Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL SOCIEDADES ANÓNIMAS FISCAL ÚNICO CONSELHO FISCAL | ||
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Nº do Documento: | RP202312191549/23.2T8AVR-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/19/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A lei faz depender o decretamento da providência de suspensão de deliberação social, nos termos do disposto nos art.ºs 380.º e 381.º do C.P.Civil, dos seguintes requisitos cumulativos: i) a qualidade de sócio do requerente relativamente à sociedade que tomou a deliberação; ii) a ilegalidade da deliberação (por violação da lei ou dos estatutos); iii) a existência de dano apreciável resultante da execução da deliberação e ainda que o prejuízo da suspensão seja inferior ao prejuízo da execução. II - A fiscalização das sociedades anónimas compete a um fiscal único, que deve ser ROC ou SROC, ou a um conselho fiscal. O fiscal único terá sempre um suplente, que será igualmente ROC ou SROC. III - O legislador reconheceu, no art.º 418.º do CSC, o direito de alguns acionistas minoritários poderem requerer judicialmente a nomeação de membros efetivos e suplentes do órgão de fiscalização da sociedade, tanto no caso de se tratar de fiscal único como de conselho fiscal. IV – Tendo a sociedade alterado o seu modelo de fiscalização de fiscal único para conselho fiscal, enquanto pende ação interposta à luz do art.º 418.º do CSC, tal não invalida a nomeação, quando transitada em julgado, feita pelo tribunal de um membro efetivo e de um suplente para o órgão de fiscalização da sociedade, que entrará em funções no do órgão de fiscalização da sociedade e até ao fim do quadriénio para o qual o anterior fiscal único (à luz do anterior modelo de fiscalização) tinha mandato. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação Processo n.º 1549/23.2T8AVR-A-P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 3 Recorrente – AA Recorrida – A..., Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntos – Desemb. Maria da Luz Teles Meneses de Seabra Desemb. João Diogo Rodrigues Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível) I – AA instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra a sociedade A..., Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, pedindo que: “a) declarar a nulidade das deliberações tomadas na AG de sócios da requerida de 24.03.2023, designadamente da deliberação que alterou o artigo 19.º do pacto social (estatutos) da requerida, no âmbito do ponto 1 da ordem de trabalhos, bem como a deliberação do ponto dois da ordem de trabalhos que procedeu à eleição dos membros do conselho fiscal da requerida para concluir o mandato em curso de 2022 a 2025, que vierem a ser identificados pela requerida quando juntar aos autos a cópia da ata já solicitada pelo requerente; b) ordenar a suspensão dos efeitos da execução das deliberações referidas na alínea anterior, com todas as consequências legais, designadamente ordenando a notificação do conselho de administração da requerida bem como de todos os membros eleitos para o conselho fiscal da requerida (que vierem a ser identificados na ata da AG de 24.03.2023) para se absterem de executar as deliberações que vierem a ser suspensas; c) ordenar o averbamento no registo comercial das decisões prolatadas nas das duas alíneas anteriores (cfr., art.º 3.º, al. m) do cód. do registo comercial)”. Alegou, para tanto, e em síntese, que tais deliberações acarretarem a destituição encapotada do fiscal que foi nomeado judicialmente na sequência de decisão proferida no âmbito da ação instaurada pelo aqui autor e igualmente no facto de a nomeação de membros do conselho de fiscalização acarretar uma verdadeira destituição, sem justa causa, do fiscal único nomeado para o mesmo quadriénio. E para fundamentar a necessidade da suspensão requerida e a existência do justo receio que a pressupõe, o autor alega que ficará privado de poder fiscalizar a sociedade, torando inútil a nomeação judicial que foi por si requerida, com as consequências daí decorrentes. A requerida deduziu oposição e, além do mais, alegou que as deliberações em causa não afetam os efeitos da nomeação judicial de um fiscal a pedido do autor, ainda pendente de decisão de recurso no Tribunal da Relação do Porto, sendo certo que tal fiscal só não iniciou funções porque o Tribunal entendeu não dever ainda notificá-lo da nomeação, isto porque, como resulta do art.º 418.º n.