Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RUI MOREIRA | ||
Descritores: | PROCESSO EXECUTIVO TÍTULO EXECUTIVO SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA TRANSAÇÃO OBRIGAÇÃO EXEQUENDA INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO | ||
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Nº do Documento: | RP202501281986/24.5T8PRT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/28/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Dada à execução uma sentença homologatória de uma transação em que se havia acordado que uma das partes reentraria em obra em determinada data, cabendo-lhe concluir os trabalhos e obter a certificação da instalação que era objecto dessa obra, sem qualquer outro elemento indicativo dos trabalhos em falta, deve ter-se a obrigação exequenda por incerta face ao título, sendo este inexequível. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1986/24.5T8PRT-B.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Execução do Porto - Juiz 3 REL. N.º 930 Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira 1º Adjunto: Juíz Desembargador João Diogo Rodrigues 2º Adjunto: Juiz Desembargador: Ramos Lopes ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1 – RELATÓRIO Por apenso à execução que A..., LDA move contra B... LDA, veio esta executada oferecer embargos de executado, pedindo a extinção da execução, por falta de título executivo, ou por inexigibilidade da obrigação, ou por inexequibilidade do título. Alegou que a exequente pede a cobrança de € 14.800,00, a título do valor que terá de suportar com uma prestação de facto de terceiro, e de uma indemnização por mora, no montante de €7.500,00, mas apresentando um título executivo que apenas determina uma prestação de facto. Por isso, não dispõe a exequente de título que justifique a execução por qualquer quantia, ocorrendo uma falta de exequibilidade do título. Acrescentou que a obrigação fixada no título não tem prazo determinado, considerando que se devem lançar mão às diligências necessárias para a determinação desse prazo, que considera adequado ser de 30 dias após a conclusão de trabalhos que a própria exequente tem a fazer, pelo que também isso determina a inexequibilidade do título. Por fim, alegou que o valor pedido no requerimento executivo não têm nenhuma relação com a realização da prestação pretendida pela Exequente não decorre de uma obrigação da Executada, logo, não lhe é exigível, além que que inexiste qualquer título relativo ao valor reclamado como compensação por mora. Recebidos os embargos e notificada a exequente para os contestar, veio esta pretender a respectiva improcedência. Invocou, em síntese, que do título dado à execução resulta que à embargante foi imposto um dever de cumprimento de uma prestação de facto, nos termos da qual a embargante estava obrigada reiniciar os trabalhos previstos, a concluí-los e certificá-los, para o que deveria entrar em obra até ao dia 8 de março de 2023, o que não aconteceu. Pelo contrário, o que fez foi enviar-lhe um conjunto de orçamentos adicionais para serem pagos por si, quando esses trabalhos são da sua incumbência em virtude da transação. Concluiu, por isso, que a obrigação exequenda é certa, exigível e líquida. * Saneado o processo, concluiu o tribunal dispor de todos os elementos necessários à decisão da causa, pelo que proferiu sentença onde concluiu pela procedência dos embargos, em suma porque, segundo o excerto que se transcreve “Analisada a sentença condenatória dada à execução, que constitui o título executivo, verificamos que a obrigação que ela encerra não é exequível, pois a prestação a que a executada foi condenada não se encontra devidamente delimitada e todos os factos de suporte necessários à concretização dessa prestação não estão compreendidos na sentença.”Declarou, por isso, extinta a execução. * É desta decisão que vem interposto recurso, pela exequente/embargada, que o terminou formulando as seguintes conclusões:I. A Apelante não pode concordar com os fundamentos que sustentam a Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu pela procedência total dos embargos deduzidos pela Executada B..., nomeadamente o de que o título executivo não se encontra dotado de exequibilidade intrínseca, porquanto considera que a prestação é incerta e ilíquida, motivo pelo qual dela recorre. II. Começando pela QUESTÃO PRÉVIA: DO CASO JULGADO, é necessário atentar que o título executivo que serve de base à ação executiva de que estes embargos são apenso - Transação Judicial celebrada entre a ali Ré-Reconvinte/aqui Recorrente “A... S.A.” e a ali Autora-Reconvinda/aqui Recorrida “B... Lda” – serviu já como título na ação executiva intentada pela aqui Embargante/Recorrida B... contra a aqui Embargada/Recorrente, e que correu termos no mesmo Juízo de Execução do Porto que proferiu a Sentença de que ora se recorre, sob o nº de processo 15357/23.7T8PRT. III. Na sequência da alegação da Exequente B..., falta de pagamento da 2ª prestação a que a ali Executada A... se havia obrigado na Transação homologada, e da ali Executada ter apresentado embargos de executado, sustentando que a Exequente não havia cumprido a sua obrigação de prestação de facto a que se havia obrigado no título executivo, foi proferida douta Sentença datada de 05- 03-2024, já transitada em julgado (porque dela nenhuma das partes recorreu, tendo-se a B... conformado com a mesma), que decidiu nos seguintes termos: “Face à redação da dita transação, verifica-se estarmos perante uma obrigação condicional ou dependente de prestação – que seria a entrada em obra da aqui exequente – conforme prevê o citado preceito legal. O exequente, em sede de requerimento executivo, juntou três orçamentos a fim de lograr provar que ofereceu a prestação a que estava obrigado. A executada, em sede de oposição à execução, veio pôr em causa a verificação da invocada prestação por parte da exequente. Resultou assente que a exequente se apresentou em obra em 03.03.2023, para dar início aos trabalhos. Contudo, a própria referiu que após ter efetuado o diagnóstico aos trabalhos necessários para certificar a instalação dos monta-cargas, recusou iniciar os trabalhos sem obter o meio de pagamento que integrava a contraprestação da Executada. Face ao teor do acordo realizado, a prestação da exequente não era apenas apresentar-se em obra mas também iniciar a obra, o que não foi efetuado. Face aos factos dados como provados e verificando-se a troca de correspondência entre as partes, conclui-se que a exequente não iniciou a prestação em causa porque