Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20/21.1YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA
CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
FORMA ESCRITA
Nº do Documento: RP2021110820/21.1YRPRT
Data do Acordão: 11/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A Convenção de Nova Iorque de 1958 (CNI) – que entrou em vigor em Portugal a 16.01.1995 -, é aplicável ao reconhecimento de sentenças arbitrais proferidas por tribunais estrangeiros e no âmbito de relações comerciais que envolvem empresas cuja sede se situa em países que são partes outorgantes na mesma Convenção, como sucede com Portugal e a Suíça.
II - No nosso sistema jurídico e como decorre do preceituado nos artigos 703º e 706º, n.º 1, do CPC e artigo 55º da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), as sentenças arbitrais estrangeiras, à semelhança das sentenças judiciais estrangeiras, devem ser objecto de prévio procedimento de reconhecimento para que possam constituir título executivo, sendo competente para esse efeito o Tribunal da Relação onde se situa a sede ou domicílio do Réu (artigo 59º, n.º 1, alínea h), da LAV).
III - Os fundamentos de recusa do reconhecimento são apenas os que constam de forma taxativa no Artigo V da CNI, sendo que os fundamentos previstos no n.º 1 daquele normativo têm que ser alegados e provados pelo Réu perante o Tribunal onde é formulado o pedido de reconhecimento, ao passo que os fundamentos previstos no n.º 2 são de conhecimento oficioso pelo Tribunal.
IV - A convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso) está sujeita à forma escrita, sob pena de não ser eficaz e vinculativa.
V - Constando, como é o caso dos autos, da confirmação de encomenda reduzida a escrito e assinada por ambas as partes a indicação de um link que permite o imediato e fácil acesso a um documento que contém a convenção de arbitragem (cláusula compromissória) e, ainda, tendo a compradora dois úteis para confirmar essa encomenda (e, portanto, para aceder, via o dito link, ao teor da convenção de arbitragem ali consignada), daí decorre que Ré/compradora, actuando de forma diligente e razoável, estava em plenas condições para conhecer e aceitar (ou não) a aludida convenção de arbitragem, mediante a assinatura (ou não) de tal confirmação de encomenda.
VI - Tendo a parte tido (ou devendo ter tido) conhecimento da convenção de arbitragem, tendo tido conhecimento da abertura do processo arbitral e sendo-lhe dada a possibilidade de nele intervir e de tomar posição sobre a sua pretensão e a pretensão da parte contrária não ocorre violação do princípio do contraditório ou da igualdade das armas no processo se a própria parte abdica ou renuncia, expressa ou tacitamente, à utilização de tais meios de defesa colocados ao seu dispor
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 20/21.1YRPRT.P1 – Revisão de Sentença Arbitral Estrangeira

Relator: Des. Jorge Miguel Seabra
1º Juiz Adjunto: Desembargador Pedro Damião e Cunha
2º Juiz Adjunto: Desembargadora Maria de Fátima Andrade
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:

1. B…, AG, com sede na Suíça, propôs o presente processo especial de reconhecimento de decisão arbitral contra C…, LDA, com sede em …-…, Rua de …, n.º .., Estarreja – Portugal, pedindo, a final, que seja revista e confirmada a sentença proferida pelo Tribunal Arbitral constituído sob a égide do Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo- Suécia para todos os efeitos legais e, em particular, para efeitos de constituir título executivo, tendo em vista a posterior acção executiva a instaurar.
Para tanto e, no essencial, a Requerente alegou que, no exercício da sua actividade comercial, vendeu à Requerida 54 toneladas métricas de policarbonato, pelo valor de €116.100,00, vindo a efectuar a respectiva entrega a 20.12.2018, sendo certo que a Requerida recebeu a mercadoria em causa e a utilizou.
A dita mercadoria deveria ter sido paga no prazo de 30 dias a contar da sua entrega, conforme confirmação de encomenda de 29.11.2028, sendo que a aludida transacção foi objecto de facturação pela sua parte, que a remeteu à Requerida, que a recepcionou.
Apesar de sucessivas interpelações, a Requerida não procedeu ao pagamento acordado.
De acordo com o estipulado entre as partes no momento da contratação das mercadorias, qualquer litígio resultante do negócio deveria ser analisado e decidido por tribunal arbitral a constituir especificamente para o efeito, conforme confirmação de encomenda de 29.11.2018 – documento n.º 2, junto com a petição inicial.
Atenta a impossibilidade de recuperação do valor das mercadorias, foi constituído o aludido Tribunal Arbitral no Instituto de Arbitragem da CC de Estocolmo que, sob a referência SCC Arbitration V 2019/094 analisou a questão, sendo que, após a realização da devida instrução e audiência de julgamento, foi proferida sentença arbitral, que determinou que a Requerida procedesse ao pagamento à Requerente do montante global de € 116. 100, 00 e, ainda, do montante de € 3. 425, 00, a título de multa contratual pelo atraso no pagamento.
A referida sentença arbitral foi proferida a 11.03.2020, transitou em julgado, mas, não obstante, a Requerida não cumpriu com o ali determinado.
A presente decisão arbitral é oponível às partes por força da ratificação da Convenção sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, celebrada em Nova Iorque a 10.06.1958.
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2. Citada, a Requerida veio, após suspensão dos autos a pedido de ambas as partes tendo em vista uma solução consensual do litígio, mas que não veio a surtir efeito, deduzir oposição, na qual alegou, no essencial, que a sentença arbitral em causa não reúne as condições legais para ser reconhecida, em particular em face do preceituado no artigo 980º, do CPC, pugnando pela recusa do peticionado reconhecimento.
Para tanto, a Requerida alegou, em primeiro lugar, não resultar dos autos, a menção ao trânsito em julgado da decisão revivenda, nos termos do disposto no artigo 980º, alínea b), do CPC.
Como assim, existem dúvidas sobre o trânsito em julgado da decisão arbitral em causa.
Em segundo lugar, sustentou que a sentença estrangeira provém de tribunal cuja competência foi provocada em fraude à lei, pois que, segundo defende, “ existem situações de facto e/ou de direito criadas com o intuito de evitar a competência do tribunal que, noutras circunstâncias, seria internacionalmente competente e a matéria sobre a qual versa é da exclusiva competência dos tribunais portugueses (alínea c) do mesmo artigo 980º).
Em terceiro lugar, invocou, ainda, que verifica-se a falta de jurisdição do tribunal arbitral, pois que para que qualquer litígio possa ser dirimido por árbitros torna-se obrigatória existência de um prévio e válido compromisso arbitral entre as partes, de forma escrita e assinada por ambas, o que não ocorre no caso em apreço. Por isso, a Requerente não apresentou o alegado documento assinado pela Requerida, do qual conste a cláusula arbitral.
De facto, em seu ver, a convenção arbitral invocada não tem existência por inexistir acordo arbitral celebrado entre ambas as partes.
Em quarto lugar, invocou, ainda, que não foi regularmente citada no processo arbitral que correu termos, não tendo intervindo nesse processo que veio a culminar com a sentença revivenda, colocando-se, assim, em crise os seus direitos essenciais de defesa, designadamente do contraditório e da igualdade das partes (alínea e) do mesmo artigo 980º, do CPC).
Sem prescindir, invocou, ainda, que procedeu ao pagamento da quantia peticionada, correspondente ao valor global dos serviços prestados, a saber €116.100,00, através de três transferências bancárias: - em 5.02.2019 a quantia de €58.050,00; - em 12.02.2019 a quantia de €40.000,00; - e em 22.02.2019 a quantia de €18.050,00, conforme documento n.º 1 (junto com a oposição).