º 1 do CSC, o membro judicialmente nomeado do órgão de fiscalização é um membro adicional – “mais um membro”, como diz a lei, o que significa que a sua nomeação se concretiza e subsiste, independentemente do número de membros que em cada momento compõem o órgão de fiscalização e independentemente, também, de a fiscalização estar entregue a um fiscal único, a um conselho fiscal que integre o revisor oficial de contas ou a um conselho fiscal e a um revisor oficial de contas que dele não seja membro. Tendo-se decidido pela desnecessidade de produção de quaisquer outras provas, foi depois proferida decisão de onde consta: “Pelo exposto julgo o presente procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais totalmente improcedente e em consequência absolvo a requerida A..., Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. do pedido, condenando o requerente AA no pagamento integral das custas da ação, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC. Valor da ação: €30.000,01. Registe e notifique”. Inconformado com tal decisão, dela veio o requerente recorrer de apelação, pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue o procedimento cautelar procedente. O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões: 1. Nas sociedades que adotam o sistema tradicional (dito latino), como a recorrida, a fiscalização compete: (a) a um fiscal-único (que deve ser ROC, pessoa singular ou sociedade de vários ROC) ou a um conselho fiscal; (b) ou a um conselho fiscal e a um (separado) ROC (art.º 413-1). 2. Tradicionalmente, os titulares dos órgãos de fiscalização, quando não designados no contrato de sociedade, são em regra eleitos em Assembleia Geral. 3. É um paradoxo constantemente referido pelos comercialistas: “é a maioria formada em assembleia geral, logo são os próprios grandes acionistas, que principalmente virão a ser controlados, aqueles mesmos que começam por ter o poder decisivo de escolher os seus controladores.” (cfr. J. Pinto Furtado, obra cit, pág. 600). 4. O remédio encontrado para minimizar este pecado original tem sido, basicamente, ou de tecer em torno dos órgãos de fiscalização assim eleitos uma rede de garantias de imparcialidade tão estreita quanto possível, que vai desde a exigência de especiais conhecimentos técnicos até a inamovibilidade, passando pelo estabelecimento de certas incompatibilidades, pelo aperfeiçoamento das suas competências e pelo recurso à previsão legal de novos órgãos de fiscalização. 5. Em determinados casos excecionais, pode a designação de um membro do Conselho fiscal ser realizada por entidade estranha à sociedade fiscalizada, ou por decisão judicial. 6. A decisão judicial de designação de membros dos órgãos de fiscalização verifica-se, numa das hipóteses previstas na Lei, quando os sócios que representem pelo menos 10% do capital social e tenham votado contra a eleição maioritária do Conselho fiscal requeiram ao Tribunal a nomeação de mais um membro efetivo e um suplente. 7. A faculdade de peticionar a nomeação judicial de um membro efetivo do Conselho fiscal e de suplente alicerça-se na circunstância de garantir às minorias que a administração e fiscalização da SA sejam exercidas de uma forma isenta em observância das posições jurídicas protegidas pelo Direito. 8. Este regime previsto no artigo 418.º do CSC desdobra-se em duas possibilidades consoante a sociedade anónima tenha adotado o modelo de conselho fiscal (com ou sem ROC externo) ou de fiscal único. 9. No caso de a sociedade anónima possuir como órgão de fiscalização um conselho fiscal, os sócios minoritários podem requerer a nomeação judicial de um membro efetivo e um suplente para o conselho fiscal (ou de dois membros efetivos e de um suplente se os pedidos foram feitos por mais do que um sócio ou grupos de sócios) – cfr. 418.º, 1 CSC. 10. No caso de a sociedade anónima adotar o modelo de fiscalização composto pelo fiscal- único, que, como sabemos, deverá ser integrado por um ROC ou por uma sociedade de ROC, poderão os sócios minoritários requerer a nomeação judicial de um fiscal único das minorias efetivo e suplente, que deverá, assim, ser também um ROC ou uma sociedade de ROC (cfr. J.P. Remédio Marques, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coord. J. M. Coutinho de Abreu, Vol. VI, 2.º Ed., pág. 624, nota 2, Teresa Anselmo Vaz, (2006), pág. 158, nota 51 e Ac. RL, de 02/05/2006, CJ, 2006, T. III, pág. 79. 11. Quanto às competências dos órgãos de fiscalização compete dar nota de que os mesmos têm poderes diversos consoante a modalidade adotada, para não haver duplicidade de auditoria. 12. Ao ROC (pessoa singular ou sociedade) fiscal único compete exercer (todas) as funções de fiscalização previstas no art.º 420.º CSC (em primeiro lugar no n.º 1); compete especialmente ao ROC realizar a revisão e certificação legal de contas (420.º 4, 451-2 e 44 e 45 do OROC). 13. Por sua vez, ao ROC (autónomo) nas sociedades com estrutura orgânica do tipo monístico ou dualístico e, nas de sistema tradicional, separado do Conselho fiscal cabe a fiscalização contabilística prevista nas als. c) a f) do 420-º1 e ainda a revisão e certificação legais de contas previstas nos artigos 446.º, 1 e 3 e 451.º-2 e 453.º, 2 e 3. 14. Ou seja, enquanto ao ROC Fiscal-único lhe compete exercer todas as competências estabelecidas no n.º 1 do art.º 420.º do CSC, ao ROC (autónomo) separado do Conselho Fiscal cabe a fiscalização contabilística prevista nas als. c) a f) do 420-º1 e ainda a revisão e certificação legais de contas previstas nos artigos 446.º, 1 e 3 e 451.º-2 e 453.º, 2 e 3. 15. Cabendo, neste caso, ao Conselho Fiscal o exercício das funções previstas nas als. a) e b) do art.º 420.-1 do CSC e ainda as funções estabelecidas no art.º 420.- 2 do CSC. 16. Se a sociedade tem um Fiscal-Único, o membro designado pelo Tribunal ao abrigo do artigo 418.