Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO REJEIÇÃO ABUSO DE DIREITO PROPRIEDADE HORIZONTAL PARTES COMUNS | ||
| Nº do Documento: | RP201909231661/18.0T8VNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/23/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º702, FLS.141-161) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Constitui fundamento de rejeição da reapreciação da decisão de facto, pretender por essa via suprir a falta de alegação de factos essenciais à decisão da causa. II - A fachada constitui parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, cujo uso pode ser atribuído de forma exclusiva a um dos condóminos para afixação de publicidade por deliberação da assembleia de condóminos. III - Não atua com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o condomínio que em assembleia de condóminos delibera, por unanimidade dos presentes, na sequência de obras de remodelação e requalificação da fachada do prédio, não autorizar os condóminos a instalar ou reinstalar painéis publicitários na fachada e determina a retirada dos colocados pelo arrendatário de fração autónoma, sem autorização da assembleia de condóminos e do senhorio. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | PHZ-RMF - Publicidade-1661/18.0T8VNG * ...................................................................SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC): ................................................................... ................................................................... *** Acordam neste Tribunal da Relação do Porto ( 5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )I. Relatório Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum em que figuram como:- AUTORA: Condomínio B…, sito na Avenida …, …., …., …. e …., …. - …, em Vila Nova de Gaia; e - RÉ: C…, Unipessoal, Lda, com sede na Avenida …, …., …. - …, Vila Nova de Gaia, pede a autora condenação da ré na remoção do anúncio/publicidade que colocou na fachada do edifício, no prazo de cinco dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de ser condenada em sanção pecuniária compulsória a fixar pelo tribunal, por cada dia de atraso, bem como, na reparação dos danos causados na fachada com a perfuração, para a colocação do anúncio, custeando as despesas necessárias para o efeito. Alegou, em síntese, que durante anos permitiu que os condóminos afixassem publicidade na fachada do edifício contra o pagamento de uma quantia pecuniária e quando, no ano de 2014, se deliberou realizar obras de requalificação da fachada, foi requerido junto dos visados que fosse removida a publicidade com vista à execução de tais obras, o que foi cumprido por todos. Após a execução das obras, a Ré, sem autorização do Autor, instalou na parte frontal da sua loja um anúncio de grandes dimensões publicitando a atividade comercial que desenvolve. Por deliberação de 29.01.2016, a Assembleia de Condóminos deliberou não ser aceitável a colocação de publicidade nas fachadas do imóvel, após a requalificação do edifício. Porém, a Ré recusa-se a retirar a publicidade da fachada do edifício, apesar de interpelada para o efeito, o que motiva a presente ação. * Citada a Ré, contestou, invocando, em síntese, que efetivamente tinha sido deliberado que a publicidade fosse retirada por forma a ser possível a requalificação do edifício, não constando em tal deliberação que fosse proibido voltar a colocar a publicidade, terminadas que fossem a obras.Uma vez concluída a requalificação, entendeu a Ré que a situação retomaria o seu estado anterior e voltou a colocar na fachada a publicidade, já que havia autorização anterior da Assembleia de Condóminos nesse sentido. Ademais, a Ré necessita impreterivelmente de publicitar o seu negócio utilizando suportes publicitários em redor das suas vitrines, já que decidiu arrendá-lo na pressuposição de que poderia publicitar a sua atividade comercial. Ficando impedida de o fazer fica limitado o seu direito de gozo do local arrendado. * Proferiu-se despacho saneador e perante a manifesta simplicidade da causa, não se fixou o objeto do litígio, nem se enunciaram os temas da prova.* Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo.* Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:“Pelo exposto, julgo a presente não provada e totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a Ré do pedido. Custas pelo Autor – art. 527º do Código de Processo Civil”. * A Autora veio interpor recurso da sentença. * Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:…………………………………………….. …………………………………………….. …………………………………………….. Termina por pedir o provimento do recurso, com alteração da sentença nos termos alegados. * Não foi apresentada resposta ao recurso.* O recurso foi admitido como recurso de apelação, pronunciando-se o juiz do tribunal “a quo” sobre a nulidade da sentença, no sentido de não se verificar.* Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.* O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso As questões a decidir: - nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1 c) CPC; - reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova, quanto à matéria do art. 11º da petição e pontos 5 e 6 dos factos provados; - mérito da causa. * Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:2. Os factos 1.O Autor é o condomínio constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida …, …, Vila Nova de Gaia, composto por 23 frações autónomas. 2. O Autor encontra-se devidamente representado pela respetiva Administração, eleita pelos condóminos reunidos em Assembleia Geral, exercida pela Sociedade “D…, Unipessoal, Lda.”, NIPC ……... e com sede na Avenida … … a …, …. - … … – cfr. Documento de fls. 7 a 18. 3. A Ré é arrendatária das frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do condomínio Autor, propriedade da sociedade denominada – E… - cf. documento de fls. 19. 4. A Ré, na qualidade de arrendatária das frações referidas em 3), instalou a sede da sua empresa com a designação “C… Unipessoal, Lda., nessas mesmas frações - cfr. documento de fls. 20. 5. O Autor durante alguns anos, autorizou os condóminos a colocar publicidade nas fachadas do imóvel, contra o pagamento de uma quantia pecuniária que revertia a favor do condomínio, que anualmente era atualizada de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de condóminos. 6. A Ré, contra o pagamento de quantia pecuniária efetuado pelo seu senhorio, instalou na fachada do imóvel que lhe foi locado, publicidade, com vista à promoção da sua atividade comercial. 7. No ano de 2014, em assembleia de condóminos datada de 23 de Julho, foi deliberado realizar obras de requalificação da fachada do edifício - cfr. documento de fls. 21 a 45 que se dá por integralmente reproduzido. 8. Após a aprovação das aludidas obras, foi requerido junto dos lojistas que tinham publicidade afixada, que a removessem, bem como dos restantes interessados que retirasse todos os aparelhos de ar condicionado, com vista à execução das obras de requalificação do edifício... 9. O que foi integralmente cumprido por todos. 10. Após a conclusão da parte da obra que abrange a fachada frontal, em data não concretamente apurada mas situada antes de 29 de janeiro de 2016, a Ré, sem ter diligenciado previamente por nova autorização do Autor, instalou na parte frontal da loja (fachada do edifício Autor) um anúncio nos termos configurados nas fotografias de fls. 46 a 47, que se dão integralmente por reproduzidas. 11. Em 29 de Janeiro de 2016, os condóminos reuniram-se em assembleia geral, tendo como ponto 4. da ordem de trabalhos: “Deliberar sobre o montante a cobrar pela ocupação das fachadas do imóvel, com publicidade e ou reclames luminosos para o ano de 2016”. 12. Nessa reunião, e quanto ao ponto 4. da ordem de trabalhos, o presidente da mesa questionou a assembleia quanto ao valor a praticar pela ocupação da fachada do imóvel, pela publicidade afixada no local - cfr. ata de fls. 47 verso a 60 verso que se dá por integralmente reproduzida. 13. “Após breve trova de impressões entre os presentes, deliberou a assembleia de condóminos por unanimidade dos presentes, que deverá ser removida a publicidade aplicada nas fachadas do imóvel, abusivamente e deverá ser reposta a regularidade dos suportes uma vez que as fachadas do imóvel foram integralmente requalificadas” - cfr. ata referida no ponto anterior. 14. O Autor interpelou a Ré, por carta de 26.04.2016, registada com aviso de receção, para que removesse os reclames publicitários da fachada do imóvel e que regularizasse a fachada perfurada para aplicação dos mesmos no prazo de 5 dias - cfr. documentos de fls. 62 e verso, que se dão por integralmente reproduzidos. 