3. A Requerente, notificada da matéria de excepção invocada na oposição, veio responder, concluindo como na petição inicial e requerendo, ainda, a condenação da Requerida como litigante de má-fé, ao invocar pagamentos que não efectuou.

4. Por despacho proferido a 3.05.2021 foi determinada a junção aos autos de vários documentos acompanhados da respectiva tradução para língua portuguesa, o que veio a ser cumprido com data de 27.05.2021.

5. A parte contrária foi notificada dos documentos juntos e para, querendo, sobre eles se pronunciar, nada tendo sido dito.

6. Foram observados os vistos legais.

7. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 57º, n.º 3, da LAV, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12., sendo oferecidas alegações.
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II. SANEAMENTO:
Este Tribunal da Relação do Porto é competente em razão da matéria, da hierarquia e do território para conhecer do litígio em causa, em conformidade com o disposto no artigo 59º, n.º 1, alínea h), da Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12., sendo certo que a Requerida tem a sua sede em Estarreja, Comarca de Aveiro, que integra o Distrito Judicial desta Relação. [1]
As partes, com personalidade e capacidade judiciárias, encontram-se representadas e dispõem de legitimidade.
Não existem outras nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO:
Para efeitos decisórios mostram-se provados os seguintes factos:
1. A Autora, B…, AG, é uma sociedade comercial com sede na Suíça, que se dedica à comercialização de policarbonato.
2. A Ré, C…, LDA é uma sociedade comercial com sede em Portugal que, em razão da sua actividade, necessita de matérias-primas, designadamente policarbonato.
3. No âmbito da sua actividade económica, a Autora vendeu à Ré 54 toneladas métricas de policarbonato PC-007 ULI H/S Código ………., pelo valor total de €116.100,00 euros.
4. A data de entrega foi definida para o dia 20.12.2018 e o prazo de pagamento a 100% é de 30 dias a partir da data da entrega da mercadoria.
5. A Ré efectuou a confirmação da encomenda da aludida mercadoria a 29.11.2018, conforme consta da confirmação de encomenda que consta dos autos sob o documento n.º 2 junto com a petição inicial (e cuja tradução para língua portuguesa foi junta aos autos) e cujo teor se dá por reproduzido.
6. Na referida confirmação de encomenda consta na sua parte final o seguinte (tradução para língua portuguesa):
“CONFIRME A ENCOMENDA NO PRAZO DE DOIS DIAS ÚTEIS MEDIANTE ASSINATURA DA PRESENTE CONFIRMAÇÃO DE ENCOMENDA.
AO ASSINAR A PRESENTE CONFIRMAÇÃO DA ENCOMENDA OU AO EFECTUAR O PAGAMENTO REAL, RECONHECE A ACEITAÇÃO DOS TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS QUE PODEM SER CONSULTADOS EM WWW…/…./GENERAL-TERMS-AND-CONDITIONS.
7. A aludida confirmação de encomenda mostra-se assinada nos seguintes termos:
Em representação do Vendedor................. [assinatura ilegível] .............. [Carimbo …, …, .., …., Suíça, B… AG, Número IVA: CHE ………]
Director D….
Assinatura, selo.
Em representação do Comprador................ [Carimbo: C… Lda]
Direcção Geral
E… NIPC ……….
Assinatura selo.....................................................[assinatura ilegível]“
8. Dos Termos e Condições Gerais consultados através do endereço electrónico acima referido consta, além do mais, conforme tradução para língua portuguesa junta aos autos, o seguinte:
“ (…)
PREÇO, PAGAMENTO E FACTURAÇÃO:
3.1. O Comprador concorda em pagar as Mercadorias ao preço especificado na Factura/Confirmação de Encomenda.
3.2. O Vendedor deverá emitir facturas ao Comprador dentro do prazo e para os valores especificados na Confirmação da Encomenda.
(…)
3.5. Os pagamentos dos Produtos deverão ser feitos na divisa indicada na factura por transferência bancária da conta bancária do Comprador para a conta bancária do Vendedor designada a seguir. Será considerado que o Comprador cumpriu a sua obrigação de pagamento de acordo com a factura relevante na data em que o valor total especificado na factura relevante é creditado na conta do Vendedor.
(…)
3.9. Por violação do prazo de pagamento pelas Mercadorias por culpa do Comprador, o Vendedor tem o direito, por escrito, a exigir do Comprador o pagamento de uma sanção no valor de 0, 05% do valor do pagamento em atraso por cada dia de tal atraso.
DISPOSIÇÕES DIVERSAS
4.1. O Comprador declara e garante pelo presente que tem todo o poder e autoridade para celebrar e assinar as presentes Condições.
4.2. O Comprador será responsável pelo cumprimento de todas as obrigações previstas nas presentes Condições e na Confirmação de Encomenda.
4.3. A relação entre o Vendedor e o Comprador será regida, interpretada e entendida em todos os aspectos de acordo com as presentes Condições, os termos das regras Incoterms 2010, a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos para Venda Internacional de Mercadorias, a Convenção sobre a Lei Aplicável à Venda Internacional de Mercadorias, os princípios dos contratos comerciais internacionais (Princípios do UNIDROIT).
4.4. Qualquer litígio, controvérsia ou reclamação decorrente ou em conexão com o cumprimento das presentes Condições, ou a violação, rescisão ou invalidez das mesmas, será finalmente resolvida por arbitragem de acordo com o Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo. A ordem de reclamação (pré judicial) da resolução do litígio é obrigatória. O prazo para a consideração e resposta a uma reclamação é de 20 dias consecutivos a partir da data em que esta foi recebida. O idioma do processo é o inglês. “
9. As mercadorias antes referidas foram remetidas para morada da Ré, que as admitiu e utilizou.
10. Invocando o não pagamento das ditas mercadorias, a Autora requereu perante o Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo a constituição de Tribunal de Arbitral para decisão do litígio sobrevindo entre as partes, o que ocorreu a 23.05.2019.
11. O aludido Tribunal Arbitral, por meio de árbitro único nomeado para o efeito, veio a proferir, após instrução e julgamento, a 11.03.2020 decisão final sobre o litígio, conforme consta da decisão que constitui o documento n.º 3, junto com a petição inicial (e cuja tradução para língua portuguesa se encontra junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), vindo ali a decidir o seguinte:
“1. Existe um acordo de arbitragem vinculativo e válido entre as Partes nos termos da Confirmação da Encomenda e o Árbitro Único tem competência para decidir das reivindicações da B…, AG;
2. O pedido da C. LDA que a Arbitragem seja anulada é indeferido;
3. A C… LDA é condenada a pagar à B… AG o montante total de 116.100 EUR;
4. A C… LDA é condenada pagar à B… AG o montante total de 3.425 EUR a título de multa contratual pelo atraso no pagamento. “
(…)
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Com relevo para a decisão, não se provaram os seguintes factos:
- A Ré pagou à Autora a quantia peticionada por esta no processo arbitral aqui em referência, a saber 116.100,00€, através de três (3) transferências bancárias: em 5.02.2019 a quantia de €58.050,00; em 19.02.2019, a quantia de €40.000,00; e, em 22.02.2019, a quantia de €18.050,00.
