto no art. 879.º do Cód. Civil, tendo presente que aí é empregue o adjetivo “essencial”, bem como o conteúdo típico do contrato de compra e venda, descrito no art. 874.º do Cód. Civil. Sustentando que “a reserva de propriedade não poderá deixar de ser integrada no conjunto da Ordem Jurídica que a legitime, sujeitando-se aos seus valores e às suas normas imperativas”, v. António Menezes Cordeiro, Anotação ao Ac. do STJ de 31-01-1996, ROA, 56, 1996, p. 321. Sobre a venda meramente obrigacional, v. Pedro de Albuquerque, Direito das Obrigações, Vol. I, Tomo I, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 94 a 97, e Raul Ventura, «O contrato de compra e venda no código Civil», ROA, Ano 43, Dezembro, 1983, p. 588 e segs.. Se o direito prescrever, tem aplicação o art. 304.º, n.º 3, do Cód. Civil. Esta norma prevê a extinção da última obrigação civil subsistente a obrigação de entrega. Extinto o correspondente direito do adquirente, a restituição funda-se diretamente na propriedade. Não estamos perante a tutela do sinalagma contratual, como previsto no art. 430.º do Cód. Civil, ou uma restituição fundada na condictio causa data causa non secuta (art. 473.º, n.º 2, do Cód. Civil). Se assim fosse, um mecanismo idêntico, tendente a restaurar a posição da parte que sofre a perda patrimonial, haveria de ser previsto para todos os restantes casos em que esta deixa prescrever o seu direito. O que justifica o diferente tratamento do negócio aqui previsto é, apenas, o facto de o reservatário continuar a ser titular do direito real.
b) Também já foi aceite que a cláusula de reserva de propriedade possa ser aposta no contrato de mútuo, a favor do vendedor e proprietário, apesar de este não intervir no contrato – v. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 242 e 243. Se bem a compreendemos, defendem os adeptos desta tese que os efeitos do contrato de compra e venda que não é o negócio onde foi estipulada a cláusula de reserva de propriedade não são os que resultam do acordo entre as suas partes e do disposto no art. 408.º do Cód. Civil, mas sim aqueles que foram acordados previamente no contrato de mútuo, à revelia do vendedor. Trata-se de uma tese inaceitável, como resulta, sem necessidade de mais considerações, desta última ilação.
Sustenta alguma jurisprudência que uma “interpretação actualista” do art. 409.º, n.º 1, do Cód. Civil, deve levar-nos a considerar por ele abrangida a reserva de propriedade constituída a favor do financiador – v. o Ac. do TRL de 05-05-2005 (dgsi.pt, ace. 4-11-2011, proc. 3843/2005-6). Tratar-se-ia aqui de transpor para a actualidade o juízo de valor que presidiu à feitura da lei (art. 9.º, n.º 1, do Cód. Civil), ajustando “o próprio significado da norma à evolução entretanto sofrida (com introdução de novas normas ou decisões valorativas) pelo ordenamento em cuja vida ela se integra” – João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1989, pp. 175 e segs., e 188 e segs., em especial p. 191.
O glosador só está habilitado a interpretar actualisticamente a norma quando seja possível afirmar que ocorreu uma alteração das circunstâncias jurídico-sociais presentes no momento da sua elaboração. De outro modo, a invocação do bordão da “interpretação actualista” mais não é do que um inaceitável afeiçoar da regulamentação predisposta pelo órgão legislativo aos juízos do intérprete. Mas não basta que tenha ocorrido uma alteração no campo das relações socioeconómicas para que o sentido a dar à norma possa sofrer uma evolução; necessário se torna, ainda, que alguma das manifestações do novo fenómeno já tenha sido merecedora de tutela legal, mediante a consagração de normas orientadas pelo ponto de vista valorativo que se pretende considerar na fixação do sentido da norma a interpretar actualisticamente, ou, ao menos, que essa nova realidade seja digna de uma (primeira) tutela com o sentido pretendido à luz dos valores que informam o Ordenamento Jurídico.