º do CSC tem as funções de fiscalização previstas em todas as alíneas do n.º 1 do art.º 420.º-1 CSC, competindo-lhe especialmente realizar a revisão e certificação legal de contas (420.º 4, 451-2 e 44 e 45 do OROC). 17. Se a sociedade tem um Conselho Fiscal (com ou sem ROC separado), o membro designado pelo Tribunal ao abrigo do artigo 418.º do CSC tem as funções previstas nas als. a) e b) do art.º 420.-1 do CSC e ainda as funções estabelecidas no art.º 420.-2 do CSC, mas não lhe compete realizar a revisão e certificação legal de contas, que é uma competência exclusiva do ROC (420.º 4, 451-2 e 44 e 45 do OROC). 18. A defesa da imparcialidade dos titulares dos órgãos de fiscalização passa também pelo estabelecimento de garantias de inamovibilidade das suas funções. 19. A Assembleia Geral, ao contrário do que se passa com os membros da administração, só poderá, agora como dantes, destituir membros do Conselho fiscal, o revisor oficial de contas ou o fiscal único, não nomeados oficiosa ou judicialmente, com fundamento em justa causa e por deliberação precedida da audiência dos visados sobre os factos que lhes são imputados (art.º 419.º, 1 e 2 CSC). 20. Assim fica perfeitamente demarcada a inamovibilidade dos titulares dos órgãos de fiscalização. 21. Naturalmente, a deliberação da sociedade que vier a destituir algum deles sem fundamento em justa causa será impugnável nos termos gerais de arguição de nulidade, com referência à previsão legal da última parte da al. d) do art.º 56.º-1 CSC (conteúdo ofensivo de preceito que não pode ser derrogado, “nem sequer por vontade unânime dos sócios” – ou do mencionado art.º 419.º CSC). – cfr., J. Pinto Furtado, Competência e Funcionamento dos Órgãos de Fiscalização das Sociedades, “Nos 20 anos do Código das Sociedades, Homenagem aos Prof. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, Vol. I., Coimbra Editora, 2007, pág. 605). 22. “Acresce que a destituição dos membros do conselho fiscal não é livre, pois só tem lugar ocorrendo justa causa. (…). E a existência de justa causa para a destituição dos membros do conselho fiscal não pode ser dispensada. (…) Trata-se de norma de carácter imperativo, não podendo assim ser afastada pela vontade expressa pelos acionistas - nesse sentido o acórdão já apontado. E as deliberações dos sócios que infrinjam tal norma são nulas, como dispõe o artigo 56.º n.º 1 d). Aliás o artigo 69.º n.º 3, integrado no capítulo da apreciação anual da situação da sociedade, estabelece que produz nulidade a violação de preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a proteção dos credores ou do interesse público. Ora o dito artigo 419.º n.º 1, além dar estabilidade aos órgãos sociais, limita a soberania da assembleia geral não só, eventualmente, no interesse de sócios minoritários mas principalmente no interesse dos credores da sociedade e também no interesse público em que a situação da sociedade, apreciada em assembleia geral, corresponda à realidade e tenha sido fiscalizada com independência.” - cfr., o Ac. do STJ de 04.07.1995, no Processo 086919, acessível em www.dgsi.pt). 23. «Os preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios, a que a al. d), do n.º 1 do art.º 56.º faz referência mais não são do que “preceitos legais imperativos”. (…) Aquilatar da imperatividade de certa norma tarefa interpretativa. Tarefa muitas vezes facilitada pelo próprio texto normativo, com signos linguísticos do ano estar absolutamente vedado a derrogação da disciplina respetiva. (…) Entre muitas outras, são nulas as deliberações que (…) destituam membros do órgão de fiscalização sem justa causa (cfr. o art.º 419.º, 1);» (cfr., Coutinho de Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, 2.º Ed., Almedina, pág. 698 e 699, em comentário ao artigo 56.º do CSC). 24. Tratando-se de membros nomeados judicialmente, só o Conselho de Administração ou os sócios que requereram a nomeação podem solicitar ao Tribunal a sua substituição, com fundamento em justa causa (art.º 419.º - 3 CSC). 25. “A assembleia geral só pode destituir os membros do conselho fiscal, o ROC ou o fiscal único que não tenham sido nomeados judicialmente e isso se ocorrer justa causa (419.º/1), devendo os interessados ser previamente ouvidos na assembleia (419.º/2). A destituição dos elementos judicialmente nomeados exige justa causa e decisão judicial (419.º/ 3). Tudo isto é importante, para acentuar o perfil independente das pessoas a quem caiba a fiscalização da sociedade.” (cfr., A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, II Das Sociedades em Especial, 2006, Almedina, pág. 775). 26. A alteração das regras relativas ao modelo de fiscalização da requerida, operada na AG de 24.03.2023, passando do modelo de Fiscal-Único para o modelo de Conselho Fiscal, operada pela modificação do artigo 19.º do pacto social e pela designação dos membros do (novo) Conselho Fiscal, realizada menos de um ano após o início do mandato em curso do Fiscal Único eleito na AG de 30.05.2022, e poucos meses após a designação pelo Tribunal, por sentença de Outubro de 2022 (que foi confirmada por Acórdão desta Relação do Porto de 16.05.2023), ao abrigo do disposto do artigo 418.