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Fundamentação da decisão de facto:
a) Os factos antes descritos sob o elenco dos factos provados (1 a 11) resultaram demonstrados à luz, por um lado, dos vários documentos juntos aos autos e da respectiva tradução legal para língua portuguesa e, por outro, da própria ausência de impugnação especificada por parte da Ré.
b) O facto único constante do elenco dos factos não provados não resultou demonstrado, pois que o único meio de prova que a Ré produziu quanto a tal matéria (e cujo ónus de prova lhe incumbe, enquanto facto extintivo do direito de crédito da Autora – artigo 342º, n.º 2, do Cód. Civil) consubstancia um mero documento interno seu, contabilístico e de sua própria autoria e que, por isso mesmo, não constitui, em nosso ver, prova objectiva e bastante do dito pagamento. Com efeito, este pagamento, mostrando-se posto em crise pela Autora, para se ter como provado, com a segurança e certeza minimamente exigíveis, pressupunha que a Ré procedesse à junção dos documentos das próprias transferências bancárias por si efectuadas a partir da sua conta bancária e com indicação da conta bancária da Autora como respectivo beneficiário ou, em alternativa, de documento bancário (emitido pelo banco em causa) atestando a realização de tais transferências bancárias com indicação do beneficiário das mesmas e as datas das transferências efectivas dos fundos em causa.
Com efeito, estando em causa uma sociedade comercial em que é suposto que exista contabilidade organizada que contenha os documentos de suporte dos pagamentos por si efectuados (de valores significativos) não é razoável que, a terem existido os alegados pagamentos, não tenha a Ré procedido à junção de tais documentos de suporte e que, de forma objectiva e segura, os comprovariam.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Definido o quadro factual relevante à decisão a proferir, cumpre conhecer do litígio entre as partes.
A presente acção especial de revisão de decisão arbitral tem por fundamento e objectivo o decretamento do reconhecimento daquela decisão.
Nesta matéria interessa considerar que entre os efeitos produzidos pelas decisões de caracter substantivo proferidas pelos órgãos jurisdicionais de determinado Estado avultam, por um lado, o efeito de caso julgado (efeito positivo e negativo) e a força executiva, ou seja a susceptibilidade de essas decisões servirem de base a um processo de execução judicial.
Relativamente a este ponto importa, desde logo, não confundir o processo de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, regulado pela Convenção de Nova Iorque de 1958 [2], doravante designada apenas por CNI, e pelos artigos 55º a 58º da Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12., doravante designada apenas por LAV, com o processo de execução propriamente dito.
Nesta perspectiva, na maioria dos sistemas jurídicos, a efectivação da tutela jurisdicional dos direitos compreende duas fases, envolvendo dois processos distintos; A primeira fase consiste na determinação, com caracter obrigatório, da existência do direito alegado; A segunda fase, correspondente ao processo de execução em sentido próprio, serve já para executar a determinação obtida na primeira fase contra uma das partes que nela participou e se viu condenada na realização de uma determinada prestação.
Ora, neste enquadramento, a acção de reconhecimento e execução de sentença arbitral estrangeira, regulada, como se referiu, pela aludida Convenção de Nova Iorque (no que tange aos Estados que a ela aderiram) e, ainda, pelos artigos 55º a 58º da LAV (no que tange aos Estados que a ela ainda não aderiram), diz respeito apenas àquela primeira fase, ou seja, a acção de reconhecimento de uma sentença arbitral estrangeira (entendida esta, à luz do preceituado no artigo 55º, da LAV, como a decisão proferida por um Tribunal Arbitral localizado num Estado distinto daquele perante quem é formulado o pedido de reconhecimento, ou seja, uma arbitragem localizada num país estrangeiro, no caso dos autos em Estocolmo – Suécia [3]), tem por finalidade atribuir força executiva à aludida sentença arbitral, conferindo-lhe a qualidade de título executivo, que não teria sem o cumprimento desse requisito prévio (cfr. artigo 706º, n.º 1, do Código de Processo Civil – CPC), permitindo-lhe, assim, servir de base à execução propriamente dita, subsequente à acção declarativa e a que serão aplicáveis as regras próprias do respectivo processo executivo.
Dito isto, considera-se como sentença arbitral a decisão proferida por um tribunal arbitral que decide definitivamente uma questão pendente as partes, sendo, assim, “sentenças arbitrais “ passíveis de reconhecimento ao abrigo da Convenção de Nova Iorque e dos artigos 55º a 58º da LAV, (a) as sentenças finais sobre o fundo causa, (b) as sentenças que decidem, de modo definitivo, parte do mérito da causa, (c) as sentenças que repartem os custos da arbitragem ou que determinam que uma parte reembolse os custos suportados pela autora e, ainda, (d) as sentenças mediante as quais os árbitros homologam transacções pelas quais as partes põem termo ao respectivo litígio. [4]
Feitas estas considerações, no caso dos autos, não existem, pois, dúvidas quanto à natureza de sentença arbitral “ estrangeira “ da decisão cujo reconhecimento se mostra formulado pela Autora, pois que a mesma conheceu do mérito substantivo da sua pretensão perante a aqui Ré e, ademais, foi proferida em arbitragem localizada em país estrangeiro, concretamente perante o Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo – Suécia.
Assentes estes pressupostos, a Convenção de Nova Iorque (CNI), como resulta do preceituado no seu artigo I, n.º 1, tem como respectivo âmbito de aplicação o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, sendo certo, ademais, como já antes se referiu, que quer Portugal, quer a Suíça, quer a Suécia são partes outorgantes de tal Convenção. [5]
Como assim, não quedam, em nosso ver, dúvidas quanto à aplicabilidade ao caso dos autos da aludida CNI, sendo certo, ademais, que está em causa um litígio de natureza privada e comercial, atinente ao alegado incumprimento de um contrato de compra e venda internacional celebrado entre duas sociedades comerciais, uma com sede em Portugal (compradora/demandada) e outra com sede na Suíça (vendedora/demandante). [6]
Note-se, ainda, neste âmbito, que, apesar da aplicabilidade da aludida CNI, não está este Tribunal impedido de optar pela aplicação do regime previsto na própria Lei interna, a referida LAV, sempre que esta se mostre mais favorável do que a própria Convenção ao reconhecimento da sentença arbitral estrangeira. [7]
Com efeito, como assinala A. SAMPAIO CARAMELO, “ O Reconhecimento … “, cit., pág. 23, a CNI, não obstante a sua primazia em face do direito interno português por força do princípio de recepção plena no nosso ordenamento jurídico do direito internacional de fonte legal ou convencional consignado no artigo 8º da nossa Lei Fundamental [8], a Convenção de Nova Iorque não é, apesar disso, impeditiva que os Estados Contratantes regulem, como bem lhes aprouver, o processo tendente a conferir exequibilidade às sentenças arbitrais por ela regidas, desde que respeitem, no mínimo, as condições para o seu reconhecimento e execução aí estabelecidas, ou seja, conferindo aos Estados uma latitude considerável para legislarem sobre esta matéria, “ … seja suprindo o que ela não regulou seja estabelecendo regimes mais favoráveis ao reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras do que o por ela consagrado.
Relativamente, ainda, à matéria atinente ao reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras existem, em termos essenciais, dois regimes ou modelos: - um, primeiro, que sujeita qualquer decisão arbitral, independentemente da sua origem nacional ou estrangeira, a um procedimento de concessão de exequatur, não a equiparando a uma decisão judicial; outro, segundo, que apenas equipara as decisões arbitrais proferidas pelos tribunais arbitrais nacionais às decisões judiciais desse mesmo Estado, sujeitando, outrossim, as decisões arbitrais estrangeiras aos procedimentos a que são submetidas as demais decisões exaradas por tribunais judiciais estrangeiros.
Neste último sistema, que é o que vigora em Portugal e em outros países Europeus, como resulta do preceituado nos artigos 705º, n.º 2 e 706º do CPC e 55º da LAV, as decisões arbitrais estrangeiras, à semelhança das decisões proferidas por tribunais judiciais estrangeiros, estão sujeitas a um procedimento de revisão e confirmação, para, subsequentemente, poderem ser executadas, ainda que as mesmas caiam, como ora sucede, no âmbito de aplicação da aludida CNI.
