Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7855/22.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
NULIDADE DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
DIREITO À INFORMAÇÃO
PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO RELEVANTE
Nº do Documento: RP202502117855/22.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 02/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 56º nº 1 al. c) do CSC, são nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios, por violação do art. 6º do CSC.
II - Ainda que a capacidade da sociedade comercial esteja limitada pelo seu fim- em regra lucrativo (art. 980º CC)-, uma deliberação que tenha permitido a realização de um negócio que se venha a revelar ruinoso, ou do qual não venha a resultar lucro, não consubstancia necessariamente uma deliberação de um acto contrário à capacidade da sociedade.
III - Segundo o art. 21º nº 1 al. c) do CSC todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato- direito geral à informação-, acrescendo especificamente no caso das sociedades anónimas, o direito do acionista à informação preparatória das assembleias gerais (art. 289º CSC) e o direito à informação a ser prestada nas próprias assembleias gerais (art. 290º do CSC).
IV - Recai sobre o acionista o ónus de prova da falta de prestação de informação relevante pela sociedade, previamente à Assembleia Geral, e de que essa falta tenha condicionado o direito de votar de forma informada a deliberação nela aprovada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7855/22.6T8VNG.P1- APELAÇÃO

Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia- Juiz 6

**
Sumário (elaborado pela Relatora):
………………………………
………………………………
………………………………
**
I. RELATÓRIO:
1. AA intentou ação de anulação de deliberações sociais contra A..., SA tendo peticionado que seja declarada nula ou anulada a deliberação social tomada na Assembleia Geral da Ré realizada em 2.09.2022.
Como fundamento da referida pretensão o Autor alegou em síntese que, aquela assembleia teve como objectivo a renovação da deliberação tomada sob o ponto 2 da ordem de trabalhos da anterior Assembleia Geral de 9.06.2021, tendo sido novamente privado de aceder de forma plena ou sequer suficiente às informações preparatórias, apesar de solicitadas pelas cartas identificadas nos autos, as quais se afiguravam imprescindíveis para a sua completa elucidação e informação quanto à situação económica e financeira da Ré e, para poder aferir da bondade, adequação e justificação do negócio em causa e respetivas condições.
Afirmou ter sido impedido de exercer o seu direito à informação pelo menos três vezes em relação ao objeto das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 02.09.2022 (aquisição das ações da sociedade B..., S.A), concluindo ter sido impedido de exercer o seu direito enquanto acionista, nos termos do artº21º, n.º 1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais, e impedido de exercer o seu “Direito mínimo à informação”, constante no n.º 1 do art.º 288º e 289º nº al. c) do Código das Sociedades Comerciais, não lhe tendo sido prestadas as informações expressamente solicitadas que eram essenciais para poder decidir com conhecimento e consciência sobre uma aquisição de ações por um valor excessivamente elevado, tal como transmitiu na declaração de voto apresentada na Assembleia Geral de 2.09.2022.
Concluiu que a Ré não lhe prestou as informações solicitadas, às quais tinha direito e que aquela estava obrigada a prestar, o que determina que as deliberações tomadas na Assembleia Geral sejam anuláveis nos termos da al. c) do nº 1 do art.º 58º do C.S.C.
Mais alegou que a aquisição de uma participação social no valor nominal de 5.000,00€ por 100.000€, ou seja, um valor vinte vezes superior ao valor nominal é absolutamente inexplicável, e inexplicada, consubstanciando um negócio ruinoso contrário ao objeto social da Ré, por isso nulo, e nula a deliberação nos termos do disposto no art.º 56º, nº 1, al. c) do C.S.C., atenta a flagrante violação do disposto no art.º 6º do C.S.C.

2. A Ré deduziu contestação, impugnando de forma motivada os factos alegados pelo Autor, pugnando pela validade da deliberação tomada, alegando que toda a informação preparatória à AG de 2.09.2022 esteve acessível ao Autor, e que este apenas pretende, por via desta ação, colocar em causa uma deliberação com a qual materialmente não concorda, não se conformando com o facto de ter sido vencido pela maioria.

3. Realizada audiência prévia, nela foi proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e temas de prova.

4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Em face do que vem de ser exposto, julga-se a ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolve-se a Ré do pedido formulado contra si pelo Autor.
Condena-se o Autor no pagamento das custas processuais.
Registe e notifique.”

5. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
I. O Recorrente insurge-se contra a decisão respeitante à matéria de facto pois entende que deveria ter sido julgada provada a factualidade alegada no artigo 26.º da petição inicial (A Ré não recebeu, nem levantou a missiva remetida para a sua sede e que se encontra mencionada no facto julgado provado na douta Sentença recorrida sob 19).
II. Tal facto encontra-se documentalmente provado, através do documento 11 junto com a petição inicial (e que não foi impugnado com as legais consequências decorrentes do disposto nos art.ºs 374º e 376º do Cód. Civil).
III. Tendo em consideração o referido na conclusão II e bem assim que o Tribunal a quo deu por provado que o Autor remeteu a missiva para a sede da Ré, que não a recebeu, nem a levantou nos CTT no prazo para tal, motivando essa decisão atento o teor da carta enviada pelo autor à ré junta como Doc 11 (vide motivação da matéria de facto) impõe-se, por relevante, que dê por provado que: a Ré não recebeu, nem levantou a missiva, remetida para a sua sede, mencionada no facto provado 19.
Sem prescindir,
IV. Atento o disposto nos art.ºs 21º, nº 1, al. c), 288º, nº 1, e 289º, nº 1, maxime al. c), todos do Cód. das Soc. Comerciais, o Recorrente, acionista da Ré sendo titular de ações representativas de 33,333% do respetivo capital social, tinha direito a pedir e a obter as informações que expressamente solicitou, aliás por escrito (cfr. missivas remetidas pelo Recorrente constantes dos factos julgado provado s 13, 15, 17 e 19), à Recorrida.
V. Como se alcança das “respostas” da Recorrida às referidas missivas (sendo certo que à ultima daquelas tão pouco respondeu), esta entendeu que o envio de parte da documentação solicitada e a indicação de que tal negócio corresponde a um investimento de médio prazo cumpre o dever de prestação das informações preparatórias da assembleia geral, recusando responder às demais informações solicitadas e, bem assim, sobre se permitia a consulta dos seus documentos de escrituração pessoalmente pelo Recorrente, pelo que não prestou, ou prestou de forma esquiva e inócua, as informações solicitadas pelo Recorrente, violando assim o dever de prestar ao Recorrente as informações preparatória da Assembleia Geral de 02/09/2022.
VI. O entendimento vertido na Sentença recorrida, de que, em resumo, porque o Recorrente ficou inteirado do conteúdo da deliberação porquanto foi parte no processo judicial que tem por objeto a anulação da deliberação ratificada e, bem assim, porque conhecia a situação económico-financeira da Recorrida e da B..., SA, “não carecia de mais detalhada informação quanto ao teor da deliberação em causa e suas implicações, encontrando-se esclarecido, à data da realização da assembleia-geral de 02/09/2022, esclarecido quanto ao projecto de deliberação e circunstâncias fácticas em que a aquisição ocorreria.”, consubstancia uma conceção indevidamente restritiva do conteúdo e alcance do direito à informação social e que é desconforme com o legalmente estabelecido.
VII. Da atuação da Recorrida resultou para o Recorrente a impossibilidade de tomar uma opção de voto devidamente fundamentada, ficando obrigado a decidir com base na informação limitada e coarctada disponibilizada pela Recorrida, que consistiu apenas na disponibilização de parte dos documentos solicitados.
VIII. A deliberação em causa nos autos, de ratificação da deliberação social de 09 de Junho de 2021, padece do mesmo vício que a deliberação ratificada: a omissão do cumprimento do dever de informação, razão pela qual deverá ser revogada a douta decisão em crise e em consequência ser declarada nula ou anulada a deliberação social tomada na Assembleia Geral da Ré, realizada no dia 02 de Setembro de 2022, na procedência do presente.