º do CSC, de um Fiscal-Único indicado pelo requerente, na sua qualidade de sócio minoritário da requerida, implica a cessação de funções (por destituição) do Fiscal-Único eleito pela maioria dos sócios na AG anual de 2022 e a impossibilidade de o Fiscal-Único designado por sentença judicial de exercer o cargo para o qual foi designado pelo Tribunal dado que o cargo foi extinto (art.º 280.º-1 do Cód. Civil), o que constitui uma forma de fazer cessar as funções do mesmo em violação do princípio da inamovibilidade previsto nos artigos 418.º e 419.º do CSC que deverão ser aplicados, eventualmente, por interpretação extensiva. 27. A cessação de funções dos membros do Fiscal-Único, ou melhor de qualquer membro do órgão de fiscalização de uma sociedade anónima, só pode ocorrer pelas formas imperativas previstas na Lei e nos termos por esta estabelecidos. 28. A cessação de funções de todos os membros do órgão Fiscal-Único da requerida ocorrida na AG de 24.03.2023, por impulso do Conselho de Administração que requereu ao Presidente da Mesa da AG a reunião dos sócios, e por votação maioritária dos votos dos sócios expressos em assembleia geral, corresponde, em termos jurídicos, a uma destituição do Fiscal-Único eleito pela maioria dos sócios na AG de 30.05.2022 e uma forma de impedir a entrada em funções do Fiscal-Único designado pelo Tribunal nos autos do Processo n.º 2197/22.0T8AVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Comércio de Aveiro, Juiz 1, sem invocação de qualquer justa causa e sem ser determinada pelo Tribunal, em contravenção com as disposições dos artigos 418.º e 419.º do CSC, em conjugação com o artigo 280.º-1 do Cód. Civil. 29. Decorre ainda da prova produzida nos presentes autos que foi designado por sentença proferida por um Tribunal Judicial, no caso pelo Juiz 1 deste Juízo de Comércio de Aveiro, um Fiscal-Único proposto pelas minorias ao abrigo do disposto do artigo 418.º, n.º 1 e 2 do CSC. 30. Esse Fiscal-Único tem os mesmos poderes de fiscalização do comportamento do CA que o Fiscal-Único que foi eleito pela maioria dos sócios da requerida na AG de 30.05.2022. 31. Com a alteração do modelo de fiscalização aprovado na AG de 24.03.2023 deixaria de ser legalmente possível que o FU designado pelo Tribunal exerça essas funções, dado que tal órgão de fiscalização despareceu e foi substituído por um Conselho Fiscal. 32. Isto tudo, é independente de essa vontade não ter sido expressamente alegada pelos sócios na AG ou pelo Conselho de Administração, quando convocou a AG. 33. A sentença recorrida parte de uma fundamentação errada quando alega que o Fiscal-Único das minorias designado pelo Tribunal se mantém em funções seja qual for o modelo do órgão de fiscalização que seja adotado pela sociedade recorrida, pois isso viola as regras do CSC que estabelecem que é “vedada à autonomia privada a combinação de elementos estruturais de modalidades diferentes (cherry-picking) nos órgãos de composição obrigatória”. 34. Ou seja, quando o Tribunal designou, ao abrigo do disposto no art.º 418.º do CSC um membro do Fiscal-Único (FU) da sociedade recorrida, esse membro não pode continuar a exercer a função de FU, quando na AG de sócios da recorrida da 24.03.2023 a sociedade adotou o modelo de fiscalização de Conselho Fiscal com ROC separado. 35. Pois, quando a sociedade tem um Conselho Fiscal, o membro designado para o órgão de fiscalização ao abrigo do disposto no art.º 418.º do CSC é um membro do Conselho Fiscal e não um Fiscal-Único (ROC). 36. Na prática, o que resultaria da tese vertida na sentença recorrida é que a sociedade recorrida passaria a ter um novo órgão de fiscalização composto por um Conselho Fiscal eleito na AG de 2023 e por um Fiscal-Único designado pelo Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 418.º do CSC, o que não tem cabimento legal, nem sequer é exequível, por causa das funções que estão previstas na lei para cada um dos órgãos 37. A decisão em crise é, pois, violadora de normas legais imperativas dado que que quer os sócios quer o Tribunal estão obrigados a cumprir e no caso do Tribunal a fazer cumprir, as normas do CSC que estabelecem que os modelos imperativo de fiscalização estabelecidos por lei, não podemos ser criados modelos híbridos, que permitam integrar órgãos de diferentes modelos de fiscalização. 38. As deliberações tomadas na AG de 24.03.2023 são nulas porque violam disposições legais imperativas (cfr. art.º 56.º, al. c) e d) e o disposto no artigo 418.º e 419.º do CSC, em conjugação com o disposto no artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil). 39. Além de nulas essas deliberações esvaziam de conteúdo a decisão do Juízo de Comércio de Aveiro que designou um Fiscal-Único das minorias para fiscalizar a atividade do CA da recorrida, deixando este de poder exercer todos os poderes de fiscalização previstos no n.º 1 do art.º 420.º do CSC, desta forma esvaziando o controlo efetivo do CA da sociedade recorrida, e arranjando uma forma de contornar – de modo muito criativo, para dizer o mínimo – uma sentença judicial. 