Todavia, a actividade que os defensores da dita “interpretação actualista” pretendem subsumir à norma contida no art. 409.º do Cód. Civil não é nova. O legislador de 1966 não desconhecia a existência de uma actividade de empréstimo sobre penhor e não desconhecia a utilidade das garantias mobiliárias sem desapossamento, revelando ainda, mesmo no Código Civil, que não desconhecia os casos em que o devedor cumpre a obrigação com dinheiro emprestado por terceiro (art. 591.º do Cód. Civil) – v. o Decreto com força de lei n.º 17766, de 17-12-1929, o DL n.º 32428, de 14-11-1942 (revogados pelo DL n.º 365/99, de 17/09), o DL n.º 29833, de 17-08-1939 (alterado pelo DL n.º 32032, de 22-05-1942), que regula a concessão de mútuo concedido por estabelecimento bancário, garantido por penhor sem desapossamento, e o art. 398 do Cód. Comercial. A novidade existe; só que não se trata de uma novidade do “tipo” negocial ou, muito menos, de uma evolução das opções valorativas vertidas no ordenamento jurídico, no sentido pretendido por tais defensores.
Pelo contrário, as mais recentes orientações de política legislativa são fortemente protetoras do consumidor. Sobre o tema, v. António Pinto Monteiro, «Sobre o direito do consumidor em Portugal», SJ, 24, Janeiro/Março, 2003, pp. 9 e 10. Do ponto de vista socioeconómico, a base da proteção concedida ao consumidor “é a situação de fraqueza (psicológica, intelectual sobretudo no que toca ao acesso a informação pertinente e económica) em que os indivíduos se encontram perante as grandes organizações” v. Rui Pinto Duarte, «Alguns aspectos jurídicos dos contratos não bancários de aquisição e uso de bens», RB, 22, 1992, p. 65.
Consiste a efetiva novidade no exponencial crescimento da concessão de crédito ao consumo, usando as financiadoras de expedientes mais ou menos criativos para evitarem ter de suportar os custos de uma negociação cautelosa, com apuramento da solvabilidade e abonação da contraparte (art. 10 do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, adiante RJCC), e para obterem uma garantia mais forte do que as que já se encontram predispostas na lei – todavia, como refere Gravato Morais, Contratos, cit., pp. 304 e 305, não há qualquer carência de meios de garantia. Aquilo que, para os que concebem as novas ferramentas negociais, é tido por uma maior agilização e informalismo, constitui afinal uma tentativa de contrariar o equilíbrio existente na lei positiva entre os diversos interesses em jogo, predisposto e desejado pelo legislador. Nestes casos, “a lei deve reter o poder de lutar contra as concepções dominantes do comércio jurídico (ética ou moral positiva), não aceitando pautar-se ou reger-se por ela” – João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, Lisboa, AAFDL, 1985, p. 112 (sobre o art. 253.º, n.º 2, do Cód. Civil).
Exemplo do desequilíbrio já existente é a pressão a que está sujeito o sistema de justiça. O número de acções cíveis entradas em 1993 foi de 312.234, sendo em 2009 de 612.465. Um aumento de 96% dados da DGPJ, siej.dgpj.mj.pt (ace. em 5-4-2011). Das 343.756 execuções entradas em 2009, 104.204 foram instauradas por apenas 31 “litigantes frequentes”. Entre estes, as instituições de crédito são as responsáveis pelo maior número de execuções instauradas de valor superior a € 3.000,00 v. Inês Caeiros, «O papel do litigante frequente no sistema judicial português», 2010, cpee.pt (ace. 5-4-2011). A banalização do crédito ao consumo, fortemente encorajado pelas instituições financeiras, determinou um aumento da parte do consumo privado financiado a crédito de 3,38%, em 1990, para 23,2%, em 2000 assim, v. Maria Leitão Marques e Catarina Frade, «Uma sociedade aberta ao crédito», SJ, 24, Janeiro/Março, 2003, pp. 27 a 34. No relatório “Um Perfil dos Sobreendividados em Portugal”, do CES-UC, 2008, ces.uc.pt (ace. 5-4-2011) revela-se que, “em Portugal, em menos de vinte anos, passou-se de uma taxa de endividamento (medida em percentagem do rendimento disponível) de pouco mais de 18%, em 1990, para uma taxa de 130%, em 2007”
Não ocorrendo qualquer alteração das orientações valorativas do Ordenamento Jurídico que o habilite, a subsunção da cláusula de reserva de propriedade constituída a favor do financiador à norma prevista no art. 409.º do Cód. Civil já não poderá ser o resultado de uma interpretação orientada pela actualização do seu alcance, mas sim da sua aplicação analógica – que é de rejeitar, por não satisfazer a ratio da norma, como vimos.

