Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA JOANA GRÁCIO | ||
Descritores: | SENTENÇA PENAL FUNDAMENTAÇÃO NULIDADE FACTOS RELEVANTES FACTOS ESSENCIAIS OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUESTÃO NOVA COLOCADA EM SEDE DE RECURSO TRIBUNAL COMPETENTE | ||
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Nº do Documento: | RP20200527825/18.0PBMAI.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/27/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | NÃO CONHECER DE PARTE DO RECURSO DA ARGUIDA E, NO MAIS, EM NEGAR-LHE PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A jurisprudência do STJ firmou-se há muito no sentido de que a decisão deve conter a enumeração concreta dos factos provados e não provados, com interesse e relevância para a decisão da causa, sob pena de nulidade, mas apenas desde que os mesmos sejam essenciais à caracterização do crime em causa e suas circunstâncias ou relevantes juridicamente com influência na medida da pena, isto é, desde que tenham efectivo interesse para a decisão. II - Segundo tal jurisprudência, a decisão já não deverá conter factos inócuos, excrescentes ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação e/ou na contestação, ou ainda a matéria de facto já prejudicada pela solução dada a outra. III - No caso vertente, na contestação apresentada a arguida limitou-se ou a infirmar a factualidade constante da acusação, descrevendo uma realidade alternativa sem relevância penal, ou a apresentar factos acessórios para a definição dos elementos constitutivos do crime ou determinação da sanção, pelo que nenhuma omissão de pronúncia/nulidade existiu no caso vertente ao não ser contemplada tal matéria. IV - O tribunal de recurso não poderá analisar e decidir a questão da não transcrição da decisão no registo criminal da arguida, uma vez que, pese embora requerimento apresentado pela arguida nesse sentido, o tribunal recorrido não o apreciou, pois que nesse caso estaria a decidir pela primeira vez uma exposição sobre esta matéria, funcionando como tribunal de 1.ª Instância e não como tribunal de recurso. V - Mesmo que a arguida não tivesse apresentado o mencionado requerimento, o recurso não poderia ser apreciado por falta de interesse em agir, já que a arguida tinha a possibilidade de solicitar ao tribunal de 1.ª Instância que decidisse, em despacho posterior à sentença, pela não transcrição da decisão no registo criminal, e só depois, caso a decisão não fosse favorável, poderia interpôs recurso do mesmo, impondo-se, pois que, após baixa dos autos, o tribunal recorrido aprecie o sobredito requerimento apresentado pela arguida. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 825/18.0PBMAI.P1 Tribunal de Origem: Tribunal da Comarca do Porto - Juizo Local Criminal da Maia - Juiz 2. Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório No âmbito do Processo Comum Singular n.º 825/18.0PBMAI, a correr termos no Juízo Local Criminal da Maia, Juiz 2, procedeu-se ao julgamento dos arguidos B… e C…, vindo a ser proferida, com data de 18-09-2019, sentença onde se decidiu:«A. Condenar o arguido C… pela prática de dois crimes de coacção agravado, p.p. pelas disposições conjugadas dos art.º 154º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal, na pena de 1 ano (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão em relação a cada um dos crimes. B. Em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido na pena de única de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período- 2 ( dois) anos. C. Condenar a arguida B… pela prática de um crime de coacção agravado, p.p. pelas disposições conjugadas dos art. 154º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), todos do Código Penal, na pena de 1 ano (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período - 1 ano (um) ano e 4 (quatro) meses. D. Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC em relação ao arguido e em 2UC em relação à arguida.» * Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida B…, arguindo a nulidade da decisão por omissão de pronúncia e solicitando que após sua declaração se determine a baixa do processo para que em nova sentença se tome posição quanto aos factos da contestação e se decida pela não transcrição da mesma no CRC da arguida, apresentando nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):«I. A Recorrente foi condenada pela prática de um crime de coacção agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 154.