Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TERESA SÁ LOPES | ||
Descritores: | MEDIDA DA COIMA MATÉRIA DE FACTO ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS NULIDADE DA SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RP202006221838/18.8T8AVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL | ||
Decisão: | RECURSO PARCIALMENTE NÃO ADMITIDO; PROCEDENTE NA PARTE ADMITIDA; ANULADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Tratando-se de factualidade pertinente para os limites mínimo e máximo da coima (artigo 554º do Código do Trabalho), implicando um agravamento de tais limites, é matéria com relevo para a decisão da causa, impondo-se que conste expressamente da decisão administrativa para poder ser considerada provada, em sede de decisão de facto, pelo Tribunal. II - Assim não sucedendo, a inclusão de tal factualidade consubstancia uma alteração substancial dos factos, traduzida num agravamento da posição da Arguida no processo, pela elevação dos limites da sanção. III - Tratando-se de uma alteração substancial dos factos, não tendo a Arguida concordado com a continuação do julgamento por esse novo facto, é nula a sentença, nos termos previstos no artigo 379º, nº1, alínea b) do Código de Processo Penal, atento o disposto no artigo 410º, nº3 do mesmo Código, impondo-se a sua anulação e a devolução do processo ao tribunal recorrido, como previsto no artigo 75º, nº2, alínea b) do RGCO, se com os demais factos fixados pelo Tribunal a quo, se entende ser de manter a condenação da Recorrente, ainda que não sendo possível ir para além do mínimo em termos de escalão de gravidade da contraordenação laboral. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 1838/18.8T8AVR.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Aveiro – Juiz 2 Relatora: Teresa Sá Lopes Adjunto: Desembargador António Luís de Oliveira Carvalhão Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório: 1.1. Não se conformando com a decisão da Autoridade para As Condições de Trabalho (ACT), proferida em 17.04.2018, a Arguida, B…, S.A., impugnou judicialmente tal decisão. Já depois de designada data para realização da audiência de julgamento, em requerimento junto a 28.02.2019, a Arguida veio alegar, em suma que não constando nos autos dos processos instrutores quaisquer elementos probatórios da prática das infracções imputadas e tendo tempestivamente impugnado o cometimento das infracções pelas quais a autoridade administrativa decidiu condená-los, deve ser absolvida. Em 28.02.2019, foi proferido despacho, entretanto transitado em julgado, no qual se lê: “Em nosso modesto ver, a falta de alguns documentos, não determina automaticamente a absolvição da arguida relativamente às contra-ordenações que lhe são imputadas. As consequências da falta dos documentos em questão serão apreciadas em sede de audiência, onde se fará a ponderação de toda a prova, nomeadamente a apresentada pela arguida. (…)”. Já no decurso da audiência de julgamento, por determinação do Tribunal a quo a ACT foi notificada para juntar aos autos documento comprovativo da falta de apresentação pela Arguida do relatório único respeitante ao ano anterior às contra ordenações em apreço, o que aquela fez, dando conta de que a Arguida, no ano de 2012, não procedeu à entrega do Relatório Único. Em 09.09.2019, foi proferido despacho no qual se lê: “Verifica-se que na decisão administrativa relativamente à contra-ordenação muito grave por violação das regras técnicas respeitantes à detecção e combate a incêndios, na determinação da coima aplicável, refere-se a alínea a) do nº4 art. 554º do C. Trabalho e indicam-se os valores correspondentes à alínea e). Entendemos que se trata de um lapso resultante do recurso aos meios informáticos na elaboração da decisão. Porém, suscitando a arguida tal questão na impugnação, para que não restem dúvidas, aplicando-se subsidiariamente o C.P.Penal, ao abrigo do disposto no art.358º, nº3 deste diploma, comunica-se à arguida que, face aos documentos constantes dos autos, comprovativos de que no ano de 2012 não entregou o Relatório Único, com a indicação do volume de negócios, na determinação das coimas aplicáveis aplicar-se-á o nº8 do artigo 554º do C. Trabalho, aplicando-se os limites previstos para a empresa com volume de negócios igual ou superior a € 10.000,00, ou seja, os indicados na al. e) do referido preceito legal, podendo no prazo de três dias, a tal respeito, dizer o que tiver por conveniente.”. A Arguida veio se pronunciar no sentido de ser inadmissível que seja levada em consideração na fase processual, em causa e na decisão final, a alteração dos factos descritos na decisão administrativa recorrida bem como a alteração da respectiva qualificação jurídica. Terminada a audiência de julgamento, foi aos 02.10.2019, proferida sentença (fls. 211 a 217) que decidiu nos seguintes termos: “Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, julgando-se a presente impugnação improcedente, mantém-se inalterada a decisão administrativa nela posta em crise. * Custas pela arguida, fixando-se em 2UC a taxa de justiça, levando-se em conta a já paga.Deposite e comunique à ACT”. A Arguida, em 31.10.2019, veio recorrer da mencionada sentença, referindo no requerimento de interposição do recurso que vem dela interpor recurso com subida imediata, nos próprios autos ao abrigo do disposto nos artigos 50º e 51º Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro, apresentando a motivação e, a final da mesma, tendo formulado as seguintes conclusões: …………………………… …………………………… …………………………… O Ministério Publico respondeu pugnando pela procedência do recurso, alegando para tal: “Inconformada com a douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela arguida, “B…, SA.”, mantendo a decisão administrativa que a condenou na coima única de €9.300,00 pela prática, em concurso efectivo/real de duas contra-ordenações, a saber - falta de realização de exames médicos e incumprimento de prescrições mínimas de segurança, saúde nos locais de trabalho, por existência de extintores com o prazo de validade expirado - dela interpõe recurso, ao qual ora se responde. Sumariamente, consigna-se que o Ministério Público concorda, no essencial, com a posição sustentada pela recorrente, bem como com a argumentação esgrimida, tudo em coerência com a posição já assumida nos autos (cfr. “promoção” com a referência 108416791, datada de 24/09/2019) cujo teor aqui se reproduz: …………………………… …………………………… …………………………… A Ex.ª Sr.