verificou que seria necessário a realização de outros trabalhos. Por isso invoca a excepção da alteração às circunstâncias do contrato, referindo que tornou a prestação da Exequente injustificadamente mais onerosa, relativamente à prestação da Executada. (…) Assim, conclui-se que a alteração das circunstâncias invocada não se pode proceder, uma vez que a transação em causa foi realizada na altura em que tais circunstâncias se verificavam. Estando em causa uma execução de sentença homologatória, cuja exigibilidade dependa do oferecimento da contraprestação, não se pode ter como verificada essa prestação quando o exequente exige da parte do devedor, para além da prestação acordada, no caso, o pagamento da segunda prestação, outras contrapartidas – como foi o caso da pretensão da exequente em exigir da executada em assumir o pagamento dos trabalhos extras que julga serem necessários. Estas condições impostas pela exequente para que desse início aos trabalhos não têm fundamento no título executivo. Assim, julgo não verificada a realização da prestação a que a exequente estava obrigada para que desencadeasse a obrigação da executada no pagamento da segunda prestação acordada, e, por via disso, incorreu em mora creditoris (cfr. art. 813º do C.Civil) a partir da data de 3/3/2023.” - cfr. Sentença que se juntou como Doc. nº 8 na Contestação aos Embargos da B... – IV. Conforme se retira da fundamentação dessa Sentença, o título executivo é perfeitamente exequível, sendo as obrigações certas e perfeitamente percetíveis, tendo concluindo que a ali Exequente B... estava a exigir pagamentos pelos trabalhos a que tinha ficado obrigada por força da transação judicialmente celebrada e homologada, pelo que não havia quaisquer valores a mais a cobrar e, consequentemente, julgou “não verificada a realização da prestação a que a exequente estava obrigada para que desencadeasse a obrigação da executada no pagamento da segunda prestação acordada, e, por via disso, incorreu em mora creditoris (cfr. art. 813º do C.Civil) a partir da data de 3/3/2023.” V. Aplicando ao caso os ensinamentos do Ac. do STJ, datado de 04-07-2019, proc. nº 3076/03.5TVPRT-H.P1.S1 (conforme sumário do artigo 11 das Alegações que se dá aqui reproduzido), há caso julgado quanto aos factos vertidos na douta Sentença proferida no âmbito do Proc. nº 15357/23.7T8PRT, que considerou o título exequível e incumprida a prestação de facto a que a Executada ficou obrigada, incorrendo ela em mora creditoris a partir da data de 3/3/2023, que torna inconciliável na ordem jurídica a nova Sentença que contradiz o já ali decidido, devendo a Sentença ora recorrida ser revogada. VI. Sem prescindir, passando à discussão DA EXEQUIBILIDADE INTRÍNSECA - CERTEZA E LIQUIDEZ DA OBRIGAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA TRANSAÇÃO, o Tribunal a quo descaracterizou por completo o concreto título executivo que está em causa e a transação celebrada, quando na fundamentação da Sentença ora recorrida expõe que “Quando foi efetuada a transação, a executada apenas de obrigou “a entrar em obra” e a “concluir trabalhos e a certificar a obra”. Contudo, não se extrai do título qual o conceito de entrar em obra, nem qualquer concretização dos trabalhos a executar (seja por referência expressa e discriminada, seja por mera remissão). A própria exequente não sabe quais os trabalhos que a executada deveria executar.” … “a obrigação não é certa se o exequente desconhece quais foram concretamente os trabalhos que a executada se obrigou a fazer.” VII. Não se pode olvidar que estamos perante uma execução para prestação de facto fundada num peculiar título executivo: a Sentença homologatória da Transação celebrada entre as partes no anterior processo declaratório, a Ação de Processo Comum, o que não foi devidamente configurado pelo Tribunal a quo. VIII. À Sentença homologatória cumpre-lhe a função de fiscalizar a regularidade e a validade da transação celebrada, sendo isso que faz com que lhe seja atribuída força executiva, cumprindo portanto relembrar que aquele Tribunal de Vila Nova de Gaia, na Sentença que homologou a transação, fiscalizou o objeto da transação, isto é, a prestação a que a Executada se obrigou, obviamente enquadrada na causa de pedir daqueles autos, ie, o Contrato de Empreitada a que se referem as faturas dos trabalhos contratuais descritas na Transação, caso contrário, não poderia o Tribunal homologar uma transação sobre matéria avessa ao processo; justamente por isso consta da Sentença homologatória que homologou “atenta a qualidade dos intervenientes e a disponibilidade do objecto da acção”. IX. Com o devido respeito, é descabido que o Tribunal a quo venha agora dizer na Sentença de que se recorre que o “título não nos dá qualquer base sólida da prestação”, acedendo assim à esquizofrenia da B... em ter celebrado aquela transação, em depois ter querido executar aquela transação e em agora vir alegar em contraditio in terminis que é inócua porque dela não decorrem obrigações para si (só decorrem direitos, pelos vistos)!, vendo-nos obrigados a perguntar: Então o que fazer com a transação celebrada? Que efeito útil lhe dar? Nenhum? Parece ser essa a tese do Tribunal a quo. X. Vejamos: a transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, que podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (art. 1248º do CC), sendo que, celebrada num litígio já pendente em tribunal tem de particular a circunstância de ser celebrada no âmbito desse litígio, tratando-se, por isso, de um “contrato processual, concretizando um negócio jurídico efetivamente celebrado pelas partes intervenientes na ação, correspondendo àquilo que estas quiseram e conforme ao conteúdo da declaração feita” – cfr. Ac. STJ. de 07/12/2016, Proc. 187/13.2TBPRD.P1. S1, in base de dados da DGSI. XI. Assim sendo, a decisão judicial corporizada na homologação do pacto firmado pelas partes na ação, constituindo um ato jurídico, há-de interpretar-se segundo o princípio legalmente imposto e acomodado para os negócios jurídicos (art. 295º do CC), entre os quais se encontram as regras interpretativas dos negócios jurídicos fixadas nos arts. 236º a 238º do CC. XII. De acordo com essas regras, em sede interpretativa da declaração negocial vigora, como regra geral, o art. 236º n.