1.3. A estipulação de um direito real de garantia

Também aqui, a determinação do efetivo conteúdo desta, assim designada, cláusula de reserva de propriedade radica na interpretação da conduta negocial das partes, isto é, na indagação do fim por elas visado e do conjunto de direitos que, para o efeito, pretenderam constituir. Ilustremos as declarações negociais em questão com o seguinte exemplo de cláusula, já de estilo: “garantias e reserva de propriedade (…) e) Até ao integral cumprimento deste contrato, a [mutuante] poderá constituir, no seu interesse, reserva de propriedade sobre o(s) bem(s) objeto deste contrato, salvo se a [mutuante] dela prescindir”– v. o Ac. do TRC de 03-06-2008 (dgsi.pt, ace. 4-11-2011, proc. 4894/07.0TVLSB.C1).
Perante o clausulado típico no qual se insere esta estipulação, é de afastar uma construção que ficcione uma aquisição pela entidade financiadora quer a partir do vendedor, quer a partir do comprador para, de imediato, vender com reserva de propriedade ao mutuário – por esta razão, não há que confrontar esta cláusula de reserva de propriedade com a alienação fiduciária em garantia: não há aqui qualquer alienação ao mutuante, ainda que meramente instrumental e com função de garantia. A vontade negocial necessária à sua ocorrência não está presente. A entidade financiadora não expressa qualquer vontade de fazer seu o bem.
A compra para revenda destes bens (v.g., eletrodomésticos) não integra o objeto social destas entidades. Tais equipamentos (de que só conhecem uma breve descrição no contrato de mútuo) não são incluídos no seu activo imobilizado corpóreo. Não existe qualquer facturação das putativas transacções comerciais de aquisição e venda pela instituição de crédito.
Ora, se a instituição de crédito nunca adquire, nem deseja adquirir, a propriedade, torna-se forçoso concluir que a, assim designada, reserva de propriedade mais não pretende ser do que uma garantia real constituída a favor do mutuante.
Por forma a alcançarmos o móbil deste procedimento, em que o mutuante, embora putativo reservatário, não assume uma posição que é de vendedor, importa ter presente que o financiador é aqui uma instituição de crédito normalmente uma sociedade financeira para aquisições a crédito (embora nenhuma exista actualmente em actividade) , sendo que o bem adquirido é uma viatura automóvel. As instituições de crédito têm por exclusivo objeto o exercício das actividades elencadas nos arts. 4 e 14/1/c do DL n.º 298/92, de 31/12. Ora, neste rol não consta a compra para revenda de viaturas ou outros equipamentos, compreendendo esta operação a percepção de uma remuneração pela intermediação, ou de uma margem de lucro com a venda do bem. De resto, o regime específico das sociedades financeiras para aquisições a crédito é ainda mais limitativo do seu objeto social – v. o art. 2 do DL n.º 206/95, de 14/08; pela Circular n.º 2262/E-DSB, o Banco de Portugal (BP) veiculou o seguinte entendimento: “a compra e venda de automóveis, ainda que tendo como objetivo a constituição de reserva de propriedade, é uma actividade vedada às sociedades financeiras para aquisições a crédito”. As instituições de crédito não são, nem podem ser, revendedoras de bens de consumo, nos termos em que esta operação é realizada no contrato financiado. Aliás, é entendimento do BP que a comercialização, por qualquer via, de produtos não financeiros excede o objeto social das instituições de crédito, salvo quando tal comercialização se revista de natureza meramente adjetiva, sendo que, acrescentamos nós, a compra e venda do equipamento, o núcleo do fenómeno analisado, não é meramente adjetiva do financiamento v. a Circular n.º 68/2004/DSB, de 26-07-2004. V. o DL n.º 298/92, de 31/12 e o DL n.º 186/2002, de 21/08.
Da cláusula transcrita retira-se que, mutuante e mutuário, abstraindo-se dos pressupostos contidos no art. 409.º, n.º 2, do Cód. Civil, visam aparentemente alcançar os efeitos de garantia da cláusula de reserva de propriedade em sentido próprio, o que se conclui do facto de se referirem a este acordo acessório como sendo de “reserva de propriedade”, inserindo-o numa cláusula contratual dedicada à segurança do crédito. Estes efeitos de garantia, já o referimos, reconduzem-se ao direito de o credor haver para si a coisa, em caso de incumprimento, resolvendo o contrato, e ao direito de ser pago pelo seu valor, com preferência sobre os demais credores do comprador. Comecemos por analisar este segundo efeito.

1.3.1. A preferência

Apenas são causas legítimas de preferência as previstas na lei (art. 604.º, n.º 2, do Cód. Civil). Afastada que está a subsunção da cláusula de reserva de propriedade constituída a favor do mutuante à facti-species da norma contida no art. 409.º do Cód. Civil, resta apurar se os efeitos visados pelas partes, e as formalidades por elas observadas, adequam-se a alguma das fontes de preferência típicas, isto é, a algum dos direitos reais de garantia previstos na lei. Trata-se aqui de detetar um acordo típico a partir dos elementos constituintes do acordo celebrado, abstraindo-nos do nome que lhe é dado pelas partes.
O direito do credor a ser pago pelo valor da coisa com preferência sobre os demais credores encontra-se previsto, nas figuras que ora relevam, nos arts. 666.º (penhor) e 686.º (hipoteca). Se a cláusula de reserva de propriedade constituída a favor do mutuante disser respeito a coisa não sujeita a registo, poder-se-á estar perante um penhor indevidamente qualificado; estando sujeita a registo, dever-se-á confrontar a cláusula com a hipoteca.
Do que se conhece da casuística, esta estipulação é aposta em contratos destinados ao financiamento de bens sujeitos ou não a registo; sempre sem desapossamento do devedor; garante o cumprimento, mas também a perda do bem a favor do credor, em caso de resolução; do seu registo não tem de constar o montante máximo assegurado; o crédito garantido prevalece acima de todos os demais (sobre o comprador), incluindo os garantidos por privilégio creditório; em caso de insolvência do devedor, garante o direito à separação da coisa, se o crédito não for satisfeito; encontra-se protegida por uma tutela cautelar específica.
Confrontadas estas características com as que são próprias das garantias reais típicas, conclui-se que nenhuma destas está dotada de tais efeitos. Estamos, pois, perante algo diferente, quer de um penhor, quer de uma hipoteca, nomeadamente.
Fernando de Gravato Morais, «Reserva de propriedade a favor do financiador», CDP, 6, Abril/Junho, 2004, p. 52, encontra na maior onerosidade da hipoteca a explicação da não adopção desta garantia. O valor dos emolumentos devidos pela inscrição da reserva é de 25% do valor dos devidos pelo registo da hipoteca (art. 25/1, pontos 1.2 e 1.7, do Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado). Todavia, se tivermos presente que o mutuante faz repercutir estes custos sobre o mutuário, teremos de concluir que a opção pela reserva de propriedade tem (também) em vista o benefício de um regime substantivo de garantia do crédito mais vantajoso (v.g., evitando o disposto no art. 728.º, n.º 1, do Cód. Civil).
Esta estipulação, por não estar abrangida pelo art. 409.º do Cód. Civil, ou por qualquer outra norma legal tipificadora, é claramente violadora do disposto nos arts. 604/2 e 1306/1.