ª Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso, suscitando como questão prévia a inadmissibilidade do recurso à sentença relativamente à contra-ordenação por falta de realização de examos médicos - infracção ao disposto na alínea a) nº3 do artigo 108º da Lei nº 102/2009 de 10.09., com a redacção da Lei nº 3/2004 de 28.01. que aplicou uma coima inferior a 25 Uc, no processo nº 021701084. Aduziu em suma: …………………………… …………………………… …………………………… Colheram-se os vistos legais. 2. Questões prévias: 2.1. Nos termos do disposto no artigo 49º da Lei nº 107/2009, de 14.09., que aprovou o regime jurídico aplicável às contra ordenações laborais e de segurança social (RGCOLSS) e que entrou em vigor aos 01.10.2009: “1 – Admite-se recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39º, quando: a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente; b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias; (...).”. O valor da UC é de € 102,00, pelo que o limite previsto no artigo 49º, nº 1, al. a), corresponde a € 2.550,00. No caso, a coima aplicada à arguida no processo nº 021701084, € 2.040,00 é inferior ao mencionado limite de € 2.550,00, não sendo pois admissível o recurso nos termos da al. a) do nº 1 do artigo 49º. Em conformidade, não se admite nessa parte o recurso interposto. 2.2. A 2ª questão prévia a conhecer tem por objecto a invocada ilegalidade da condenação dos recorrentes, em virtude da destruição de elementos dos processos instrutores. Concluiu, em suma, a Arguida a este respeito: – Os concretos elementos que suportassem a imputação dos factos que conduziram à aplicação das coimas aos recorrentes, máxime todos os elementos probatórios desses factos, teriam de constar nos autos, uma vez que os mesmos integram a fundamentação da decisão de aplicação da coima. Tendo esses elementos probatórios sido destruídos pela autoridade recorrida, a sua omissão é-lhe exclusivamente imputável, e dela não pode em caso algum resultar prejuízo para os direitos de defesa dos recorrentes. – A destruição dos autos instrutores antes de se ter tornado definitiva, a decisão final que neles, ou na fase judicial a eles subsequente, seja tomada, impede de forma inelutável o tribunal de apreciar devidamente a plenitude da prova do alegado cometimento das infracções, que haviam sido impugnadas no requerimento de defesa apresentado na fase administrativa, bem como no recurso da decisão condenatória; mais impossibilitando a análise de documentos e elementos constantes nos autos que pudessem revelar-se favoráveis aos recorrentes, incluindo documentos que comprovadamente foram juntos pela arguida. – Não constando nos autos dos processos instrutores elementos probatórios da prática das infracções imputadas, e tendo os recorrentes impugnado tempestivamente o cometimento das infracções pelas quais a autoridade administrativa decidiu condená-los, deveriam eles ter sido absolvidos da prática dos ilícitos dos autos, com os efeitos legais, pelo que se impõe a revogação da Sentença recorrida. O Ministério Público, nem na resposta nem no parecer se reportou a esta questão. Na verdade, nenhum segmento da decisão recorrida aborda a questão em causa, suscitada em sede de recurso pela Apelante. Compulsados os autos, constata-se que já depois de designada a data da audiência de julgamento, na sequência de anterior requerimento efectuado no sentido da autoridade administrativa enviar a totalidade dos processos administrativos instrutores e de ter sido recebida informação remetida por aquela autoridade no sentido de que terminada a ação inspectiva e exarado o devido auto de notícia, os referidos documentos foram expurgados do processo e destruídos, por razões de protecção de dados e gestão de arquivo, a mesma questão foi suscitada pela Apelante, em requerimento autónomo, no qual concluiu que não constando nos autos dos processos instrutores quaisquer elementos probatórios da prática das infracções imputadas, e tendo sido impugnado tempestivamente o cometimento das infrações pelas quais a Autoridade administrativa decidiu condená-los, deve ser absolvida da prática dos ilícitos dos autos, com os efeitos legais. A este respeito pelo Tribunal a quo ficou decidido no despacho de 13.03.2019: “Em nosso modesto ver, a falta de alguns documentos, não determina automaticamente a absolvição da arguida relativamente às contra-ordenações que lhe são imputadas. As consequências da falta dos documentos em questão serão apreciadas em sede de audiência, onde se fará a ponderação de toda a prova, nomeadamente a apresentada pela arguida. (…)”. Ou seja, o Tribunal proferiu já decisão, entretanto transitada em julgado, relativamente às consequências da falta de alguns documentos dos autos instrutores. Não pode pois a mesma questão ser aqui reapreciada. Em conformidade, improcede nesta parte a pretensão da Arguida. 3. Objeto do recurso: Tendo em conta as conclusões formuladas pela Recorrente e o supra decidido em sede de questões prévias, são as seguintes as questões nele suscitadas (pela ordem por que as apreciaremos): - Saber se ocorre nulidade da sentença decorrente de: . Insuficiência da matéria de facto. Alteração da qualificação jurídica dos factos e se a Apelante podia ser condenada em coima superior à prevista na norma do artigo 554º, nº 4, alínea a) do Código do Trabalho. . Aditamento de um novo facto que não constava da decisão administrativa, necessário para a aplicação do artigo 554º, nº4 alínea e) do Código do Trabalho, por via do disposto no nº8 do mesmo artigo. - Inconstitucionalidade das normas do artigo 25º, nº1, alíneas b) e c) do RPCL e dos artigos 33º e 62º, nº1 do RGCO, quando interpretadas e aplicadas no sentido de ser admissível a alteração de factos descritos na decisão administrativa de condenação em coima, através do conhecimento de factos novos prejudiciais ou desfavoráveis ao arguido na fase de julgamento. 4. Fundamentação: 4.1. Na 1ª instância foi esta a decisão de facto: “São os seguintes os factos provados, com relevo para a decisão: 1) 1. No dia 21.2.2013, pelas 10.00 horas, durante a visita inspectiva da Autoridade para as Condições de Trabalho-Centro Local do Baixo Vouga, às instalações fabris utilizadas simultaneamente pela arguida e pela C…, S.A. (C…) sitas na …, nº.., ….-…, …, realizada pelas inspectoras do trabalho D… e E…, acompanhadas pelo director da unidade fabril, F…, e pelo representante da C…, G…, as mesmas verificaram que estavam aí a laborar cerca de 80 trabalhadores de ambas as sociedades, tendo identificados algumas trabalhadoras da arguida com a categoria profissional de preparadoras de pescado, e que a validade dos meios de combate a incêndio de 1ª intervenção aí existentes, ou seja, dos extintores, tinha expirado em Janeiro desse mesmo ano, carecendo de revisão/ manutenção. 