15. Para a instalação da publicidade mencionada em 10), a Ré perfurou as juntas do azulejo/mosaico. 16. A Ré, apesar de interpelada não removeu a publicidade afixada. 17. A Ré dedica-se ao comércio a retalho de artigos usados e tem o seu estabelecimento comercial, aberto ao público, sito nas frações autónomas referidas em 3). 18. Para o exercício da sua atividade comercial, a Ré necessita de publicitar o seu negócio, utilizando desde o início do arrendamento, suportes publicitários junto das suas vitrines, o que sempre lhe foi autorizado pela assembleia de condóminos até à assembleia que se realizou em 29 de janeiro de 2016. * Não se provaram os factos vertidos nos artigos 16º e 18º da p. i:- Factos não provados: 16. Conforme facilmente se percebe, a perfuração das paredes da fachada e a consequente remoção da publicidade, deixam marcas, nomeadamente furos/fissuras, que com o tempo e com as chuvas, terá como consequência a infiltração de aguas pluviais nas frações dos proprietários, sendo tal facto causa idónea a provocar danos nas mesmas. 18. Com efeito, o Autor junto do proprietário das frações em causa, verificou que, este também não havia concedido ou prestado qualquer autorização ou clausulado no contrato de arrendamento celebrado entre a E… a Ré, que incluíssem a afixação de qualquer anúncio (que de resto sempre seria inoponível ao Autor por se tratar de área comum). Quanto aos factos alegados no artigo 15º da p. i., provou-se apenas o que consta em 16) dos factos provados. * Não se respondeu à restante matéria vertida nos articulados, por se tratar de matéria conclusiva, de impugnação, repetida ou sem interesse para a boa decisão da causa ou ter ficado prejudicada em virtude da resposta dada aos restantes factos.Consignou-se, ainda: * Nas conclusões de recurso, sob os pontos I a V, suscita a apelante a nulidade da sentença, com fundamento no art. 615º/1 c) CPC, por entender que a decisão está em contradição com os factos provados e com a prova produzida.3. O direito - Nulidade da sentença - Resulta do disposto no art. 615º/1 c) CPC, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. A previsão da norma contempla as situações de contradição real entre os fundamentos e a decisão e não as hipóteses de contradição aparente, resultante de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. Como referia o Professor ANTUNES VARELA: “a norma abrange os casos em que há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente“[2]. No caso presente existe na sentença uma perfeita coerência no raciocínio e a decisão resulta como a conclusão lógica desse raciocínio, pois considerou-se perante os factos provados, que não assiste à autora o direito que reclama, por se entender, nomeadamente, abusivo o exercício do direito, o que importa a sua paralisação. Perante os factos provados, a interpretação e análise dos mesmos à face do direito ali invocado, revela-se coerente, o que não significa que a decisão não possa merecer censura em sede de aplicação do direito, mas tal vício a existir não configura a nulidade da sentença. Nos termos do art. 615º/1 c) CPC a sentença é ainda nula quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Considera-se que a sentença é obscura quando enferma de “ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade”. A sentença é ambígua quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão. A sentença mostra-se equívoca quando o sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Contudo, este vício apenas determina a nulidade da sentença se a decisão for ininteligível ou incompreensível[3]. A ininteligibilidade da decisão corresponde à falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido na petição inicial (art.186º2 a)CPC)[4]. No caso concreto a sentença contém uma decisão expressa em termos inequívocos. Os fundamentos que conduziram à decisão são eles também objetivos e não são suscetíveis de várias interpretações. Conclui-se, que a sentença não padece do vício que lhe foi apontado, mostrando-se válida. Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos I a V. * Nas conclusões de recurso, sob os pontos VI a VIII, insurge-se a apelante contra a decisão de facto, sob os pontos 5 e 6 e pretende que se reformule a resposta ao art. 10º da petição.- Reapreciação da decisão de facto – Contudo, apreciada a fundamentação, conclui-se que o apelante pela via da reapreciação da decisão de facto, pretende apenas ampliar a matéria de facto, com a inclusão de novos factos, alguns essenciais. Nos termos do art. 666º/2 c) CPC mostrando-se indispensável ampliar a matéria de facto, deve o tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Não sendo possível fazer uso de tal faculdade, deve o tribunal anular a decisão. A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”[5]. Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção. Os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte. Ambos integram a categoria de factos principais porque são necessários à procedência da ação ou exceção, por contraposição aos factos instrumentais, probatórios ou acessórios que são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos[6]. Em conformidade com o critério legal, a ampliação da matéria de facto tem de ser indispensável, o que significa que cumpre atender às várias soluções plausíveis de direito, o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso e ainda, com a possível intervenção e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 682º/3 CPC. No caso concreto está em causa a reapreciação dos pontos 5, 6 e 10 dos factos provados, que refletem a resposta aos art. 5º, 6º e 11º da petição. Na petição o Autor alegou: 5. O Autor durante alguns anos, permitiu aos condóminos que fosse colocada publicidade nas fachadas do imóvel, contra o pagamento de uma quantia pecuniária que revertia a favor do condomínio, que anualmente era atualizada de acordo com as deliberações tomadas em assembleia pelo Autor. 6. A Ré contra o pagamento de quantia pecuniária, instalou na fachada do imóvel que lhe foi locado, publicidade, com vista à promoção da sua atividade comercial. 11. Fê-lo, contudo, sem dirigir qualquer pedido prévio de autorização ao condomínio Autor, tendo procedido à instalação de nova publicidade após a requalificação integral da fachada em granito. Provou-se (com as alterações em itálico): 5. O Autor durante alguns anos, autorizou os condóminos a colocar publicidade nas fachadas do imóvel, contra o pagamento de uma quantia pecuniária que revertia a favor do condomínio, que anualmente era atualizada de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de condóminos. 6. A Ré, contra o pagamento de quantia pecuniária efetuado pelo seu senhorio, instalou na fachada do imóvel que lhe foi locado, publicidade, com vista à promoção da sua atividade comercial. 10. Após a conclusão da parte da obra que abrange a fachada frontal, em data não concretamente apurada mas situada antes de 29 de janeiro de 2016, a Ré, sem ter diligenciado previamente por nova autorização do Autor, instalou na parte frontal da loja (fachada do edifício Autor) um anúncio nos termos configurados nas fotografias de fls. 46 a 47, que se dão integralmente por reproduzidas. Pretende a apelante a alteração da decisão no sentido de se passar a julgar provado: “O Autor durante alguns anos, autorizou os condóminos a colocar publicidade nas fachadas do imóvel contra o pagamento de uma quantia pecuniária que revertia a favor do condomínio, que anualmente deliberava sobre a concessão da publicidade e do valor a pagar pela mesma.” “A Ré, instalou na fachada do imóvel que lhe foi locado, publicidade, com vista aÌ promoção da sua atividade comercial, sendo que nunca pagou a contrapartida pecuniária por essa utilização da fachada, que teve sempre de ser assegurada pelo seu senhorio, e desde a realização das obras da fachada nenhuma quantia é paga a esse título, apesar da colocação da publicidade no local”. “A Ré, sem dirigir qualquer pedido prévio de autorização ao condomínio Autor, procedeu aÌ instalação de nova publicidade após a requalificação integral da fachada em granito, colocando mais painéis publicitários do que aqueles que tinha antes das obras na fachada do edifício.” Os factos indicados pelo apelante, acima sublinhados por nós, não foram oportunamente alegados nos articulados e tal circunstância, só por si, impede a ampliação da decisão de facto. Supostamente os factos resultam da discussão da causa. A verificar-se tal situação, cumpre ter presente o regime previsto no art. 5º do CPC. Como decorre do art. 5º do CPC o tribunal só pode decidir a questão de direito utilizando os factos alegados pelas partes, recaindo sobre