1.3.2. A possibilidade de o credor haver para si a coisa onerada

Considerando agora o primeiro efeito da reserva em sentido próprio, resulta evidente que reconhecer ao mutuante um direito oponível erga omnes de haver para si a coisa, em caso de incumprimento numa convenção que não é subsumível à hipótese legal contida no art. 409.º do Cód. Civil , contende com o regime legal da resolução, com eficácia meramente relativa (art. 435.º do Cód. Civil). Mas não é esta a objeção mais impressiva que se pode fazer a tal convenção.
Na hipótese abstracta considerada, no contexto do incumprimento do mutuário, o interesse contratual do mutuante nunca é negativo. Nenhum proveito económico acrescido, relativamente à exigência de cumprimento do contrato, pode a instituição de crédito retirar da resolução.
A preferência pelo cumprimento do mútuo explica-se pelas suas taxas de juro remuneratório. De acordo com a Instrução n.º 29/2010 do BP, a TAEG máxima aplicável aos contratos de crédito ao consumo pode atingir, no 1.º trimestre de 2011, os 15,0%, no crédito automóvel, e 19,2%, noutros créditos pessoais. Antes do início de vigência do art. 28/1 do RJCC, podia atingir valores substancialmente superiores v. o DL n.º 32/89, de 25 de Janeiro, e o Aviso n.º 3/93 do BP.
Destinando-se o direito, ínsito na reserva em sentido próprio, de haver para si o bem, em caso de incumprimento, a operar em sede de resolução contratual, e não tendo o credor o interesse negativo que justifica esta forma de extinção do vínculo contratual, conclui-se que o eventual recurso do mutuante à resolução visa a irregular satisfação de um interesse contratual positivo, funcionando a convenção de reserva como um pacto comissório. A resolução é aqui instrumentalizada com vista à obtenção da satisfação do contrato, num mecanismo mediante o qual o credor fará sua a coisa onerada, perante o incumprimento do mutuário.
A obrigação de restituição do preço já (parcialmente) pago empresta à resolução do contrato de alienação, sujeito a uma reserva de propriedade, um equilíbrio que a subtrai aos quadros da proibição do pacto comissório (arts. 669, 678 e 694) assim, v. Luís Lima Pinheiro, A Cláusula de Reserva de Propriedade, Coimbra, Almedina, 1988, p. 114, nota 208. António Menezes Cordeiro deixa claro que apenas o facto de, para poder reivindicar a coisa, carecer o proprietário de resolver o contrato de compra e venda, permite “um certo controlo da «recuperação» da coisa, de modo a prevenir, na reserva de propriedade, um puro contornar da proibição de pactos comissórios” Anotação ao Ac. do STJ de 31-01-1996, ROA, 56, 1996, p. 320. Ora, no contrato de mútuo não é possível alcançar este tipo de reequilíbrio, não tendo o credor que abrir mão da contraprestação já recebida: os juros remuneratórios já pagos, assim como os demais vencidos, não são atingidos pela resolução, o mesmo sucedendo com o capital já amortizado, pois a sua entrega ao mutuante é devida, quer por força do contrato, quer por força da resolução (arts. 1150 e 434/2) v. José Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 170 e 171, quanto ao capital, e 171, nota 501, e 177, quanto aos juros.