IX. A deliberação em causa é absolutamente inexplicável e inexplicada, consubstanciando um negócio ruinoso contrário ao objeto social da Ré, por isso nulo, e nula a deliberação, nos termos do disposto no art.º 56º, nº 1, al. c) do C.S.C., atenta a flagrante violação do disposto no art.º 6º do C.S.C..
X. Mesmo que assim não se entenda, a al. c) do nº 1 do art.º 58º do C.S.C. comina com a anulabilidade as deliberações tomadas em violação ao direito de informação do sócio, sendo que o nº 4 do mesmo artigo enuncia quais os elementos mínimos de informação para este efeito (sendo entendimento pacifico que tal enumeração não é taxativa).
XI. Considerando que a Recorrida não respondeu às informações, nem forneceu todos os documentos solicitados e pedidos de esclarecimento vertidos nas missivas de 28/06/2022, 18/07/2022 e 28/08/2022 de forma esclarecedora e concreta, mas antes de forma esquiva e inócua e mesmo recusando expressamente as informações solicitadas pelo Recorrente, violou o dever de prestar a este as informações devidas antecedentes da Assembleia Geral de 02/09/2022, cuja deliberação é, assim, são anulável por violação do disposto nos art.ºs 21º, nº 1, al. c), 288º, nº 1 e 289º, nº 1, maxime al. c), todos do Cód. das Soc. Comerciais, devendo, por isso, ser revogada a Sentença recorrida e julgada a ação integralmente procedente.
XII. A Sentença recorrida violou, salvo o devido respeito, as normas referidas nas presentes conclusões.
Concluiu, pedindo quem seja revogada a douta Sentença a quo e, na procedência da ação, seja declarada nula ou anulada a deliberação social tomada na Assembleia Geral da Ré, realizada no dia 02 de Setembro de 2022.

7. A Ré/Apelada ofereceu contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado.

8. Foram observados os vistos legais.
*
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º
*
As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões de recurso, são as seguintes:
1ªQuestão- Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada;
2ª Questão- Se a deliberação social aprovada na AG de 2.09.2022 é nula, nos termos do art. 56º nº 1 al. c) do CSC, por violação do art. 6º do CSC;
3ªQuestão-Se a deliberação social aprovada na AG de 2.09.2022 é anulável nos termos do art. 58º nº 1 al. c) do CSC, por violação do direito à informação.
**
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A sociedade comercial “A..., S.A.” está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., foi constituída a 06 de novembro de 2009, com sede na Praça ..., ..., Porto, com o capital de 51.000,00 euros.
2. A sociedade comercial “A..., S.A.” tem como objeto o comércio por grosso não especificado, importação e exportação, integrando o conselho de administração BB, CC e DD.
3. O Autor é sócio da sociedade referida em 1, em cujo capital social de 51.000,00€ (cinquenta e um mil euros), é titular de 3.400 (três mil e quatrocentas) ações, representativas de 33,333% daquele, no valor nominal, de 17.000,00€ (dezassete mil euros).
4. O remanescente do referido capital social da Ré – 34.000,00€ (trinta e quatro mil euros), serão da titularidade da herança por óbito DD (sem representação na Assembleia Geral da Ré em causa nos presentes autos) e de EE, BB e CC.
5. O autor AA foi administrador da sociedade comercial “A..., S.A.” desde a data da sua constituição e até 24 de Fevereiro de 2021, funções que cessaram por renúncia comunicada por carta de 28 de Setembro de 2020, recebida no dia seguinte e com efeitos a 31 de Outubro de 2020.
6. A sociedade comercial “B..., S.A.” está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., foi construída a 12 de Setembro de 1994, com sede na Praça ..., ..., Porto, com o capital de 50.000,00 euros.
7. A sociedade comercial referida em 6. tem como objeto o comércio, importação, exportação, distribuição e representação de uma grande variedade de produtos, nomeadamente, artigos decorativos, têxteis, artigos para o lar e utilidades domésticas, artigos de papelaria, bijutaria, brinquedos, lembranças e artesanato, artigos religiosos e regionais, artigos de higiene e limpeza, vestuário, calçado, cosméticos, produtos alimentares, bebidas e produtos alimentares embalados, atividades de engenharia e técnicas afins, projetos na área da hidráulica e do ambiente, bem como o comércio, instalação e manutenção de produtos e equipamentos afins, consultadoria e a gestão, integrando o conselho de administração BB, CC e DD.
8. O autor AA foi administrador da “B..., S.A.” desde a data da sua constituição e até 10 de Dezembro de 2019, funções que cessaram por renúncia comunicada por carta de 28 de Outubro de 2019, com efeitos a 30 de Novembro de 2019.
9. A 16 de junho de 2022 foi proferida sentença no proc. 5465/21.4T8VNG, ainda não transitada em julgado, com as mesmas partes da presente ação, em que se decidiu, nomeadamente «declarar a anulabilidade da deliberação tomada na assembleia geral realizada a 9 de Junho de 2021, no que diz respeito ao ponto 2. da ordem de trabalhos»;
10. Na decisão referida em 9), cujo teor se dá por integralmente reproduzido aqui, foram considerados provados, nomeadamente, os seguintes factos:
«[…] m) O autor AA, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 3 de Maio de 2021, recebida a 4 de Maio de 2021, foi convocado para a realização de uma assembleia geral da ré a realizar na ..., Rua ..., n.ºs. .../.../..., ..., Gondomar, no dia 9 de Junho de 2021, pelas 11 horas e 30 minutos, com a seguinte ordem de trabalhos:
“1. Eleição e nomeação dos Órgãos Sociais da Sociedade para o Quadriénio de 2021 a 2024;
2. Aquisição pela sociedade das mil acções ordinárias nominativas, no valor nominal de cinco euros cada, que a sociedade B..., S.A. (..) detém no seu próprio capital.”; […]
o) Relativamente a tal assembleia geral foi elaborada a acta n.º ..., […];
p) Estiveram presentes DD, representando também o accionista EE, BB e CC, representando a maioria do capital social da ré, bem como o Fiscal Único “C...”, representado por FF e GG;
[…]
r) Quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos, pode ler-se o seguinte: “Foi o segundo ponto colocado em discussão, tendo sido aprovada, pela unanimidade dos accionistas presentes, a aquisição (compra) da participação social que a sociedade B..., S.A. detém no seu próprio capital, pelo valor de €100.000,00 (cem mil euros). Fica, assim, desde já, mandatado o novo Conselho de Administração para efectuar as diligências que se verifiquem necessárias para a sua efectivação.”;
s) O autor remeteu à administração da ré a carta registada cuja cópia foi junta com a petição inicial como documento n.º 3 e cujo teor se dá aqui por reproduzido, datada de 26 de Maio de 2021, recebida no dia seguinte, com o “Assunto: Pedido de envio de informação preparatória da Assembleia Geral convocada para o dia 9 de junho de 2021, pelas 11,30 horas”, requerendo o envio, pelo correio, “de cópias dos seguintes elementos e/ou documentos (…):
[…]
- A proposta do Conselho de Administração de aquisição mil ações ordinárias no valor nominal de cinco euros, correspondentes a 10% do capital social da sociedade denominada B..., S.A. a apresentar à assembleia geral, bem como os relatórios ou justificação que a devam acompanhar.”;
u) A ré, a 4 de Junho de 2021, remeteu ao autor, a carta, registada com aviso de recepção, cuja cópia foi junta com a petição inicial como documento n.º 4 e cujo teor se dá aqui por reproduzido, datada de 4 de Junho de 2021, onde se lê o seguinte: “Em resposta à missiva que V. Exª dirigiu à Administração deste Sociedade, datada de 26 de maio último, vimos pela presente informar:
[…]
Quanto à aquisição de ações a que alude, a Administração limitou-se a solicitar à Presidente da Mesa que esse ponto ficasse a constar da Ordem de Trabalhos, a fim de que pudesse na Assembleia Geral ser apresentada uma proposta e esta pudesse ser lá discutida e deliberada. Pelo que haverá, seguramente, oportunidade, no decurso da Assembleia Geral, de prestar quaisquer esclarecimentos que V. Exª e os restantes acionistas entendam úteis.»;
11. O autor recebeu uma carta registada com aviso de receção, datada de 29 de julho de 2022 e assinada pela Presidente da Mesa da Assembleia-Geral da ré, com o seguinte teor:
«CONVOCATÓRIA
Nos termos do artigo 377.º do Código das Sociedades Comerciais e dos artigos 9.º a 14.° dos Estatutos da Sociedade, convoco a Assembleia Geral Extraordinária desta sociedade, a realizar no dia 02 de Setembro, pelas 10h30m, na ..., Rua ..., n.ºs .../.../..., ... ..., Gondomar, pelo facto de a signatária considerar que a sede da sociedade não permite a reunião em condições satisfatórias, com a seguinte:
ORDEM DE TRABALHOS
PONTO ÚNICO: Ratificação da deliberação da Assembleia-geral da sociedade de 09 de Junho de 2021, lavrada à acta número ... do livro de actas da Assembleia-geral, e do contrato, da mesma data, pelo qual a sociedade adquiriu nove mil acções nominativas, no valor nominal de cinco euros cada, que a sociedade B..., S.A., NIPC ..., detinha no seu próprio capital.