a parte o ónus de alegar os factos essenciais. Considerando o apelante que os factos omitidos constituem factos essenciais, uma vez que não constam dos articulados, não podiam e não podem ser atendidos pelo tribunal de recurso. Mas mesmo admitindo que se tratavam de factos complementares nunca poderiam ser considerados, porque não foram objeto de contraditório. Como determina o art. 5º/2 CPC, além dos factos articulados pelas partes são ainda considerados pelo juiz os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar. Em sede de julgamento, nem o juiz, oficiosamente, manifestou interesse em adquirir para os autos os factos agora alegados pelo apelante, porque resultavam da discussão da causa, nem qualquer das partes se manifestou nesse sentido, pois só assim, poderia o juiz considerar tais factos na decisão, como se prevê no art. 607º/4 CPC ( “o juiz declara os factos que julga provados e quais os que julga não provados”). Sendo assim, não tendo sido objeto de contraditório, não pode o tribunal de recurso considerar tal matéria de facto. De igual forma, pode o juiz considerar na decisão: - os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; - os factos notórios e aqueles que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. A considerarem-se factos instrumentais apenas poderiam ser atendidos para efeito da fundamentação da decisão de facto, pois como determina o art. 607º/4 CPC, na fundamentação da decisão de facto o juiz indica as ilações tiradas dos factos instrumentais. Os factos em causa não constituem factos notórios, nem resultam do exercício das funções do juiz. Conclui-se não se encontrarem reunidos os pressupostos para proceder à alteração da decisão de facto pela via da ampliação da decisão de facto. Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos VI a VIII. * Contudo, oficiosamente, justifica-se proceder à alteração da decisão de facto, com fundamento no art. 662º/1 e 2/c) CPC, atenta a prova produzida (documental e testemunhal, gravada no sistema Citius), eliminando parte da matéria que consta do ponto 18 dos factos provados e ampliando a decisão de facto, no sentido de reproduzir a deliberação da assembleia de condóminos realizada em 29 de janeiro de 2016, no ponto 13 dos factos provados.Nos termos do art. 666º/2 c) CPC mostrando-se indispensável ampliar a matéria de facto, deve o tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Não sendo possível fazer uso de tal faculdade, deve o tribunal anular a decisão. A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”[7]. Nos termos do art. 662º/2 c) CPC a decisão da matéria de facto de conteúdo deficiente, obscuro ou contraditório justifica a anulação do julgamento, quando não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração proferida sobre a decisão da matéria de facto. A contradição pode derivar da oposição entre diversas respostas dadas a pontos de facto controvertidos ou entre tais respostas e os factos considerados assentes na fase da condensação. A superação da contradição, sem necessidade de anulação do julgamento, pode derivar da prevalência que deva ser dada a certo elemento constante do processo com força probatória plena ou por via da conjugação com outras respostas ou com matéria já assente. Mas pode decorrer ainda da reponderação dos meios de prova que se encontrem disponíveis e nos quais o tribunal “ a quo “ se tenha baseado, como determina o art. 662º/2 c) CPC[8]. Entre os pontos 18 e os pontos 5 e 6 dos factos provados existe uma contradição, que se ultrapassa com a análise da fundamentação da decisão de facto e o depoimento prestado, em sede de declarações de parte, por M…, sócio-gerente da ré. Julgaram-se provados: 5. O Autor durante alguns anos, autorizou os condóminos a colocar publicidade nas fachadas do imóvel, contra o pagamento de uma quantia pecuniária que revertia a favor do condomínio, que anualmente era atualizada de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de condóminos (art 5º da petição). 6. A Ré, contra o pagamento de quantia pecuniária efetuado pelo seu senhorio, instalou na fachada do imóvel que lhe foi locado, publicidade, com vista à promoção da sua atividade comercial (art. 6º da petição). 18. Para o exercício da sua atividade comercial, a Ré necessita de publicitar o seu negócio, utilizando desde o início do arrendamento, suportes publicitários junto das suas vitrines, o que sempre lhe foi autorizado pela assembleia de condóminos até à assembleia que se realizou em 29 de janeiro de 2016 (art. 23º, 32º e 34º da contestação). A contradição resulta do facto de se julgar provado que o condomínio autorizou os condóminos, mediante o pagamento de uma contrapartida, a utilizar a fachada para afixar paineis de publicidade e simultaneamente, se julgar provado que a assembleia de condóminos sempre autorizou a ré – arrendatária – a proceder à afixação de publicidade na fachada. Na fundamentação da decisão de facto considerou-se, como se passa a transcrever: “Na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objetivos fornecidos pelos documentos dos autos, e fazendo uma análise dos depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas. Considerou-se a posição das partes vertida nos respetivos articulados e ademais, atendeu-se ao teor dos documentos já referenciados na decisão sobre a matéria de facto conjugado com o depoimento das testemunhas inquiridas a e as declarações prestadas pelas partes. Concretizando, dir-se-à: A testemunha F… é eletricista e funcionário da empresa que administra o condomínio. Referiu que a obra de requalificação do edifício se iniciou em 2015 e terminou em março de 2016. Substituíram a pastilha por grés. Antes da obra existiam aparelhos de ar condicionado aplicados nas fachadas e publicidade e quando a obra terminou, os reclames publicitários voltaram a ser colocados. Referiu que os acrílicos estão colocados ou aparafusados na parte superior da loja e que só existe essa loja no edifício. G… foi o 1º condómino a habitar no edifício, onde reside desde 1 de julho de 1983. Disse que as obras duraram entre outubro de 2015 e meados de 2016. Antes das obras, os lojistas que tinham publicidade afixada na fachada pagavam um extra ao condomínio. Depois das obras nada foi decidido. Entretanto, foi decidido que devia ser tudo retirado para não estragar as fachadas. A Ré voltou a colocar a publicidade antes da obra total ter terminado. Dantes a publicidade era só por cima da porta. Agora aproveitaram os furos feitos pela H… que esteve lá anteriormente e colocaram painéis novos. A loja da Ré é a única existente, para além da sobreloja. I… é engenheiro civil e residiu no edifício em causa, donde saiu há cerca de 4/5 anos, sendo contudo ainda condómino. Conhece a Ré. Existe uma loja e duas sobrelojas no edifício. Costuma ir às assembleias de condóminos. Estava estipulado o pagamento de uma verba ao condomínio, pela publicidade aplicada na fachada. Descreveu as obras que foram efetuadas; revestimento em grés. Para a execução das obras tornava-se necessário remover tudo o que estivesse instalado nas fachadas. A ideia era não permitir que se voltasse a aplicar publicidade nas fachadas após a realização das obras. A fachada em causa é a principal, mas recuada. J… trabalha para a Ré desde 2010/2011. Disse que sempre existiu a publicidade afixada na fachada. Só alteraram a cor. De resto ficou tudo como estava dantes. Só desencaixaram e voltaram a colocar no mesmo sítio. A tijoleira não foi perfurada, apenas as ranhuras existentes entre a tijoleira. Retiraram a publicidade para a execução das obras, conforme lhes foi solicitado, mas não definitivamente. Acha que era o senhorio quem pagava ao condomínio pela publicidade. Não podem sobreviver sem a publicidade, pois as pessoas ficam sem saber que ali há uma loja. As outras 2 sobrelojas existentes no edifício não são de venda ao público. Esclareceu entretanto que por cima da porta já existia publicidade, mas dos lados não tinha a certeza. K… é empregado de balcão da Ré desde 2010/2011. Referiu que a publicidade que existe por cima da porta sempre existiu, mas a lateral não tinha a certeza. A publicidade por cima da porta que existia anteriormente era maior que a atual. Só voltaram a colocar a publicidade depois de concluídos os trabalhos. Na parte existente por cima da vitrina, não foi feita perfuração, porque foi colocada num vão. O legal representante da Autora, L…, é o sócio gerente da empresa que gere o condomínio. A obra foi iniciada em 2015. A afixação de publicidade nas fachadas sempre foi permitida mediante o pagamento anual de uma prestação extra. A partir do momento em que foram executadas as obras deixaram de cobrar e pediram aos