Com efeito, como refere L. LIMA PINHEIRO, “ Direito Internacional Privado “, Volume III, Tomo II, cit., pág. 306, a propósito do artigo III da CNI e por confronto com os que advogavam que as sentenças arbitrais estrangeiras deveriam ser equiparadas às sentenças arbitrais nacionais para efeitos da sua imediata força executiva e sem prévio reconhecimento (artigo 42º, n.º 7, da LAV), “ … Os trabalhos preparatórios da Convenção demonstram que a intencionalidade normativa não é de assegurar uma equiparação das sentenças estrangeiras às sentenças nacionais, mas a de garantir que o processo de reconhecimento das sentenças estrangeiras não é sensivelmente mais oneroso que o estabelecido para as sentenças nacionais. Ora, isto pressupõe que o reconhecimento das sentenças nacionais depende de um processo prévio e não é aplicável quando tal não se verifica.
Quando atribui às sentenças arbitrais nacionais a mesma eficácia que a sentença de um tribunal estadual, o legislador português pressupõe que a arbitragem, porque realizada em Portugal, está sujeita às directrizes da ordem jurídica portuguesa sobre o regime jurídico da arbitragem. Isto não se verifica com as sentenças arbitrais estrangeiras, razão porque o seu reconhecimento deve depender de um controlo prévio por um tribunal judicial português.
E prossegue, ainda, o mesmo Autor, “ … segundo a interpretação correcta do preceito, um Estado que não sujeita o reconhecimento das sentenças nacionais a um processo prévio não está impedido de sujeitar o reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras a um regime processual especial ou ao regime processual aplicável em geral ao reconhecimento das sentenças estrangeiras. Uma vez que o legislador português não fez acompanhar a ratificação da Convenção de Nova Iorque de qualquer indicação sobre o regime processual aplicável, o reconhecimento fica sujeito ao regime processual dos artigos 57º e 58º da LAV.“ [9]
Neste contexto releva, ainda, salientar que o sistema de reconhecimento instituído pela aludida CNI é fundamentalmente formal.
Com efeito, como assinala a doutrina largamente dominante, o Estado de reconhecimento não pode controlar a correcção da determinação dos factos e da determinação, interpretação a aplicação do Direito feitas pelo tribunal arbitral. [10]
Neste sentido, como refere em termos claríssimos A. SAMPAIO CARAMELO, citando Louis Christophe Delanoy, “O Reconhecimento… “, cit., pág. 128-129, “ … importa não confundir revisão com controlo da sentença, mesmo quando ambos incidem sobre questões atinentes ao fundo da causa, como acontece no controlo para verificar se houve ofensa da ordem pública. Os objectivos do juiz são clara e radicalmente diferentes num caso e noutro. Na revisão, o juiz verifica se teria decidido exactamente como fizeram os autores da sentença revivenda, o que significa que efectua as mesmas operações intelectuais que teria de realizar se tivesse de pronunciar-se sobre o litígio primário. Ao contrário, em sede de controlo da sentença, o juiz não se pronuncia sobre o litígio primário que foi objecto da sentença arbitral, mas apenas averigua a existência nesta de certas condições de regularidade que permitem a sua equiparação à sentença de um tribunal estadual; é exclusivamente sobre este litígio secundário que versa a apreciação do juiz de controlo.

Quando conhece dum pedido de reconhecimento, o juiz não procede a uma revisão da sentença proferida pelos árbitros, nem quanto à forma nem quanto ao fundo, uma vez que não raciocina sobre o litígio primário, nem emite nenhuma apreciação sobre se esse litígio foi bem ou mal julgado. Consequentemente, ao exercer sobre a sentença arbitral o controlo que a lei lhe confia, o juiz não tem necessariamente de examinar o conjunto dos factos e os pontos de direito que estiveram em causa na decisão sobre o litígio primário, mas tão-somente verificar se a sentença arbitral reúne as condições de regularidade legalmente prescritas.
Digamos, pois, resumindo, que é incontestável que, em correspondência com o regime que decorre para as decisões judiciais estrangeiras, também as decisões arbitrais estrangeiras estão submetidas ao sistema de revisão e confirmação pelos tribunais estaduais nacionais, sendo o regime processual aplicável o que decorre do disposto nos artigos 55º a 58º da LAV e, estando a arbitragem em causa compreendida no âmbito de aplicação da CNI, como ora sucede, os fundamentos da recusa de tal reconhecimento por parte do Estado onde o reconhecimento é deduzido são, por princípio, de natureza formal e apenas os que se mostram taxativamente previstos no artigo V da referida Convenção (e que a nossa actual LAV reproduz no seu artigo 56º).
Em suma, como refere A. MENEZES CORDEIRO, apesar de não existir um exame do mérito da sentença arbitral estrangeira, o Estado onde é formulado o pedido de reconhecimento não empresta a força soberana do seu exequatur, através dos tribunais, sem se assegurar da regularidade mínima do processo arbitral e do respeito pela ordem pública.[11]
Feitas estas considerações prévias, cumpre, pois, conhecer das várias questões suscitadas pela Ré e à luz do citado artigo V daquela Convenção, pois é este último normativo que estabelece, em termos taxativos, os fundamentos susceptíveis de conduzir à improcedência do reconhecimento peticionado.
Este último normativo preceitua o seguinte:
“1. O reconhecimento e a execução da sentença só serão recusados, a pedido da Parte contra a qual for invocada, se esta Parte fornecer à autoridade competente do país em que o reconhecimento e execução forem pedidos a prova:
a) da incapacidade das Partes outorgantes da convenção referida no artigo II, nos termos da lei que lhes é aplicável, ou da invalidade da referida convenção ao abrigo da lei a que as partes a sujeitaram, ou, no caso de omissão quanto à lei aplicável, a abrigo da lei do país em que for proferida a sentença; ou
b) de que a Parte contra a qual a sentença não foi devidamente informada quer da designação do árbitro quer do processo de arbitragem, ou de que lhe foi impossível, por outro motivo, deduzir a sua contestação; ou
c) de que a sentença diz respeito a um litígio que não foi objecto nem de convenção escrita nem da cláusula compromissória, ou de que contém decisões que extravasam os termos da convenção escrita ou da cláusula compromissória; no entanto, se o conteúdo da sentença referente a questões submetidas à arbitragem puder ser destacado do referente a questões não submetidas à arbitragem, o primeiro poderá ser reconhecido e executado; ou
d) de que a constituição do tribunal arbitral ou o processo de arbitragem não estava em conformidade com a convenção das partes ou, na falta de tal convenção, de que não estava em conformidade com a lei do país onde teve lugar a arbitragem; ou
e) de que a sentença ainda não se tornou obrigatória para as Partes, foi anulada ou suspensa por uma autoridade competente do país em que, ou segundo a lei do qual, a sentença foi proferida.
2. Poderão igualmente ser recusados o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral se a autoridade competente do país em que o reconhecimento e a execução forem pedidos constatar:
a) Que, de acordo com lei desse país, o objecto do litígio não é susceptível de ser resolvido por via arbitral; ou
b) Que o reconhecimento ou a execução da sentença são contrários à ordem pública desse país.“
Relativamente a este normativo é possível, à partida, definir, em sede interpretativa do mesmo, três ideias nucleares, quais sejam: - em primeiro lugar, como já antes se referiu, o elenco dos fundamentos de recusa de reconhecimento é taxativo (“ só serão recusados “); em segundo lugar, os fundamentos referidos no n.º 1 têm que ser alegados e provados pela parte contra quem é oposta a sentença arbitral (“se esta Parte fornecer à autoridade competente do país em que o reconhecimento e execução forem pedidos a prova…”); em terceiro lugar, em sentido diverso, os fundamentos previstos no n.º 2 não carecem de ser alegados pela parte contra a qual é invocada a sentença arbitral, sendo, por isso, de conhecimento oficioso, embora este esteja, naturalmente, condicionado pela matéria de facto alegada nos autos pelas partes (ambas) e/ou pelos elementos disponíveis nos autos. [12]
Neste pressuposto, a primeira questão que a Ré suscita em termos de oposição ao reconhecimento refere-se à circunstância de não existir nos autos prova de que a sentença arbitral proferida tenha transitado em julgado.