De acordo com o disposto nos Estatutos da Sociedade e no Código das Sociedades Comerciais:
a) A Assembleia Geral será constituída por todos os accionistas com direito de voto ou agrupados nos termos do n.º 2 do artigo 13.º dos Estatutos da sociedade.
b) Os accionistas poderão fazer-se representar na Assembleia Geral nos termos legais, sendo que os accionistas, pessoas singulares poderão fazer-se representar por quem entenderem e os accionistas que sejam pessoas colectivas poderão fazer-se representar por pessoa singular designada para o efeito;
c)Os votos por correspondência deverão ser enviados por carta registada com a.r. para a sede da sociedade, dirigidos ao Presidente da Mesa da Assembleia, até cinco dias úteis antes da data designada para esta e serão abertos e contabilizados pelo Presidente no momento da votação de cada um dos pontos da Ordem de Trabalhos;
d) Nos termos do artigo 11.º dos Estatutos da Sociedade, a Assembleia reunirá em primeira convocatória desde que estejam presentes accionistas que representem pelo menos cinquenta por cento do capital social.»
12. No dia 14 de junho de 2022, o autor remeteu à ré uma carta com o seguinte teor:
«Assunto: Local de realização da Assembleia Geral convocada para o dia 29 de junho de 2022, pelas 11:00 horas.
Ex.mo Senhor,
Recebida a convocatória em epígrafe, que me foi por V. Ex.ª dirigida e que agradeço, venho pela presente, na qualidade de acionista, titular de 3.400 (três mil e quatrocentas) ações representativas de 33,333% do capital social da sociedade comercial anónima denominada A..., S.A. (não contando, naturalmente, com as ações próprias da Sociedade), comunicar o meu desalento, ao notar que persiste a intenção de não utilizar a sede social, sita na cidade do Porto, que reúne todas as condições satisfatórias para acolher a realização da Assembleia Geral dos seus acionistas, convocada para o dia 29 de junho de 2022, pelas 11:00horas.
Permitia-me, ainda, solicitar que me informasse se a escolha do local da realização da Assembleia Geral é da responsabilidade de V. Exa ou, em caso negativo, a quem deve ser atribuída tal responsabilidade.»
13. Também no dia 14 de junho de 2022, o autor remeteu à ré outra carta com o seguinte teor:
«Ex.mos Senhores,
Recebida a convocatória em epígrafe, que me foi endereçada pela Exma. Senhora Presidente da Mesa da Assembleia e que agradeço, venho pela presente, na qualidade de acionista, titular de 3.400 (três mil e quatrocentas) ações representativas de 33,333% do capital social da sociedade comercial anónima denominada A..., S.A. (não contando, naturalmente, com as ações próprias da Sociedade), em primeiro lugar comunicar o meu desalento, ao notar que persiste a intenção de não utilizar a sede social, sita na cidade do Porto, que reúne todas as condições satisfatórias a realização da Assembleia Geral dos seus acionistas, convocada para o dia 29 de junho para acolher de 2022, pelas 11:00horas, pelo que, desde já, informo que não deixarei de recorrer aos meios judiciais por não me conformar com tal infundada e persecutória decisão.
Considerando a referida qualidade de acionista, nos termos previstos, designadamente, no artigo 289.º, n.º 3, al. a) do Código das Sociedades Comerciais, venho solicitar o envio, pelo correio, de cópias do Relatório de Gestão e das Contas do exercício de 2021 (incluindo a certificação legal das mesmas e o Relatório e Parecer do Fiscal único), no âmbito da informação preparatória da referida Assembleia Geral anual convocada para o dia 29 de junho de 2022, pelas 11:00 horas.
Ainda na referida qualidade e nos termos da referida norma legal, mais solicito o envio pelo correio, no âmbito da informação preparatória da mesma referida Assembleia Geral de cópias das propostas de deliberação e/ou outros elementos justificativos a apresentar à Assembleia Geral de acionistas pelo Conselho de Administração, concretamente, quanto à "alteração do número de membros que podem compor o Conselho de Administração, com alteração em conformidade do artigo 15° do pacto social", designadamente a nova redação deste que será sujeita a deliberação.»;
14. A ré enviou ao autor uma carta datadas de 20 de junho, com o seguinte teor:
«Exmo. Sr.,
Em resposta à missiva que dirigiu à Mesa da Assembleia Geral desta sociedade, datada de 14 de Junho último, versando o local da realização da assembleia do próximo dia 29 do corrente, trata-se somente de manter o que vem sendo praticado há muitos e muitos anos, por sempre ter sido entendido que era a solução mais cómoda e confortável para todos os accionistas, incluindo para VExa., não se vislumbrando qualquer circunstância que desaconselhe a manutenção dessa prática.
Com os melhores cumprimentos»;
15. No dia 28 de junho de 2022, o autor remeteu à ré uma carta com o seguinte teor:
«Exmos Senhores,
Presentes os documentos de prestação de contas relativos ao exercício de 2021, que me foram remetidos por VExas., a meu pedido, através de correio postal datado do pretérito dia 20 de junho, e que agradeço, venho pela presente, na qualidade de acionista, titular de 3.400 (três mil e quatrocentas) ações representativas de 33,333% do capital social da sociedade comercial anónima denominada A..., S.A., suscitaram-me os mesmos, desde logo e sem embargo de um maior aprofundamento da sua análise, as seguintes questões, cujo esclarecimento me permito solicitar:
-As contas do exercício de 2021 demonstram à saciedade o desastre financeiro que constituiu a inopinada e danosa aquisição das ações da sociedade B..., S.A.. Pergunta-se: Que pensa a Administração fazer para reverter a referida transmissão de ações?
- Qual a explicação ou racional económico para a subsistência desta sociedade (em vez de ser deliberada a sua dissolução e liquidação), quando os únicos movimentos de vendas registados são faturas emitidas para sociedade cujo capital é detido pelos mesmos acionistas?
Grato pelos esclarecimentos, que, certamente, não deixarão de prestar,
Apresento, entretanto, os meus melhores cumprimentos»;
16. No dia 08 de julho de 2022, a ré enviou ao autor uma carta com o seguinte teor:
«Exmo. Sr.,
Em resposta à missiva que dirigiu à Administração desta sociedade, datada de 28 de Junho último, recepcionada no dia 1 do corrente mês, solicitando informação preparatória da Assembleia-geral - entretanto realizada no dia 29 de Junho de 2022, pelas 11.00 horas, conforme convocatória, e à qual V. Excia não compareceu - vimos, conforme solicitado, procurar esclarecer as duas questões que coloca.