lojistas para retirarem a publicidade a fim de executarem as obras. Falaram com os proprietários das lojas e disseram-lhes para não voltarem a afixar publicidade nas fachadas. Todos os anos renovavam a autorização. Em 2016, não aprovaram a afixação da publicidade. Os aparelhos de ar condicionado também foram removidos e não foram mais aplicados. Dantes, a publicidade era em placard acrílico, por cima da montra. Estava aplicado por perfuração na fachada. Taparam-se os buracos e atualmente não sabe se existe perfuração. Agora existe publicidade também nas laterais. Não contactaram com a Ré, mas sim com o proprietário, que lhes disse que já tinha comunicado à Ré para retirar a publicidade. Não é provável que a perfuração da fachada provoque infiltrações, porque a fachada é recuada. As obras começaram em outubro de 2015 e acabaram em maio de 2016. A Ré afixou a publicidade abusivamente, porque só tinha autorização até finais do ano de 2015. O legal representante da Ré, M…, referiu que tem a loja instalada nas frações do edifício desde 2010 e sempre teve publicidade afixada na fachada, tendo aproveitado o placard da N…, que foi a anterior arrendatária. Meio ano depois mudou o reclame para não luminoso. A publicidade existia por cima das vitrinas, não nas laterais, mas ocupava um espaço maior. Em 2010, o senhorio pediu lhe que pusesse um reclame mais pequeno e acedeu. Nunca pagou a publicidade, nem lhe foi dito que tinha que pagar. Para a aplicação da publicidade atual, não foi perfurada a tijoleira, mas sim as juntas. Em 2015, a senhoria pediu-lhe para retirar a publicidade por causa das obras e assim fez. Quando as obras terminaram naquela parte da fachada, voltou a colocar a publicidade. Deram-lhe conhecimento que estava sem autorização, mas manteve a sua posição. A testemunha O…, trabalha para a E…, que é a proprietária e senhoria das frações de que a Ré é arrendatária. Referiu que o estabelecimento sempre teve publicidade afixada, mesmo com os anteriores inquilinos (a N…), na parte de cima da vitrina. Era a E… quem pagava ao condomínio a prestação pela afixação da publicidade. Enviaram uma carta à Ré a pedir-lhe para chegar a um acordo. Como se vê, não houve discrepâncias de maior entre os depoimentos e declarações prestadas, pois todos relataram os factos de forma idêntica, extraindo, no entanto diferentes conclusões no que respeita à licitude ou ilicitude da conduta da Ré. A publicidade na fachada existia e era autorizada pela assembleia de condóminos que anualmente deliberava o montante a pagar pela sua ocupação. Pediu-se àqueles que ocupavam a fachada para retirar a publicidade e aparelhos de ar condicionada para a execução das obras de requalificação do edifício. Terminadas as obras, a Ré voltou a ocupar a fachada com publicidade e a assembleia de condóminos que foi realizada em momento posterior deliberou que tal publicidade era abusiva e devia ser removida”. Nas declarações de parte prestadas por M…, legal representante da ré, é referido que o senhorio pagava uma contrapartida anual pela utilização da fachada para afixar publicidade e que as alterações introduzidas nos painéis de publicidade foram sempre realizadas a solicitação do senhorio, exceto a última, depois das obras, porque tal alteração passou pela iniciativa exclusiva da ré. Referiu, de forma muito afirmativa, que nunca pagou ao condomínio qualquer contrapartida pela utilização das fachadas para proceder à afixação de publicidade, nem o senhorio lhe comunicou que tinha que pagar. Referiu, ainda, que se tivesse que pagar o reclame não celebrava o contrato de arrendamento. Disse, também, que não vai às assembleias de condóminos. Depois de realizadas as obras na fachada e quando procedeu à afixação dos painéis de publicidade foi contatado pelo senhorio no sentido de retirar os painéis, por não ter autorização e porque não podia colocar painéis de publicidade. Posteriormente recebeu do autor a carta junta aos autos, cujo teor foi confirmado pelo declarante. Resulta das declarações prestadas em confronto com a restante prova, reproduzida na fundamentação da decisão, que entre o condomínio e os condóminos foi firmado um acordo, que possibilitava os condóminos utilizarem as fachadas do prédio para afixarem publicidade, mediante o pagamento de uma contrapartida. Nesse acordo não participavam os eventuais arrendatários das frações, mas sobretudo, não foi celebrado qualquer acordo entre o condomínio e a ré, sobre a utilização da fachada para efeitos de afixar publicidade. Por outro lado, não constam dos autos atas de assembleias do condomínio nas quais se tenha deliberado autorizar a ré a proceder à afixação de painéis publicitários na fachada do prédio. A própria ata de 29 de janeiro de 2016 expressa mais uma vez a ideia de ser exigida uma contrapartida dos condóminos pela ocupação do espaço. Daqui resulta que não foi produzida prova que sustente a afirmação final do ponto 18 dos factos provados, que como tal deve passar a integrar os factos não provados, ultrapassando-se desta forma a contradição entre os factos. Por outro lado, na petição alegou-se: 12. Em 29 de Janeiro de 2016, reuniu o autor para a Assembleia anual, onde entre outros assuntos, foi discutida a possibilidade de colocação de publicidade nas fachadas, bem como os aparelhos de ar condicionado. 13. Decidiram os condóminos não ser aceitável a colocação de publicidade ou aparelhos de ar condicionado, uma vez que tinha ocorrido a requalificação integral da fachada. Tal matéria, sob o ponto 13 dos factos provados, mereceu uma resposta restritiva, considerando-se, não constituir matéria de facto relevante, a posição adotada pela assembleia a respeito da fixação de aparelhos de ar condicionado. Reproduziu-se parte do teor da ata. De todo o modo, as testemunhas indicadas pela autora foram unânimes a considerar que foi propósito do condomínio depois da realização das obras na fachada, não autorizar a colocação de painéis de publicidade e aparelhos de ar condicionado na fachada do prédio. Refira-se, ainda, que em data anterior, conforme ata nº 67 da assembleia de condóminos realizada em 23 de julho de 2014, junta com a petição, em relação à instalação de aparelhos de ar condicionado - fração “N” - a assembleia de condóminos já se tinha pronunciado no sentido de apenas conceder autorização para instalação na fachada posterior e nos extremos do edifício. Por estar em causa a apreciação do direito de uso pelos condóminos de um mesmo espaço comum e os motivos que impedem esse uso, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito, justifica-se ampliar a matéria de facto, dando por reproduzida a deliberação incluindo a matéria da fixação dos aparelhos de ar condicionado. O ponto 13 dos factos provados passará, assim, a conter a seguinte redação: 13. “Após breve trova de impressões entre os presentes, deliberou a assembleia de condóminos por unanimidade dos presentes, que deverá ser removida a publicidade aplicada nas fachadas do imóvel, abusivamente e deverá ser reposta a regularidade dos suportes uma vez que as fachadas do imóvel foram integralmente requalificadas.[…] No seguimento da ordem de trabalho, foi requerido pelo proprietário da fração”D”a manutenção da instalação do aparelho de ar condicionado, na fachada frontal do imóvel.[…] Proposta reprovada por unanimidade dos presentes. Mais deliberou a assembleia que a instalação de aparelhos de ar condicionado está apenas autorizado na fachada posterior do imóvel, e de acordo com o já deliberado sobre o assunto designadamente e apenas nos extremos laterais do edifício, no mesmo alinhamento do já existentes na mesma fachada pertencentes às habitações” - cfr. ata referida no ponto anterior. Com a alteração da decisão de facto passa a considerar-se: - Provado: 13. “Após breve trova de impressões entre os presentes, deliberou a assembleia de condóminos por unanimidade dos presentes, que deverá ser removida a publicidade aplicada nas fachadas do imóvel, abusivamente e deverá ser reposta a regularidade dos suportes uma vez que as fachadas do imóvel foram integralmente requalificadas.[…] No seguimento da ordem de trabalho, foi requerido pelo proprietário da fração”D”a manutenção da instalação do aparelho de ar condicionado, na fachada frontal do imóvel.[…] Proposta reprovada por unanimidade dos presentes. Mais deliberou a assembleia que a instalação de aparelhos de ar condicionado está apenas autorizado na fachada posterior do imóvel, e de acordo com o já deliberado sobre o assunto designadamente e apenas nos extremos laterais do edifício, no mesmo alinhamento do já existentes na mesma fachada pertencentes às habitações” - cfr. ata referida no ponto anterior. 