40. Se for mantida a sentença recorrida, não sendo suspensa a execução das deliberações tomadas na AG da requerida de 24.03.2023, quando um Tribunal vier a declarar que as deliberações em causa são nulas, mediante uma decisão transitada em julgado, já estaremos muito próximo, senão mesmo após o ano de 2025, quando o mandato dos órgãos em curso terminar, e por isso a decisão que vier a ser prolatada não produzirá qualquer efeito útil. 41. O requerente tem mais de 12,5% do capital social da requerida, sendo de realçar que o valor do “capital próprio” constante do balanço das contas consolidadas da A... SGPS SA, em 31.12.2021, foi de €72.805.155,00, pelo que a participação do requerente tem um valor de balanço superior a nove milhões de euros (cfr, as contas juntas como doc. 3 em anexo). 42. Pelo exposto, a ausência de fiscalização do comportamento do CA da requerida decorrente da não suspensão das deliberações provoca um dano concreto ao requerente decorrente do esvaziamento do seu direito de ver efetivamente controlada e fiscalizada a atividade do Conselho de Administração da recorrida, podendo ser adequada a causar um dano apreciável ao requerente, decorrente da perda de valor das suas participações sociais, provocadas por uma gestão da recorrida não sujeita a uma fiscalização verdadeiramente independente da atividade do Conselho de Administração. 43. A providência cautelar de suspensão de deliberações sociais visa antecipar os efeitos jurídicos que resultarão da sentença declarativa de nulidade ou de anulação a proferir na ação principal, impedindo a execução da deliberação inválida e a consequente produção de danos na esfera jurídica do requerente ou da sociedade em causa. 44. O decretamento da providência cautelar em apreço depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: estar em causa uma deliberação societária que seja inválida, por violar a lei ou o contrato; ter o requerente a qualidade de sócio; resultar da execução da deliberação a produção de um dano apreciável. 45. A invalidade da deliberação social que se pretende impugnar corresponde ao “fumus bónus iuris”: a providência cautelar será justificada quando se encontre demonstrado, ainda que de forma indiciária, a invalidade da deliberação, por violação da lei ou do contrato de sociedade. 46. É, portanto, suficiente um juízo de probabilidade quanto à invalidade da deliberação social. 47. O recurso à providência cautelar de suspensão de deliberações sociais pressupõe ainda a existência de um receio fundado de que venha a ser produzido um dano apreciável em consequência da execução de uma determinada deliberação. Este pressuposto corresponde ao periculum in mora 48. O dano que o requerente desta providência pretende evitar deve ser apreciável, mas não tem, necessariamente, de ser irreparável ou de difícil reparação. 49. Temos assim que para esta providência cautelar ser decretada, não se exige a produção de danos irreparáveis ou de difícil reparação em consequência da execução da deliberação inválida, sendo suficiente, ao invés, a possibilidade de produção de um dano apreciável. 50. Dano esse que “respeita à possibilidade de prejuízos imputáveis à demora no processo comum de anulação de deliberação social, de que o processo cautelar de suspensão de deliberação social é dependente” 51. Sendo esse dano apreciável tanto se pode refletir sobre o sócio como sobre a sociedade. 52. Não é exigível a verificação de um dano concreto e quantificável. 53. Nesta sede de periculum in mora, importa sobretudo ter presente que a demora na obtenção de uma decisão definitiva acarreta, em regra, a produção de danos graves e irreparáveis ou de difícil reparação. 54. O dano jurídico que é tutelado pelas providências cautelares traduz-se na inutilidade prática, total ou parcial, da sentença final favorável e, consequentemente, da inefetividade do direito do requerente. 55. O periculum in mora traduz-se não só na existência de perigo de produção de um dano que a providência cautelar tem a virtualidade de evitar, mas sobretudo na urgência de obstar à continuação ou repetição desse dano. 56. O periculum in mora reporta-se ao perigo no retardamento da tutela jurisdicional, visando se evitar, através do procedimento cautelar, que, por causa do tempo necessário para o julgamento definitivo do mérito da causa, o direito que se pretende fazer valer em juízo fique irremediavelmente comprometido. 57. É admissível a suspensão de deliberações sociais quando a execução revestir um caráter contínuo e permanente ou quando aquelas, apesar de já terem sido executadas, continuarem a produzir efeitos danosos. 58. É o que sucede, designadamente, com a deliberação que elege os corpos sociais, já que a sua execução é continuada ou permanente, não se podendo considerar logo executada. 59. Subsumindo ao caso dos autos, a deliberação suspendenda, tendo suprimido o órgão de fiscalização Fiscal-Único, torna impossível o exercício de funções por parte do Fiscal-Único nomeado judicialmente a pedido do requerente. 