º 1 do CC., segundo o qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sendo que, persistindo a situação de dúvida sobre o sentido interpretativo a dar à declaração, prevalece nos negócios onerosos, como é o caso da transação (em que existem concessões mútuas das partes), o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art. 237º do CC). XIII. Destarte, sendo a Sentença homologatória da transação um ato jurídico que confere força executiva ao contrato de transação, nessa interpretação impõe-se atribuir especial importância às declarações corporizadas na transação e ao objeto do litígio que contrapunha as partes no processo em que esta foi celebrada e mediante o qual puseram termo mediante a celebração dessa transação, nomeadamente, as concessões mútuas que fizeram, posto que tal permitirá ao intérprete determinar quais as finalidades mútuas que prosseguiram com a celebração daquela concreta transação e, por conseguinte, assacar o alcance interpretativa a conferir às respetivas declarações negociais. XIV. Resultando do teor dos articulados, e igualmente da base instrutória lavrada nos autos da ação declarativa, que no âmbito dessa ação se discutiam as obrigações que haviam sido assumidas pelas partes no âmbito da celebração de um contrato de fornecimento e montagem de elevadores, alegando a ali Autora-Reconvinda/aqui Executada B... a falta de pagamento por parte da ali Ré-Reconvinte/aqui Exequente, e a ali Ré/Exequente a falta de realização dos trabalhos pela ali Autora- Reconvinda/Executada, não admira que as partes, na transação que celebraram no dia 20 de janeiro de 2023, tenham de parte a parte assumido obrigações de pagamento e realização dos trabalhos contratualizados no contrato nº ... a que se referem as faturas descritas, dispondo que: 1) A Autora reduz o pedido à quantia de 8.501,34 euros, correspondendo às facturas nº. ..., ..., ... e ..., melhores descritas no artº. 14º da petição inicial, redução que a Ré aceita. 2) A Ré desiste do pedido reconvencional. 3) Da quantia referida em 1), o valor de 7.907,10 euros referente às facturas nº. ..., ... e ..., será pago pela Ré em 3 prestações no valor individual de 2.635.70 euros, que será efectuado nos seguintes termos: - A 1ª prestação será paga até ao dia 08 de Fevereiro do corrente ano; - A 2ª prestação será paga com a entrada em obra da Autora, através de cheque entregue em obra, que ocorrerá até ao dia 8 de Março do corrente ano; - A 3ª prestação será paga no prazo de 30 dias a contar da entrada em obra, pagamento que se estima ser em 8 de Abril do corrente ano. 4) O valor de 594,24 euros, referente à factura nº. ..., será pago com a conclusão dos trabalhos e certificação da obra. 5) Relativamente às demais facturas identificadas no artº. 14º da petição inicial, concretamente das facturas nº. ..., ..., ..., ... e ..., a Autora compromete-se a emitir a respectiva nota de crédito, no prazo de 10 dias, a enviar à Ré, para que esta as assine e devolva à Autora. 6) As custas serão em partes iguais, prescindindo reciprocamente de custas de parte. XV. Sem grande esforço interpretativo do clausulado vertido na transação é manifesto que a aqui Exequente A... ficou obrigada a efetuar o pagamento da quantia transacionada e, por seu turno, a Executada ficou obrigada a reiniciar os trabalhos contratualizados e que estavam em discussão no objeto do processo declarativo, sendo que tais obrigações tinham como intuito, precisamente, que os valores fossem pagos e as obras terminadas, sendo os trabalhos contratualizados finalizados. XVI. De facto, a B... soube muito bem compreender a Transação, ao ponto de receber a primeira prestação dos pagamentos transacionados, tendo todavia incumprido com. a prestação de facto que lhe competia conforme doutamente decidido na Sentença proferida no Processo n.º 15357/23.7T8PRT-A ... e nunca esquizofrenicamente alegou desconhecer qual seria tal prestação de facto até aos presentes Embargos! XVII. Não se pode olhar para a transação como desprovida do objeto do processo em que foi celebrada, isto é, os pedidos e a discussão que foi realizada no âmbito do processo declarativo no qual ela foi celebrada, sendo claro que quando na transação se refere “terminar os trabalhos e certificá-los” se está a reportar aos trabalhos contratualizados no contrato nº .... XVIII. Quanto mais não fosse pelos documentos quer juntos no requerimento inicial, quer juntos na Contestação, resulta perfeitamente percetível qual era a obrigação da executada – terminar a instalação dos elevadores/monta-cargas e certificá-los, o que não foi efetuado pelo Tribunal a quo. XIX. Ademais: a passagem da fundamentação da Sentença em que o Tribunal a quo exprime que “A própria exequente não sabe quais os trabalhos que a executada deveria executar.” … “a obrigação não é certa se o exequente desconhece quais foram concretamente os trabalhos que a executada se obrigou a fazer.”, não tem o mínimo de cabimento! XX. A Exequente sabe perfeitamente que a Executada se obrigou a terminar e certificar os trabalhos da empreitada que havia contratualizado com a Exequente no contrato nº ... e que, como se explicou, consistiam na colocação em funcionamento dos elevadores/monta cargas e certificação dos mesmos, caso contrário não tinha alegado que a Executada queria cobrar valores para realizar trabalhos que haviam sido transacionados – conforme alegou quer no próprio Requerimento Executivo, quer em sede de Contestação –, nem se tinha oposto ao pagamento das prestações a que ficou obrigada – conforme alegou no artigo 5 e 6 do Requerimento Executivo - e que estavam dependentes do cumprimento das obrigações assumidas pela Executada na Transação, que nunca as prestou ou cumpriu (como aliás assim foi decidido no âmbito do Processo de Execução nº 5293/20.4T8VNG supra mencionado!) XXI. Sendo por demais evidente que a Exequente sabe quais são os trabalhos a executar, porquanto no próprio requerimento executivo requereu que, ultrapassado o prazo fixado para que a Executada cumprisse a sua obrigação, pretendia que a mesma prestação de facto fosse realizada por terceira pessoa, tendo inclusivamente apresentado um orçamento de terceira entidade – junto como Doc. nº 5 do Requerimento Executivo – para apurar o valor da prestação em causa, sem prejuízo de a mesma vir a ser alvo de peritagem conforme é de lei, nos termos do qual o Tribunal a quo tinha todos os elementos necessários para retirar quais os trabalhos a prestar XXII. Destarte, se a Exequente solicitou não soubesse quais os trabalhos em falta, nunca seria possível obter orçamento para os mesmos; Noutra óptica mas em reforço do mesmo desiderato: se não fossem cognoscíveis os trabalhos necessários à conclusão da obra, nem o terceiro conseguiria orçamentá-los. XXIII. E na perspetiva da própria B..., é óbvio que a mesma sabe perfeitamente quais os trabalhos