2. Face a tal situação, em caso de incêndio, os trabalhadores estavam expostos a um risco agravado. 3. As referidas inspectoras do trabalho ainda no decurso da visita inspectiva procederam à notificação para tomada de medidas, cuja cópia se mostra junta a fls 12, na qual relativamente a este risco profissional a arguida foi intimida a “no prazo de 48 horas, promover a validade e manutenção permanente dos extintores, devidamente sinalizados e com acesso desobstruído.” 4. Tal notificação foi feita na pessoa do referido representante da C…, G… que as acompanhou na visita mas se recusou a assiná-la. 5. A arguida não comprovou ter procedido à revisão/manutenção dos extintores, no prazo de 48 horas que lhe foi fixado. 6. E no relatório de avaliação de riscos, elaborado em 1.3.2013, pela sociedade H…, S.A., na sequência da notificação da arguida para esse efeito devido a um acidente de trabalho ocorrido com a trabalhadora I… em 12.2.2013, inserto de fls 13v a 17 dos autos, continua a ser assinalado o risco de incêndio devido a extintores fora de validade e obstruídos. 7. No decurso do processo, a arguida nunca apresentou qualquer documento comprovativo da regularização da manutenção/revisão dos extintores. 8. Uma das trabalhadoras identificadas na visita inspectiva que a arguida mantinha ao seu serviço, admitida em 17.10.2012, para trabalhar sob as suas ordens e direcção, com a categoria de preparadora de conservas, foi J…. 9. Tal trabalhadora, então questionada sobre se havia sido submetida a exame de saúde pelo médico do trabalho da arguida, respondeu não ter realizado tal exame. 10. Igualmente no decurso da visita inspectiva foi a arguida notificada (cfr. cópia inserta a fls 121 dos autos) para no dia 6.3.2013, pelas 10.00 horas, exibir e entregar no Centro Local da ACT, à inspectora D…, vários documentos, entre eles, as fichas de aptidão dos exames de saúde realizados às trabalhadoras J…, K…, L…, M…, N…, I… e O… e o relatório de avaliação de riscos, relativamente ao posto de trabalhadora de I… que sofrera um acidente de trabalho no dia 12.2.2013, e à movimentação de cargas, nomeadamente, dos empilhadores. 11. No dia 6.3.2013, a arguida não apresentou qualquer documentação. 12. Em 21.3.2013, o Centro Local do Baixo Vouga da ACT efectuou nova notificação da arguida, cuja cópia se mostra inserta a fls. 122, para entregar a documentação solicitada no dia 1.4.2013, pelas 10.00 horas. 13. A arguida solicitou uma prorrogação do prazo, tendo-lhe sido fixado o dia 11.4.2013, como data limite para a entrega da documentação. 14. No dia 11.4.2013, a arguida remeteu à ACT- centro local do Baixo Vouga, alguns dos documentos solicitados. 15. Entre os documentos enviados, consta a ficha de aptidão da trabalhadora J… inserta a fls. 124 dos autos, da qual resulta que a mesma realizou o exame médico de admissão em 26.2.2013 e foi considerada apta para o trabalho. 16. A arguida ao actuar da forma descrita não agiu com a diligência exigível a um empregador medianamente exigente e cuidadoso. 17. A arguida no ano de 2012 não entregou o Relatório Único, com a indicação do respectivo volume de negócios- cfr. documentos insertos a fls. 11,119 e 204 dos autos. Com interesse para a decisão não se provaram os seguintes factos: 1- Que a falta de realização do exame de saúde à trabalhadora J… antes da sua admissão se ficou a dever à urgência, por razões económicas, que a mesma manifestou no início da prestação de trabalho. 2- Que foi a empresa de prestação de serviços de medicina do trabalho à arguida que se atrasou na efectivação do exame médico de admissão à trabalhadora. 3- Que o atraso na regularização do exame de saúde também se ficou a dever a ausências ao serviço por parte da trabalhadora. 4- Que a arguida já havia encomendado a uma firma da especialidade a revisão dos extintores de incêndio. 5- Que a arguida sempre deu ordens e instruções expressas a todos os seus funcionários no sentido do escrupuloso respeito pela legislação em vigor, designadamente quanto às condições de trabalho e normas de saúde e segurança no trabalho. * Convicção do Tribunal:O Tribunal alicerçou a sua convicção na apreciação global da prova produzida, designadamente, nos depoimentos das testemunhas inquiridas e no teor dos documentos juntos aos autos, salientando-se o seguinte: Deu-se como provada a versão dos factos vertida nos autos de notícia com fundamento do depoimento das inspectoras do trabalho D… e E… que realizaram a visita inspectiva e a relataram, tendo, além do mais, dito que percorreram as instalações acompanhadas pelo director da unidade fabril, F…, e pelo representante da C… (C…), G…, onde se encontravam a laborar simultaneamente trabalhadores da arguida e da C…, e viram que o prazo de validade de todos os extintores tinha expirado no mês anterior, sendo vários, mas não sabendo concretizar quantos, e que falaram com algumas trabalhadoras preparadoras de conservas, nomeadamente a J…. A inspectora D… referiu ainda que não tendo a arguida apresentado os documentos solicitados no dia 6.3.2013, efectuou a notificação datada de 21-3-2013 e depois prorrogou o prazo a pedido da arguida prorrogou o prazo de entrega até 11.4.2013, data em que a arguida enviou alguns documentos, mas que nunca lhe foi apresentado qualquer documento comprovativo da manutenção/ revisão dos extintores e que a contraordenação relativa à falta de exame de saúde da trabalhadora J… foi confirmada pela respectiva ficha de aptidão, que mostra ter o exame de saúde sido realizado em 26.2.2013, já depois da visita inspectiva. Não se deram como provados os factos alegados pela arguida, porquanto, não obstante, as testemunhas P…, empregada de escritório da C…, Q…, técnico de recursos humanos da C…, e S…, TOC, responsável pela contabilidade, terem vindo dizer que a arguida pedia a realização dos exames de saúde à sociedade H… para todos os trabalhadores e que esta os vinha realizar periodicamente à empresa e ainda que o trabalhador T…, entretanto reformado, também já havia pedido a revisão dos extintores, os seus depoimentos foram vagos e imprecisos, não nos merecendo credibilidade, pois afirmaram que não foram intervenientes nos alegados pedidos e não souberam esclareceram quando e como os mesmos foram feitos. Além disso, não foram apresentados quaisquer documentos comprovativos que seria normal existirem, tratando-se de serviços que tinham de ser prestados por terceiros e pagos. E quanto ao exame de saúde da trabalhadora J…, o registo de faltas podia demonstrar que foi a sua ausência a causa da demora na realização do exame, mas também não foi apresentado”, (realce e sublinhado nossos). 