Ponto 1: A aquisição de acções a que V. Excia. se reporta não resultou de uma decisão do Conselho de Administração, mas de uma deliberação da Assembleia-geral tomada sem votos contra e que, a esta data, é ainda válida e eficaz.
Trata-se de um investimento de médio prazo e o Conselho de Administração não vislumbra as razões da qualificação que V. Excia faz desse investimento na sua missiva, mas fica ao S. dispor para reanalisar esta posição, assim que V. Excia envie dados mais concretos.
Os sócios são, porém, soberanos, discutem estas questões e deliberam sobre elas nos locais próprios, e o Conselho de Administração cumprirá, como sempre fez, as determinações e deliberações dos sócios.
Ponto 2: Fazendo-se apenas a correção de que a estrutura acionista não é, ao contrário do que é afirmado na S. missiva, coincidente nas duas sociedades a que alude, sempre se dirá, mais uma vez, que se trata de um assunto que extravasa a competência do Conselho de Administração e que só em Assembleia de sócios poderá ser discutido.
Aproveitamos para lhe remeter a acta da Assembleia-geral, realizada em 29 de Junho de 2022.»;
17. No dia 18 de julho de 2022, o autor remeteu à ré missiva com o seguinte teor:
«Exmos. Senhores,
Presente a V. missiva datada do pretérito dia 8 de julho, consequente à carta e correio eletrónico por mim remetidos a essa sociedade em 28.7.2022, considerando o teor daquela e na qualidade de acionista, titular de 3.400 (três mil e quatrocentas) ações representativas de 33,333% do capital social da sociedade comercial anónima denominada A..., S.A., venho solicitar o esclarecimento das seguintes questões:
Referem que "A aquisição de ações a que V Excia. se reporta não resultou de uma decisão do Conselho de Administração, mas de uma deliberação da Assembleia-geral tomada sem votos contra e que, a esta data, é ainda válida e eficaz”. Desconsiderando o efeito de eventual recurso, por ser questão que a essa Administração não compete, muito estranho que a citada resposta olvide que tal deliberação decorreu, confessadamente, de essa Administração ter promovido e, depois, concretizado, a danosa aquisição das ações em causa, porquanto solicitou que tal ponto constasse da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral da sociedade realizada no dia 09.06.2021 (cfr. a missiva que me dirigiram com data de 4.7.2021). Não é, pois, com a citada afirmação, que essa administração escapa às consequências da apontada decisão.
Acresce que a afirmação de que "Trata-se de um investimento de médio prazo" se afigura factualmente inócua, pelo que solicito, pela presente, que me informem concretamente o que explica, o que implica e qual o efetivo conteúdo da citada afirmação.
Com efeito, sendo geralmente aceite que um investimento de "médio prazo” é aquele que persiste por um período máximo de cinco anos e que já decorreu um ano desde a referida aquisição, solicito informação sobre as razões para a aquisição e para a manutenção das ações na sociedade considerando o que prognosticam que virá a ocorrer e que determinará uma completa reversão do desastre financeiro em que a aquisição em causa se consubstanciou designadamente se, por exemplo, preveem que as ações da B..., S.A, venham a ser cotadas em bolsa ou quaisquer outros eventos relevantes.
Grato pelos esclarecimentos, que, certamente, não deixarão de prestar,
Apresento, entretanto, os meus melhores cumprimentos»
18. No dia 29 de julho de 2022, a ré enviou ao autor uma carta com o seguinte teor:
«Exmo. Sr,
Em resposta a mais uma missiva que V. Ex dirigiu à Administração desta sociedade, desta feita, a datada de 18 de Julho corrente, vimos dizer o seguinte.
1. Em primeiro lugar, e no que se refere ao primeiro parágrafo, não vislumbramos qualquer pedido de esclarecimento e supomos, portanto, que se trata de um desabafo, ao qual nos dispensamos de responder.
2. No que respeita aos S. pedidos de informação, V. Excia. labora num erro também quanto ao alcance do direito - e correspondente dever - de informação, que vem como forma de ataque a esta Administração, que está legitimada em Assemblelas-gerais das quais declina participar - aos restantes accionistas e à própria sociedade, num padrão claramente abusivo.
3. O direito à informação dos sócios - e o correspondente dever de informação compreende apenas factos e documentos e não o habilita a solicitar à Administração esclarecimentos, justificações, valorações ou motivações. Escusamo-nos, portanto, a continuar a comentar o tema.
4. Finalmente, fazemos notar que chegaram ao conhecimento desta Administração factos, cuja documentação está a ser reunida, que indiciam que VExcia. usou, durante o S. período enquanto Administrador da sociedade, e usa ainda, informação privilegiada para, mesmo que por interposição de pessoa, com ela concorrer, de forma que causou e continua a causar graves danos à sociedade. A confirmarem-se, estes factos poderão vir a justificar a recusa de posterior informação, atento o receio de que possa a informação assim abusivamente obtida continuar a ser usada em prejuízo da sociedade, e sem embargo da responsabilidade que desses factos poderá advir para V. Excia..
Com os melhores cumprimentos,»;
19. No dia 28 de agosto de 2022, o autor remeteu à ré uma carta, que não foi rececionada por esta, com o seguinte teor:
«Ex.mos Senhores
Presente a V. missiva datada do pretérito dia 29 de julho, consequente à carta por mim remetida a essa sociedade em 18.7.2022, cumpre-me, desde logo, repudiar as desprezíveis considerações a final vertidas, absolutamente falsas e difamatórias e que, por isso, serão objeto dos devidos procedimentos legais.
Quanto ao mais, considerando o caráter equivoco do vertido na carta em resposta, solicito posição explicita sobre se me será, ou não, permitido o exercício dos direitos legais relativos à consulta da escrituração, no que se inclui a reprodução do que se justifique, o que se afigura previsível e tanto mais necessário considerando o teor evasivo e inócuo das "respostas" que (não) deram às questões que, no exercício dos meus direitos legais, anteriormente coloquei
Com os meus cumprimentos»;
20. Da ata relativa à Assembleia Geral da ré realizada no dia 02 de setembro de 2022, consta o seguinte:
«ACTA NUMERO ...»
No dia dois de Setembro de dois mil e vinte e dois, pelas onze horas e dez minutos, na ..., Rua ..., .../.../..., ... ..., Gondomar, em virtude de a sede social não oferecer as condições de conforto ideais para o efeito, reuniu em sessão ordinária a Assembleia Geral de A..., S.A., com o capital social de 51.000 euros (cinquenta e um mil euros), com o número de pessoa colectiva .... Estiveram presentes EE, BB, CC e AA, representado por HH, advogada, estando assim representada a maioria do Capital Social conforme lista de presenças anexa a esta acta. Estiveram ainda presentes o Fiscal Único "C...", D..., representada por FF e GG, bem como II, advogado, assessor jurídico do Conselho de Administração.
A Presidente da Mesa da Assembleia Geral, JJ, secretariada por KK, verificou que a assembleia estava reunida com observância de formalidades prévias, com a participação dos accionistas presentes e representados.
A Presidente declarou a assembleia validamente constituída e em condições de deliberar, tendo proposto de imediato a discussão da ordem de trabalhos:
PONTO ÚNICO: Ratificação da deliberação da Assembleia-geral da sociedade de 09 de Junho de 2021, lavrada à acta número ... do livro de actas da Assembleia-geral, e do contrato, da mesma data, pelo qual a sociedade adquiriu mil acções nominativas, no valor nominal de cinco euros cada, que a sociedade B..., S.A., NIPC ..., detinha no seu próprio capital.
Antes do início da sessão, o Fiscal Único FF deu nota de pesar pelo falecimento do accionista DD.