a executar, tanto mais que tentou cobrar por trabalhos a mais, conforme o decidiu a Sentença proferida no âmbito do processo 15357/23.7T8PRT e, por isso, quem sabe o mais, sabe o menos, não podendo colher a esquizofrenia da B... em ter celebrado aquela transação, em depois ter querido executar aquela transação e em agora vir alegar em contraditio in terminis que é inócua porque dela não decorrem obrigações para si (só decorrem direitos, pelos vistos)! XXIV. Aliás, a Sentença proferida no âmbito do processo 15357/23.7T8PRT, ação executiva que correu termos no mesmo Juízo de Execução que proferiu a Sentença de que ora se recorre, reconheceu perfeitamente as obrigações de cada uma das partes e declarou a excepção do não cumprimento. XXV. Posto que, é clara a exequibilidade intrínseca da obrigação de facere a que a Executada está judicialmente vinculada, tendo a Sentença recorrida violado as regras de interpretação, nomeadamente as dos arts. 236º a 238º e 295º do CC e do 713º do CPC, incorrendo num error in judicando, devendo, por isso, a Sentença ser revogada e, consequentemente, prosseguirem os autos. XXVI. Cumpre ainda dizer que a Sentença a quo parece tratar de igual forma a prestação de facto numa obrigação de meios inerente a um contrato de prestação de serviços com a obrigação de resultado inerente a um contrato de empreitada como é aqui o caso!, quando exprime que “Os exequentes, como Requerentes, deveriam ter indicado o concreto crédito a que o embargante, se obrigava a prestar, o que não sucedeu, nem aquando do requerimento inicial, nem aquando a contestação, vetando qualquer possibilidade ao aperfeiçoamento”. XXVII. Não, não tinha! Não se pode esquecer que, ao contrário de num contrato de prestação de serviços em que a obrigação é de meios e, por isso, em caso de incompletude, o credor tem que reclamar quais os serviços que estão em falta, já num contrato de empreitada o empreiteiro encontra-se adstrito a uma obrigação de resultado, devendo a obra ter aptidão para o seu uso ordinário ou para o uso previsto no contrato – cf. art. 1208.º, in fine, do CC – XXVIII. O Dono da Obra não tem direito a exigir que o Empreiteiro a execute de determinada maneira e que lhe dê ordens acerca do que fazer e como: tem apenas direito a exigir que a obra lhe seja entregue sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor ou a sua aptidão face ao contratado (art. 1208º CC), podendo ou não fiscalizá-la, mas sem que tal direito a fiscalizá-la condicione as reclamações a que tem direito fazer – cfr. ensina João Cura Mariano in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7ª Ed., Almedina, pág. 33, cuja passagem consta do artigo 54 das Alegações e aqui se dá por reproduzida, da qual se destaca que “O empreiteiro não trabalha sob as ordens e direção daquele, comprometendo-se apenas a obter um determinado resultado, o que deverá fazer com total autonomia de coordenação de meios e de opção de técnicas de trabalho.” XXIX. Dada a exigência normativa de atuar as obrigações de harmonia com boa fé, o vínculo obrigacional não se esgota na execução pura da prestação, antes impende sobre o devedor toda uma série de deveres acessórios destinados a proporcionar ao credor o bem que o direito lhe confere, como sucede com uma prestação de facto constituída por um dever de proceder a uma construção, que, enquanto dever complexo, dadas as várias operações que necessariamente se decompõe, e que não disponham de nominação própria podem, noutras circunstâncias, integrar obrigações autónomas a cargo, até, de pessoas diferentes. XXX. Posto que, não é à Exequente que compete saber ponto por ponto quais os trabalhos parcelares que a Executada, empreiteira, tem de executar, nem direito a exigir os trabalhos parcelares a Dona da Obra tem; o que a Exequente sabe – e muito bem! – é que tem direito à entrega da obra que constituiu o objeto da acção declarativa e que, ex vi transação homologada, tem título executivo para exigir a conclusão e certificação da obra, na medida em que ali a Executada ficou obrigada a terminar os trabalhos faturados de instalação dos dois monta cargas e a certificar a obra (que obviamente exige a sua conclusão). XXXI. Não obstante, dando por reproduzido tudo o quanto já se alegou, mais se diga que, ainda que se pudesse considerar, o que se concebe num raciocínio meramente hipotético, que pelas regras da interpretação não se consegue retirar a concreta prestação a que a Executada se obrigou na Transação Homologada, sempre se teria de considerar que, mediante os documentos juntos com o Requerimento Executivo – nomeadamente troca de emails entre Exequente e Executada e Orçamento para os trabalhos que não foram realizados – sempre se encontram perfeitamente determináveis e determinados quais os trabalhos a realizar pela Executada, ficando assim sanada qualquer insuficiência que o título pudesse comportar. XXXII. Sem prescindir, in casu, tendo o Tribunal a quo advogado que a Exequente “deveriam ter indicado o concreto crédito a que o embargante, se obrigava a prestar”, e não se podendo concluir, sem mais, por qualquer insuficiência do título, justificava-se o convite ao aperfeiçoamento, nos termos do art. 734º do CPC, dever que decorre do disposto no artº 590º, nº 4 do CPC e que se destina justamente ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. XXXIII. A omissão do convite ao aperfeiçoamento, influindo no exame e decisão da causa, como in casu sucedeu, implica a nulidade da Sentença nos termos dos nº 1 e 2 do art. 195º do CPC, a qual deverá ser declarada, revogando-se a decisão recorrida, com o consequente prosseguimento dos autos. Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a Sentença recorrida revogada, por: I) violação do caso julgado, com a prolação de decisões contraditórias; II) erro de julgamento, por violação das regras de interpretação dos contratos, nomeadamente as dos arts. 236º a 238º e 295º do CC e do 713º do CPC, incorrendo num error in judicando; III) nulidade da sentença nos termos do art. 195º nº 1 e 2 do CPC, por omissão do convite ao aperfeiçoamento;” * A embargante ofereceu resposta ao recurso, concluindo pela confirmação da decisão recorrida.O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo. Cumpre decidi-lo. * 2- FUNDAMENTAÇÃONão podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso. No caso, cumpre decidir: 1- Se ocorre violação de caso julgado, por referência à sentença proferida no Juízo de Execução do Porto, no processo nº 15357/23.7T8PRT, onde o título executivo era o mesmo que o dado à execução aqui embargada (sentença homologatória de transacção ocorrida no proc. nº 5293/20.4T8VNG, do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, que teve por objeto o litígio verificado entre a Dona da Obra “A..., Lda” e a Empreiteira “B..., Lda” no âmbito de um específico contrato de empreitada nº ...); 2 – Se “é clara a exequibilidade intrínseca da obrigação de facere a que a Executada está judicialmente vinculada”, face ao teor da transacção homologada por sentença, designadamente em razão da natureza do contrato de empreitada celebrado pelas partes, por deste resultar o direito à entrega da obra que constituiu o objeto da acção declarativa e que, ex vi transação homologada, consiste na conclusão e certificação da instalação dos dois monta cargas e sua certificação; 3 – Em caso negativo, se foi incumprido um dever de convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, que redundou na nulidade da sentença. * Na decisão recorrida, o tribunal teve por assente a seguinte matéria:1- Em 24.01.2024, a exequente instaurou a ação executiva para prestação de facto contra a executada. 2- Tal execução baseia-se em sentença judicial condenatória proferida no âmbito do Processo n.º5293/20.4T8VNG que correu termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia. 3- No âmbito do processo referido em 2. figura a embargante/executada como Autora e a embragada/exequente como Ré. 4- Na ata de audiência final de 20.01.2023, no âmbito da qual foi consignada sentença judicial, ficou exarado: “Declarada reaberta a audiência, foi pedida a palavra pelos ilustres mandatários das partes e pelos legais representantes da Ré, que no seu uso disseram transigir nos seguintes termos: 1) A Autora reduz o pedido à quantia de 8.501,34 euros, correspondendo às facturas nº. ..., ..., ... e ..., melhores descritas no artº. 14º da petição inicial, redução que a Ré aceita. 2) A Ré desiste do pedido reconvencional. 3) Da quantia referida em 1), o valor de 7.907,10 euros referente às facturas nº. ..., ... e ..., será pago pela Ré em 3 prestações no valor individual de 2.635.70 euros, que será efectuado nos seguintes termos: - A 1ª prestação será paga até ao dia 08 de fevereiro do corrente ano; - A 2ª prestação será paga com a entrada em obra da Autora, através de cheque entregue em obra, que ocorrerá até ao dia 8 de março do corrente ano; - A 3ª prestação será paga no prazo de 30 dias a contar da entrada em obra, pagamento que se estima ser em 8 de Abril do corrente ano. 4) O valor de 594,24 euros, referente à factura nº. ..., será pago com a conclusão dos trabalhos e certificação da obra. 5) Relativamente às demais facturas identificadas no artº. 14º da petição inicial, concretamente das facturas nº. ..., ..., ..., ... e ..., a Autora compromete-se a emitir a respectiva nota de crédito, no prazo de 10 dias, a enviar à Ré, para que esta as assine e devolva à Autora. 6) As custas serão em partes iguais, prescindindo reciprocamente de custas de parte.” 5- Foi proferido de imediato a seguinte Sentença pela MMª Juíza: "Nos presentes autos de Acção de Processo Comum em que é Autora “B..., Lda” e Ré/reconvinte “A..., Lda.”, atenta a qualidade dos intervenientes e a disponibilidade do objeto da ação, considero válida a transação que antecede, por versar sobre matéria de direitos disponíveis e provir dos sujeitos da relação material controvertida, pelo que, nos termos dos art.ºs. 283º., nº. 2, 284º. e 290º., nº. 4, todos do CPC, homologo o antecedente acordo por sentença, condenando as partes nos seus precisos termos. Custas nos termos acordados (art.º 537.º, nº2 do Código de Processo Civil). Registe e notifique." 6- No Requerimento executivo nos autos principais, além do mais, lê-se o seguinte: “3. No seguimento, a Exequente, para cumprimento da transação, procedeu ao pagamento da primeira prestação dentro do período acordado para o efeito. 4. Por sua vez, a Executada “B..., Lda” estava obrigada, nos termos da transação, a reiniciar os trabalhos, concluí-los e certificá-los, sendo que a entrada em obra deveria ocorrer até ao dia 8 de março de 2023. 5. Sucede que, até à data de hoje, a Executada não cumpriu com as suas obrigações, não tendo sequer chegado a entrar em obra, limitando-se a enviar orçamentos para cobrança de valores adicionais à transação celebrada como exigência para começar a realizar os trabalhos a que se obrigou na Transação, o que obviamente não se coaduna com a Transação a que se obrigou”. * Como infra se afirmará ser necessário, com fundamento na cópia da sentença junta com a contestação, a que aludem quer o apelante, quer a apelada, tem-se ainda por provado que:7. Por apenso à acção executiva que correu termos no Juízo de Execução do Porto sob o nº 15357/23.7T8PRT, intentada pela B... contra o A..., em que o título dado à execução foi a mesma sentença homologatória de transacção que nestes embargos está em causa, o ali executado A... ofereceu embargos que vieram a ser julgados procedentes, por sentença transitada em julgado, da qual constam os segmentos que seguidamente se transcrevem: “ Face aos factos dados como provados e verificando-se a troca de correspondência entre as partes, conclui-se que a exequente não iniciou a prestação em causa porque verificou que seria necessário a realização de outros trabalhos. Por isso invoca a excepção da alteração às circunstâncias do contrato, referindo que tornou a prestação da Exequente injustificadamente mais onerosa, relativamente à prestação da Executada. Cumpre verificar da procedência dessa excepção. Prescreve o art.º 437.º do Código Civil: (…) A alteração que a lei prevê pressupõe que seja uma alteração do estado de coisas posterior à celebração do contrato. (…) Assim, conclui-se que a alteração das circunstâncias invocada não se pode proceder, uma vez que a transação em causa foi realizada na altura em que tais circunstâncias se verificavam. Estando em causa uma execução de sentença homologatória, cuja exigibilidade dependa do oferecimento da contraprestação, não se pode ter como verificada essa prestação quando o exequente exige da parte do devedor, para além da prestação acordada, no caso, o pagamento da segunda prestação, outras contrapartidas – como foi o caso da pretensão da exequente em exigir da executada em assumir o pagamento dos trabalhos extras que julga serem necessários. Estas condições impostas pela exequente para que desse início aos trabalhos não têm fundamento no título executivo. Assim, julgo não verificada a realização da prestação a que a exequente estava obrigada para que desencadeasse a obrigação da executada