3.2. Fundamentação de Direito: A 1ª questão a conhecer tem por objecto a nulidade da sentença que a Arguida invocou com o argumento de que a sentença padece de falta de fundamentação, faltando elementos fácticos essenciais que permitissem integrar os tipos sancionatórios. Conclui, em suma, a Arguida: – Em parte alguma da Sentença recorrida se refere (a) quantos eram os extintores em causa; (b) a concreta localização espacial de cada um desses extintores, para que pudesse concluir-se que os mesmos se encontravam nas instalações fabris utilizadas simultaneamente pela arguida e pela C…, S.A., e (c) qual era o prazo de validade que estava aposto em cada um desses extintores, o que permitiria concluir se efectivamente o respectivo prazo tinha expirado e em que data. – Falece, pois, a sustentação para que se pudesse concluir, como se fez na Sentença recorrida, que «a validade dos meios de combate a incêndio de 1ª intervenção» (sem que se indicasse sequer de quantos se tratava) «aí existentes» (sem discriminar os concretos locais onde os mesmos se encontrariam, o que permitiria concluir se eles estariam ou não nas «instalações fabris utilizadas simultaneamente pela arguida e pela C…, S.A.»), «ou seja, dos extintores, tinha expirado em Janeiro desse mesmo ano» (sem fazer menção à concreta data de validade inscrita ou aposta em cada um dos extintores). – Uma vez que, na senda da decisão administrativa impugnada, na Sentença recorrida não constam fundamentos de facto suficientes para que pudesse ter-se concluído pela prática dos ilícitos que eram imputados à arguida/recorrente, e pudesse ser-lhe correspondentemente aplicada qualquer sanção, essa omissão, para além de consubstanciar violação da norma do artigoº 25º, nº1, alíneas b) e c) do RPCL (bem como do 58º, nº-1, alíneas b) e c) do RGCO e, por remissão do artigoº 41º, nº1 desse diploma, das normas dos artigos 374º, nº2 e 379º, nº1 do CPP), configura uma manifesta insuficiência para a decisão da matéria provada (artigo 410º, nº2 do CPP), bem como violação do dever geral de fundamentação e dos direitos de defesa da recorrente (artigo 17º, nº2 do RPCL, artigo 50º do RGCO e artigos 20º, nº4, 32º nº10, 266º, 268º, nºs 3 e 4 e 32º, nº10 da CRP), devendo consequentemente ser a Sentença recorrida revogada e proferida decisão que declare a nulidade da decisão administrativa de aplicação da coima. Por seu turno, o Ministério Público, na resposta concordou no essencial com a posição sustentada pela Arguida, em síntese, considerando que estando em falta elementos fácticos essenciais que permitissem integrar os tipos sancionatórios, nunca poderá entender-se que a sentença satisfaz as exigências do artigo 25º, nº1, alíneas b) e c) do RPCL e as garantias de defesa da recorrente. A omissão daqueles elementos de facto na sentença recorrida e na decisão administrativa condenatória viola o dever de fundamentação que esses actos deveriam ter. Daí que aquela omissão, ainda que parcial, dos referidos elementos objectivos dos tipos de ilícito, que sempre teriam de constar numa decisão condenatória, consubstanciará uma insuficiência para a decisão da matéria provada (artigo 410º, nº2, alínea a) do CPP, ex vi do artigo 41º, nº1 do RGCO). A Ex.ª Sr.ª Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação pronunciou-se no sentido de que não se verifica insuficiência da matéria de facto pois não será necessário indicar na decisão o número exacto de extintores, na medida em que não é essencial para o preenchimento do tipo, pois bastava a existência de um extintor com o prazo de validade excedido. Por outro lado a identificação dos trabalhadores que se encontravam nas instalações apenas é necessária quando a contra-ordenação lhe diz individualmente respeito. Na sentença foi entendido que «(…) a arguida invoca a insuficiência da matéria de facto para efeitos de preenchimento da contra-ordenação muito grave por incumprimento das prescrições mínimas de segurança e saúde, sustentando que a autoridade administrativa fez constar em vez de factos uma afirmação conclusiva ao referir que todos os extintores existentes nas instalações fabris/produção se encontravam com o prazo de validade excedido, devendo antes ter feita menção expressa ao número concreto de extintores, à sua concreta localização espacial nas instalações e ao prazo de validade aposto em cada um deles, bem como deviam ter sido mencionado os nomes das trabalhadoras identificadas como preparadoras de conservas. Na verdade, não consta na decisão qual o número exacto de extintores existentes nas instalações fabris da arguida, referindo-se que todos eles tinham excedido o prazo de validade. E como se referiu na fundamentação da matéria de facto, as inspectoras do trabalho não souberam precisar o número exacto de extintores aí existentes, recordando-se apenas que eram vários. Porém, tal facto, podendo ter relevância para a determinação da medida concreta da coima, não é essencial para o preenchimento do tipo, pois para tal bastava a existência de um só extintor com o prazo de validade excedido e só na fotografia que consta do auto de notícia são visíveis dois. Quanto à menção dos nomes das trabalhadoras que se encontravam nas instalações e foram identificadas durante a visita inspectiva, entendemos que a sua concreta identificação no auto de notícia e na decisão apenas é necessária quando as contra-ordenações lhes dizem individualmente respeito e tal só sucede em relação à trabalhadora J…, porque a falta do exame de saúde de admissão se reporta à sua pessoa, sendo que esta foi identificada no respectivo auto. Aliás, seria praticamente inviável, identificar os cerca de 80 trabalhadores que se encontravam nas instalações. Pelo exposto, entendemos que a decisão administrativa contém os factos suficientes, ainda que de permeio com conclusões de facto e de direito, para se concluir pela prática das contra-ordenações imputadas à arguida» (sublinhado nosso). Vejamos: Sobre a nulidade da sentença, dispõe o artigo 379º do Código de Processo Penal (CPP), [aplicável ao processo contra-ordenacional ex vi artigo 41º do Decreto-Lei nº 433/82 de 27.10. (RGCO)]: «1 - É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F; b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º; c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. (…)». Sob a epígrafe “Requisitos da sentença”, preceitua o artigo 374º do Código Processo Penal: «1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. 