A Presidente da Mesa da Assembleia Geral deu início aos trabalhos: Antes de iniciar a discussão, a Presidente da Mesa da Assembleia deu nota de existir uma gralha dactilográfica na convocatória, relativa ao número de acções nominativas adquiridas da sociedade B..., S.A., tendo sido referidas nove mil acções, quando na realidade são mil acções.
Tendo sido previamente colocada à disposição dos accionistas na sede social toda a informação necessária, desde o dia da convocatória -vinte e nove de julho do corrente ano- até ao dia de hoje, o accionista AA não procurou a informação na sede social, nem solicitou por escrito a disponibilização da mesma. Foi este ponto posto à votação, tendo sido aprovado pela maioria dos accionistas presentes e representados, com o voto contra do accionista AA, cuja declaração de voto, que foi lida, fica anexa à presente acta, ficando assim ratificada a deliberação tomada na Assembleia Geral de nove de Junho de dois mil e vinte e um, lavrada na acta número ....
Anexa-se à presente acta a informação preparatória desta Assembleia Geral que esteve disponível na sede social desde a data supra referida.
Os trabalhos foram terminados às onze horas e vinte e cinco minutos, tendo a Presidente da Mesa dada por encerrada a Assembleia, lavrando-se a presente acta que vai ser assinada por si e pela Secretária da Mesa.»;
21. Da declaração de voto anexa à ata transcrita em 20) consta o seguinte:
«Declaração de voto
AA na qualidade de acionista, titular de 3.400 (três mil e quatrocentas) ações representativas de 33,333% do capital social desta sociedade A..., S.A., com respeito ao ponto único da ordem de trabalhos da presente Assembleia-Geral de acionistas desta sociedade, vem apresentar a seguinte declaração de voto:
As deliberações objeto de pretendida renovação - deliberação da Assembleia-Geral da sociedade de 9 de junho de 2021 lavrada à ata número ... do livro de atas da Assembleia-Geral desta sociedade, de aquisição à sociedade B..., S.A. de nove mil ações nominativas, no valor nominal de cinco euros cada, que essa sociedade detém no seu próprio capital pelo valor de 100.00€ (cem mil euros) - foram objeto de Sentença proferida no âmbito do processo n° 5465/21.4T8VNG do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 5-do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, na qual foi julgado, além do mais que "Estava em causa a "Aquisição pela sociedade das mil acções ordinárias nominativas, no valor nominal de cinco euros cada, que a sociedade B..., S.A. (-) detém no seu próprio capital". Ora, relativamente a tal ponto da ordem de trabalhos, nenhuma informação prévia existia. Não foi disponibilizada informação completa e elucidativa acerca dos contornos do negócio (incluindo, acerca do preço) e dos seus fundamentos, recordando-se que estaria pendente um pedido de dissolução da ré (cfr. alínea ee) dos factos provados) e que a sociedade comercial "B..., S.A." apresentou, no exercício de 2020, resultados negativos de 114.158,12 euros (cfr. alínea dd) dos factos provados). O conteúdo da deliberação é bem elucidativo acerca da ausência de qualquer informação, nenhuma proposta em concreto tendo sido apresentada, limitando-se os accionistas presentes a deliberar no sentido da aquisição pelo preço de 100.000,00 euros (cfr. alíneas o) a r) dos factos provados). A deliberação tomada na assembleia geral de 9 de Junho de 2021, quanto ao ponto 2, não foi, pois, precedida do fornecimento ao autor de elementos mínimos de informação. O direito à informação do autor foi, pois, violado pela ré. Cumpre, ainda, referir que os factos provados (e alegados) não permitem concluir que a deliberação tomada no âmbito do ponto 2 da ordem de trabalhos seja nula, nos termos do disposto no art.º 56º, nº 1, alínea c) do Código das Sociedades Comerciais [ou na sua alínea d) caso tenha existido um lapso na petição inicial quando se faz referência à alínea c) da mesma norma legal]. Assim sendo, tem de se concluir que a deliberação tomada na assembleia geral realizada a 9 de Junho de 2021, relativamente ao ponto 2 da ordem de trabalhos, é anulável, em conformidade com o disposto no art.º. 58º, nº 1, alínea c), e nº 4, do Código das Sociedades Comerciais.
Os vícios emergentes das ilegalidades reconhecidas na douta Sentença citada mantêm-se integralmente. Acresce que a deliberação pretendida renovar se referia a mil ações e a deliberação ora em causa se reporta a nove mil ações, o que inquina irremediavelmente que se trate de qualquer renovação. Acresce que considerando o teor que aqui dou por reproduzido, das cartas que remeti a essa sociedade nos passados dias 14 de Junho, 28 de junho e 18 de julho e, bem assim, o teor absolutamente inócuo das cartas que me remeteram datadas de 8 de julho e 29 de julho, de que se destaca, sem prejuízo do demais, a ausência de efetiva resposta às informações solicitadas, a assunção de imputações absolutamente falsas e difamatórias à minha pessoa e, ainda, afirmações de caráter equívoco anunciadores de impedimento do exercício dos meus direitos legais relativos à consulta da escrituração, no que se inclui a reprodução do que se justifique. Aliás, não tendo a A... qualquer atividade efetiva que se observe, tendo, aliás sido requerida a respetiva dissolução não se vê como possa ter, na verdade, qualquer interesse no censurado negócio jurídico e, até, proveitos que consintam a efetivação do pagamento do pretenso preço em causa, sendo que a apontada efetiva recusa de informação não me permite aferir coisa diversa, nem formar diferente opinião.
Por último, cumpre-me sublinhar que, num passado recente, me foi explicitamente proposta pelos representantes da referida B..., SA e a maioria dos seus acionistas a aquisição da minha participação social - 3.000 (três mil) ações representativas de 30,00% do capital social dessa sociedade - pelo montante de € 60.000,00 (sessenta mil euros) sendo, por isso, absolutamente incompreensível o pretenso "preço" de € 100.000,00 (cem mil) por um número de ações correspondente a um terço daquelas (1.000 ações).
Atento o que, sumariamente, antecede, voto contra a deliberação em causa e, desde já, deixo referido que não deixarei de agir judicialmente caso a deliberação seja aprovada, no meu interesse pessoal, é certo, mas, sobretudo, no interesse da sociedade».
22. Por acórdão proferido, a 05.12.2023, pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n° 5465/21.4T8VNG, referido em 9., foi determinada a suspensão da instância daqueles autos, até à decisão definitiva da presente ação.
23. A sociedade comercial “B..., S.A.” apresentou, no exercício de 2020, resultados negativos de 114.158,12€ e em 2021 255.287,11€.
24. O autor AA requereu junto da Conservatória do Registo Comercial o início do procedimento administrativo de dissolução da sociedade comercial “A..., S.A.”, com os fundamentos que constam do documento n.º 7 junto com a contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
25. O requerimento referido em 24. foi objeto de apreciação liminar pelo Sr. Conservador a 11 de Março de 2020, sendo que o início do procedimento administrativo de dissolução foi notificado à sociedade comercial “A..., S.A.”, por comunicação de 14 de Agosto de 2020, recebida no dia 18 dos mesmos mês e ano.
26. A “A..., S.A.”, opôs-se ao pedido de dissolução referido em 24., sendo que o procedimento administrativo de dissolução foi declarado findo e determinado o cancelamento do averbamento da sua pendência por decisão do Conservatória do Registo Comercial do Porto datada de 05 de abril de 2023.

2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
A. Que não foram fornecidos ao A. os elementos e prestadas as informações pela ré para votar de forma ciente na assembleia realizada a 02.09.2022;
B. Que a compra das 1000 ações da “B...” tivesse constituído um negócio ruinoso e contrário ao objeto social da “A...”.
**
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[1]
São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que quando há impugnação da decisão sobre a matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados, pese embora a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11), bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios possa constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra.