60. Se a deliberação de alteração dos estatutos, quanto ao modelo de fiscalização, e da eleição do Conselho Fiscal não for suspensa, tal comprometerá irremediavelmente a utilidade e eficácia da sentença a proferir na ação principal; quando essa decisão se tornar definitiva o mandato terá expirado com toda a probabilidade. 61. O não decretamento da providência cautelar requerida implica que a sentença que vier a ser proferida na ação declarativa de anulação se torne perfeitamente inútil. 62. Normas jurídicas violadas (que determinam a nulidade das deliberações tomadas por forças do disposto no art.º 56.º, al. c) e d)): artigo 418.º e 419.º do CSC, em conjugação com o disposto no artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil), e ainda o disposto no art.º 380.º, n.º 1 do CPC. A recorrida/requerida juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida. II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos: 1) O aqui requerente intentou uma ação especial de nomeação de titulares de órgãos sociais contra a aqui requerida, ação, essa, que corre termos no processo n.º 2197/22.0T8AVR do J1 deste mesmo Juízo; 2) Na referida ação foi proferida decisão, em 31.10.2022, com o teor que resulta da certidão junta a estes autos em 03.05.2023, tendo ali sido decidido: “a) Nomear para o órgão de fiscalização da requerida A... S.G.P.S., S.A., pessoa coletiva n.º ..., como membro efetivo do órgão social de fiscalização da requerida a B..., SA, inscrita na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas com o n.º ... e na CMVM com o n.º ..., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ... Porto, representada por BB. b) Nomear para o órgão de fiscalização da requerida A... S.G.P.S., S.A., pessoa coletiva n.º ..., como membro suplente do mesmo órgão de fiscalização da requerida CC, Revisor Oficial de Contas, titular do Cartão de Cidadão n.º ..., contribuinte n.º ..., com domicílio profissional na Avenida ..., Sala ..., ..., Porto, inscrito na Ordem dos Revisores Oficiais de Conta com o n.º ... e na CMVM com o n.º .... c) Que a remuneração dos membros nomeados supra, a suportar pela requerida, seja idêntica à praticada pela mesma A... S.G.P.S., S.A., quanto ao fiscal único eleito”; 3) A referida decisão ainda não transitou em julgado por dela ter sido interposto recurso; 4) Na assembleia geral de sócios da requerida realizada em 24.03.2023 foram aprovadas as deliberações que constam da ata n.º ..., cuja cópia foi junta com a oposição como documento n.º 1 e que aqui se dá como reproduzido, todas com o voto contra do aqui requerente. III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. * Ora, visto o teor das alegações do requerente/apelante é questão a apreciar no presente recurso: - Da verificação ou não dos requisitos para o decretamento da providência em apreço. Por via do presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais pretende o requerente/apelante, em suma, que entre o mais, peticionado que se declare a nulidade e ordene a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral de sócios da requerida realizada em 24.03.2023, designadamente da deliberação que alterou o artigo 19.º do pacto social da sociedade alterando a estrutura do órgão de fiscalização e da deliberação que procedeu à eleição dos membros do conselho fiscal da requerida para concluir o mandato em curso de 2022 a 2025. Ora, compulsados os autos o Conselho de Administração (CA) da requerida convocou uma reunião da Assembleia Geral a realizar no dia 24.03.2023, para: Ponto Um – Deliberar sobre as seguintes alterações aos Estatutos da Sociedade, no sentido de tomarem a seguinte redação, mormente e no que respeita ao art.º 19 dos Estatutos Sociais passar a ter a seguinte redação: Sendo que a redação vigente do referido art.º 19.º dos Estatutos da sociedade preceituava: Realizou-se a referida AG da sociedade requerida e conforme resulta do teor da respetiva ata e relativamente ao novo modelo de fiscalização proposto – Conselho Fiscal e um ROC - tal ponto um da ordem de trabalhos, o mesmo foi aprovado pela maioria dos acionistas da requerida com uma percentagem de 77,628824% do capital, com os votos contra do ora requerente/apelante (AA) e de C..., Ld.ª e com a abstenção de dos acionistas DD e EE. Como é sabido, os requisitos de que a lei faz depender o decretamento da providência de suspensão de deliberação social, nos termos do disposto nos art.ºs 380.º e 381.º do C.P.Civil, são a qualidade de sócio do requerente relativamente à sociedade que tomou a deliberação; a ilegalidade da deliberação (por violação da lei ou dos estatutos); e a existência de dano apreciável resultante da execução da deliberação e ainda que o prejuízo da suspensão seja inferior ao prejuízo da execução, requisitos, esses, cumulativos. Basta que um deles não se encontre verificado para que a providência não possa ser decretada, “in casu” o tribunal recorrido centrou a sua análise na inexistência da alegação de dano apreciável resultante da execução da deliberação, para o que fez consignar na decisão recorrida, além do mais, que: “Assim, tendo por referência os factos e fundamentos alegados pelo requerente, independentemente da prova que se pudesse vir a produzir, afigura-se-nos que não se mostra e nem se mostrará comprovado o justo receio que constitui um dos pressupostos essenciais para o decretamento da providência em causa e muito menos que as deliberações em causa (face ao que foi alegado) possam causar o pressuposto dano apreciável”. Para melhor compreensão do requerido pelo apelante, há que ter presente que no dia 30.05.2022 teve lugar a Assembleia-Geral anual de sócios da apelada e um dos pontos da Ordem de Trabalhos era a deliberação da aprovação dos órgãos sociais aí propostos para o quadriénio de 2022 a 2025. E, no que releva para o presente processo, relativamente ao órgão de fiscalização da sociedade, ora, apelante, foi proposto como: “Fiscal Único: D..., SROC, Ld.