no pagamento da segunda prestação acordada, e, por via disso, incorreu em mora creditoris (cfr. art. 813º do C.Civil) a partir da data de 3/3/2023. Face ao exposto, julgam-se procedentes os presentes embargos de executado, por se verificar a excepção da inexigibilidade da prestação exequenda peticionada.” * A matéria anteriormente descrita exprime o teor do título executivo, no tocante ao direito invocado pela exequente. Ali se refere, de útil, quanto à correspondente obrigação da executada, o seguinte:“- A 2ª prestação será paga com a entrada em obra da Autora, (…), que ocorrerá até ao dia 8 de março do corrente ano; - A 3ª prestação será paga no prazo de 30 dias a contar da entrada em obra, pagamento que se estima ser em 8 de Abril do corrente ano. 4) O valor de 594,24 euros, referente à factura nº. ..., será pago com a conclusão dos trabalhos e certificação da obra.” Numa acção executiva, o título executivo - neste caso a sentença de onde se extraiu o conteúdo acima enunciado - é o elemento essencial da causa de pedir e é por referência a esse conteúdo que se justifica o pedido exequendo (art. 10º, nº 5 do CPC). No caso, vejamos qual é a interpretação feita pela exequente desse mesmo título e o consequente pedido exequendo: - A Executada “B..., Lda” estava obrigada, nos termos da transação, a reiniciar os trabalhos, concluí-los e certificá-los, sendo que a entrada em obra deveria ocorrer até ao dia 8 de Março de 2023 (ponto 4º do req. executivo). - A Executada não chegou sequer a entrar em obra, limitando-se a enviar orçamentos por valores para trabalhos adicionais à transação celebrada, como exigência para começar a realizar os trabalhos a que se obrigou (ponto 5º do req. executivo). - Indica o prazo de 15 dias para a realização dos trabalhos por parte da Executada, que considera mais do suficiente, requerendo a fixação de prazo para o cumprimento (ponto 8º do req. executivo). - Ultrapassado este prazo, a Exequente pretende que a prestação seja efetuada por terceira pessoa – isto é, conclusão dos trabalhos deixados incompletos pela Executada, anteriormente à transação celebrada, e certificação da obra – ficando os custos a cargo da Executada (ponto 10º do req. executivo). - Tais custos correspondem a € 4.900,00 (quatro mil novecentos euros) + IVA – ao que acresce o valor da manutenção dos 2 monta-cargas e 1 monta-pratos e manutenção de 2 ascensores, num total de € 14.800,00 (pontos 11º e 12º do req. executivo). - Compensação, a título de indemnização moratória, nos termos dos arts. 868º do CPC, segundo juízos de equidade, no montante de “€ 7.500,00 (cinco mil euros)”. (ponto 16º do req. executivo). - Opção pela prestação do facto por outrem, requerendo a nomeação de perito que avalie o custo da prestação (ponto 17º do req. executivo). - Concluída a avaliação, penhora dos bens necessários para o pagamento da quantia apurada, seguindo-se os demais termos do processo de execução para pagamento de quantia certa, (ponto 18º do req. executivo). Foi nestas circunstâncias que o tribunal recorrido considerou que a sentença exequenda “não incorpora uma obrigação certa, concreta ou qualitativamente e quantitativamente determinada, pelo que não é dotada de exequibilidade intrínseca.” E – continuou - nem o próprio A..., ora exequente, no requerimento executivo ou sequer na contestação dos embargos, indicou “o concreto crédito” que a B... se obrigara a prestar, isto é, a concreta prestação devida em razão da sentença. Mas – acrescentou – ainda que o tivesse alegado, a própria sentença exequenda “não nos dá qualquer base sólida de prestação”. Completou a sua justificação com a citação do Acórdão do Tribunal de Guimarães de 14.03.2024, proc. 5275/21.9T8VNF-A.G1, em www.dgsi.pt, segundo o qual “Não é admissível, em sede executiva, reabrir a discussão sobre outra via de decisão dos direitos em conflito. Definida a obrigação com trânsito em julgado, esgota-se a possibilidade de redefinição da mesma, por a oposição apenas comportar uma dimensão declarativa na perspetiva da afetação dos efeitos normais do título.” No caso, o tribunal afirma que a discussão que seria necessário empreender nem sequer seria destinada a encontrar outra via para a solução do litígio entre as partes, alternativa à da sentença, mas sim a definir uma efectiva solução, que não se extrai da própria sentença exequenda. Consequentemente, considerando inexequível a sentença dada à execução, o tribunal recorrido julgou procedentes os embargos e declarou a extinção da execução. Prejudicada ficou, por isso, a pretensão do exequente, quer quanto à fixação do prazo, quer quanto à realização da prestação por outrem e necessidade da avaliação do respectivo custo, quer quanto à indemnização moratória, quer quanto à penhora dos bens necessários para o pagamento. * Neste contexto, a primeira questão que o apelante suscita é a da incongruência entre a sentença aqui proferida e a proferida nos autos de execução ‘cruzada’, que a B... antes intentara contra a aqui embargada A.... Incongruência tal que, segundo o apelante, resulta numa ofensa do caso julgado formado naquela outra execução.Tendo tal questão sido alvo de contraditório em sede de recurso, cumpre apreciá-la. E isso importa que se tenha presente o teor daquela outra sentença, razão pela qual se aditou o mesmo ao elenco dos factos provados. Em ambas as execuções é o mesmo o título executivo: a sentença homologatória da transacção acima transcrita. E são as mesmas as partes. Atente-se, então, na sentença a que alude a apelante A..., proferida na referida execução cruzada. Aí tratava a B... de executar o seu direito aos pagamentos previstos na transacção, dos quais só terá sido paga a primeira. Porém, não lhe foi reconhecido tal direito, por não ter iniciado os trabalhos que seriam a contrapartida do vencimento da obrigação de pagamento da 2ª prestação prevista na transacção. Afirmou o tribunal: “….conclui-se que a exequente [ ali era a B...] não iniciou a prestação em causa porque verificou que seria necessário a realização de outros trabalhos. Por isso invoca a excepção da alteração às circunstâncias do contrato, referindo que tornou a prestação da Exequente injustificadamente mais onerosa, relativamente à prestação da Executada. (…) Assim, conclui-se que a alteração das circunstâncias invocada não se pode proceder, uma vez que a transação em causa foi realizada na altura em que tais circunstâncias se verificavam. Estando em causa uma execução de sentença homologatória, cuja exigibilidade dependa do oferecimento da contraprestação, não se pode ter como verificada essa prestação quando o exequente exige da parte do devedor, para além da prestação acordada, no caso, o pagamento da segunda prestação, outras contrapartidas – como foi o caso da pretensão da exequente em exigir da executada em assumir o pagamento dos trabalhos extras que julga serem necessários. Estas condições impostas pela exequente para que desse início aos trabalhos não têm fundamento no título executivo. Assim, julgo não verificada a realização da prestação a que a exequente estava obrigada para que desencadeasse a obrigação da executada no pagamento da segunda prestação acordada, e, por via disso, incorreu em mora creditoris….”