Analisadas as conclusões deste recurso concluímos que o Apelante fez alusão nas conclusões de recurso ao facto que pretende ver incluído no elenco dos factos provados (Conclusão I)- por si alegado no art. 26º da PI-, e aos concretos meios de prova que em seu entender sustentam a pretendida ampliação da matéria de facto provada, sustentando que tal facto encontra-se documentalmente provado através do documento 11 junto com a PI, que não foi impugnado (Conclusão II), pelo que se consideram cumpridos os ónus previstos no art. 640º do CPC para que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto possa ser por nós conhecida.
Sob as Conclusões de recurso I a III o Apelante defende que “se impõe, por relevante”, que se dê como provado que a Ré não recebeu, nem levantou a missiva remetida para a sua sede, mencionada no facto provado 19.
Porém, nada aludiu acerca da mencionada relevância, sendo como é consensual que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto só deve ser conhecida se a alteração pretendida assumir relevância para a alteração da sentença recorrida, sendo esse o objectivo do recurso.
Acontece que não existe qualquer questão controvertida relacionada com o não recebimento da referida missiva, ou sobre a eficácia da comunicação enviada para a sede da sociedade apesar de a mesma não ter sido recepcionada pela Apelada.
Mais, no referido ponto 19 dos factos provados foi dado como provado o seguinte:
19. No dia 28 de agosto de 2022, o autor remeteu à ré uma carta, que não foi rececionada por esta, com o seguinte teor:
«Ex.mos Senhores
Presente a V. missiva datada do pretérito dia 29 de julho, consequente à carta por mim remetida a essa sociedade em 18.7.2022, cumpre-me, desde logo, repudiar as desprezíveis considerações a final vertidas, absolutamente falsas e difamatórias e que, por isso, serão objeto dos devidos procedimentos legais.
Quanto ao mais, considerando o caráter equivoco do vertido na carta em resposta, solicito posição explicita sobre se me será, ou não, permitido o exercício dos direitos legais relativos à consulta da escrituração, no que se inclui a reprodução do que se justifique, o que se afigura previsível e tanto mais necessário considerando o teor evasivo e inócuo das "respostas" que (não) deram às questões que, no exercício dos meus direitos legais, anteriormente coloquei
Com os meus cumprimentos».
Deste modo, estando já dado como provado no ponto 19 dos factos provados o envio da missiva com o teor que dele consta, e o não recebimento pela Ré, afigura-se-nos totalmente inócuo para o fim pretendido com este recurso se esse não recebimento se deveu ao facto de a Ré não ter levantado a carta, porque isso em nada interfere com o objecto do presente recurso como melhor veremos em sede de conhecimento de mérito.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto não constitui um fim em si mesmo, antes se mostra admitida enquanto meio ou instrumento que visa permitir à parte que impugna a decisão de facto a revogação/alteração da decisão final, ou seja, como meio que visa a demonstração de um determinado direito que a sentença não concedeu.
Por conseguinte, a impugnação da decisão de facto é de rejeitar quando, em razão das circunstâncias específicas do caso submetido a julgamento, em razão das regras do ónus da prova ou do regime jurídico aplicável, a eventual alteração da decisão de facto não assume relevo para a decisão a proferir, pois que, em tal circunstancialismo, a respectiva actividade jurisdicional revelar-se-ia como inconsequente ou inútil. [2]
Assim sucede no presente caso, porquanto mesmo que se acrescentasse aos factos provados que a Ré não levantou aquela carta, esse aditamento seria totalmente inconsequente para a apreciação dos fundamentos deste recurso uma vez que está assente nos autos que a Apelada não deu resposta àquela carta e isso basta para o tribunal poder aquilatar da alegada falta de informação em que o Apelante fundamenta a sua pretensão recursiva.
Como tal decide-se não conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a qual se restringia à referida ampliação.
*
Deliberação social nula ou anulável
O Apelante pretende com o presente recurso que seja declarada nula ou anulada a deliberação social tomada pela sociedade Apelada na Assembleia Geral realizada em 2 de Setembro de 2022, sociedade da qual o Apelante é acionista.
Nessa Assembleia Geral de 2.09.2022 foi aprovada a ratificação da deliberação da Assembleia Geral de 9.06.2021 e do contrato da mesma data pelo qual a sociedade adquiriu mil ações nominativas, no valor nominal de cinco euros cada, que a sociedade B..., SA, NIPC ... detinha no seu próprio capital.
Essa deliberação foi tomada pela maioria dos votos dos acionistas, com o voto contra do aqui Apelante e destinava-se a renovar a mesma deliberação que havia sido tomada na referida AG de 9.06.2021 e que havia sido declarada anulada por decisão judicial que reconhecera a violação do direito de informação do aqui Apelante.
Nos presentes autos, o aqui Apelante voltou a insistir que foi novamente preterido o direito de informação de que é titular, por lhe terem sido negadas as informações preparatórias que havia solicitado previamente àquela nova AG e, de novo defendeu que a deliberação recaiu sobre um acto contrário ao fim da sociedade Apelada, pugnando pela declaração quer da anulabilidade, quer da nulidade da referida deliberação.
Alicerçou essas pretensões em dois fundamentos distintos, naturalmente com efeitos distintos:
1. Nulidade da deliberação social por violação do disposto no art. 6º do CSC, nos termos do art. 56º nº 1 al. c) do CSC;
2. Anulabilidade da deliberação social por violação do disposto nos arts.21º nº 1 al. c), 288º nº 1 e 289º nº 1 al.c) do CSC (violação do direito de informação) nos termos do art.58º nº 1 al. c) do CSC.
Vejamos se a deliberação social tomada na Assembleia Geral da Apelada realizada em 2.09.2022 padece de algum dos referidos vícios.
A propósito da nulidade assacada à deliberação sob apreciação, o Apelante limitou-se a alegar na Conclusão IX que a deliberação é absolutamente inexplicável e inexplicada, consubstanciando um negócio ruinoso contrário ao objecto social da Apelada, convocando para o efeito o art. 56º nº 1 al. c) do CSC por violação do art. 6º do CSC.
De acordo com a articulação dos mencionados preceitos legais são nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios.
Tal como esclarece Jorge M. Coutinho de Abreu[3] este “art. 56º, 1, c) vem concitando teses interpretativas em medida inversamente proporcional à da sua relevância.
Ao tempo ainda do Projeto do CSC, pronunciou-se Vasco Lobo Xavier[4]. As deliberações dos sócios em questão seriam, (1) “antes de mais, as deliberações dos acionistas sobre matérias que estejam compreendidas nas atribuições de outros órgãos da sociedade anónima”.
(…) Apareceram entretanto outras propostas interpretativas do art. 56º, 1, c). As deliberações cujo conteúdo não está por natureza sujeito a deliberação dos sócios seriam (3) (também ou somente) as tomadas sobre assunto fora da capacidade jurídica da sociedade[5], ou (4) somente as deliberações de objeto física ou legalmente impossível.”[6]
Para António Menezes Cordeiro o que “não pode, todavia e pela (sua) natureza, surgir como conteúdo de uma deliberação social” (…) é o que, “pelo seu teor, não caiba na capacidade da pessoa colectiva considerada. Os próprios negócios celebrados fora da capacidade “natural” ou “legal” da sociedade serão nulos, por impossibilidade legal ou por ilicitude. As deliberações que lhes estejam na origem são-no, igualmente, por via do artigo 56º/1, c).”
Defende, pois, este autor ser nula à luz do art. 56º nº 1 al. c) do CSC uma deliberação cujo conteúdo diga respeito a actos alheios à capacidade da sociedade (art. 6º, nº 1 do CSC)[7], posição que o aqui Apelante sustenta neste recurso.
Não obstante, entendemos que no caso sob apreciação não estamos perante nenhuma daquelas hipóteses, porquanto a deliberação impugnada não recaiu sobre matéria que estivesse compreendida nas atribuições de outros órgãos da sociedade anónima, não se tratou de uma deliberação cujo conteúdo não estivesse por natureza sujeito a deliberação dos acionistas, nem foi tomada sobre assunto fora da capacidade natural ou jurídica da sociedade ou de objeto física ou legalmente impossível ou ilícito.