3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém: a) As disposições legais aplicáveis; b) A decisão condenatória ou absolutória; c) A indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas; d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal; e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal. 4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.». Como se lê no acórdão da Relação de Guimarães de 07.04.2016, “As nulidades não existem “a la carte”, consoante a conveniência de quem as invoca; pelo contrário, a regra é existirem apenas nas situações previstas na lei (art.º 118, n.º 1 e 2 do CPP: 1 – A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. 2 – Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular)”. O que começa por ser invocado pela Arguida é que a sentença padece de uma insuficiência dos factos dados como provados, para efeitos de preenchimento da contra-ordenação muito grave por incumprimento das prescrições mínimas de segurança e saúde. Importa aqui atender ao disposto no Artigo 410º, nº2, alinea a) do Código de Processo Penal, que quanto aos fundamentos do recurso nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, (como sucede com o recurso para a Relação no âmbito do processo de contra-ordenação – cfr. artigo 51º da Lei nº107/2009 de 14.09. e 75º do Decreto-Lei nº433/82), o qual prevê que: «(…) 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; (…) 3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.», (sublinhado nosso). O vício que a Arguida aponta à sentença é o da insuficiência da matéria de facto para a decisão. No âmbito do recurso contra-ordenacional, tal vício pode ser conhecido pela Relação. Na sentença recorrida, foram considerados como factos provados, nomeadamente: - No dia 21.2.2013, pelas 10.00 horas, durante a visita inspectiva da Autoridade para as Condições de Trabalho-Centro Local do Baixo Vouga, às instalações fabris utilizadas simultaneamente pela arguida e pela C…, S.A. (C…) sitas na …, nº.., ….-…, …, realizada pelas inspectoras do trabalho D… e E…, acompanhadas pelo director da unidade fabril, F…, e pelo representante da C…, G…, as mesmas verificaram que estavam aí a laborar cerca de 80 trabalhadores de ambas as sociedades, tendo identificados algumas trabalhadoras da arguida com a categoria profissional de preparadoras de pescado, e que a validade dos meios de combate a incêndio de 1ª intervenção aí existentes, ou seja, dos extintores, tinha expirado em Janeiro desse mesmo ano, carecendo de revisão/ manutenção. - Face a tal situação, em caso de incêndio, os trabalhadores estavam expostos a um risco agravado. - As referidas inspectoras do trabalho ainda no decurso da visita inspectiva procederam à notificação para tomada de medidas, na qual relativamente a este risco profissional a arguida foi intimida a “no prazo de 48 horas, promover a validade e manutenção permanente dos extintores, devidamente sinalizados e com acesso desobstruído”. - A arguida não comprovou ter procedido à revisão/manutenção dos extintores, no prazo de 48 horas que lhe foi fixado. - E no relatório de avaliação de riscos, elaborado em 1.3.2013, pela sociedade H…, S.A., na sequência da notificação da arguida para esse efeito devido a um acidente de trabalho ocorrido com a trabalhadora I… em 12.2.2013, continua a ser assinalado o risco de incêndio devido a extintores fora de validade e obstruídos. - No decurso do processo, a arguida nunca apresentou qualquer documento comprovativo da regularização da manutenção/revisão dos extintores. - A Arguida ao atuar da forma descrita não agiu com a diligência exigível a um empregador medianamente exigente e cuidadoso. - A Arguida no ano de 2012 não entregou o relatório único, com a indicação do respetivo volume de negócios. O Decreto-Lei nº 347/93, de 1 de Outubro, que transpõe a Directiva nº 89/654/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais de trabalho, prevê, no seu artigo 4º, que as normas técnicas de execução daquele diploma são objecto de portaria do Ministro do Emprego e da Segurança Social. A Portaria nº 987/93 de 06.10. visou dar execução àquele preceito legal. O artigo 5º da mesma Portaria preceitua: «1 - Os meios de detecção e combate contra incêndios devem ser definidos em função das dimensões e do tipo de utilização dos edifícios onde estão instalados os postos de trabalho, das características físicas e químicas dos materiais e substâncias neles existentes, bem como do número máximo de pessoas que neles possam encontrar-se. (…) 3 - O material de combate contra incêndios deve encontrar-se em perfeito estado de funcionamento e em locais acessíveis, nos termos da legislação específica aplicável, existindo durante os períodos normais de trabalho um número suficiente de trabalhadores devidamente instruídos sobre o seu uso.» (sublinhado nosso). Já o artigo 6º do Decreto Lei nº 347/93, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 113/99, de 03.08., sob a epígrafe “Contra-ordenações” prescreve: «1 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação das normas técnicas referidas no artigo 4.º quando respeitem a: a) Instalações eléctricas; b) Meios de detecção e combate de incêndios. 2 - Constitui contra-ordenação grave a violação das demais normas técnicas referidas no artigo 4.º». Na sentença recorrida, resultou assente que no dia 21.2.2013, pelas 10.00 horas, estavam a laborar em instalações fabris utilizadas simultaneamente pela Arguida e pela C…, S.A. (C…), sitas na …, nº.., ….-…, …, cerca de 80 trabalhadores de ambas as sociedades, algumas trabalhadoras da Arguida com a categoria profissional de preparadoras de pescado, tendo a validade dos meios de combate a incêndio de 1ª intervenção aí existentes, ou seja, dos extintores, expirado em Janeiro desse mesmo ano, carecendo de revisão/manutenção. Para o preenchimento do ilícito previsto no artigo 6º, nº1, alínea b) do Decreto Lei nº 347/93, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 113/99, de 03.08., tal como referido pelo Tribunal a quo “bastava a existência de um só extintor com o prazo de validade excedido”, mas acrescentamos que se tivesse sido esse o caso, então sim se justificaria uma identificação mais detalhada do mesmo. Porém, da factualidade constante do auto de notícia, da decisão da autoridade administrativa e da sentença recorrida resulta que todos os extintores existentes nas instalações da ora Apelante se encontravam com o prazo de validade expirado em Janeiro de 2013. Se eram todos não tinha que constar o número de cada um. Acresce que tendo ficado assente a identificação e localização das