º/1 e 155.º/1-a) do Código Penal na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. II. O Tribunal a quo condenou a Recorrente a título de dolo directo. III. A Recorrente havia apresentado contestação, nos termos do art. 315.º do CPP (como, aliás, consta do relatório da d. sentença recorrida) na qual articulou factos subjectivos aptos a diminuir o juízo de culpa que incidiu sobre a sua conduta. IV. Todavia, da decisão quanto à matéria de facto feita na d. sentença revidenda, não consta qualquer menção aos factos alegados na contestação da Recorrente, nem para os dar como provados, nem para os dar como não-provados. V. Mediante esta preterição, e salvo o devido respeito, a da sentença está eivada de nulidade da omissão de pronúncia, tipificada no art. 379.º/1-c) do CPP: «É nula a sentença […] quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». VI. Neste mesmo sentido contam-se, entre outros, o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 12-03-2019, relatado pela Sra. Desembargadora Laura Maurício. VII. Ademais, foi determinada a remessa da d. sentença, após trânsito, à Direcção-geral dos Serviços de Identificação Criminal, para averbamento da condenação no CRC da Recorrente. VIII. Todavia, o art. 13.º/1 da Lei n.º 37/2015, de 5-V (Lei da Identificação Criminal) dispõe que «[…] os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º». IX. Por sua vez, o Acórdão do STJ n.º 13/2016, proferido no processo n.º 2314/07.0TAMTS-D.P1AS1, de 7/7/2016, fixou jurisprudência no sentido de que a condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade para efeitos de dispensa da transcrição da sentença condenatória no CRC. X. A Recorrente é primária, não tem qualquer condenação averbada no seu CRC. XI. Para efeito de suspensão da pena de prisão aplicada, o Tribunal a quo, atendendo à personalidade da Recorrente, e às demais circunstâncias relevantes, fez um juízo de prognose favorável quanto à normatividade da conduta futura da Recorrente. XII. Entendemos que esse juízo de prognose, por identidade, ou mesmo por maioria de razão, se subsume ao juízo de prognose favorável imposto pelo art. 13.º/1, da Lei n.º 37/2015. XIII. Pelo que, salvo o devido respeito, estava o Tribunal a quo vinculado a determinar a não inscrição da condenação aplicada no CRC da Recorrente, ou, no mínimo, a justificar, fundamentar uma eventual inscrição – atendendo, nomeadamente, ao disposto nos artigos 205.º/1 da CRP, e 97.º/5, 374.º/2 e 375.º/1 do CPP. XIV. A decisão recorrida violou, assim, as seguintes normas legais: i. O art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP; ii. O art. 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio; iii. O Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 13/2016, proferido pelo STJ em 7/7/2016 no processo n.º 2314/07.0TAMTS-D.P1AS1.» * A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida, apresentando em apoio da sua posição as seguintes razões:«1- B…, arguida nestes autos, não se conformando com a sentença que a condenou, pela prática de um crime de coação agravado, p. e p. pelos arts. 154º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, veio da mesma interpor recurso. 2- Requer que seja proferido Acórdão que determine a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronuncia, por considerar ter sido violado o disposto no art. 379º, n.º 1, al. c) do C. P. Penal, e em consequência de determine que o Tribunal a quo profira nova sentença que tome posição expressa sobre os factos articulados na contestação apresentada pela arguida. 3- Mais requer que o Tribunal a quo determine a não transcrição da sentença para o respetivo registo criminal por entender estarem verificados todos os requisitos legais. 4- Alega, assim, que a sentença violou o disposto no art. 379º, n.º 1, al. c) do C. P. Penal, o art. 13º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio e o Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 13/2016, do STJ, de 07.07.2016, no processo n.º 2314/07.0TAMTS-D.P1AS1. 5- Alega a recorrente ter existido uma omissão de pronuncia na sentença proferida nos presentes autos quanto a factos invocados pela recorrente na sua contestação, aptos a diminuir o juízo de culpa da mesma, o qual foi situado no “dolo direto”. 6- Entende a recorrente que os factos alegados na sua contestação, deveriam ter sido dados como provados e “são aptos a situar a culpa da sua conduta abaixo do limiar do dolo directo”. 