1.3.3. Violação da proibição do pacto comissório

O pacto comissório vem descrito no nosso Código Civil como sendo “a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir” (art. 694.º do Cód. Civil). Esta convenção, seja anterior ou posterior à constituição da garantia, é nula. Está aqui em causa mas não apenas a tutela do princípio da proteção da parte mais fraca, isto é, da proteção do devedor, quer perante o credor, em posição de impor condições leoninas, quer, numa dimensão algo paternalista, perante si mesmo, evitando que, por esta via, disponha ruinosamente do seu património, numa decisão irrefletida – sobre teleologia da proibição do pacto, v. Júlio Vieira Gomes, «Sobre o âmbito de proibição do pacto comissório», CDP, 8, Outubro/Dezembro, 2004, pp. 65 a 68. A existência de um interesse de ordem pública em evitar a difusão do pacto explica, por seu turno, a gravidade da sanção legal cominada – v. Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Coimbra, Almedina, 2000, p. 91 a 94.
Mas se as razões da proibição do pacto comissório ainda transparecem nas normas que sobre ele dispõem, o mesmo não será de afirmar acerca do âmbito da tutela oferecida, só podendo esta ser fixada através do confronto do pacto com as figuras que lhe são próximas – assim, v. Angelo Luminoso, «Alla ricerca degli arcani confini del patto commissorio», RDCiv, Anno XXXVI, 1990, Parte I, p. 233 e segs.. Deste confronto, em especial com a datio in solutum (aqui com o pacto ex intervallo) e com a venda a retro, conclui-se que, para que o pacto comissório possa ser surpreendido na convenção, é necessário “que estejam simultaneamente reunidos três pressupostos: que o pacto tenha uma função ou escopo de garantia ao vincular ou destinar um determinado bem à auto-satisfação do credor; que o devedor se reserve uma faculdade de desvincular o bem desse escopo, mediante o cumprimento da sua obrigação; e, finalmente, que não esteja assegurado, para a hipótese de incumprimento, o direito do devedor de reaver, de recuperar um eventual excesso do valor do bem sobre o valor do crédito garantido” – nas palavras de Júlio Gomes, «Sobre o âmbito», cit., p. 66, dando nota da posição de Angelo Luminoso.
Tendo em conta a função, a estrutura e os efeitos da cláusula de reserva de propriedade constituída a favor do financiador já analisados, conclui-se sem esforço que o pacto comissório está presente nesta estipulação, pois colhendo novamente ensinamento na maioria da doutrina italiana, como dá conta Júlio Gomes “o que é decisivo é o resultado económico que se pretende evitar”, sendo “indiferente o instrumento jurídico empregue pelas partes”, que “pode consistir na transmissão da propriedade sujeita à condição suspensiva do incumprimento, como na mesma transmissão sujeita à condição resolutiva do cumprimento” – «Sobre o âmbito», cit., pp. 69 e 70; no mesmo sentido, no direito espanhol, v. Belén Andreu Martínez, «Admisibilidad del lease-back y prohibición de pacto comisorio», RDP, Noviembre, 2001, p. 926.
Mais do que sinalizar que o acordo visado pelas partes não é uma cláusula de reserva de propriedade, mas sim a estipulação de uma garantia real dissimulada (arts. 240/2 e 241/1), assente em pressupostos e sujeita a condições proibidos por lei, importa aqui ter presente que a proibição do pacto comissório se estende a todas as demais convenções com função de garantia. Significa isto que esta cláusula de reserva de propriedade não deve ser tratada como sendo um acordo simulado sendo nulo em razão da desconformidade entre a vontade real e a vontade declarada , devendo antes ser imediatamente confrontada com as normas que dispõem sobre os limites da liberdade negocial, em razão do seu conteúdo sendo, então, o acordo reconhecido como nulo, “porque celebrado em direta violação da proibição legal do pacto comissório”– v. Júlio Gomes, «Sobre o âmbito», cit., pp. 70 e 71.
Considerando relevante a intenção de defraudar a lei, para que se conclua pela invalidade do “negócio-meio” que permite atingir os efeitos previstos na norma proibitiva, v. J. P. Remédio Marques, «Locação financeira restitutiva (sale and lease-back) e a proibição dos pactos comissórios», BFD, Vol. LXXVII, 2001, p. 598. Por nós, temos por irrelevante o dolo (intenção) das partes no defraudar da proibição legal, bastando que efetivamente tenham construído uma relação jurídica na qual o devedor se encontre exposto à “dupla insídia” (Luminoso) que se pretende evitar com a proibição do pacto comissório.
Não relevando, na identificação do pacto, a estrutura da ferramenta negocial utilizada, mas sim o resultado económico que se pretende evitar, a cláusula de reserva de propriedade em análise é proibida por força da sua subsunção ao disposto no art. 694.º do Cód. Civil. Resta saber se esta norma pode ser aplicada diretamente, e não por analogia, quando não esteja em causa uma garantia real típica.
O pacto comissório, por natureza, exerce uma função de garantia especial do crédito. Se pudermos afirmar a proibição geral do pacto comissório no âmbito do direito das garantias, o seu lugar natural, podemos afirmar geral tal proibição, no âmbito do direito civil. Ora, a interdição do pacto vem prevista no regime da hipoteca, da constituição do penhor, da consignação de rendimentos e dos privilégios creditórios, estando ainda presente, pela remissão que opera para estas garantias, na caução resultante de negócio jurídico. Estamos, pois, perante uma proibição comum a todo o direito das garantias reais de fonte negocial, o mesmo é dizer, comum a todo o direito civil. Tivesse sido adoptada uma técnica de codificação que compreendesse a criação de uma secção inicial, dedicada às disposições gerais e comuns a todas as garantias especiais reais das obrigações, e aí ter-se-ia incluído a proibição do pacto comissório, transversal a todas elas. Todavia, não adoptando esta técnica, o legislador limitou-se, diretamente ou remetendo para a hipoteca, a incluir as normas comuns das garantias especiais em todas as secções referentes a cada um dos seus tipos.
Do exposto se extrai que a norma contida no art. 694.º do Cód. Civil é uma norma geral, comum a todo o direito das garantias rectius, a todo o direito civil. Assim se explica que ela seja diretamente aplicável a qualquer convenção com função de garantia – na doutrina transalpina é aceite que a proibição do pacto comissório é de aplicação direta, qualquer que seja o instrumento jurídico empregue na obtenção dos efeitos prático-económicios visados com a proibição; assim, Angelo Luminoso, ob. cit., pp. 222 e 235. Independentemente da estrutura da figura negocial adoptada e do momento em que opera a transferência da propriedade isto é, qualquer que seja a construção jurídica da reserva , o resultado a que se chega com a cláusula de reserva de propriedade constituída a favor do mutuante é sempre aquele que a lei visa obstar, pelo que o âmbito da proibição do pacto comissório ferirá de nulidade tal estipulação – é esta violadora do disposto nos arts. 604/2, 694 e 1306/1.