Ainda que a capacidade da sociedade comercial esteja limitada pelo seu fim- em regra lucrativo (art. 980º CC)-, não podemos sem mais afirmar que uma deliberação que tenha permitido a realização de um negócio que se venha a revelar ruinoso, ou do qual não venha a resultar lucro, consubstancie a deliberação de um acto contrário à capacidade da sociedade, pois nem todos os negócios conduzirão necessariamente à obtenção de lucro, podendo até vir a revelar-se financeiramente desastrosos sem que por isso se possa colocar em causa a capacidade da sociedade que os celebrou e a validade da deliberação que os determinou.
Na deliberação sob apreciação também não estão em causa liberalidades realizadas pela sociedade, ou prestação de garantias a dívidas de terceiros- havidas expressamente como contrárias ao fim da sociedade, nos moldes previstos no art. 6º nº 2 e 3 do CSC- nem tal foi sequer invocado pelo Apelante.
E ainda que porventura a aquisição das ações da sociedade B..., SA se tenha vindo a revelar entretanto um negócio ruinoso (realidade que nem sequer está demonstrada nos autos) tal só por si não bastaria para se poder afirmar que a deliberação social que aprovou tal aquisição consubstanciou um acto contrário ao fim da sociedade, hipótese esta que apesar de alegada pelo Apelante não encontra respaldo na factualidade apurada nos autos, não sendo de todo suficiente o vertido no ponto 23 dos factos provados a que o mesmo fez alusão.
Pelo contrário, competindo-lhe demonstrar factualidade bastante para se poder concluir que aquela deliberação era contrária ao fim da sociedade, não o logrou fazer como se extrai do teor da alínea B dos factos não provados, matéria que não foi por si impugnada.
Deste modo, acompanhamos os argumentos a esse propósito vertidos na sentença recorrida e consideramos que não se mostra verificado o fundamento legal invocado pelo Apelante para a declaração de nulidade da deliberação em causa nestes autos.
Relativamente à anulabilidade da deliberação o Apelante fundamentou-a no art.58º nº 1 al. c) do CSC, por violação do disposto nos arts.21º nº 1 al. c), 288º nº 1 e 289º nº 1 al.c) do CSC (violação do direito de informação).
Refere o art. 58º nº 1 al. c) do CSC, que, são anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação.
E no nº 4 desse mesmo preceito legal consideram-se, para efeitos desse artigo, elementos mínimos de informação:
a) As menções exigidas pelo art. 377º, nº 8;
b) A colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.
O Apelante sustenta que foram violados os arts. 21º nº 1 al. c) e 288º nº 1 e 289º nº1 al c) do CSC.
Segundo o primeiro dos citados preceitos legais, todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato- direito geral à informação-, acrescendo especificamente no caso das sociedades anónimas, o direito à informação preparatória das assembleias gerais (art. 289º CSC) e o direito à informação a ser prestada nas próprias assembleias gerais (art. 290º do CSC).
No art. 288º do CSC está consagrado o direito mínimo à informação do acionista, que se traduz na consulta na sede da sociedade, dos documentos especificamente nele mencionados, como já se previa em termos gerais no art. 58º nº 1 al. c) e 4 al. b) do CSC, sendo que se não for proibido pelos estatutos, os elementos referidos nas alíneas a) e d) do nº 1 são enviados, por correio eletrónico, aos acionistas nas condições ali previstas que o requeiram ou, se a sociedade tiver sítio na Internet, divulgados no respectivo sítio na Internet (nº 4).
Assim sendo, o direito mínimo do acionista à informação mostra-se respeitado pela sociedade desde que esta permita a consulta daquela documentação, ou a envie por correio electrónico ao acionista que o requeira.
No caso em apreço, embora o Apelante tenha alegado a violação do art. 288º nº 1 do CSC não consta da factualidade apurada que lhe tenha sido recusada a consulta na sede da sociedade de qualquer um daqueles documentos ou que tenha pedido, designadamente em qualquer uma das missivas a que fez alusão, que tais documentos lhe fossem enviados por correio electrónico e que isso lhe tenha sido recusado, não existindo factualidade que demonstre a violação do apontado preceito legal.
A anulabilidade da deliberação sob apreciação poderá existir se não tiverem sido disponibilizadas ao aqui Apelante as “informações mínimas” previstas no art. 289º do CSC.
As informações preparatórias da assembleia geral estão previstas no art. 289º do CSC, que refere que esse direito à informação deve ser facultado, durante os 15 dias anteriores à data da assembleia geral, mais uma vez através de consulta dos acionistas, na sede da sociedade, das informações e documentação nele mencionada, sem prejuízo de os documentos aí previstos serem enviados, no prazo de 8 dias, através de carta, aos titulares de ações correspondentes a, pelo menos, 1% do capital social, que o requeiram.
Queixa-se o Apelante que foi violado o art. 289º nº 1 al. c) do CSC, isto é, que não lhe foi prestada a informação sobre as propostas de deliberação a apresentar à assembleia pelo órgão de administração, bem como os relatórios ou justificação que as devam acompanhar.
Mas mais uma vez não consta do elenco dos factos dados como provados que o Apelante previamente à assembleia geral de 2.09.2022 se tenha dirigido à sede da Apelada para consultar aquelas informações preparatórias e isso lhe tenha sido recusado, ou que tenha requerido que as mesmas lhe fossem enviadas por carta e isso lhe tenha sido negado.
Em nenhumas das missivas convocadas pelo Apelante e dadas como provadas nos pontos 13, 15, 17 e 19 dos factos provados o Apelante requereu a consulta da proposta de deliberação atinente à aquisição de parte do capital social da B..., bem como do relatório ou justificação que a devesse acompanhar, ou requereu que tais informações lhe fossem enviadas por carta ou correio electrónico.
Na carta referida no ponto 13 dos factos provados o Apelante solicitou informações preparatórias apenas e só da Assembleia Geral que se veio a realizar em 29.06.2022, Assembleia essa que não é objecto de reapreciação neste recurso.
Na carta referida no ponto 15 dos factos provados o Apelante, depois de analisada a documentação de prestação de contas relativo ao exercício de 2021, dá como adquirido “o desastre financeiro que constituiu a inopinada e danosa aquisição das ações da sociedade B..., SA” e formula a seguinte questão: Que pensa a Administração fazer para reverter a referida transmissão de ações? (a segunda questão não se relaciona com a deliberação cuja anulabilidade é aqui pedida).
O que se extrai dessa carta não é que o Apelante pretendesse obter algum esclarecimento ou informação sobre a deliberação que ia ser votada relativa à aquisição de parte do capital social da sociedade B... (da qual, note-se, também é acionista) não tendo pedido qualquer informação concreta que fosse essencial para exercer o seu direito de voto sobre a referida aquisição cuja deliberação ia ser renovada, não tendo pedido qualquer informação sobre a proposta de deliberação de aquisição de parte do capital da B..., ou sobre o relatório ou justificação que a devesse acompanhar, tendo-se limitado a demonstrar o seu desagrado com a deliberação que havia sido tomada sugerindo que fosse revertida tal transmissão de ações, numa altura em que nem sequer havia sido convocado para a AG de 2.09.2022.
Na carta referida no ponto 17 dos factos provados o Apelante mais uma vez manifestou-se contra a realização da referida aquisição, que apelidou de “danosa” e solicitou que a Apelada preste alguns esclarecimentos sobre qual o efetivo conteúdo da afirmação “trata-se de um investimento de médio prazo” que a Apelada havia explicado ter sido a razão da referida aquisição na anterior resposta que lhe havia sido dada. Mais uma vez ainda nem sequer havia sido convocado nessa altura para a AG renovatória de 2.09.2022.
Por último, na carta referida no ponto 19 dos factos provados o Apelante limitou-se a solicitar que a Apelada tomasse posição explícita sobre se lhe seria, ou não, permitido o exercício dos direitos legais relativos à consulta da escrituração.