7- A recorrente não especifica qual o tipo de dolo a que se refere quando enquadra os factos praticados pela arguida, que no recurso não nega que tenham acontecido tal como foram dados como provados na sentença a quo. 8- Alega apenas que a mesma estava “fora de si, incapaz de controlar as suas emoções (…) e que muito embora tivesse a intenção de vociferar, ou mesmo de injuriar, nunca a recorrente teve a perspetiva de coagir o ofendido a um determinado resultado, fosse esse o de impedir ou de dificultar as diligencias de penhora”. 9- Aliás, a própria recorrente não especifica quais os concretos pontos da sua contestação que quer ver dados como provados ou não, muito embora tenha articulado a sua contestação. 10- Entende-se que efetivamente a sentença é omissa quanto a factos auxiliares, subjetivos ou acessórios constantes na contestação apresentada pela arguida, mas entende-se que tais factos dizem respeito a questões que o Tribunal não tinha de pronunciar-se. 11- Não vislumbramos que a sentença esteja ferida de nulidade. 12- Note-se que foi acrescentada à matéria de facto dada como provada no seu ponto 25. que: “Os arguidos revelaram arrependimento pela prática de algum comportamento exagerado”, o que foi considerado na medida da pena aplicada a cada um deles. 13- Assim, cumpre referir que os factos dado como provados e como não provados resultaram da análise que conjugadamente a Sra. Juiza a quo fez da prova produzida em audiência de julgamento concatenada com a prova documental dos autos, e que se não constam mais factos, incluindo os da contestação é porque foram considerados auxiliares, subjetivos ou acessórios, pelo que não enquadráveis no disposto no art. 379º, n.º 1, al. c) do C. P. Penal, que são sem interesse para a decisão da causa. 14- Com efeito, pela leitura atenta da sentença proferida e que aqui foi posta em crise, pode aferir-se da concreta participação que a arguida teve na prática dos factos, a animosidade que manifestou perante o ofendido aquando da prática dos factos, num quadro circunstancial que permitiu que a arguida fosse condenada pela prática do crime de coação agravado de que vinha acusada, o que determinou a pena concreta que in casu foi aplicada à aqui arguida recorrente. 15- Aliás, a concreta participação da arguida na prática do crime em que foi condenada, está bem concretizada e fundamentada na referida sentença, quer a nível da fundamentação de facto, quer a nível da fundamentação de direito, atentos os factos dados como provados, estando também devidamente fundamentado o elenco das várias circunstâncias que relevaram, in casu, para efeito da escolha e da medida concreta da pena que foi aplicada à arguida recorrente (veja-se a este propósito a motivação da decisão de facto constante de fls. 182 a 184, a motivação de direito constante de fls. 184 a 190 e a motivação da escolha e medida concreta da pena constante de fls. 190 a 194, cujos teores se dão aqui por reproduzidos por uma questão de economia processual). 16- Por outro lado, a medida concreta em que a arguida foi condenada teve em conta o disposto nos arts. 70º e 71º, ambos do Código Penal. 17- Na verdade, militou a favor da arguida a sua personalidade que se traduziu pela ausência de antecedentes criminais, o arrependimento por algum excesso cometido e pelo facto de estar socialmente inserida. 18- Contudo, a Sra. Juíza a quo ponderou as outras circunstâncias agravantes previstas no art. 71º do Código Penal considerando a ilicitude da conduta como média/elevada e que a arguida agiu com dolo direto. 19- Quanto ao conceito de dolo, não vislumbramos como perante a factualidade em causa dada como provada poderia ser considerado que a arguida teria agido outro tipo de dolo que não o direto. 20- Veio a arguida B…, em 26.09.2019, requerer a não transcrição para o registo criminal da sentença em que foi condenada nos presentes autos, alegando poder ser-lhe aplicável o disposto na Lei nº 37/15, de 5 de Maio, mormente o art. 13º, n.º 1, invocando ainda o disposto num Acórdão de Fixação de Jurisprudência que será o n.º 13/2016, in DRE 1913, série 1, de 07.10.2016, e não o invocado Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 193/2016, de 07.07.2016 (que creio que não existe), o qual fixou a seguinte jurisprudência: “A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do art. 17º, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redação dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro”. 