2. A sub-rogação do financiador nos direitos do vendedor

2.1. A sub-rogação na reserva de propriedade

Não sendo admissível a estipulação da cláusula de reserva de propriedade a favor do financiador, resta verificar se pode este ser sub-rogado na titularidade de uma reserva constituída a favor do alienante.
A sub-rogação, na fisionomia que ora releva, é uma modalidade de transmissão do crédito baseada no cumprimento da obrigação ou em acto equivalente, por força da qual o pagamento não tem por efeito a extinção da obrigação, sendo antes translativo do crédito – assim, v. João Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2001, p. 334 e segs.. O sub-rogado adquire a “titularidade do direito a uma prestação fungível” – v. Antunes Varela, ibidem, pp. 335 e 336, bem como das garantias e demais acessórios do direito transmitido que caberiam ao credor; adquire o direito de crédito e os direitos de que o credor originário era titular por causa do crédito, e apenas estes.
Sustentando que o sub-rogado adquire a faculdade de resolução do contrato, por incumprimento do devedor, v. Júlio Vieira Gomes, «Do pagamento com sub-rogação, mormente na modalidade da sub-rogação voluntária», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, I Vol., Direito privado e vária, Coimbra, Almedina, 2002, p. 158. Esta doutrina não é de acolher, pois a sub-rogação não se confunde com uma transmissão da posição contratual. Se o contrato for resolvido, o “pressuposto fundamental” da sub-rogação desaparece, perdendo o solvens a titularidade do crédito sobre o devedor, apenas podendo exigir do credor a repetição do indevido sobre o efeito ex tunc da extinção da relação, v. Andrea Magazzù, «Surrogazione per pagamento», in Enciclopedia del Diritto, Vol. XLIII, 1990, Milano, p. 1528. O solvens não integrará a parte activa da “relação de liquidação”, não vendo por via desta isto é, dos seus efeitos restituitórios inter partes qualquer interesse contratual próprio ser satisfeito. Não se aceita que a resolução, quando não oferece qualquer vantagem patrimonial ao terceiro, possa ser por este operada (exigindo-se coerência sistemática com o disposto no art. 606.º, n.º 2, do Cód. Civil). No contexto do contrato afetado, o solvens não é titular do “duplo interesse liberatório-recuperatório” tutelado pelo direito de resolução a expressão citada é de Brandão Proença, ob. cit., p. 65. Por último, esta tese deixa por explicar a eventual cisão do direito de resolução, no caso de o cumprimento ser parcial, e o seu funcionamento se, no mesmo caso, o primitivo credor for entretanto pago parcialmente pelo devedor (art. 432.º, n.º 2, do Cód. Civil). No crédito ao consumo, a resolução destruiria ambos os contratos (art. 18/2 do RJCC). Sobre o tema, v. Luís Menezes Leitão, Cessão de Créditos, Coimbra, Almedina, 2005, pp. 332, 333 e 342 a 347.
Os direitos de que o credor originário era titular por causa do crédito, que se extinguiriam por força do cumprimento, sobrevivem, assim, sendo transmitidos para um novo titular. Através da sub-rogação opera-se “uma transmissão de um crédito, mas não da posição contratual”, ocupando o sub-rogado “apenas a posição activa da relação obrigacional” – v. Júlio Gomes, «Do pagamento», cit., p. 157.
Afirmar que a sub-rogação transfere a reserva de propriedade para o solvens (empregamos indistintamente este vocábulo, quer quando nos referimos ao terceiro que procede ao pagamento, quer quando nos referimos ao autor do mútuo gerador do capital empregue no pagamento), é afirmar que, por força do pagamento isto é, por força dos efeitos que a lei lhe reconhece e da relevância que dá à vontade sub-rogatória , o direito de propriedade retido pelo vendedor é transmitido para o sub-rogado. O pagamento do crédito de terceiro seria, assim, um acto jurídico idóneo à aquisição da propriedade, sendo a sub-rogação um mecanismo capaz de transmitir um direito real de gozo – estar-se-ia, pois, a concluir que a lei tem por equilibrada e justificada uma solução que permite a alguém, mediante a prática de um acto jurídico, e obtendo o concurso da vontade de quem poderá até nem ser o proprietário, expropriar outrem, satisfazendo uma utilidade privada (art. 1308.º do Cód. Civil).
Esta construção, que irrompe como um “corpo estranho” no sistema de transmissão de créditos – v. a inserção sistemática do instituto –, constitui um exotismo no contexto dos institutos jurídicos que dispõem sobre a transmissão da propriedade e seria causadora de ainda maior perplexidade, pelos problemas de legitimidade que levantaria, designadamente, não fora o facto de, de acordo com alguma da doutrina mais autorizada, estarmos perante uma modalidade de transmissão do direito assente na lei, que não tem na vontade de sub-rogar a sua causa translativa, embora não prescinda dela – v. Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pp. 288 a 290; sobre o tema, v. Júlio Gomes, «Do pagamento», cit., p. 107 e segs.; na doutrina italiana, v. Andrea Magazzù, ob. cit., p. 1527. Com a sua aceitação, admitir-se-ia que, ao contrário do que é apanágio da sub-rogação, um direito real que não radica no crédito embora tenha, temporariamente, a função de o garantir , um direito que não se extinguiria com o pagamento, seja afetado por este acto jurídico. O direito de propriedade não é um acessório de um direito de crédito. Note-se que a propriedade não se transmite (ou extingue) por causa do pagamento, mas sim por causa do contrato. A relevância do evento designado radica na vontade das partes, pelo que a transferência dar-se-á sempre por força do contrato – assim, v. Pedro de Albuquerque, Direito, cit., pp. 94 a 97.
Se tivermos presente que a lei prevê que a sub-rogação seja operada apenas por um dos sujeitos da relação creditícia, dizer que a figura permite a transferência da propriedade, é dizer que a lei aceita que, no âmbito do mesmo contrato, mas à revelia de uma das partes, ocorra uma transmissão intermédia da propriedade, para quem não é o destinatário designado na compra e venda, alterando-se um dos seus efeitos essenciais afrontando-se o princípio tutelado no art. 406.º, n.º 1, do Cód. Civil. Quer na letra da lei, quer na sua ratio, nada nos habilita a admitir que a sub-rogação é uma modalidade de aquisição da propriedade.