Este fundamento é, com o devido respeito, irrelevante, pois que, como resulta do citado artigo V da CNI, esse requisito ou a sua falta não constituem fundamento para o não decretamento do reconhecimento da sentença arbitral proferida.
Aliás, sempre se dirá que, por princípio, é de presumir que a sentença se mostra transitada, pois que é ao oponente que cabe demonstrar o facto contrário. [13]
Por conseguinte, inexistindo qualquer elemento nos autos que demonstre a alegada inexistência do trânsito em julgado da sentença arbitral proferida, também improcede, por esta outra razão, este fundamento de oposição invocado pela Ré.
Em segundo lugar, refere a Ré que a competência do tribunal (arbitral) sueco foi provocada em “fraude à lei “, pois que, na sua perspectiva, existem situações de facto e ou de direito que foram criadas com o intuito de evitar a competência do tribunal que, noutras circunstâncias, seria internacionalmente competente (presume-se, os tribunais estaduais portugueses), sendo certo que a matéria sobre que versa o litígio é, segundo advoga, da competência exclusiva dos tribunais portugueses (artigo 980º, al. c), do CPC).
Independentemente de os fundamentos de recusa do reconhecimento não serem, como já antes se expôs, os que se mostram previstos no artigo 980º, do CPC, mas apenas os que decorrem do artigo V da CNI, o que, em última instância, torna o argumento irrelevante, ainda assim se dirá o seguinte.
Desde logo, este Tribunal ignora a que “situações de facto e/ou de direito“ foram criadas para evitar a competência dos tribunais portugueses se refere a Ré, pois que, em termos concretos e factuais, nada se mostra alegado que possa ser assim integrado ou subsumido, limitando-se pois a afirmação da Ré a uma asserção genérica e conclusiva decalcada da previsão legal do citado artigo 980º, alínea c), do CPC…
Por outro lado, como já se viu, o litígio em causa contende com uma compra e venda comercial celebrada entre uma empresa Suíça e uma empresa Portuguesa e com o seu alegado incumprimento por parte da Ré (compradora) ao nível do pagamento do preço acordado.
Ora, sendo este o objecto do litígio subjacente à decisão arbitral e sobre a qual a mesma incidiu, não se vislumbra de que forma pode estar em causa a competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses, a qual, como é consabido, se restringe às hipóteses consignadas no artigo 63º, do CPC e nenhuma das suas alíneas – a) a e) – contempla um litígio que se refira ao incumprimento de um contrato de compra e venda celebrado entre uma empresa portuguesa e uma empresa suíça.
Digamos, pois, que não existe qualquer violação do âmbito da competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses, concorrendo a competência destes últimos com a competência internacional de qualquer outro Estado e face ao caracter plurilocalizado do litígio.
Improcede, assim, sem outros considerandos, este outro fundamento de oposição da Ré.
Em terceiro lugar, invoca, ainda, a Ré a falta de jurisdição do tribunal arbitral sueco por mor da inexistência de um prévio e válido compromisso arbitral celebrado entre as partes (Autora e Ré), sendo certo que esse compromisso tem de assumir a forma escrita e mostrar-se assinado por ambas as partes, o que no caso não sucede.
Importa, assim, analisar com algum pormenor esta questão, sendo que a mesma se revela, à luz do preceituado no artigo V, n.º 1, alínea c), da CNI, decisiva no contexto da oposição da Ré.
O artigo II, da aludida CNI prevê o seguinte:
“1- Cada Estado Contratante reconhece a convenção escrita pela qual as Partes se comprometem a submeter a uma arbitragem todos os litígios ou alguns deles que surjam ou possam surgir entre elas relativamente a uma determinada relação de direito, contratual ou não contratual, respeitante a uma questão susceptível de ser resolvida por via arbitral.
2- Entende-se por convenção escrita uma cláusula compromissória inserida num contrato, ou num compromisso, assinado pelas Partes ou inserido numa troca de cartas ou telegramas.“
Por seu turno, no âmbito da interpretação da CNI, prevê a Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional no seu artigo 7º, sob o título “ Definição e forma do acordo de arbitragem “, o seguinte: [14]
(1) “Acordo de arbitragem“ é o acordo pelo qual as partes decidem submeter à arbitragem todos ou alguns dos litígios surgidos entre elas com respeito a uma determinada relação jurídica, contratual ou extra-contratual. Um acordo de arbitragem pode revestir a forma de uma cláusula compromissória num contrato ou a de um acordo autónomo.
(2) O acordo de arbitragem deve ser feito por escrito.
(3) O acordo de arbitragem tem forma escrita quando o seu conteúdo estiver registado sob qualquer forma, independentemente de o acordo ou contrato de arbitragem ter sido concluído oralmente, por conduta ou por qualquer meio.
(4) O facto de o acordo de arbitragem ter de ser por escrito tem a ver com a comunicação electrónica e com o facto de a informação nele contida poder ser utilizada para referência futura; “comunicação electrónica“ é toda e qualquer comunicação utilizada pelas partes através da mensagem de dados; “mensagem de dados“ é a informação gerada, enviada, recebida ou armazenada por meios electrónicos, magnéticos, ópticos ou similares, incluindo também, mas não apenas, o intercâmbio electrónico de dados (EDI), o correio electrónico, o telegrama, o telex ou a telecópia.
(5) O acordo de arbitragem tem ainda de ser escrito se incluir o intercâmbio dos articulados do demandante e do demandado, em que uma das partes alega a existência do acordo e a outra não o nega.
(6) Num contrato, a referência a qualquer documento que contenha uma cláusula compromissória constitui um acordo de arbitragem escrito, desde que a referência seja feita de modo a tornar a cláusula parte integrante do contrato. “ (sublinhados nossos)
Tendo os aludidos normativos como referência, no caso dos autos, a Ré sustenta, precisamente, para afastar a competência do tribunal arbitral sueco, tal como já defendido no decurso do processo arbitral em causa, a alegada inexistência de um acordo de arbitragem reduzido a escrito e por si assinado que, assim, a vincule a tal processo arbitral e à decisão contida na sentença que nele veio a ser proferida.
Vejamos, no entanto, se esta questão pode colher fundamento.
O artigo II, n.º 1, da CNI define o que é, para tais efeitos, uma convenção de arbitragem, enunciando os requisitos que esta deve preencher sob pena de ser inoperante ou ineficaz.
Em primeiro lugar, a convenção de arbitragem (i) deve referir-se a litígios existentes, tomando então a forma de um compromisso arbitral, ou a litígios futuros, constituindo uma cláusula compromissória; (ii) deve respeitar a uma relação jurídica, contratual ou extracontratual, suficientemente determinada, para que as partes possam ter a noção de que por essa via renunciam ao direito de submeterem aos tribunais estaduais certa matéria; (iii) nela devem as partes acordar que seja um tribunal arbitral, não um tribunal do Estado, a decidir o litígio, o que implica que a convenção de arbitragem especifique que tribunal arbitral será esse e como será constituído (explicitamente ou através de interpretação). [15]
Relativamente à sua forma, segundo o já citado artigo II, n.º 1, da CNI a convenção de arbitragem deve ter forma escrita, definindo o seu n.º 2 o que se deve entender como forma escrita.