21- Não houve promoção ou despacho judicial sobre tal requerimento, pelo facto de tal processo não ter sido movimentado antes de ter sido interposto o recurso que agora se analisa. 22- Contudo, uma vez que foi interposto recurso pela arguida em 18.10.2019, invocando tal facto, cumpre agora apreciar o requerido. 23- Ao contrário do que alega a recorrente, a decisão de não transcrição não é automática, nem tem de ser necessariamente apreciada na sentença proferida, podendo ser apreciada após a prolação da sentença, a requerimento do condenado, tendo sempre de existir uma ponderação sobre se as circunstâncias que acompanharam o crime em causa não poderão induzir perigo de prática de novos crimes. 24- Recorde-se que para efeitos do disposto nos n.ºs 5 e 6 do art. 10º do citado normativo, no certificado de registo criminal da arguida nunca constará tal condenação, contudo, por se tratar de um crime grave, e porque as situações pelo menos de penhora dos bens deste casal ainda perduram, sempre será de ponderar porque razão não será de constar tal condenação no registo criminal da arguida para efeitos criminais, razão pela qual entende o Ministério Público que esteve bem a Sra. Juíza a quo ao determinar na sentença o envio de boletim à DSIC. 25- Face ao exposto, entende-se que nenhuma crítica pode ser efetuada à sentença aqui posta em crise, pois a sentença recorrida não violou qualquer preceito legal ou constitucional.» * Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de concordar com a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal a quo.* É do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respectiva motivação que constam da decisão recorrida (transcrição):«II. Fundamentação de Facto Instruída e discutida a causa com pertinência para a decisão a proferir resultaram os seguintes:2.1. Factos Provados 1) No âmbito do Processo de Execução n.º 4029/18.4T8MAI do Tribunal judicial da Comarca do Porto, Unidade Orgânica da Maia, Juízo de Execução, Juiz 2, em que era executada a ora arguida B…, no dia 14 de Setembro de 2018, cerca das 16 horas e 00 minutos, o ora ofendido D…, agente de execução, dirigiu-se à casa da arguida e do arguido C…, sita na Rua …, .., Blc.º Drt.º, …, …. – … …s, na área do município da Maia, para realizar diligência processual.2) Na altura, após diálogo entre o agente de execução e o arguido, em que este tomou conhecimento de quem era aquele e do porquê da sua presença no local, 3) C… dirigiu-se a D…, dizendo “Eu parto-te todo e se voltas aqui, mato-te”. 4) C… sabia que se encontrava pendente o Processo de Execução n.º 4029/18.4T8MAI contra a arguida, assim como também sabia que o ofendido se tinha dirigido a casa deles no âmbito desse mesmo processo para realização de penhora. 5) Mais sabia o arguido que aquela expressão era susceptível de causar temor, receio e inquietação a outras pessoas, nomeadamente ao ora ofendido, tal como lhe causou. 6) Não obstante, o arguido quis dirigir aquela expressão ao ofendido, com o intuito de causar temor, receio e inquietação ao ofendido, de modo a impedir que este voltasse a dirigir-se a casa de ambos os arguidos para realizar diligências processuais no âmbito do supra referido processo executivo e, assim, impedir que o ofendido citasse/notificasse a arguida e que penhorasse quaisquer bens dos arguidos. 7) No âmbito do Processo de Execução n.º 244/08.7TBMAI do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução da Maia, Juiz 1, em que era executada a ora arguida B…, 03 de Outubro de 2018, cerca das 17 horas e 00 minutos, o ora ofendido D…, agente de execução, dirigiu-se à casa da arguida e do arguido C…, sita na Rua …, .., Blc.º Drt.º, …, …. – … …, na área do município da Maia, para realizar a penhora desta mesma casa. 8) Na altura, o ofendido tocou à campainha e, como ninguém o atendeu, afixou na porta de entrada, o edital do imóvel penhorado. 9) Ainda no dia 03 de Outubro de 2018, mas já cerca das 19 horas e 53 minutos, a arguida B… telefonou, através do contacto ………, para D…, e disse “Se voltas aqui, eu mato-te. Eu posso acabar com a minha vida, mas eu acabo com a tua. Não me importo de ir para a prisão, mas eu mato-te. Se voltas a colocar coisas no meu prédio, olha para a janela do 1.º andar que pode ser que leves um tiro na tola”. 10) O ofendido respondeu que no dia seguinte iria regressar a casa da arguida, com uma diligência agendada para as 14 horas e 30 minutos, com a PSP. 11) Acto contínuo, o arguido disse ao ofendido que “Agora estás a falar comigo, seu filho da puta. És um palhaço e se vens cá amanhã, eu mato-te. Vais andar nesta terra pouco tempo. Já sei onde tens o escritório, eu vou acabar contigo”, 12) Tendo o ofendido informado o arguido que tinha o telefone em “alta-voz”, com testemunhas a ouvir e a gravar, 13) O arguido respondeu-lhe “Vai-te foder” e desligou a chamada. 