instalações fabris utilizadas pela Arguida, onde estavam todos os extintores, tal basta para se aferir onde estes se encontravam, dado que por serem a totalidade dos que ali existiam, não se justifica qualquer diferenciação pela localização espacial de cada um deles, dentro das mesmas instalações. De referir também que não está em causa a acessibilidade dos locais onde os extintores se encontravam, dentro das mesmas instalações. Finalmente, resulta da matéria assente que o prazo de todos extintores expirou em Janeiro de 2013, sendo pois o final desse mês o prazo de validade de todos aqueles, mostrando-se assim indicado o prazo de validade aposto nos extintores. No auto de notícia depois da referência aos trabalhadores de ambas as entidades que utilizam as instalações fabris – cerca de 80 - consta que foram identificadas várias trabalhadoras, com a categoria profissional de trabalhadoras de conservas. A decisão da autoridade administrativa, remete para a proposta de decisão, da qual consta que foram identificados vários trabalhadores com a categoria profissional de preparadores de conservas. E também na decisão recorrida ficou assente que se encontravam a laborar cerca de oitenta trabalhadoras, algumas trabalhadoras da Arguida, com a categoria profissional de preparadoras de pescado. Ora, sem mais referimos que acompanhamos a conclusão do tribunal a quo onde refere que “Quanto à menção dos nomes das trabalhadoras que se encontravam nas instalações e foram identificadas durante a visita inspectiva, entendemos que a sua concreta identificação no auto de notícia e na decisão apenas é necessária quando as contra-ordenações lhes dizem individualmente respeito (…)”. De resto, não está em causa se foi excedido o número máximo de trabalhadores relativamente ao número de extintores existentes, nem quantos desses trabalhadores se encontravam devidamente instruídos para o uso dos extintores. Afigura-nos assim que para o preenchimento do tipo de ilícito é suficiente ter ficado assente que todos os extintores que existiam nas identificadas instalações da sede e local de trabalho da Apelante, onde se encontravam trabalhadores da mesma a laborar, tinham o prazo de validade – Janeiro de 2013 – excedido. Tal resulta assente pelo que entendemos que não ocorre insuficiência dos fundamentos de facto, para se concluir pela prática do ilícito contra-ordenacional imputado à Apelante, supra referenciado e que motivou a aplicação da sanção, encontrando-se cabalmente satisfeitas as exigências do artigo 25º, nº1, alínea b) do Regime Processual Aplicável às Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social (RPCL) e as garantias de defesa daquela. Em conformidade, concluímos que não ocorre qualquer violação do dever geral de fundamentação e dos direitos de defesa da Apelante, designadamente – porque invocados pela Apelante - dos previstos nos artigos 17º, nº2 do RPCL, nos artigos 50º, 58º, nº1, alínea b) do Regime Geral das Contra Ordenações (RGCO), nas normas dos artigos 374º, nº2 e 379º, nº1, alínea a) do Código de Processo Penal (CPP) e nos artigos 20º, nº4, 32º, nº10, 266º, 268º, nºs 3 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP). Ainda que quanto a este primeiro segmento da argumentação da Arguida, a sentença proferida não enferma de qualquer das causas de nulidade previstas no artigo 379º do Código de Processo Penal. Improcede assim também nesta parte a pretensão da Apelante. Prosseguindo na análise das demais causas de nulidade da sentença arguidas pela Apelante. Conclui a Apelante que não podia ser condenada em coima superior à prevista na norma segundo a qual a autoridade administrativa decidiu punir aquela – artigo 554º, nº 4, alínea a) do Código do Trabalho. Ainda e em suma: - Em 09/09/2019, foi proferido despacho no qual o tribunal a quo admitiu que «na decisão administrativa relativamente à contra-ordenação muito grave por violação das regras técnicas respeitantes à detecção e combate a incêndios, na determinação da coima aplicável, refere-se a alínea a) do nº4 artigo 554º do Código do Trabalho e indicam-se os valores correspondentes à alínea e). - Embora em parte alguma dos autos ou da Sentença se encontre qualquer fundamentação para tal, concluiu o tribunal a quo que a menção à norma do artigo 554º, nº4, alínea a) do Código do Trabalho era resultado de «um lapso resultante do recurso aos meios informáticos na elaboração da decisão». Conclui assim o Tribunal a quo e concluímos nós também, acompanhando a decisão recorrida, onde na mesma se lê “(…) que se tratou de um lapso de escrita resultante do recurso aos meios informáticos na elaboração da decisão. Com efeito, logo com os autos de notícia foi junto um documento (…) onde consta que a arguida não tinha apresentado o relatório único relativo ao ano de 2012 e, em consequência foram indicadas, as coimas aplicáveis às empresas com um volume de negócios superior a € 10.000.000, referindo-se expressamente no auto respeitante aos extintores o art. 554º, nº4, al. e) do C.Trab., conjugado com os nºs 5 e 8 do mesmo artigo.”. Não assiste assim razão à Apelante quando conclui que a autoridade aplicou uma coima em valor correspondente a mais do dobro do limite máximo da coima previsto na norma punitiva invocada – o artigo 554º, nº4, alínea a) do CT, que estatui a aplicabilidade, em caso de negligência, de coima a graduar entre €2.040,00 e €4.080,00 (entre 20 UC e 40 UC). Não se mostra pois violado o preceituado nos artigos 554º, nº4, alínea a) do Código do Trabalho, 25º, nº1, alínea c) do RGCL e 1º, 2º e 43º do RGCO. Improcede assim também nesta parte a pretensão da Apelante. As demais questões objecto do presente recurso relacionam-se com a anterior. O ponto 17 dos factos julgados provados tem o seguinte teor: - A arguida no ano de 2012 não entregou o Relatório Único, com a indicação do respectivo volume de negócios- cfr. documentos insertos a fls. 11,119 e 204 dos autos. Na fundamentação da decisão de facto, lê-se na Sentença «(…) na determinação das coimas aplicáveis foram consideradas as molduras correspondentes às empresas com um volume de negócios superior € 10.000.000, por não ter entregue o relatório único relativo ao ano de 2012, com a indicação do volume de negócios, não obstante tal facto não constar expressamente nem nos autos de notícia, nem na decisão administrativa». Concluiu a este propósito em suma a Apelante: - Resulta directamente do teor da Sentença recorrida que apenas durante a fase judicial veio a ser apurada matéria de facto (a não entrega pela arguida do referido Relatório único de 2012, com indicação do volume