Por conseguinte, como salienta ainda A. SAMPAIO CARAMELO, op. cit., pág. 40, quando houver que aplicar a CNI, como é o caso dos autos, será, pois, em função do preceituado no artigo II, n.º 2, conjugado com o previsto no citado artigo 7º da Lei Modelo da UNCITRAL (acima transcrito), que se determinará se a convenção de arbitragem foi celebrada com a forma devida.
Dito isto, como resulta da factualidade provada, a Ré procedeu à confirmação da encomenda por si antes efectuada junto da Autora e dessa sua confirmação, para a qual lhe foi concedido um prazo de dois úteis (prazo em que, naturalmente, poderia confirmar ou não tal encomenda, após a consulta/reflexão tida por conveniente…), resultou, como consta do dito documento escrito (confirmação de encomenda), “ a aceitação dos termos e condições gerais que podem ser consultados em www.B.../buyers/general-terms-and-conditions.“ – vide factos provados em 5., 6., 7. e 8.

Digamos, pois, que, um declaratário normalmente diligente e sagaz, saberia, nestas circunstâncias, que, ao confirmar a nota de encomenda em causa estaria a aceitar expressamente aqueles termos e condições, sendo certo que no período de dois úteis que lhe foi concedido para esse efeito, sempre poderia aceder e tomar conhecimento de tais termos e condições, em ordem a saber se era do seu interesse aceitá-los ou não, caso em não subscreveria a dita nota de encomenda.
Dito de modo diverso, a Ré, agindo de forma minimamente diligente e cuidadosa e enquanto empresa que se relaciona comercialmente com outras empresas, nomeadamente, empresas estrangeiras, não podia ignorar que, nas ditas circunstâncias, ao aceitar a encomenda por forma a obter a mercadoria de que carecia para a sua própria actividade comercial estaria também, em contrapartida, por um lado, a aceitar os termos e condições em referência e, nestes, em particular a convenção de arbitragem escrita e definida na cláusula 4.4., sendo essa sua aceitação inseparável, no contexto do negócio jurídico em causa, da confirmação da encomenda e, portanto, da própria conclusão/perfeição do contrato de compra e venda celebrado entre as partes.
Digamos que, por mor da aludida confirmação de encomenda subscrita pela Ré, através da sua Directora Geral, resultou, como dela consta expressamente, a aceitação, ao menos tácita, daqueles termos e condições (acessíveis através do link indicado na sobredita confirmação de encomenda) e, em particular, no que ora releva, a aceitação da cláusula 4.4 de tais condições gerais, onde se consigna que qualquer litígio, controvérsia ou reclamação relacionada com o cumprimento do contrato de compra e venda assim concluído com a Autora será decidida por arbitragem e de acordo com o Regulamento da Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo (cláusula compromissória), sendo certo, ainda, que sob a cláusula 4.3. dos mesmos termos e condições se estabelece que a relação entre a Autora, como vendedora, e a Ré, como compradora, será regida, interpretada e entendida em todos os seus aspectos de acordo com as regras Incoterms de 2010, com a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos para Venda Internacional de Mercadorias, com a Convenção sobre a Lei Aplicável à Venda Internacional de Mercadorias e, ainda, com os princípios dos contratos comerciais internacionais (princípios do UNIDROIT).
Neste sentido e a propósito do artigo II, n.º 2, da CNI e da exigência de forma escrita refere A. SAMPAIO CARAMELO, op. cit., pág. 45, “ Sendo a finalidade desta disposição assegurar que as partes tivessem consciência de que estavam a vincular-se a arbitragem, parece que o teste a aplicar para o efeito é verificar se o modo como essa referência (escrita) foi feita é suficiente para alertar uma parte razoavelmente prudente, para poder tomar conhecimento da convenção de arbitragem contida no documento para que se remeteu, visto que só nesse caso pode dizer-se que tal convenção foi concluída “ por escrito.“
E prossegue o mesmo Autor, “Aplicando este teste ao caso de a referência ser feita especificamente para a convenção de arbitragem contida no documento para que se remete, o entendimento largamente dominante é de que se preenche então o requisito da forma escrita do Artigo II (2), mesmo que o documento para onde se remeteu não acompanhe o contrato que foi assinado pelas partes (…), visto que, nesse caso, se considera que a parte que recebeu o documento assinado terá sido suficientemente alertada para a existência da convenção de arbitragem.
Ora, no caso dos autos, o certo é que a Ré, procedendo à consulta do documento escrito atinente aos termos e condições gerais (o que poderia fazer por um mero e simples click no link da confirmação de encomenda e no aludido prazo de dois dias úteis), logo poderia alcançar, sem qualquer dificuldade, o teor de tais cláusulas e, sobretudo, a já referida cláusula 4.4., ou seja, poderia saber, em termos claros, o teor escrito da convenção de arbitragem que aceitava nessas condições, ou seja, ao subscrever, como subscreveu, a confirmação de encomenda já referida.
Aliás, no mesmo sentido e quanto à forma escrita da convenção de arbitragem, ainda que reconhecendo o melindre da questão, refere L. LIMA PINHEIRO, “Direito Internacional Privado – Volume III, tomo II “, cit., pág. 303, “Embora o ponto seja controverso, deve considerar-se suficiente a existência de uma remissão para um documento que contenha a convenção feita no contrato assinado pelas partes ou na troca de correspondência. Necessário, à luz da finalidade do artigo 2º/2, é que o aderente tenha ou deva ter consciência da sua vinculação a uma convenção de arbitragem.“
Por conseguinte, em nosso ver, ao contrário do sustentado pela Ré, nas sobreditas circunstâncias, nenhum óbice existe quanto à questão da forma escrita da convenção de arbitragem (cláusula compromissória) e, ainda, quanto à sua subscrição/aceitação, ainda que o documento que incorpora os termos e condições e a dita convenção não se mostre assinado por qualquer uma das partes.
Improcede, pois, também este outro fundamento de oposição ao reconhecimento invocado pela Ré.
Por último, ainda, sustenta a Ré que não foi regularmente citada no processo arbitral que correu termos, não tendo tido intervenção nesse processo que veio a culminar na sentença ora em causa, pondo-se, assim, em crise os seus direitos essenciais de defesa e, em particular, o princípio do contraditório e da igualdade das partes (artigo 980º, alínea e), do CPC).
Como já antes se referiu, estando em causa uma sentença arbitral estrangeira os fundamentos de oposição ao seu reconhecimento não decorrem do preceituado no artigo 980º, do CPC, antes são apenas (e só) os que constam do já citado artigo 56º da LAV.
Neste contexto, prevê o artigo 56º, n.º 1, alínea a), ii), o seguinte:
“1. O reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral proferida numa arbitragem localizada no estrangeiro só podem ser recusados:
a) A pedido da parte contra a qual a sentença for invocada, se essa parte fornecer ao tribunal competente ao qual é pedido o reconhecimento ou a execução a prova de que:
ii) A parte contra a qual a sentença é invocada não foi devidamente informada da designação de um árbitro ou do processo arbitral, ou que, por outro motivo, não lhe foi dada oportunidade de fazer valer os seus direitos.“
Por sua vez, este mesmo normativo corresponde ao teor do artigo V, n.º 1, alínea b), da CNI, exactamente com a mesma redacção.