2.2. A sub-rogação do financiador nos direitos do vendedor

Se, em geral, a sub-rogação (por pagamento) na propriedade é de rejeitar, na hipótese que nos ocupa ela é claramente contrária à lei, sendo mesmo contrária à vontade real típica das partes – no direito francês, admitindo, sem questionar, a admissibilidade a sub-rogação na reserva de propriedade, v. Jérôme Huet, «Les principaux contrats spéciaux», in Traité de Droit Civil, Paris, LGDJ, 2001, p. 130 (§ 22553; v., ainda, o § 11555); entre nós, a DGRN foi de parecer que poderemos estar perante “uma situação que se reconduz à figura legal da sub-rogação voluntária”, v. o BRN, 5, 2001. Independentemente do concreto programa contratual do mútuo entrega do capital ao mutuário ou diretamente ao vendedor , o financiador, ao disponibilizar o capital mutuado, não satisfaz um propósito seu de cumprir o contrato de compra e venda, estando, sim, a cumprir uma ordem de pagamento do mutuário. A modalidade de sub-rogação aqui presente é sempre a prevista no art. 591.º do Cód. Civil. Nesta figura complexa, o financiador já é titular de um direito de crédito sobre o adquirente e mutuário, pelo que, por força da sub-rogação, adquire um segundo crédito sobre a contraparte, de exercício parcialmente alternativo – admitindo que o solvens fique na titularidade de dois direitos de exercício alternativo, v. Júlio Gomes, «Do pagamento», cit., p. 125. Este segundo crédito vem garantir ao mutuante a satisfação da quantia mutuada, aqui residindo a função recuperatória típica do mecanismo sub-rogatório – assim, v. Andrea Magazzù, ob. cit., p. 1533. Acompanhamos, pois, Júlio Gomes quando este autor reconhece como exacta a observação de Messineo de que a ordem jurídica possibilita que se utilize a relação obrigacional originária como um meio adicional para obter o reembolso do solvens ou do autor do mútuo «Do pagamento», cit., p. 121.
Conforme refere Olmo Garcia, com a sub-rogação, o solvens passa a ser titular de dois direitos, desempenhando o seu primitivo direito pessoal papel de “direito principal”, cabendo ao direito adquirido por sub-rogação o papel de “acessório” – Pedro Del Olmo Garcia, Pago de Tercero y Subrogacion, Madrid, Civitas, 1998, p. 244. (A posição deste autor, muito afeiçoada à sub-rogação tal como vem prevista na lei espanhola v. os arts. 1158, § 2, 1210 e 1211 do CC espanhol , aceitando a herança doutrinária de Díez-Picazo, Hernández Gil, Demolombe e Magini, aprofundando-a, constitui a mais coerente e convincente explicação do fenómeno sub-rogatório, quando este se produz em benefício do mutuante. É apenas neste contexto, isto é, no âmbito do art. 591.º do nosso Cód. Civil, que consideramos as suas palavras). Adquire o solvens, assim, duas acções, podendo exercer qualquer uma delas, em alternativa, sem prejuízo da satisfação do seu crédito pessoal, pelo remanescente, se a opção inicial tiver sido pelo exercício do acessório.
Entende Galvão Telles que “o crédito nascido do mútuo se extingue por virtude da sub-rogação”, representando esta uma causa extintiva desse crédito inominada Direito, cit., pp. 285 e 286. Trata-se de uma tese que retira utilidade a esta forma de sub-rogação, pois a financiadora não deseja prescindir do seu primitivo crédito, como revela a casuística. Sobre as raízes históricas da modalidade em presença, v. Luís de Menezes Leitão, Direito, cit., Vol. II, 2010, p. 40.
Já o referimos, à financiadora falece qualquer vontade de aquisição da propriedade do bem financiado. Mas devemos ir mais longe e questionarmo-nos sobre o seu efetivo interesse na aquisição do crédito do vendedor por sub-rogação. Mesmo nos casos em que o solvens não exerce profissionalmente a actividade de concessão de empréstimos, não é fácil configurar uma hipótese em que lhe seja mais favorável exercer o direito de crédito do vendedor, em lugar de exercer o do mutuante. Sendo o solvens uma instituição de crédito, é seguro que o montante a pagar em cumprimento do mútuo é superior ao valor financiado empregue no pagamento do preço – cfr., supra, o que se escreveu a propósito das taxas do juro remuneratório. Perante uma situação de incumprimento, entre exercer o direito ao valor do preço da compra, saldado com recurso ao financiamento, e exercer o direito à total execução do contrato de mútuo, de valor bastante superior, não será difícil adivinhar qual será a opção da financiadora.
Ao fazer inserir no contrato uma declaração da contraparte subrogando-a nos direitos do credor, a financiadora não ambiciona a titularidade do crédito ao preço; deseja, sim, as suas garantias acessórias. E aqui se revela a distorção que este expediente provoca no funcionamento do instituto da sub-rogação. Embora a reserva de propriedade esteja umbilicalmente ligada ao contrato de alienação, a financeira cobiça-a para servir de garantia da pontual execução do mútuo, isto é, da amortização do valor do empréstimo, e não da satisfação do valor do preço.
Esta reafetação das garantias importa, forçosamente, prejuízo para os demais credores, pois o crédito pessoal do mutuante é superior ao valor do preço se assim não fosse não teria o credor optado por exercê-lo. Neste caso, o valor das garantias que exceda o valor do preço, que, de outro modo, ficaria liberto para satisfação dos demais credores (art. 601.º do Cód. Civil), continuará preferencialmente afeto ao cumprimento do primitivo crédito do mutuante. Ora, com esta subtracção do remanescente ao livre concurso dos credores, não se pode dizer que a sub-rogação operada a ninguém lesa sobre esta característica da sub-rogação, v. Adriano Vaz Serra, «Sub-rogação nos direitos do credor», BMJ, 37, 1953, p. 7. Admitindo-se que a medida do cumprimento representa a medida da sub-rogação, deste mecanismo não deveria resultar a aquisição pelo solvens de uma garantia por valor superior o que, aliás, defrauda o disposto no art. 728.º, n.º 1, do Cód. Civil.
As sociedades financiadoras já protegem os seus créditos com um vasto arsenal de garantias, pelo que a sub-rogação se destina a obter a única garantia de que não podem beneficiar: a titularidade da propriedade.
Não estando o financiador sujeito às restrições e obrigações que a lei impõe ao vendedor, designadamente em matéria de venda a prestações (v., por exemplo, o art. 935.º do Cód. Civil e, confrontando com o RJCC de 1991, o art. 934.º do Cód. Civil), não se justifica que aquele possa obter os benefícios que a reserva concede sinalizando estes limites, v. Menezes Cordeiro, Anotação, cit., p. 321. Olhando para o resultado desta putativa sub-rogação à luz do RJCC, constatamos que o pretendido enriquecimento dos acessórios do mútuo altera o conteúdo dos direitos do mutuante e dos deveres do mutuário no limite, permitiria o exercício de garantias (art. 12/3/g do RJCC) não densificadas por escrito (arts. 12 e 13 do RJCC) no contrato de mútuo , facultando àquele uma posição jurídica mais favorável, do que a permitida pelo RJCC (arts. 26 e 27 deste regime).
Evidencia-se, assim, que, nesta suposta sub-rogação no crédito (e na propriedade reservada), estamos perante uma conduta que visa defraudar o numerus clausus previsto nos arts. 604/2 e 1306, proibida por força do disposto no art. 294.º do Cód. Civil.