ª, como efetivo, representada por FF; e GG, ROC, como suplente.” Tal deliberação foi aprovada pela maioria dos sócios, tendo o apelante votado contra. No seguimento o apelante instaurou, no dia 18.06.2022, contra a sociedade/apelada uma ação para nomeação judicial de titulares de órgãos sociais a requerimento de minorias (cfr. art.º 418.º do CSC) que corre sob o n.º 2197/22.0T8AVR, onde pediu, além do mais que fosse ordenada a nomeação judicial, para o quadriénio de 2022 a 2025, do fiscal único efetivo e suplente. Em tal ação, como resulta acima, foi proferida decisão, em 31.10.2022, ainda não transitada em julgado, onde foi decidido: “a) Nomear para o órgão de fiscalização da requerida A... S.G.P.S., S.A., pessoa coletiva n.º ..., como membro efetivo do órgão social de fiscalização da requerida a B..., SA, inscrita na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas com o n.º ... e na CMVM com o n.º ..., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ... Porto, representada por BB. b) Nomear para o órgão de fiscalização da requerida A... S.G.P.S., S.A., pessoa coletiva n.º ..., como membro suplente do mesmo órgão de fiscalização da requerida CC, Revisor Oficial de Contas, titular do Cartão de Cidadão n.º ..., contribuinte n.º ..., com domicílio profissional na Avenida ..., Sala ..., ..., Porto, inscrito na Ordem dos Revisores Oficiais de Conta com o n.º ... e na CMVM com o n.º .... c) Que a remuneração dos membros nomeados supra, a suportar pela requerida, seja idêntica à praticada pela mesma A... S.G.P.S., S.A., quanto ao fiscal único eleito”; Defende o requerente/apelante, em suma, que a alteração das regras relativas ao modelo de fiscalização da sociedade apelada, deliberada na AG de 24.03.2023, implica a cessação de funções (por destituição) do Fiscal-Único eleito pela maioria dos sócios na AG anual de 30.05.2022 e a impossibilidade de o Fiscal-Único designado por sentença judicial de exercer o cargo para que foi designado, por esse cargo ser extinto, o que constitui uma forma de fazer cessar as funções do mesmo em violação do princípio da inamovibilidade. Mais defende ainda que a cessação de funções de todos os membros do órgão Fiscal-Único da sociedade apelada, deliberada na AG de 24.03.2023, corresponde, em termos jurídicos, a uma destituição do Fiscal-Único eleito pela maioria dos sócios na AG de 30.05.2022 e uma forma de impedir a entrada em funções do Fiscal Único designado pelo Tribunal, sem invocação de qualquer justa causa e sem ser determinada pelo Tribunal. Com relevância convém consignar que sob o Ponto Dois da ordem de trabalhos da AG da apelada realizada no dia 24.03.2023 constava: “Em caso de aprovação das alterações estatutárias constantes do antecedente Ponto Um, proceder à eleição dos membros do Conselho Fiscal para conclusão do mandato em curso dos órgãos sociais correspondente ao quadriénio 2022/2025, mantendo-se como revisores oficiais de contas, efetivo e suplente, D..., SROC, Ld.ª, representado por FF e GG, ROC”. Tal ponto da Ordem de Trabalhos foi igualmente aprovado pela maioria dos acionistas da apelada com uma percentagem de 77,628824% do capital, com os votos contra do ora requerente/apelante (AA) e de C..., Ld.ª e com a abstenção de dos acionistas DD e EE. Ora, como é sabido, a fiscalização das sociedades anónimas, como é o caso da requerida/apelada, compete a um fiscal único, que deve ser revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficias de contas, ou a um conselho fiscal, cfr. art.º 413.º n.º1 e 6 do CSC. O fiscal único terá sempre um suplente, que será igualmente revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas, cfr. n.º 3. O conselho fiscal é composto por três membros efetivos, podendo o contrato de sociedade aumentar esse número para cinco (n.º 3). Em suma, o órgão de fiscalização das sociedades anónimas tanto pode ser, pois, um fiscal único como um conselho fiscal. Isto sem olvidar que a expressão fiscal único, é um pouco feliz e génese de erros de interpretação, pois que, tal não significa, de forma alguma, que a fiscalização tenha de ser exercida por uma única pessoa ou entidade. Pois por lado, é a própria lei que preceitua que o fiscal único terá sempre um suplente, e além disso, o legislador, no seu art.º 418.