18. Para o exercício da sua atividade comercial, a Ré necessita de publicitar o seu negócio, utilizando desde o início do arrendamento, suportes publicitários junto das suas vitrines. - Não provado: - A afixação de painéis de publicidade sempre lhe foi autorizado pela assembleia de condóminos até à assembleia que se realizou em 29 de janeiro de 2016. * Na apreciação das demais questões cumpre ter presente a seguinte matéria de facto, com as alterações introduzidas (destacadas em itálico):1. O Autor é o condomínio constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida …, …, Vila Nova de Gaia, composto por 23 frações autónomas. 2. O Autor encontra-se devidamente representado pela respetiva Administração, eleita pelos condóminos reunidos em Assembleia Geral, exercida pela Sociedade “D…, Unipessoal, Lda.”, NIPC ……….. e com sede na Avenida … … a …, …. - … … – cfr. Documento de fls. 7 a 18. 3. A Ré é arrendatária das frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do condomínio Autor, propriedade da sociedade denominada – E… - cf. documento de fls. 19. 4. A Ré, na qualidade de arrendatária das frações referidas em 3), instalou a sede da sua empresa com a designação “C…, Unipessoal, Lda., nessas mesmas frações - cfr. documento de fls. 20. 5. O Autor durante alguns anos, autorizou os condóminos a colocar publicidade nas fachadas do imóvel, contra o pagamento de uma quantia pecuniária que revertia a favor do condomínio, que anualmente era atualizada de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de condóminos. 6. A Ré, contra o pagamento de quantia pecuniária efetuado pelo seu senhorio, instalou na fachada do imóvel que lhe foi locado, publicidade, com vista à promoção da sua atividade comercial. 7. No ano de 2014, em assembleia de condóminos datada de 23 de Julho, foi deliberado realizar obras de requalificação da fachada do edifício - cfr. documento de fls. 21 a 45 que se dá por integralmente reproduzido. 8. Após a aprovação das aludidas obras, foi requerido junto dos lojistas que tinham publicidade afixada, que a removessem, bem como dos restantes interessados que retirasse todos os aparelhos de ar condicionado, com vista à execução das obras de requalificação do edifício... 9. O que foi integralmente cumprido por todos. 10. Após a conclusão da parte da obra que abrange a fachada frontal, em data não concretamente apurada mas situada antes de 29 de janeiro de 2016, a Ré, sem ter diligenciado previamente por nova autorização do Autor, instalou na parte frontal da loja (fachada do edifício Autor) um anúncio nos termos configurados nas fotografias de fls. 46 a 47, que se dão integralmente por reproduzidas. 11. Em 29 de Janeiro de 2016, os condóminos reuniram-se em assembleia geral, tendo como ponto 4. da ordem de trabalhos: “Deliberar sobre o montante a cobrar pela ocupação das fachadas do imóvel, com publicidade e ou reclames luminosos para o ano de 2016”. 12. Nessa reunião, e quanto ao ponto 4. da ordem de trabalhos, o presidente da mesa questionou a assembleia quanto ao valor a praticar pela ocupação da fachada do imóvel, pela publicidade afixada no local - cfr. ata de fls. 47 verso a 60 verso que se dá por integralmente reproduzida. 13. “Após breve trova de impressões entre os presentes, deliberou a assembleia de condóminos por unanimidade dos presentes, que deverá ser removida a publicidade aplicada nas fachadas do imóvel, abusivamente e deverá ser reposta a regularidade dos suportes uma vez que as fachadas do imóvel foram integralmente requalificadas.[…] No seguimento da ordem de trabalho, foi requerido pelo proprietário da fração”D”a manutenção da instalação do aparelho de ar condicionado, na fachada frontal do imóvel.[…] Proposta reprovada por unanimidade dos presentes. Mais deliberou a assembleia que a instalação de aparelhos de ar condicionado está apenas autorizado na fachada posterior do imóvel, e de acordo com o já deliberado sobre o assunto designadamente e apenas nos extremos laterais do edifício, no mesmo alinhamento do já existentes na mesma fachada pertencentes às habitações” - cfr. ata referida no ponto anterior. 14. O Autor interpelou a Ré, por carta de 26.04.2016, registada com aviso de receção, para que removesse os reclames publicitários da fachada do imóvel e que regularizasse a fachada perfurada para aplicação dos mesmos no prazo de 5 dias - cfr. documentos de fls. 62 e verso, que se dão por integralmente reproduzidos. 15. Para a instalação da publicidade mencionada em 10), a Ré perfurou as juntas do azulejo/mosaico. 16. A Ré, apesar de interpelada não removeu a publicidade afixada. 17. A Ré dedica-se ao comércio a retalho de artigos usados e tem o seu estabelecimento comercial, aberto ao público, sito nas frações autónomas referidas em 3). 18. Para o exercício da sua atividade comercial, a Ré necessita de publicitar o seu negócio, utilizando desde o início do arrendamento, suportes publicitários junto das suas vitrines. * Não se provaram os factos vertidos nos artigos 16º e 18º da p. i:- Factos não provados: 16. Conforme facilmente se percebe, a perfuração das paredes da fachada e a consequente remoção da publicidade, deixam marcas, nomeadamente furos/fissuras, que com o tempo e com as chuvas, terá como consequência a infiltração de aguas pluviais nas frações dos proprietários, sendo tal facto causa idónea a provocar danos nas mesmas. 18. Com efeito, o Autor junto do proprietário das frações em causa, verificou que, este também não havia concedido ou prestado qualquer autorização ou clausulado no contrato de arrendamento celebrado entre a E… e a Ré, que incluíssem a afixação de qualquer anúncio (que de resto sempre seria inoponível ao Autor por se tratar de área comum). Quanto aos factos alegados no artigo 15º da p. i., provou-se apenas o que consta em 16) dos factos provados. Não se provaram na contestação: - A afixação de painéis de publicidade sempre lhe foi autorizado pela assembleia de condóminos até à assembleia que se realizou em 29 de janeiro de 2016. * Não se respondeu à restante matéria vertida nos articulados, por se tratar de matéria conclusiva, de impugnação, repetida ou sem interesse para a boa decisão da causa ou ter ficado prejudicada em virtude da resposta dada aos restantes factos.Consignou-se, ainda: * Nas conclusões de recurso, sob os pontos IX a XVI, a apelante insurge-se contra a decisão de direito.- Mérito da causa - Nas conclusões, sob os pontos IX a X, suscita a caducidade do contrato de locação ou de sublocação, pelo decurso do tempo e com fundamento no art. 1026º CC. Trata-se de uma questão nova. O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[9]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida. O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[10]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[11] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova. O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida. Podemos concluir que os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada. O apelante sustenta a sua pretensão no regime da propriedade horizontal, imputando à ré a realização de inovações não autorizadas (art. 1420º, 1421, 1422º/3 CC). A ré não invocou na sua defesa a celebração de um contrato de locação ou sublocação que lhe conferisse o direito ao uso da fachada do prédio. Na sentença em recurso também não se apreciou o direito da autora à luz do regime do contrato de locação. Verifica-se que apenas em sede de recurso suscita o apelante a questão da caducidade do contrato de locação ou de sublocação, com apoio em factos que não foram alegados e como tal, não foram considerados na seleção dos factos provados e não provados. Acresce que não é de conhecimento oficioso, por não estarmos em sede de matéria excluída da disponibilidade das partes apreciar das causas de extinção de um contrato de locação ou sublocação e apesar do tribunal não estar vinculado às alegações de direito das partes, não pode deixar de aplicar o direito apenas aos factos que as partes apresentaram em juízo. Os novos argumentos que a apelante vem introduzir nas conclusões do recurso não podem ser considerados. Conclui-se, assim, nos termos do art. 627º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os novos fundamentos de sustentação da sua defesa, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem“ está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte. * Nas conclusões de recurso, sob os pontos XI a XVI, o apelante insurge-se contra o segmento da sentença que enquadrou o comportamento do apelante-autora em sede de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium e com tal fundamento negou a sua pretensão.Considerou-se na sentença em recurso, como se