. É o conteúdo desta decisão que se quer fazer valer aqui, por via do apelo ao caso julgado. É usual a afirmação de duas vertentes, no instituto do caso julgado: uma vertente negativa, que «…opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir”; e uma vertente positiva, que «…opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida. » Esta lapidar explicação, que consta do sumário do ac. do STJ de 5/12/2017 (proc. nº 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1, em dgsi.pt), acrescenta que «…a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença; porém, estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado.» No caso, é óbvia a identidade das partes e da causa de pedir, em cada uma das execuções. Todavia é igualmente óbvia a diversidade do pedido, pois que em cada uma das execuções a pretensão exequenda corresponde aos direitos recíprocos que cada uma das partes extrai para si do contrato que esteve na origem da transacção homologada por sentença. Assim, o que o A... agora invoca, quando apela à figura do caso julgado, é, em rigor, a autoridade de caso julgado, que pretende que se reconheça à sentença proferida nos embargos correspondentes à execução 15357/23.7T8PRT, anteriormente intentada pela B... contra si. Pretende, então, que aqui se reconheça que a B... se encontra em incumprimento da prestação prevista na transacção homologada pela sentença exequenda, descrita como entrada em obra, reinício dos trabalhos até 8/3/2023, sua conclusão e certificação, pois que isso mesmo foi afirmado na sentença proferida naqueles outros embargos, tendo sido esse o pressuposto do não prosseguimento da execução que a B... intentara contra si. Mas, mais do que isso, pretende é que por efeito dessa mesma sentença, se considere perfeitamente fixada a prestação devida pela B..., pois que ali não foi questionado o conteúdo dessa prestação senão para se afirmar que a mesma, para que fosse executada, não legitimaria a cobrança de quaisquer outros trabalhos inicialmente não previstos e depois tidos por essenciais. E isso porquanto, recusando a aplicação do instituto da alteração anormal de circunstâncias, o tribunal rejeitou que o início dos trabalhos pudesse ser condicionado à aceitação, pelo A..., do pagamento de quaisquer outros valores alegadamente imputados à necessidade de tais trabalhos não previstos. Sendo esse, precisamente, o conteúdo útil da sentença proferida nos embargos daquela execução ‘cruzada’, é certo que ali se concluiu, como pressuposto da decisão proferida e vinculativa das mesmas partes, que a B... não tinha direito à cobrança da quantia exequenda, por esse direito estar condicionado ao início dos trabalhos a que estava vinculada e não se ter verificado esta condição. Todavia, não atentou tal sentença sobre qual fosse o conteúdo da prestação devida, pois que lhe foi suficiente reconhecer que, quaisquer que fossem os trabalhos pressupostos, não foram iniciados. E tal bastou para não ter por verificada a condição de que dependia o vencimento da obrigação exequenda. Sem prejuízo, por isso ser ainda útil à própria decisão, decidiu também esse tribunal que não se verificava qualquer alteração anormal de circunstâncias que habilitasse a B... a apenas iniciar os trabalhos, isto é, a executar a prestação a que estava contratualmente obrigada, desde que fossem acrescentados outros trabalhos e o A... admitisse pagar o custo para eles orçamentado. Em qualquer caso, o que de forma alguma esse tribunal, em tal sentença, teve em consideração foi a identificação do conteúdo da prestação devida pela B... que estava por cumprir, pois – como se referiu – então se bastou com a certeza de que qualquer que fosse o conteúdo dessa prestação, não a tinha iniciado a B..., como acordara em transacção, sem que a exigência de outros trabalhos que a B... pretendia adicionar o justificasse. Resta afirmar, em conclusão, que em relação à questão que é fulcral nos presentes autos, que é a de saber se a sentença dada à execução é exequível por concretizar com suficiência a prestação devida e alegadamente incumprida, nada dispôs a sentença proferida naqueles embargos 15357/23.7T8PRT-A, nem isso foi pressuposto da mesma, pois que para ela foi pressuposto suficiente a conclusão de que a B... não iniciara quaisquer trabalhos na data acordada – 8/3/2023 – sem que o pudesse justificar com a necessidade da realização de quaisquer outros trabalhos não previstos. Pelo exposto, rejeita-se que a sentença proferida nos embargos apensos à execução nº 15357/23.7T8PRT, por virtude de autoridade de caso julgado, à luz do nº 1 do art. 619º do CPC, incorra em qualquer contradição e tenha virtualidade para prevenir que a decisão recorrida possa concluir pela inexequibilidade da sentença dada à execução. Improcede, pois, nesta parte, o recurso do apelante. * Cabe, sucessivamente, aferir do mérito da decisão recorrida quanto à sua essência, traduzida na conclusão pela não exequibilidade da sentença dada à execução, por não incorporar “… uma obrigação certa, concreta ou qualitativamente e quantitativamente determinada.”Como refere a sentença recorrida, citando Lebre de Freitas (A ação executiva, Coimbra Editora, 5ª edição, p. 82) “A obrigação é certa quando estiver qualitativamente determinada, ainda que esteja por liquidar ou individualizar.” Acresce que a certeza da obrigação deve estar patente no próprio título executivo. Com efeito, como dispõe o nº 5 do art. 10º do CPC, é o título que define o fim e os limites da execução. Sendo recorrente, no judiciário, a tolerância relativamente a situações em que o título de per si não é suficiente para a concretização da pretensão exequenda, decorrendo esta quer da alegação de factos complementares, quer da apresentação de complexos documentais que tendem a tal concretização, sempre terão de colher-se no título executivo a caracterização e a definição dos limites da pretensão executiva, elementos estes que não devem estar pendentes de uma nova discussão de natureza claramente declarativa. Foi uma tal impossibilidade de identificação da prestação devida pela B..., em consequência da transacção homologada pela sentença dada à execução, que motivou a decisão recorrida. Discordando da solução decretada, vem o apelante sustentar que a obrigação exequenda é certa, por estar devidamente determinada, correspondendo ao resultado da obra que foi objecto do contrato de empreitada que celebrara com a B...: a instalação de dois monta cargas, sua colocação em funcionamento e certificação. De resto, alega, jamais foi colocada qualquer questão, pela B..., quanto à identificação dos trabalhos a executar para completar tal obra. Sendo certo que a sentença exequenda, homologatória da transação ocorrida no processo nº n.