Nesta sede e como referia A. MENEZES CORDEIRO, o Estado onde é formulado o pedido de reconhecimento, através dos seus tribunais, concede o exequatur à sentença arbitral mas sujeita essa concessão à verificação da regularidade mínima do processo arbitral e, dentro desta regularidade mínima, avulta, naturalmente, a observância do princípio do contraditório e da igualdade das partes, enquanto pilares estruturantes de um processo, seja judicial ou arbitral, equitativo e justo (due process of law).
Nesta perspectiva, a igualdade dos cidadãos importa, no âmbito jurisdicional, não apenas a igualdade de acesso aos tribunais, mas também a igualdade perante os tribunais, ou o mesmo é dizer, no decorrer do processo – igualdade de armas ou igualdade processual.
Por outro lado, o princípio do contraditório resulta, por um lado, na faculdade de cada uma das partes poder exercer uma influência efectiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade, não só de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes de o tribunal decidir de questões que lhes digam respeito, mas também de deduzir as suas razões, oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e tomar posição sobre o resultado de umas e outras.[16]
Neste enquadramento, a questão que se coloca é, pois, a de saber se tais princípios foram observados no âmbito do processo arbitral em causa, uma vez que a Ré defende que tais princípios foram postergados e que não lhe foi dada a possibilidade de no dito processo defender a sua posição e os seus direitos.
Com o devido respeito, não existe nos autos a mais ínfima prova de tal asserção ou conclusão (cujo ónus de prova incumbia à Ré) e, pelo contrário, segundo julgamos, a prova que existe desmente essa versão da Ré.
Desde logo, resulta da sentença arbitral proferida que a Ré, no início do processo arbitral, interveio no mesmo, apresentando a 16.07.2019 a sua resposta ao pedido de arbitragem deduzido pela aqui Autora perante o Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo, sustentando nessa resposta a invalidade do acordo de arbitragem, a inarbitrabilidade do litígio e a falta de competência do árbitro.
Digamos, pois, que à aqui Ré foi dado conhecimento da instauração do processo arbitral por parte da ora Autora e lhe foi dada a possibilidade de ali defender a sua posição e sustentar a sua pretensão, como, aliás, veio a fazer. Se essa sua pretensão foi acolhida ou não já em nada contende com o exercício dos seus direitos processuais, mas antes com o mérito da própria decisão e dos seus fundamentos.
Por outro lado, ainda, refere-se também na mesma sentença arbitral que a Ré se recusou a participar no processo arbitral perante o árbitro único, “não participando na conferência de condução do processo e na audiência“, “nem apresentou quaisquer observações, apesar de ter tido oportunidade de o fazer. Todas as comunicações, incluindo Ordens Processuais e respectivas propostas do Árbitro Único – conforme previsto no Artigo 5º do Regulamento da SCC – foram enviadas à C… por e-mail para o seguinte endereço: C…@C….pt . Este endereço de e-mail usado, por exemplo, pela SCC na correspondência com as Partes antes de o caso ser encaminhado para o Árbitro Único, ao qual a C… respondeu. Os e-mails do Árbitro Único foram enviados com confirmações de recepção de entrega, incluindo Pedidos de recibos de leitura. O Árbitro Único recebeu confirmação de recibo de entrega por cada e-mail enviado e também recebeu recibos de leitura de várias mensagens. Todas as observações da B… foram também enviadas para a C… da mesma forma. A C… teve a oportunidade de comentar e/ou responder a todas as observações da B…, bem como a propostas de ordens e instruções ou mensagens do Árbitro Único.“

Ainda se refere na mesma sentença arbitral que “A 23 de Setembro de 2019, o Árbitro Único convocou as Partes para uma Conferência de Condução do Processo“, sendo que “Dado que a C… se recusou a responder ou a reconhecer o convite, o Árbitro Único reiterou o seu convite num e-mail enviado a 27 de Setembro de 2019.“
E acrescenta-se, ainda, “Devido ao facto de a C… se recusar a responder também a esse e-mail, o Árbitro Único informou as partes do artigo 35º do Regulamento de Arbitragem do SCC e de que o Árbitro Único pretendia realizar a Conferência de Condução do Processo, independentemente de a C… ter respondido ou participado na Conferência.“
Mais se refere que “A 11 de Outubro de 2019 as Partes e o Árbitro Único realizaram uma Conferência de Condução do Processo para organizar, agendar e estabelecer procedimentos para a condução da Arbitragem. A Conferência foi realizada por telefone. (…) Ninguém participou em representação da C….“
“Durante a Conferência de Condução do Processo, foi acordado que o Árbitro Único procuraria estabelecer contacto com a C… por telefone para obter esclarecimentos sobre se esta participaria na Arbitragem. Numa chamada entre o Sr. F… e o Árbitro Único a 14 de Outubro de 2019, o Sr. F… confirmou que a C… não pretendia participar na Arbitragem.“
“A 18 de Dezembro de 2019 a C… teve a oportunidade de responder ao pedido da B… e de apresentar as suas próprias testemunhas. Nenhuma resposta foi dada pela C….“
“A 14 de Janeiro de 2020, a C… teve mais uma oportunidade de responder ao pedido da B… e de apresentar as suas próprias provas testemunhais. A C… teve a oportunidade de comentar sobre a sua disponibilidade para participar de uma audiência de instrução em Estocolmo a 14 de Fevereiro de 2020. Nenhuma resposta foi dada pela C….“
“A audiência de instrução foi realizada a 14 de Fevereiro de 2020 nos gabinetes do Árbitro Único. Os senhores G… e H… participaram em representação da B…. Ninguém participou em representação da C….“
Ora, perante esta resenha da evolução do processo arbitral – que não foi minimamente posto em causa por alguma prova produzida ou oferecida pela Ré -, não se alcançam os fundamentos para a afirmação da Ré quanto à alegada violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas processuais.
De facto, em termos singelos e face às evidências antes expostas, dir-se-á que ao cumprimento do contraditório e da igualdade de armas basta-se a lei pela circunstância de ser concedida às partes, em termos efectivos, a possibilidade de exercerem os seus direitos ou faculdades processuais em pé de igualdade uma com a outra; se a própria parte, apesar de informada dos trâmites processuais e da possibilidade de exercer as faculdades que lhe são proporcionadas pela lei processual, como sucedeu com a aqui Ré, as não pretende usar, naturalmente, que inexiste qualquer violação daqueles princípios fundamentais, mas antes uma opção deliberada da parte, que, em tais circunstâncias, só lhe pode ser imputada.
De facto, o que ressuma da intervenção da Ré no processo arbitral (e que a mesma acaba por reproduzir também neste processo) é a sua petição de princípio quanto à invalidade ou inexistência de uma convenção de arbitragem escrita e vinculativa, petição esta que, como já vimos, se mostra infundada.

O que significa, pois, em resumo final, que também este outro fundamento de oposição ao peticionado reconhecimento da sentença arbitral em causa falece e, com ele, toda a oposição deduzida pela Ré.
Com efeito, é também de referir que o resultado que emerge da sentença arbitral proferida não confronta minimamente os princípios fundamentais da ordem pública internacional [17] e, ademais, o objecto do litígio é arbitrável (artigo 56º, n.º 2, da LAV e artigo V, n.º 2, da CNI) como resulta claro, aliás, em nosso ver, do preceituado no artigo 1º da LAV, pois que o mesmo centra-se no incumprimento do contrato de compra e venda comercial (internacional) celebrado entre as partes e às respectivas consequências patrimoniais, seja ao nível do pagamento do preço em falta, seja ao nível das sanções pecuniárias por esse incumprimento e pelo tempo em que o mesmo perdurar.
Assim, improcede a oposição, sendo de decretar o reconhecimento da sentença arbitral em causa, como peticionado.
Duas últimas palavras ainda se nos impõem para concluir.