passa a transcrever: “ No caso em apreço, existia - como aliás ainda existe, pois não consta que tenha sido revogada - uma autorização concedida aos condóminos e, portanto à senhoria da Ré, para afixação da publicidade na fachada do edifício. Tal ocupação era feita contra uma contrapartida monetária que anualmente era revista pela assembleia de condóminos. Aquando da aprovação das obras de requalificação foi pedido aos condóminos que desocupassem a fachada para a execução das obras, o que todos fizeram e após a conclusão das obras relativas à fachada, a Ré voltou a afixar publicidade na fachada. Não se vê como exigir-lhe que pedisse nova autorização à assembleia de condóminos para o fazer, se atuava ao abrigo de uma deliberação de autorização anterior. Contudo, ainda que se considerasse que a deliberação de 29 de janeiro de 2016 tem implícita uma revogação da anterior autorização, sempre seria de concluir pela sua ilicitude, por atuação do instituto do abuso do direito previsto no art. 334º do Código Civil, na modalidade de venire contra factum proprium, por traduzir o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo Autor. Tal exercício é tido como inadmissível, por violação do princípio da confiança. Com efeito, o direito da Ré à colocação da publicidade da fachada do edifício decorre de autorização concedida pela própria assembleia de condóminos em momento anterior, assumindo a natureza de um direito de crédito referente a uma coisa: um direito pessoal de gozo. Tal direito possibilita ao respetivo titular, com vista à satisfação do seu interesse, “o gozo direto e autónomo de determinada coisa e gozo que ele poderá depender enquanto não se provar que é ilegítimo, contra todas as agressões que o impeçam ou perturbem ... quer sejam cometidos por terceiros, quer pelo sujeito do direito no que se vinculou em consenti-lo (cfr. quanto à locação, artigo 1037, n. 2 e quanto ao comodato, artigo 1133, n. 2 - normas estas que, como preconiza o Professor Henriques Mesquita, cuja lição vimos decalcando (Obrigações Reais e Ónus Reais, página 51). E, no caso em apreço, não se provaram, nem tão pouco se alegaram factos que tornassem ilegítimo o exercício de tal direito pela Ré. Tudo para concluir que a assembleia de condóminos podia disciplinar, o uso da coisa comum pelos vários consortes, não podendo contudo, depois de o conceder, proibi-lo tout court, como sucedeu no caso sub judice. Pelo exposto, a ação claudicará”. Entendemos, contudo, que atenta a particular natureza do regime da propriedade horizontal, em confronto com os factos provados, não ser possível paralisar o exercício do direito pela autora, com fundamento em abuso de direito. O abuso de direito, nos termos do art. 334º CC, consiste no exercício ilegítimo de um direito. Considera-se ilegítimo o exercício de um direito “quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA referem que: “[a] nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido“[12]. ALMEIDA COSTA refere a este respeito que: “ exige-se, um abuso nítido: o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício[13]. Para apurar se as partes envolvidas no negócio agiram segundo os ditames da boa-fé cumpre ao juiz considerar: “ as exigências fundamentais da ética jurídica, que se exprimem na virtude de manter a palavra e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos. “ De igual modo, “ não se pode esquecer o conteúdo do princípio da boa fé objetivado pela vivência social, a finalidade intentada com a sua consagração e utilização, assim como a estrutura da hipótese em apreço“[14]. Com base no abuso de direito, o lesado pode “requerer o exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere a outrem; o que não pode é, com base no instituto, requerer que o direito não seja reconhecido ao titular, que este seja inteiramente despojado dele”[15]. A conduta suscetível de integrar o venire contra factum proprium pressupõe, estruturalmente, duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si e diferidas no tempo. A primeira – o factum proprium – é contrariada pela segunda. O óbice reside na relação de oposição entre ambas[16]. O venire é suscetível de configurar um comportamento abusivo e por isso merecedor de censura legal, à luz do abuso de direito, tal como se mostra configurado no art. 334º CC, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé. Em termos dogmáticos o venire contra factum proprium constitui uma manifestação de tutela da confiança, que decorre do princípio da boa fé. Um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas[17]. Coloca-se, então a questão de saber como se pode considerar que um comportamento é suscetível de criar a confiança das pessoas, vinculando-as às obrigações assumidas. MENEZES CORDEIRO propõe, como auxiliar ao intérprete, na concretização do conceito de “confiança”, “um modelo de quatro proposições“ sem estabelecer qualquer hierarquia entre eles e sem caráter cumulativo: “- uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjetiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias; - uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível; - um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efetivo de atividades jurídicas sobre a crença consubstanciada; - a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante: tal pessoa, por ação ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao fator objetivo que a tanto conduziu“[18]. No caso concreto, cumpre pois apurar, perante os factos provados, se a apelante adotou uma conduta suscetível de gerar uma confiança legitima na apelada, no sentido de considerar que podia a todo o momento reinstalar na fachada do prédio constituído em regime de propriedade horizontal painéis de publicidade, mesmo após obras de remodelação da fachada. A propriedade horizontal constitui uma figura jurídica distinta da contitularidade do domínio. Na propriedade horizontal cada condómino é proprietário exclusivo de uma das frações autónomas do prédio e é além disso comproprietário das partes comuns do edifício – art. 1420º CC. A par deste conjunto incindível dos dois direitos, dois outros fatores imprimem carácter à figura da propriedade horizontal: - as frações autónomas fazem parte de uma estrutura unitária, são partes componentes do mesmo edifício e tanto basta para criar relações de interdependência entre os condóminos; - as partes comuns do edifício têm uma função acessória em relação às frações autónomas e essa circunstância reflete-se, como não poderia deixar de ser, no regime jurídico a que estão sujeitas, pois o uso das coisas comuns faz-se sempre em proveito da propriedade exclusiva que recai sobre cada fração autónoma, não constituindo o gozo delas por cada um dos condóminos ou pelo conjunto deles um fim em si mesmo[19]. O que caracteriza a propriedade horizontal é, pois, a fruição de um edifício por parcelas ou frações independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afetados ao serviço do todo. Trata-se da justaposição, num mesmo edifício, de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçosamente comuns[20]. De acordo com o art. 1421º/1 a) CC a fachada de um prédio e o revestimento da estrutura das fachadas constituem partes comuns do edifício, por constituírem paredes mestras e se integrarem na estrutura do prédio. Nos termos do art. 1422º/1 CC os condóminos quanto às partes comuns estão sujeitos às limitações impostas aos comproprietários de coisas imóveis. Decorre do art. 1406º/1 CC na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito. Por outro lado, as inovações sobre as partes comuns do edifício estão sujeitas ao regime do art. 1425º e 1426º CC. A introdução de inovações nas partes comuns estão sujeitas a duas regras fundamentais, pois, dependem de autorização prévia da assembleia de condóminos, aprovada, cumulativamente, por maioria numérica e a representação de 2/3 do valor total do prédio e por outro lado, não são permitidas inovações suscetíveis de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das coisas comuns[21]. O uso deste espaço comum - fachada e respetivo revestimento – para outro fim, como seja, a afixação de painéis de publicidade, estará sempre sujeito a estas condicionantes e por isso, se tem entendido na jurisprudência[22] “[…]reconhecida a faculdade de um condómino usar as partes comuns para tal fim, desde que isso não obste à funcionalidade da destinação principal da coisa, não afete o arranjo estético do edifício, nem prive os demais condóminos de usar de igual direito”. Dentro desses limites, o uso da coisa comum pelos vários consortes pode ser disciplinado pela assembleia de condóminos e, nomeadamente, por via regulamentar, como se extrai do