º do CSC, reconhece, sem quaisquer dúvidas, o direito de alguns acionistas minoritários a poderem requerer judicialmente a nomeação de membros efetivos e suplentes do órgão de fiscalização da sociedade, e tanto no caso de o seu modelo de fiscalização se tratar de fiscal único ou de um conselho fiscal. No caso em apreço, ou seja, por via das deliberações tomadas na AG de 24.03.2023 nenhum membro do órgão de fiscalização da requerida foi destituído, expressa ou tacitamente. Pois que na verdade, tendo-se deliberado a mudança do modelo de fiscalização da sociedade de fiscal único para um conselho de fiscalização aí expressamente se consignou que se mantinham no órgão e, até ao fim do mandato (quadriénio 2022/2025), os ROC, efetivo e suplente, D..., SROC, Ld.ª, representado por FF e GG, ROC – anterior fiscal único, efetivo e suplente, eleitos pela maioria dos sócios na AG de 30.05.2022. Por outro lado, não se pode ignorar que à data da realização da AG de 24.03.2023, a decisão proferida no processo n.º 2197/22.0T8AVR em 31.10.2022 ainda não havia transitado em julgado. Todavia sempre se dirá que a norma do art.º 418.º do CSC., ao permitir a nomeação pelo tribunal de membros efetivos e suplentes para o conselho fiscal e para o fiscal único das sociedades anónimas a requerimento de pequenos acionistas, nas condições nele referidas, visa introduzir um elemento da confiança de pequenos acionistas no órgão de fiscalização da sociedade. O que se pretende com o direito potestativo consagrado no n.º 1 do art.º 418.º do Código das Sociedades Comerciais (direito esse que, segundo a melhor interpretação também é conferido aos acionistas minoritários nos casos em que a sociedade adota como modelo de fiscalização o de fiscal único) é introduzir um elemento de confiança dos pequenos acionistas no órgão de fiscalização da sociedade, cfr. Ac. Tribunal Constitucional n.º 47/2003, in DR n.º 67/2003, II Série, de 20.03.2003. E no caso em apreço, logo que transite em julgado a decisão de nomeação dos membros efetivo e suplente a pedido do pequeno acionista, ora requerente/apelante, estes entrarão em plenas funções (como membros fiscalizadores de pequenos acionistas) no atual conselho fiscal e. até ao fim do quadriénio em curso, cfr. n.º3 do art.º 418.º do CSC, logo, contrariamente ao que alega e imagina o requerente/apelante, a existência agora de um conselho fiscal como órgão de fiscalização da requerida, de forma alguma, esvazia o direito que o mesmo, oportunamente, já exerceu á luz do preceituado no art.º 418.º do CSC. Mais se dirá ainda que é enorme a confusão existente da mente do requerente/apelante quanto ao conteúdo do direito potestativo que oportunamente exerceu à luz do art.º 418.º do CSC, ou seja, alega o mesmo que “…ao abrigo do disposto no art.º 418.º do CSC um membro do Fiscal-Único (FU) da sociedade recorrida, esse membro não pode continuar a exercer a função de FU, quando na AG de sócios da recorrida da 24.03.2023 a sociedade adotou o modelo de fiscalização de Conselho Fiscal com ROC separado. Pois, quando a sociedade tem um Conselho Fiscal, o membro designado para o órgão de fiscalização ao abrigo do disposto no art.º 418.º do CSC é um membro do Conselho Fiscal e não um Fiscal-Único (ROC)…”. Ora, como já acima se aflorou, o legislador reconheceu, no art.º 418.º do CSC, o direito de alguns acionistas minoritários poderem requerer judicialmente a nomeação de membros efetivos e suplentes do órgão de fiscalização da sociedade, tanto no caso de se tratar de fiscal único como de conselho fiscal. Dispõe aquele preceito que “a requerimento de acionistas titulares de ações representativas de um décimo, pelo menos, do capital social, apresentado nos 30 dias seguintes à assembleia geral que tenha elegido os membros do conselho de administração e do conselho fiscal, pode o tribunal nomear mais um membro efetivo e um suplente para o conselho fiscal, desde que os acionistas requerentes tenha votado contra as propostas que fizeram vencimento e tenham feito consignar na ata o seu voto (...)”. E no caso de proceder o pedido dos acionistas minoritários, o que o Tribunal nomeia não é um fiscal único (efetivo e suplente) mas mais um membro efetivo e outro suplente para o órgão de fiscalização da sociedade, seja ele do modelo de fiscal único ou de conselho de fiscalização. Pelo que, sem necessidade de outros considerandos não se vislumbra qualquer nulidade nas deliberações tomadas na AG de 24.03.2023, por violação da lei os dos respetivos Estatutos. E, por outro lado, tendo em conta os três requisitos acima referenciados impostos por lei para o decretamento da providência em apreço, é também para nós manifesto que, depois do qua acima já se deixou consignado, nenhuma censura nos merece a apreciação feita em 1.ª instância da ausência de alegação por parte do requerente, ora apelante, da existência de dano apreciável resultante da execução das deliberações em causa, e ainda que o prejuízo da suspensão das mesmas seja inferior ao prejuízo da sua execução. Pelo que, sem necessidade de outros considerandos, improcedem as conclusões do apelante, havendo de se confirmar a decisão recorrida. Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação improcedente, confirmando-se decisão recorrida. Custas pelo requerente/apelante. Porto, 2023.12.19 Anabela Dias da Silva Maria da Luz Seabra João Diogo Rodrigues |