A primeira, é a de que não releva ao caso discutir-se o alegado pagamento efectuado pela Ré; Com efeito, não tendo a mesma logrado demonstrar esse facto extintivo do direito de crédito da Autora (artigo 342º, n.º 2, do Cód. Civil), este fundamento é de todo improcedente.

A segunda é a de que, apesar de não ter a Ré logrado demonstrar o arrogado pagamento, tal circunstância (probatória) não é, em nosso ver, o bastante para, sem mais, justificar a condenação da mesma como litigante de má-fé.
Trata-se, no fundo, de uma circunstância que decorre apenas de uma falha a nível probatório, cuja consequência há-de ser apenas a improcedência da excepção invocada, pois que os autos não nos permitem estabelecer, apesar disso, um nexo subjectivo de censura processual, seja a título de dolo ou culpa grave, dirigido à Ré. Note-se, aliás, que a não prova de um facto não significa, como é consabido, a prova do facto contrário, tudo se passando, no final, como se tal matéria nem sequer tivesse sido alegada.
Como assim, não se vislumbram razões de fundo e bastantes para impor à Ré a sua condenação como litigante de má-fé, na estrita medida em que, para tanto, não basta, como também é pacífico, a mera improcedência da sua contestação/oposição.
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V. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar provada e procedente a presente acção especial de reconhecimento de sentença arbitral estrangeira, decretando o reconhecimento, para efeitos de posterior execução, da sentença arbitral proferida a 11.03.2020 pelo Árbitro Único do Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo – Suécia, em que é demandante “B..., AG “, com sede na Suíça, e demandada “C…., LDA “, com sede em Estarreja – Portugal.
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Custas pela Ré, pois que ficou vencida – artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 8.11.2021
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
Maria de Fátima Andrade

(O presente acórdão não segue na sua redacção o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] Vide neste sentido, por todos, e sobre a competência do Tribunal da Relação para a acção de reconhecimento de decisão arbitral estrangeira, LUIS de LIMA PINHEIRO, “Direito Internacional Privado – Volume III – Tomo II – Reconhecimento de Decisões Estrangeiras”, AAFDL, 3ª edição Refundida, 2019, pág. 289, ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO, “O Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras ”, 2016, pág. 103-108, PEDRO METELLO de NÁPOLES, “ Lei da Arbitragem Voluntária Anotada”, 4ª edição, Revista e Actualizada, Coord. DÁRIO MOURA VICENTE, pág. 200 e, ainda, ao nível da jurisprudência, AC RP de 9.09.2013, relator Sr. Juiz Desembargador Carlos Gil, AC STJ de 16.02.2016, relator Sr. Juiz Conselheiro Gabriel Catarino, AC STJ de 9.07.2015, relator Sr. Juiz Conselheiro Salazar Casanova e AC STJ de 23.10.2014, relator Sr. Juiz Conselheiro Granja da Fonseca, todos in www.dgsi.pt .
[2] Portugal foi, na Europa, um dos últimos Estados a ratificar a Convenção de Nova Iorque, ratificação que veio a ocorrer a 10.03.1994 através do Decreto do Presidente da República n.º 5/94, de 8.07, publicado no DR, Iª série – A, de 8.07.1994, tendo o instrumento de ratificação sido depositado em 18.10.1994.
De referir, ainda, que tanto a Suíça, como a Suécia são Estados aderentes da aludida Convenção, conforme consta de http://treaties.un.org/doc/Publication/MTDS/Volume%20II/Chapter%20XXII/XXII-1.en.pdf .
[3] Vide, neste sentido, por todos, DÁRIO MOURA VICENTE, op. cit., pág. 191.
[4] Vide, neste sentido, por todos, A. SAMPAIO CARAMELO, op. cit., pág. 29-30; Vide, ainda, em sentido muito próximo, MANUEL PEREIRA BARROCAS, “Lei de Arbitragem Comentada”, 2ª edição, pág. 210
[5] É de referir nesta matéria que o Estado Português, quando ratificou a Convenção de Nova Iorque, fê-lo sob a reserva de reciprocidade, ou seja, no sentido de que as disposições da Convenção só seriam aplicáveis às sentenças arbitrais estrangeiras proferidas nos territórios de outros Estados Contratantes. Esta reserva, no caso dos autos, acaba, no entanto, por não ter relevo, na medida em que, como se referiu, a Suécia (Estado onde foi proferida a sentença arbitral ora em causa), é também parte contratante na mesma Convenção.
Em sentido crítico à dita reserva de reciprocidade e pugnando pela retirada desta reserva por parte do Estado Português, vide, por todos, L. LIMA PINHEIRO, “ Direito Internacional Privado “, Volume III, 2ª edição, 2012, pág. 569.
[6] Como refere nesta matéria M. PEREIRA BARROCAS, in “A Ordem Pública na Arbitragem”, Separata da ROA, n.º 74, Janeiro/Março de 2014, pág. 100, “Embora, deve dizer-se, a Convenção não vise a sua aplicação apenas a litígios de natureza comercial, como resulta do disposto no artigo I, n.º 3, in fine, embora a grande maioria sejam dessa natureza.”
[7] Vide, neste sentido, por todos, M. PEREIRA BARROCAS, “Lei da Arbitragem …”, cit., pág. 211, nota 6.
[8] Vide, neste sentido, por todos, o já citado AC STJ de 23.10.2014 e, ainda, por todos, na doutrina, J. MIRANDA, RUI MEDEIROS, “ CRP Anotada ”, I volume, 2ª edição Revista, UCE, 2017, pág. 121-138.
[9] Vide neste mesmo sentido, por todos, A. SAMPAIO CARAMELO, “O Reconhecimento … ”, cit., pág. 121 e, ainda, por todos, além dos demais Acórdãos do STJ já antes citados, ainda, AC STJ de 14.03.2017, relator Sr. Juiz Conselheiro Alexandre Reis, AC STJ de 18.02.2014, relator Sr. Juiz Conselheiro Gregório da Silva Jesus, com indicação de outra vasta jurisprudência e doutrina, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[10] Vide, neste sentido, por todos, L. LIMA PINHEIRO, “Direito Internacional Privado”, Volume III, cit., pág. 328-329.
[11] A. MENEZES CORDEIRO, “Decisões Arbitrais Internacionais e sua Revisão”, in IV Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria de Portuguesa”, Almedina, 2011, pág. 262.
[12] Vide, neste sentido, por todos, A. SAMPAIO CARAMELO, “O Reconhecimento …”, cit., pág. 129-130.
[13] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 16.06.2005, relator Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Barros, disponível in www.dgsi.pt .
[14] Documentos das Nações Unidas n.ºs A/40/17, anexo I e A/61/17, anexo I – Adoptada pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional a 21 de Junho de 1985, alterada pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial a 7 de Julho de 2006.
O texto em língua portuguesa consta da obra antes citada de MANUEL PEREIRA BARROCAS, sob o Anexo 4, pág. 295-315.
Sobre o âmbito de aplicação da Lei Modelo em sede de arbitragem comercial internacional, vide o respectivo artigo 1º e, ainda, sobre a sua relevância como elemento integrador e interpretativo da Convenção de Nova Iorque, MANUEL PEREIRA BARROCAS, “Lei da Arbitragem …“, cit., pág. 333.
[15] Vide, neste sentido, por todos, ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO, “Reconhecimento …”, cit., pág. 34.
[16] Vide sobre os princípios da igualdade e do contraditório, por todos, J. LEBRE de FREITAS, “Introdução ao Processo Civil”, 4ª edição, pág. 125-140 e J. MIRANDA, RUI MEDEIROS, op. cit., pág. 323-324.
[17] Vide sobre a matéria, por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça antes citados.