14) B… sabia que se encontrava pendente o Processo de Execução n.º 244/08.7TBMAI que corria termos contra a própria arguida, assim como também sabia que o ofendido se tinha dirigido a casa deles no âmbito desse mesmo processo para realização de penhora. 15) Mais sabia a arguida que aquelas expressões referidas no ponto 9. eram susceptíveis de causar temor, receio e inquietação a outras pessoas, nomeadamente ao ora ofendido, tal como lhe causou. 16) Não obstante, a arguida quis dirigir aquelas expressões referidas no ponto 9. ao ofendido, com o intuito de causar temor, receio e inquietação ao ofendido, de modo a impedir que este voltasse a dirigir-se a casa de ambos os arguidos para realizar diligências processuais no âmbito do supra referido processo executivo e, assim, impedir que o ofendido citasse/notificasse a arguida e que penhorasse quaisquer bens dos arguidos. 17) C… sabia que se encontrava pendente o Processo de Execução n.º 244/08.7TBMAI que corria termos contra a arguida, assim como também sabia que o ofendido se tinha dirigido a casa deles no âmbito desse mesmo processo para realização de penhora. 18) Mais sabia o arguido que aquelas expressões referidas em 11. eram susceptíveis de causar temor, receio e inquietação a outras pessoas, nomeadamente ao ora ofendido, tal como lhe causou. 19) Não obstante, o arguido quis dirigir aquelas expressões referidas em 11. ao ofendido, com o intuito de causar temor, receio e inquietação ao ofendido, de modo a impedir que este voltasse a dirigir-se a casa de ambos os arguidos para realizar diligências processuais no âmbito do supra referido processo executivo e, assim, impedir que o ofendido citasse/notificasse a arguida e que penhorasse quaisquer bens dos arguidos. 20) Os dois arguidos agiram sempre de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo ser a sua descrita conduta proibida e punida pela lei penal. Mais se provou que: 21) O arguido se encontra actualmente desempregado, pese embora tenha exercido funções como motorista da E…, as quais irão ser retomadas em breve. 22) Possui o curso geral dos liceus. 23) A arguida tem o 12º ano, encontra-se desempregada e aufere o RSI no valor de 455,00€; 24) Pagam de água cerca de 30,00€ mensais e de luz cerca de 60,00€. 25) Os arguidos revelaram arrependimento pela prática de algum comportamento exagerado. 26) Os arguidos não possuem antecedentes criminais. * A) O arguido ao agir como agiu, com o propósito concretizado de atingir o ofendido na sua integridade física e saúde, de modo a causar-lhe dores e ferimentos, bem sabendo que o mesmo se tratava de solicitador de execução em exercício de funções..2.2 Factos Não Provados * A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, designadamente:III - Motivação da Decisão de Facto - No auto de denuncia de fls. 2 e 3; - Nas declarações prestadas pelos arguidos, os quais não tendo confessado os factos pelos quais vêm acusados, admitiram terem sido indelicados para com o ofendido D…, na sequência das diligências de penhora por este efectuadas e devido à circunstância de se terem sentido maltratados pelo ofendido. Alegam que contrariamente com o que tinha sucedido com as Senhoras solicitadoras de execução que anteriormente tinham sido nomeadas para o processo executivo em causa, o ora ofendido sempre recusou o diálogo com os arguidos, impondo, isso sim, a sua autoridade como agente de execução. Negam, contudo, que alguma vez o tenham ameaçado de morte, designadamente no telefonema efectuado pela arguida no dia 3 de Outubro de 2018 e no qual admitem, o arguido possa ter participado. - No depoimento prestado pelo ofendido D…, o qual, com toda a clareza e grande assertividade, garantiu que, nas circunstâncias referidas na acusação e nos factos dados como provados, os arguidos praticaram os factos que lhes são imputados e resultaram como provados, tendo esclarecido que sentiu receio e inquietação com a conduta dos arguidos. - As testemunhas arroladas pelo Ministério Público, designadamente a testemunha F…, colaborador do Sr. Agente de execução, ora ofendido e G…, funcionária forense e mulher do ofendido, prestaram depoimentos de forma clara e assertiva como o ofendido, vieram confirmar todas a