de negócios) bastante para a aplicação da norma do artigo 554º, nº 4 do Código do Trabalho, por via do disposto no nº 8 do mesmo artigo (aplicação do estatuído nessa alínea e), previsto para empresas com volume de negócios igual ou superior a €10.000.000,00, no caso de o empregador não indicar o volume de negócios). - Essa alteração introduzida à factualidade ao determinar a aplicabilidade de norma do artigo 554º, nº 4, alínea e) é-lhe claramente desfavorável, sendo consequentemente inadmissível por força da proibição da reformatio in pejus. - As normas do artigo 25, nº1, alínea b) do RPCL e do artigo 62º, nº1 do RGCO, impõem que a «actuação do tribunal deve ser moldada e funcionalizada pelos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação», e não por factos posteriormente aditados que lhe sejam desfavoráveis. - Aquela alteração dos factos exorbita os poderes de cognição do tribunal e desrespeita a regra da competência contra-ordenacional primária das autoridades administrativas. - Foram violados os artigos 33º e 62º, nº1 do RGCO e 25º, nº1, alíneas b) do RPOL. No parecer, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta foi referido que desde o início a Arguida se encontra ciente de que na determinação da coima foi considerada a moldura correspondente a empresas com o volume de negócios superior a € 10.000,00 por falta de entrega do relatório único relativo ao ano anterior à infracção, já que com o auto de notícia foi junto um documento onde consta que a Arguida não tinha apresentado o relatório único, relativo ao ano de 2012, tendo-lhe sido indicadas naquele auto as coimas aplicáveis às empresas com um volume de negócios superior a € 10.000,00, com expressa referência ao artigo 554º, nº4, alínea e) do Código do Trabalho conjugado com os nºs 5 e 8 do mesmo artigo. Vejamos: A matéria do item 17º dos factos provados não consta efectivamente da decisão administrativa impugnada. E tendo sido admitida na Sentença a factualidade vertida no ponto 17 foi cometida nulidade da qual a mesma enferma? Lê-se na sentença recorrida «(…) logo com os autos de notícia foi junto um documento (doc.1) onde consta que a arguida não tinha apresentado o relatório único relativo ao ano de 2012 e, em consequência foram indicadas, as coimas aplicáveis às empresas com um volume de negócios superior a € 10.000.000, referindo-se expressamente no auto respeitante aos extintores o art. 554º, nº4, al. e) do C.Trab., conjugado com os nºs 5 e 8 do mesmo artigo. A arguida, notificada dos autos de notícia, na resposta apresentada na fase administrativa não contestou tal facto, demonstrando ter apresentado o relatório único de 2012. E na audiência de julgamento, o tribunal entendeu verificar se a de falta de apresentação de tal relatório se mantinha e solicitou informação à ACT que juntou o documento inserto a fls 204, donde resulta que até julho do corrente ano tal relatório não foi apresentado. A arguida notificada desse documento nada disse. Destarte, não restam dúvidas de que a arguida desde o início do processo está ciente de que na determinação das coimas aplicáveis foram consideradas as molduras correspondentes às empresas com um volume de negócios superior € 10.000.000, por não ter entregue o relatório único relativo ao ano de 2012, com a indicação do volume de negócios, não obstante tal facto não constar expressamente nem nos autos de notícia, nem na decisão administrativa. Admite-se que seria mais rigoroso referir expressamente tal facto. Porém, face ao teor dos autos de notícia, a arguida teve imediatamente a oportunidade de contestar as coimas aí indicadas, demonstrando a apresentação do relatório único no ano de 2012, o que não fez, nem nessa altura, nem quando foi notificada do documento junto no decurso da audiência. (…) E, neste contexto, vir dizer perante a notificação do despacho de 9.9.2019 que se trata de um facto novo que o tribunal não pode considerar, sob pena de nulidade da decisão, afigura-se-nos descabido e sem qualquer sustentação factual ou arrimo legal». Quanto à matéria vertida no ponto 17º da factualidade provada, importa desde logo referir que não se trata de matéria pressuposto do preenchimento do ilícito contra-ordenacional antes de factualidade pertinente para os limites mínimo e máximo da coima Artigo 554º do Código do Trabalho), como tal, com relevo para a decisão da causa. Dispõe o artigo 358º, nº3 do Código de Processo Penal (aplicável subsidiariamente atento o disposto no artigo 41º, nº1 do RGCO e no artigo 60º do RCOL) sob a epígrafe “Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”: «1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. (…) 3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia». Não se trata do circunstancialismo previsto no nº3 do transcrito preceito, em conformidade com o supra decidido no sentido de que não ocorreu uma alteração da qualificação jurídica já que o que ocorreu foi um manifesto lapso de escrita. Daí que em nosso entender não podia o Tribunal a quo, escudar-se em tal dispositivo, como fez no despacho de 09.09.2019. Acompanhamos aqui a fundamentação do Acórdão da Relação de Évora de 17.05.2005, (Relatora Desembargadora Maria Assunção Raimundo, in www.dgsi.pt) «O «thema decidendum» definido pela a acusação é (…) uma consequência da estrutura acusatória do nosso processo penal e tem o objectivo de limitar o objecto da decisão jurisdicional. Só que essa limitação, é tida como uma garantia de imparcialidade e de defesa do arguido. Imparcialidade do tribunal na medida em que apenas terá de julgar os factos objecto da acusação, e garantia de defesa do arguido na medida em que a partir da acusação sabe de que é que tem de se defender, não podendo ser surpreendido com novos factos ou novas perspectivas dos mesmos factos para os quais não estruturou a defesa. Se o acusador omitiu um elemento essencial do facto típico, o tribunal, ainda quando disso se aperceba, nada pode fazer, ou seja, não pode completar a acusação, integrando-a com o elemento em falta. Havendo erro na acusação, o tribunal não o pode corrigir, a não ser com o acordo dos demais sujeitos processuais, ou usando dos meios processuais estabelecidos pelos arts. 358 e 359 do Código de Processo Penal – Germano Marques da Silva, in, Curso de Processo Penal, Euros, pág. 374 e 375. Surge neste âmbito, perante as circunstâncias deparadas ao julgador, a questão de saber qual o meio processual a lançar mão para promover a correcção. (…) De acordo com a definição do art. 1º, al. f), do Cód. Proc. Penal há alteração substancial dos factos descritos na acusação apresentada