3. Conclusão

Podemos concluir repisando que a cláusula de reserva de propriedade visa assegurar o pagamento do preço, sendo a propriedade utilizada com função de garantia; a sua transferência fica sujeita a uma condição potestativa a parte debitoris. A estipulação de uma cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro financiador não está abrangida pela letra ou pela ratio do art. 409.º do Cód. Civil – cfr., além do acórdão inicialmente identificado, os Acs. do TRL de 14-12-2010 (1384/10.8TJLSB.L1-8), 14-12-2007 (8993/2007-7) e 03-07-2007 (6118/2007-1). Esta estipulação é violadora do disposto nos arts. 604.º, n.º 2, 694.º e 1306.º, n.º 1, do Cód. Civil. Neste contexto, a declaração sub-rogatória na reserva de propriedade visa defraudar o numerus clausus previsto nos arts. 604.º, n.º 2, e 1306.º do Cód. Civil.
Em face do raciocínio expendido, a cláusula de reserva de propriedade objeto da decisão apelada é nula, pelo que a viatura com a matrícula ..-PJ-.. integra a massa insolvente. Consequentemente, o registo da reserva de propriedade inscrito a favor da ré deve ser cancelado. Resta acrescentar que, à luz dos factos provados, o exercício do direito de impugnar o valor da cláusula pela massa insolvente autora não se revela abusivo, nos quadros do art. 334.º do Cód. Civil – isto é, inexistem factos que permitam preencher a respetiva hipótese legal.

4. Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Cus. Proc.).
A responsabilidade pelas custas (da causa e da apelação) cabe à apelante, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).


IV. Dispositivo


Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.

Custas a cargo da apelante, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
*

Notifique.




Porto, 4 de abril de 2024
Ana Luísa Loureiro
António Carneiro da Silva
Isoleta Almeida Costa