disposto no artigo 1429º-A do CC. Como observa ABÍLIO NETO:”[s]eja qual for a modalidade contratual que revista e o fim que prossiga, a cedência a terceiros do gozo de uma parte comum traduz-se sempre e inexoravelmente na compressão dos direitos dos condóminos, que lhes não pode ser imposta, mas que eles são livres de aceitar, sopesando as vantagens e os inconvenientes”[23]. No caso presente resulta provado que o Autor( apelante ) durante alguns anos, autorizou os condóminos a colocar publicidade nas fachadas do imóvel, contra o pagamento de uma quantia pecuniária que revertia a favor do condomínio, que anualmente era atualizada de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de condóminos (ponto 5 dos factos provados). A Ré, contra o pagamento de quantia pecuniária efetuado pelo seu senhorio, instalou na fachada do imóvel que lhe foi locado, publicidade, com vista à promoção da sua atividade comercial (ponto 6 dos factos provados). No ano de 2014, em assembleia de condóminos datada de 23 de Julho, foi deliberado realizar obras de requalificação da fachada do edifício - cfr. documento de fls. 21 a 45 que se dá por integralmente reproduzido (ponto 7 dos factos provados). Após a aprovação das aludidas obras, foi requerido junto dos lojistas que tinham publicidade afixada, que a removessem, bem como dos restantes interessados que retirasse todos os aparelhos de ar condicionado, com vista à execução das obras de requalificação do edifício (ponto 8 dos factos provados ). O que foi integralmente cumprido por todos (ponto 9 dos factos provados). Após a conclusão da parte da obra que abrange a fachada frontal, em data não concretamente apurada mas situada antes de 29 de janeiro de 2016, a Ré, sem ter diligenciado previamente por nova autorização do Autor, instalou na parte frontal da loja (fachada do edifício Autor) um anúncio nos termos configurados nas fotografias de fls. 46 a 47, que se dão integralmente por reproduzidas (ponto 10 dos factos provados). Em 29 de Janeiro de 2016, os condóminos reuniram-se em assembleia geral, tendo como ponto 4. da ordem de trabalhos: “Deliberar sobre o montante a cobrar pela ocupação das fachadas do imóvel, com publicidade e ou reclames luminosos para o ano de 2016” (ponto 11 dos factos provados). Nessa reunião, e quanto ao ponto 4. da ordem de trabalhos, o presidente da mesa questionou a assembleia quanto ao valor a praticar pela ocupação da fachada do imóvel, pela publicidade afixada no local - cfr. ata de fls. 47 verso a 60 verso que se dá por integralmente reproduzida (ponto 12 dos factos provados). Na referida assembleia deliberou-se: “Após breve trova de impressões entre os presentes, deliberou a assembleia de condóminos por unanimidade dos presentes, que deverá ser removida a publicidade aplicada nas fachadas do imóvel, abusivamente e deverá ser reposta a regularidade dos suportes uma vez que as fachadas do imóvel foram integralmente requalificadas.[…] No seguimento da ordem de trabalho, foi requerido pelo proprietário da fração”D”a manutenção da instalação do aparelho de ar condicionado, na fachada frontal do imóvel.[…] Proposta reprovada por unanimidade dos presentes. Mais deliberou a assembleia que a instalação de aparelhos de ar condicionado está apenas autorizado na fachada posterior do imóvel, e de acordo com o já deliberado sobre o assunto designadamente e apenas nos extremos laterais do edifício, no mesmo alinhamento do já existentes na mesma fachada pertencentes às habitações” (ponto 13 dos factos provados). Decorre da conjugação destes factos que por acordo foi atribuído um uso distinto à fachada do prédio. Nesse acordo, celebrado entre condomínio e condóminos, estabeleceu-se uma contrapartida a suportar pelos condóminos, cujo montante revertia para o condomínio. A utilização desse espaço, para fins publicitários, estava condicionada à autorização do condomínio e pagamento de uma contrapartida. O direito ao uso de tal espaço pelos condóminos para fim distinto não decorria assim do estatuto real, mas da relação de natureza pessoal, geradora das obrigações entre as partes. Daqui se pode extrair que estas condições impediam que a ré confiasse que livremente podia usar de tal espaço, para ali afixar publicidade. Na qualidade de arrendatária das frações, o seu direito de uso funcional das partes comuns estava necessariamente moldado pelo direito do proprietário, seu senhorio, quando além do mais não se provou que no contrato de arrendamento celebrado com o proprietário se disciplinou o direito de publicidade da atividade e artigos. Aliás, ainda, que existisse uma cláusula que consagrasse tal direito, a mesma não seria oponível ao autor-condomínio que não figura como parte no alegado contrato. A ré tomou conhecimento da realização das obras no prédio e na fachada e retirou os painéis de publicidade quando tal lhe foi solicitado, sendo certo que nada se provou sobre os procedimentos a adotar no futuro. Compreende-se que a ré explorando uma loja comercial tenha confiado que após conclusão das obras estava autorizada a repor os painéis, mas nada se provou de concreto que permitisse estabelecer tal convicção. Deliberando a assembleia de condóminos que depois das obras de remodelação da fachada não estavam autorizados os condóminos a afixar publicidade na fachada, a assembleia agiu dentro dos poderes que lhe são atribuídos para disciplinar o uso das partes comuns (art. 1430º/1 CC). Acresce que aceitando o proprietário das frações arrendadas tal deliberação, (pois não resulta dos autos que a mesma tenha sido objeto de impugnação), por acordo, pôs termo ao contrato de uso da coisa comum que celebrou com o condomínio e por isso, a ré não podia confiar que estava autorizada a manter os painéis de publicidade na fachada do prédio. Os reflexos de tal atitude do senhorio na relação locatícia constitui matéria que não cumpre aqui tratar. Desta forma, constata-se que o autor não adotou dois comportamentos distintos sobre o mesmo circunstancialismo de facto, criando a convicção na ré que jamais retiraria a autorização para afixar painéis de publicidade e sendo assim, não se pode considerar que agiu contra os princípios da boa-fé, em abuso de direito, quando aprovou a deliberação e notificou a ré para retirar os painéis de publicidade. Verifica-se que a colocação dos painéis de publicidade pela ré representa uma inovação em parte comum do prédio, pois ocupam a fachada do mesmo e estão fixados no respetivo revestimento (juntas dos painéis de revestimento – facto 15), alteração sujeita, por isso, à prévia autorização da assembleia de condóminos, com a maioria de 2/3 do valor total do prédio. Para além de não ter sido requerida tal autorização, pela ré, a assembleia não veio a aprovar tal alteração à fachada e por isso, justifica-se a sua remoção, por constituir um ato ilícito – uso da coisa comum para fim distinto. Peticiona o autor que se fixe um prazo de cinco dias, a contar do trânsito em julgado da sentença, para retirar o anúncio/publicidade que a ré colocou na fachada do prédio. O autor nada referiu a respeito da adequação do prazo para a obra a realizar. A ré não se insurgiu contra o prazo indicado. Afigura-se-nos, que o prazo poderá não ser suficiente, sobretudo se a obra for executada por terceiro, pelo facto dos funcionários da ré não se mostrarem habilitados a executar e nessa altura, será de ponderar a disponibilidade para a execução da tarefa por terceiros e por isso, afigura-se-nos que o prazo de 30 dias será razoável e adequado. O autor pede, ainda, a condenação da ré no pagamento de sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 829º-A CC, a fixar pelo tribunal, por cada dia de atraso na retirada dos painéis. O decreto-lei n.º 262/83, de 16 de Junho, com a introdução do artigo 829.