A propósito desta última carta cumpre-nos salientar que a mesma foi enviada pelo Apelante à Apelada no dia 28 de Agosto de 2022 (domingo) quase nas vésperas da Assembleia Geral marcada para 2.09.2022, em resposta a uma carta da Apelada datada de cerca de 1 mês antes (29.07.2022), pelo que com tão pouca dilação temporal dificilmente obteria da Apelada resposta em tempo útil, no entanto também não se encontra justificação para que aquele pedido tenha sido feito, uma vez que nada impedia que o Apelante se tivesse deslocado à sede da Apelada para consulta da informação preparatória da referida Assembleia sem que necessitasse para o efeito de prévio consentimento expresso da Apelada, direito esse que lhe assistia de acordo com o art. 289º nº 1 al b) do CSC, preceito no qual o Apelante fundamentou inclusivamente o pedido de anulabilidade da deliberação sob apreciação.
A esse propósito foi ainda dado como provado sob o ponto 20 dos factos provados que consta da acta da Assembleia Geral onde a deliberação impugnada foi tomada, que fora previamente colocada à disposição dos acionistas na sede social toda a informação necessária, desde o dia da convocatória até à data da Assembleia e que o Apelante não procurara a informação na sede social, nem solicitara por escrito a disponibilização da mesma, ficando anexa a essa acta a referida informação preparatória que esteve disponível, doc. nº 14 que foi inclusivamente junto à petição inicial pelo próprio Apelante.
Temos assim dificuldade em compreender como pode o Apelante queixar-se de falta de informação se não se deslocou à sede da Apelada para consultar as informações preparatórias da Assembleia Geral ou solicitou o seu envio por carta ou correio electrónico, sendo inócuo para o efeito o pedido formulado naquela última carta enviada à Apelada em vésperas da AG não estando demonstrado nos autos que a consulta da escrituração da Apelada alguma vez tivesse sido negada ou fosse sequer essencial para o Apelante poder votar a deliberação em causa.
Sendo inegável o direito à informação dos acionistas, não podem estes deixar de ser proactivos na obtenção da informação mínima necessária para votarem de forma esclarecida as deliberações em AG, designadamente procurando obter as informações preparatórias expressamente previstas no art. 289º nº 1 al. c) do CSC.
Isso mesmo se evidencia dos preceitos invocados pelo Apelante, que preveem que o direito de informação seja exercido através de deslocação do acionista à sede para consulta ou de pedido expresso de remessa das informações preparatórias.
Sem prejuízo, o Apelante participou na referida Assembleia Geral por intermédio de pessoa mandatada para tal, e exerceu o seu direito de voto apresentando uma declaração cujo teor espelha bem que estava na posse das informações mínimas para poder participar e votar de forma livre e esclarecida a deliberação agora impugnada.
Nem nessa ocasião, nem mesmo agora em sede deste recurso, o Apelante concretizou qual foi a informação que reputava essencial para exercer o seu direito de voto na AG de 2.09.2022 e que não lhe tenha sido prestada.
Na sua declaração de voto demonstrou ser detentor de informação bastante para votar a deliberação em causa, manifestando no essencial a sua contrariedade com a celebração daquele negócio.
Tendo o pedido de anulabilidade da deliberação formulado pelo aqui Apelante sido fundamentado na violação do direito de informação enquanto acionista e, tendo essa violação sido concretizada na falta de prestação das informações mínimas previstas no art. 288º nº 1 e nas informações preparatórias previstas no art. 289º nº 1 al. c) do CSC, não tendo o Apelante logrado provar que tenha requerido e lhe tenha sido recusado pela Apelada a consulta e/ou a entrega dos específicos elementos mencionados nos citados preceitos legais, o recurso por si interposto não pode merecer acolhimento.
Tal como escreve António Menezes Cordeiro, a enumeração legal dos elementos sobre que deva recair a informação- vertida nos arts. 288ºa 290º do CSC no caso das sociedades anónimas-é taxativa.[8]
Não obstante, como sublinha Coutinho de Abreu, “nem todos os vícios de procedimento provocam a anulabilidade das respectivas deliberações. (…) em concreto, há vícios relevantes e vícios irrelevantes para efeitos de anulação das deliberações; (…) em tese geral, diremos que são vícios de procedimento relevantes quer os que determinam um apuramento irregular ou inexato do resultado da votação e, consequentemente, uma deliberação não correspondente à maioria dos votos exigida, quer os ocorridos antes ou no decurso da assembleia que ofendem de modo essencial o direito de participação livre e informada de sócios nas deliberações.”
Este Autor dá como exemplo de um vício irrelevante a recusa (mesmo que injustificada) de informações nos casos em que elas não são essenciais para que um sócio razoável possa participar nas deliberações defendendo os seus legítimos interesses”.
Recai sobre o acionista o ónus de prova da falta de prestação de informação relevante pela sociedade previamente à Assembleia Geral e de que essa falta o tenha impedido de votar de forma informada a deliberação nela aprovada, prova essa que o Apelante não logrou fazer, porquanto foi dado como não provado sob a alínea A “que não foram fornecidos ao A. os elementos e prestadas as informações pela ré para votar de forma ciente na assembleia realizada a 2.09.2022”, matéria factual que não foi impugnada.
Tal como sustentado no Ac STJ de 16.03.2011 e no Ac RP de 7.12.2017, “Só quando a falta de informação tenha efectivamente viciado a manifestação de vontade do sócio sobre o assunto sujeito a deliberação é que deverá admitir-se a solução da anulabilidade: é necessário que a não prestação de informação tenha influído directa e decisivamente no sentido da deliberação, por ter impedido que a vontade do sócio votante se manifestasse de forma completamente esclarecida.”
Desta forma, o vício só adquirirá relevância, de forma a constituir fundamento de anulabilidade de uma deliberação social, se existir relação directa ou nexo lógico entre o objecto da deliberação e a informação sonegada, ou errada ou incompletamente facultada, no sentido de o conteúdo daquela informação se ter como essencial à habilitação do sócio para participar e votar nos assuntos debatidos e deliberados na assembleia geral.”[9]
Não tendo o aqui Apelante logrado provar qual foi a informação que lhe foi sonegada previamente à AG de 2.09.2022 que tivesse relação directa com o objecto da deliberação sob apreciação, não estamos em condições de afirmar que não lhe foi prestada toda a informação essencial para uma tomada de posição esclarecida.
Por conseguinte, não existindo substracto factual que permita concluir pela violação do direito de informação do Apelante, só nos resta confirmar a sentença recorrida.
**
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pelo Apelante, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante, que ficou vencido.
Notifique.

Porto, 11.02.2025
Maria da Luz Seabra
Maria Eiró
Alberto Taveira

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
________________
[1] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[2] A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição, 2008, pág. 297-298, Ac RP de 13.06.2023, Proc. Nº 1169/21.6T8PVZ.P1; AC STJ de 29.09.2020, AC STJ de 17.05.2017, www.dgsi.pt
[3] CSC em Comentário, Vol. I, 2ª edição, p. 694/695
[4] Lobo Xavier (1986), p.18
[5] Brito Correia (1989), p. 287,293, Taveira da Fonseca (1994/1995), p. 125, Menezes Cordeiro (2007), p. 723, e (2011), p. 230 (mas acrecenta ibid, p230: “O relevo prático do preceito (…) é escasso, não tendo sido aplicado. A amplitude do 56º/1, d) retira-lhe espaço próprio”), Engrácia Antunes (2013), p. 303
[6] Pinto Furtado (2005), p. 592, s…
[7] Ver CSC Anotado, Coord António Menezes Cordeiro, 5ª edição actualizada, pág. 296
[8] Direito das Sociedades, I Parte Geral, 3ª edição, pág. 724/725
[9] Proc. Nº 1560/08.3TBOAZ.P1.S1 e Proc nº 6241/16.1T8VNG.P1 respectivamente, www.dgsi.pt