º5293/20.4T8VNG do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, tinha por base o contrato de empreitada ... (como referido na correspondência trocada entre as partes, designadamente a carta de 13/7/2023, junta com a contestação a estes embargos), é o próprio A... que afirma, nessa mesma carta, que a obrigação da B... já não se define por tal contrato, mas sim pelo contrato de transacção celebrado no processo e homologado por sentença. Note-se que a citação deste documento nesta fase não se faz para aditar qualquer factualidade útil à presente decisão, mas apenas para salientar o acerto de tal afirmação quanto à distinção entre o que possa ter sido o objecto do contrato de empreitada (segundo uma classificação aceite sem controvérsia) celebrado entre as partes e a concreta prestação prevista pelas partes aquando da transaccção judicialmente homologada. Ora, perante o teor da transacção e a sentença que a homologou, é incontornável a conclusão quanto à indefinição da prestação pretendida da B... e à qual ela se tenha ali vinculado. É que não basta afirmar que ela, por defeito, compreenderá todos os trabalhos necessários à conclusão de instalação dos monta cargas, sua colocação em funcionamento e certificação, que à própria B... caberá apurar e executar. Com efeito, a própria execução tende à realização da prestação por outrem, a carecer de avaliação para cobrança do respectivo custo à executada. Como calcular esses custos, se o título executivo não permite conhecer quais os trabalhos? Relativamente à obra em questão, valores já foram pagos e trabalhos já foram executados. Neste contexto, o que é que está por fazer e que foi objecto da transacção cuja sentença é oferecida para execução? Quais os trabalhos que à B..., ao entrar em obra - expressão que só pode significar apresentar-se para reiniciar os trabalhos - caberia executar e que deixou por fazer por os não ter reiniciado? Os presentes autos, dotados apenas da sentença dada à execução, por via desse título executivo e desprovidos de qualquer complexo documental que o pudesse complementar, como também de uma assertiva alegação da concretização dos trabalhos a realizar que eventualmente se pudesse considerar subsumível ao clausulado da transacção, não habilitam a que se consiga definir a prestação exequenda. Pelo contrário, a identificação da prestação devida pela B... não prescinde de uma intervenção declarativa, com instrução probatória, discussão e decisão, a qual, aliás, não se limita à liquidação da obrigação exequenda, antes exigindo a sua efectiva definição. A este propósito resta acrescentar que a circunstância de ao clausulado da transacção ter sobrevindo uma sentença homologatória de forma alguma conduz a diferente decisão, impondo agora que se assegure a execução de qualquer que tenha sido o conteúdo dessa sentença. Com efeito, não é por ter sido proferida tal sentença que se preenche o requisito de certeza da obrigação que ela pressupôs. A sentença exequenda foi construída exclusivamente sobre a vontade congruente das partes, que entenderam que os termos da transacção celebrada eram adequados à definição dos respectivos direitos e obrigações. A intervenção judicial homologatória de tal transacção não veio acrescentar qualquer elemento, cabendo constatar, agora a jusante, que, perante novas divergências, o conteúdo de tal transacção padece, designadamente quanto à obrigação contraída pela B..., de uma incerteza que torna inviável a respectiva e imediata execução coerciva. Por todo o exposto, temos por insusceptível de crítica a sentença em crise, ao concluir pela incerteza da obrigação exequenda em face do título dado à execução. * Por fim, alega o apelante que, mesmo a concluir-se pela incerteza da obrigação em face do título, deveria ter ocorrido um convite ao aperfeiçoamento, em ordem a que tivesse oportunidade de alegar a factualidade necessária para que se intuísse, a partir da sentença exequenda, a prestação devida pela B....Entendemos, diferentemente, que o vício em causa é insuprível, tal a indefinição da obrigação exequenda em face do título. Com efeito, apesar de uma tal hipótese se poder admitir apenas em abstracto e para efeitos de mera discussão jurídica, e a ocorrer na eventualidade de uma falta de qualquer oposição, que no caso se não configura, um mero complemento da alegação factual no requerimento executivo sempre conduziria à necessidade de discussão da matéria correspondente, em sede declarativa, em termos inadmissíveis já em sede executiva. É que, como antes se afirmou, cabendo ao título a função de traduzir o conteúdo (fim e limites) da execução, é o teor da transacção a que se refere a sentença exequenda completamente inapto para permitir compreender a prestação exigida à B..., os concretos trabalhos que lhe cabe realizar para completar a obra contratada com o ora exequente, em ordem a facultar a ulterior avaliação do seu custo, sendo caso disso. Por isso, nos termos previstos nos arts. 734º e 729º, nº 2, al. a) do CPC, sendo manifesta a insuficiência do título dado à execução, é este vício absolutamente insuprível, determinando necessariamente a extinção da execução (cfr., neste sentido, Ac. deste TRP, de 28/10/2021, proc. nº 1596/19.9T8AGD-C.P1, em dgsi.pt). Improcede, também quanto a esta questão, a pretensão do apelante. * Por todo o exposto, resta concluir pelo não provimento da presente apelação, na confirmação integral da decisão recorrida.* Sumariando (art. 663º, nº 7 do CPC): ……………………………… ……………………………… ……………………………… 3 - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento à presente apelação, em razão do que confirmam a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Reg. e not. Porto, 28/1/2025 Rui Moreira João Diogo Rodrigues João Ramos Lopes |