factualidade vertida na acusação deduzida contra os arguidos, depuseram, mostrando-se ademais os relatos que apresentaram dos factos absolutamente coerentes entre si e conformes com as regras da experiência comum e do normal acontecer das coisas, não deixaram dúvidas ao Tribunal sobre a veracidade dos seus depoimentos. Na verdade, as testemunhas expuseram além de não terem dado mostras de qualquer hesitação, não procuraram empolar o sucedido, pelo que lograram convencer inteiramente o Tribunal da verosimilhança dos seus depoimentos. Ademais, no que tange ao elemento subjectivo do crime, pertencendo este à vida íntima dos agentes, não poderá ignorar-se que atento o circunstancialismo em que os arguidos actuaram, outra não poderia ser as suas intenções que não a de atemorizarem o ofendido de modo a que este desistisse de levar a cabo as diligências de penhora judicialmente ordenadas. - A testemunha arrolada pela arguida B… e que não era comuns à arroladas pelo Ministério Público, a testemunha H…, filha dos arguidos não presenciou nenhum dos factos constantes da acusação e integrantes do elemento objectivo típico, designadamente não estava presente no dia e hora em que o Sr. Agente de execução se dirigiu a casa dos arguidos para efectuar a diligência de penhora e descrito nos pontos 3),9) e 11), pese embora estivesse em casa no dia e hora em foi efectuado o telefonema para o ofendido, melhor descrito nos últimos pontos mencionados. Quanto às condições sócio-económicas dos arguidos valoraram-se as suas declarações. Os CRC`s dos arguidos a fls. 150 e 151 relativamente à ausência de antecedenmtes criminais.» * É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso As questões que a recorrente coloca a este Tribunal de recurso são duas: - saber se a decisão está ferida de nulidade por omissão de pronúncia quanto a factos alegados na contestação, com referência ao disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal; e - saber se o Tribunal a quo devia ter determinado a não transcrição da decisão sob escrutínio no registo criminal da arguida. Vejamos. Nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal, por omissão de pronúncia quanto a factos alegados na contestação De acordo com o disposto no n.º 2 do art. 374.º do CPPenal, sob a epígrafe “Requisitos da sentença” «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.» Essa análise, que se impõe que o julgador verta na sua decisão, permite aos destinatários da mesma acompanhar o processo lógico-valorativo da formação da convicção do Tribunal, verificar da legalidade da decisão de facto face às regras de apreciação da prova – como o princípio in dubio pro reo, as regras da experiência comum, as proibições de prova, o valor da prova pericial, o grau de convicção exigível e a presunção de inocência –, bem como da decisão de direito e, pretendendo, impugná-las, possibilitando ainda ao Tribunal de recurso uma mais clara e efectiva reponderação da decisão da 1.ª Instância. A este propósito decidiu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2018[2]: «I - A necessidade de fundamentação da sentença condenatória, nos termos dos artigos 374.º e 375.º do CPP, que concretizam requisitos específicos relativamente ao regime geral estabelecido no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, decorre directamente do art. 205.º, n.º 1, da CRP. A fundamentação das decisões dos tribunais, constituindo um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito, representa um dos aspectos do direito a um processo equitativo protegido pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos.» É, assim, pressuposto da completude de qualquer sentença que a mesma tenha, desde logo, a indicação, isto é, descrição, enumeração, dos factos provados e não provados, sendo igualmente pacífico que tais factos são os que constam da acusação ou pronúncia, da contestação, do pedido de indemnização civil e ainda os que resultarem da discussão da causa[3], conforme sobressai do teor do art. 368.