pelo assistente quando a nova factualidade tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso. Ou seja, há alteração substancial dos factos, quando o facto novo resultante da alteração constitui: a descoberta de um outro evento; ou a violação de uma outra norma incriminadora; ou a descoberta de uma nova circunstância que agrave a pena aplicável; ou ainda a descoberta de um crime inteiramente distinto. Esta “alteração” é a contemplada no art. 359 do Código do Processo Penal, a qual não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso sem a comunicação ao Ministério Público para que ele proceda pelos novos factos - cfr. nº1. Mas se a alteração dos factos descritos na acusação, não implicar alteração de juízo base da ilicitude nem agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis ao agente do crime acusado, ela constitui uma alteração não substancial, contemplada no art. 358 do Código de Processo Penal», (realce e sublinhado nossos). Aceitamos que o Tribunal a quo considere que desde o início do processo a Arguida está ciente de que na determinação das coimas aplicáveis foram consideradas as molduras correspondentes às empresas com um volume de negócios superior a € 10.000,00. Todavia, tal não significa que a circunstância agravante da coima - o facto de a Arguida não ter entregue o relatório único relativo ao ano de 2012, com indicação do volume de negócios – não tivesse de constar expressamente da decisão administrativa para poder ser considerado provado, em sede de decisão de facto, pelo Tribunal a quo. Como refere o Autor Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Regime-Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, página 275, excerto também citado pela Apelante) “A alteração dos factos obedece à seguinte regra: é admissível qualquer alteração dos factos favorável ao arguido e é inadmissível qualquer alteração dos factos desfavorável ao arguido. A regra da inadmissibilidade da alteração dos factos em sentido favorável ao arguido resulta da natureza da impugnação judicial como nova instância sobre a matéria de facto. A regra da inadmissibilidade da alteração dos factos em sentido desfavorável ao arguido resulta de duas circunstâncias: primeiro, o tribunal está limitado pela proibição da reformatio in pejus; segundo, o Ministério Público não tem competência contra-ordenacional primária. (…) Por outro lado, a proibição da reformatio in pejus veda o conhecimento de quaisquer factos novos prejudiciais ao arguido na audiência de julgamento, mesmo que esses factos novos não alterem substancialmente a acusação. A consideração de um facto novo que agrave a pena concreta do arguido, ainda que não agrave a moldura da pena aplicável, está vedada pela proibição da reformatio in pejus.”. Em concreto, como resulta do acima exposto, o facto aditado agrava a moldura da coima aplicável. Como tal, trata-se de uma alteração substancial dos factos, traduzida num agravamento da posição da Arguida no processo, pela elevação dos limites da sanção (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 02.06.2011, Relator Desembargador José Eusébio Almeida, in www.dgsi.pt). Uma vez que a Arguida não concordou com a continuação do julgamento por esse novo facto – cfr. artigo 359º, nº3 do Código de Processo Penal - não podia pois o Tribunal a quo, aditar o mesmo ao elenco dos factos provados, mesmo existindo nos autos prova a seu respeito e que a imputação efectuada pela Autoridade administrativa o tivesse tido em conta. Acompanhamos assim o alegado pela Apelante quando refere que “Tal alteração dos factos exorbita, pois, os poderes de cognição do tribunal (cfr. art.º 62º-1 do RGCO) e desrespeita a regra da competência contra-ordenacional primária das autoridades administrativas (cfr. art.º 33º do RGCO), pelo que os factos alterados não podiam ter sido conhecidos na Sentença recorrida- e muito menos como forma de sanar as invalidades de que (…) padecia a decisão administrativa impugnada”. Tratando-se de uma alteração substancial dos factos, concluímos pela nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 379º, nº1, alínea b) do Código de Processo Penal, atento o disposto no artigo 410º, nº3 do mesmo Código, impondo-se a sua anulação e a devolução do processo ao tribunal recorrido, como previsto no artigo 75º, nº2, alínea b) do RGCO. Com efeito, não podendo, em conformidade com o que se deixou referido, ser considerada a matéria do item 17º da factualidade e não sendo a mesma autonomizável para início de outro processo, haverá que considerar-se na condenação tão só a coima prevista no artigo 554º, nº4, alínea a) do Código do Trabalho, não sendo possível ir para além do mínimo em termos de escalão de gravidade da contraordenação laboral. Explicitando: A devolução do processo à primeira instância justifica-se uma vez que com os demais factos fixados pelo Tribunal a quo, se entende ser de manter a condenação da Recorrente, ainda que tão só pela coima prevista no artigo 554º, nº4, alínea a) do Código do Trabalho (cfr. ainda a este propósito o citado Acórdão da Relação de Coimbra de 02.06.2011). Finalmente, quanto à última questão, concluiu a Apelante: - As normas dos artigos 25º, nº1, alíneas b) e c) do RPCL e dos artigos 33º e 62º, nº1 do RGCO (aplicáveis ex vi do artigo 60º do RPCL), quando interpretadas e aplicadas no sentido de ser admissível a alteração de factos descritos na decisão administrativa de condenação em coima, através do conhecimento de factos novos prejudiciais ou desfavoráveis ao arguido na fase de julgamento, mesmo que esses factos novos não alterem substancialmente a acusação, são inconstitucionais, por violação, designadamente, das normas dos artigos 20º, nºs1 e 4, 32º, nº1, 5 e 10 e 202º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como do princípio da separação de poderes artigos 2º, 202º, 219º e 266º da CRP. Atento o supra decido considera-se prejudicado o conhecimento desta derradeira questão. Concluímos assim, nesta parte, pela procedência do recurso. 4. Decisão: Em face do exposto acorda-se em: a) não admitir o recurso da sentença relativamente à coima de € 2.040,00; b) julgar procedente o recurso da sentença relativamente à coima de € 9.300,00, anulando-se a sentença proferida e determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal recorrido, podendo este apenas considerar a coima variável prevista no artigo 554º, nº4, alínea a) do Código do Trabalho, em termos de escalão de gravidade da contraordenação laboral. Custas pela Apelante na proporção de ¼. Porto, 22 de Junho de 2020. Teresa Sá Lopes António Luís Carvalhão |