º-A do Código Civil, veio instituir a sanção pecuniária compulsória. A aplicação da sanção pecuniária compulsória está reservada às prestações de facto não fungível (positivo ou negativo), conforme decorre do disposto no art. 829º-A CC, onde se determina: “ 1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especial qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente ás circunstâncias do caso. [ …] “ A aplicação da sanção no domínio das prestações de facto infungível (positivo ou negativo), salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, justifica-se pelo facto do processo executivo não conseguir garantir o eficaz cumprimento da obrigação. No caso concreto estamos na presença de uma prestação de facto positivo de natureza fungível, porque a retirada dos painéis publicitários pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem prejuízo do interesse do credor. Desta forma, não cumprindo a ré a obrigação, nada impede que pela via executiva, o autor possa obter o cumprimento da prestação através de terceiro. Não estão reunidos os pressupostos para aplicar a sanção. Por fim, peticiona o autor a condenação da ré a reparar os danos causados na fachada com a perfuração, para a colocação do anúncio, custeando as despesas necessárias para o efeito. Conforme resulta do disposto no art. 1305º CC: ” o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.” O proprietário goza de modo pleno dos seus direitos significa que, acima deles, não existe qualquer outro poder. O direito é exclusivo porque o proprietário pode exigir que os terceiros se abstenham de invadir a sua esfera jurídica, quer usando ou fruindo a coisa, quer praticando atos que afetem o seu exercício[24]. A propriedade como direito que é está dotada de garantia jurídica. A sua violação dá direito a indemnização, por responsabilidade civil. Fundando-se a obrigação de indemnizar na prática de facto ilícito, a responsabilidade do agente deve ser aferida à luz do regime da responsabilidade civil, nos termos do art. 483º CC. A obrigação de indemnizar, com fundamento na responsabilidade civil tem como pressupostos a prática de um facto, ilícito, imputável a título de culpa ou de risco, causador de prejuízos, existindo entre o facto e o dano um nexo de causalidade. No âmbito da responsabilidade civil pela prática de facto ilícito, o elemento básico da responsabilidade é o facto do agente – um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana. O facto consiste num ato, numa ação, ou seja, num facto positivo que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de ação do titular do direito absoluto. Pode traduzir-se também num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão. Contudo, apenas o facto ilícito é suscetível de censura. O facto é ilícito, nomeadamente, quando se traduz na violação do direito de outrem. Os direitos subjetivos aqui abrangidos são principalmente, os direitos absolutos, nomeadamente os direitos sobre as coisas ou direitos reais, os direitos de personalidade, os direitos familiares e a propriedade intelectual. Por outro lado, para que o facto ilícito gere responsabilidade é necessário que o autor tenha agido com culpa, o que significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo. Por fim, para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito e culposo tenha causado um prejuízo a alguém e ainda, que se verifique existir um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Resulta dos factos provados, a atuação ilícita e culposa da ré, pois ao proceder à afixação de publicidade na fachada do prédio não cuidou de obter a devida autorização e apesar de advertida manteve a sua conduta, causando danos na fachada do prédio com o procedimento utilizado lesando o direito de propriedade dos condóminos. Vigorando o princípio da restituição natural, nos termos do art. 562º CC, assiste à autora o direito a exigir da ré a reparação dos danos causados na fachada com a afixação dos painéis de publicidade, ou seja, as juntas do azulejo/mosaico (ponto 15 dos factos provados). Procedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos XI a XVI. * Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas:- na ação, pelo apelante e apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/5 e 4/5, respetivamente. - na apelação, pelo apelante e apelada, na proporção do decaimento, fixando-se em ¼ e ¾, respetivamente. * Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e nessa conformidade:III. Decisão: - julgar improcedente a reapreciação da decisão de facto; - oficiosamente, alterar a matéria de facto, nos seguintes termos: > Provado: 13. “Após breve trova de impressões entre os presentes, deliberou a assembleia de condóminos por unanimidade dos presentes, que deverá ser removida a publicidade aplicada nas fachadas do imóvel, abusivamente e deverá ser reposta a regularidade dos suportes uma vez que as fachadas do imóvel foram integralmente requalificadas.[…] No seguimento da ordem de trabalho, foi requerido pelo proprietário da fração”D”a manutenção da instalação do aparelho de ar condicionado, na fachada frontal do imóvel.[…] Proposta reprovada por unanimidade dos presentes. Mais deliberou a assembleia que a instalação de aparelhos de ar condicionado está apenas autorizado na fachada posterior do imóvel, e de acordo com o já deliberado sobre o assunto designadamente e apenas nos extremos laterais do edifício, no mesmo alinhamento do já existentes na mesma fachada pertencentes às habitações” - cfr. ata referida no ponto anterior. 18. Para o exercício da sua atividade comercial, a Ré necessita de publicitar o seu negócio, utilizando desde o início do arrendamento, suportes publicitários junto das suas vitrines. > Não provado: - A afixação de painéis de publicidade sempre lhe foi autorizado pela assembleia de condóminos até à assembleia que se realizou em 29 de janeiro de 2016. - revogar a sentença e julgar, parcialmente procedente a ação e condenar a ré C… Unipessoal, Lda a remover os painéis de publicidade da fachada do prédio, no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão e ainda, a proceder à reparação dos danos causados na fachada com a perfuração para a afixação dos painéis de publicidade, ou seja, as juntas do azulejo/mosaico e absolver a ré do demais peticionado. * Custas:- na ação, pelo apelante e apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/5 e 4/5, respetivamente. - na apelação, pelo apelante e apelada, na proporção do decaimento, fixando-se em ¼ e ¾, respetivamente. * Porto, 23 de Setembro de 2019(processei e revi – art. 131º/6 CPC) Ana Paula AmorimAssinado de forma digital por Manuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais ______________________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] ANTUNES VARELA, et al, Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 690. [3] FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA Direito Processual Civil, Vol.II, Almedina, 2015, pag. 369. [4] FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA Direito Processual Civil, Vol.II, Almedina, 2015, pag. 369, nota 744. [5] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pag. 240 [6] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, pag. 77. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pag. 78. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, vol I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pag. 467-468. [7] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pag. 240 [8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, 2008, pag. 295. [9] CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5. [10] CASTRO MENDES, Direito Processual Civil – Recursos, ob. cit., pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil , vol V, pag. 382, 383. [11] Cfr. os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 Ac. Rel. Porto 20.10.2005, Proc. 0534077 Ac. Rel. Lisboa de 14 de maio de 2009, Proc. 795/05.1TBALM.L1-6; Ac. STJ 15.09.2010, Proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1(http://www.dgsi.pt) [12] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, vol. I, 4ª Edição Revista e Atualizada, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora- grupo Wolters Kluwer, 2011, pag. 298. [13] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA Direito das Obrigações, 9ª edição, Coimbra, Almedina, 2001, pag. 75. [14] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA Direito das Obrigações, ob. cit., pag. 104-105. [15] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, vol.I, ob. cit., pag. 300. [16] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO Tratado de Direito Civil, vol. V, 2ª Reimpressão da edição de maio de 2005, Coimbra, Almedina, 2011, pag. 278. [17] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO Tratado de Direito Civil, ob. cit., pag. 290. [18] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO Tratado de Direito Civil, ob.cit., pag. 292. [19] FERNANDO ANDRADE PIRES DE LIMA e JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1972, pag. 349. [20] FERNANDO ANDRADE PIRES DE LIMA e JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, ob.cit., pag. 347 - ART. 1414º CC e RLJ Ano 108, pag. 54 a 60. [21] Cfr. ABÍLIO NETO Manual da Propriedade Horizontal, 4ª edição reformulada, março de 2015, Ediforum Edições Jurídicas, Lda, Lisboa, 2015, pag. 366 [22] Ac. TRL 21 de outubro de 2010, Proc. 7933/2008-7, acessível em www.dgsi.pt [23] ABÍLIO NETO Manual da Propriedade Horizontal, ob. cit., pag. 383 [24] FERNANDO ANDRADE PIRES DE LIMA e JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. III, ob.cit., pag. 83 |