º do CPPenal. Com efeito, este preceito, sob a epígrafe “Questão da culpabilidade”, determina que na deliberação que é realizada após o encerramento da discussão: «1 - O tribunal começa por decidir separadamente as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão. 2 - Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber: a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou; c) Se o arguido actuou com culpa; d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; e) Se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança; f) Se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil. 3 - Em seguida, o presidente enumera discriminadamente e submete a deliberação e votação todas as questões de direito suscitadas pelos factos referidos no número anterior.» Decorre, assim, desta norma que não são quaisquer factos provenientes da acusação/pronúncia, da defesa, do pedido de indemnização civil ou da produção de prova em julgamento que importa verter entre os provados e não provados a enumerar na sentença mas apenas aqueles que são relevantes, isto é, essenciais, para a definição dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime e do tipo de participação do agente, para a determinação da respectiva culpa, para a verificação de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, para a verificação dos pressupostos de punibilidade ou de aplicação de medida de segurança, bem como dos de arbitramento da indemnização civil e, finalmente, de acordo com o preceituado no art. 369.º do CPPenal, os atinentes à determinação da sanção, sendo de realçar os relativos aos antecedentes criminais do arguido, à personalidade do arguido e ao seu enquadramento social, posto todos eles influenciarem e serem determinantes da escolha e medida concreta da pena a encontrar pelo Tribunal. De fora da apontada obrigação de enumeração dos factos provados e não provados ficam todos aqueles que são acessórios ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, e bem assim aqueles que se mostram prejudicados com a solução dadas a outros, por apenas os contrariarem, ou seja, representarem mera infirmação, negação, de outros já constantes do elenco dos factos provados ou não provados. Entendimento diverso quanto a esta última situação levaria à obrigação de realização de trabalho duplicado e até com sentido jurídico pouco rigoroso, por apelar à comprovação de factos negativos. Por exemplo, se o Tribunal dá como provado que A se apoderou de um determinado bem de B não precisa que dar como não provado que A não se apoderou de determinado bem de B. De igual modo, se o Tribunal dá como não provado que A se apoderou de determinado bem de B não precisa dar como provado que A não se apoderou de determinado bem de B. Assim, sempre que os factos apresentados numa contestação representem mera impugnação, no sentido de negação, dos factos descritos da acusação – aqui se incluindo quer uma negação stricto sensu, desacompanhada de uma narrativa explicativa alternativa à descrição factual da acusação, quer esta última hipótese –, ali não se acrescentando quaisquer outros que respeitem ao grau de culpa do agente, que possam constituir-se como causas de exclusão da ilicitude ou da culpa ou que tenham relevo para a determinação da sanção, não é necessário que sejam inseridos no elenco dos factos não provados se o Tribunal deu como provados todos os factos que constam da acusação e respeitem os elementos constitutivos do crime, à participação do arguido e ao seu grau de culpa, representando aqueles apenas o seu reverso. Neste sentido, veja-se, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2011[4], onde se consignou: «II. A jurisprudência do STJ firmou-se, de há muito, no sentido de que a decisão deve conter a enumeração concreta, feita da mesma forma, dos factos provados e não provados, com interesse e relevância para a decisão da causa, sob pena de nulidade, desde que os mesmos sejam essenciais à caracterização do crime em causa e suas circunstâncias, ou relevantes juridicamente com influência na medida da pena, desde que tenham efectivo interesse para a decisão, mas já não no caso de factos inócuos, excrescentes ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação e/ou na contestação, ou ainda a matéria de facto já prejudicada pela solução dada a outra. III - Todavia o que importa é que os factos sejam relevantes para a decisão da causa. E relevantes serão todos os factos essenciais à caracterização do crime ou integradores de causas de exclusão» Ou o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-10-2012[5], que firmou o entendimento de que: «I. A vinculação temática funciona num duplo sentido: impede o tribunal de conhecer para lá do facto e obriga-o a pronunciar-se até ao limite do facto, sendo este o narrado pelo Ministério Público na acusação, pela defesa na contestação, bem como o que resultar da discussão da causa com relevância para a decisão. 2. Se os factos alegados pela defesa representam apenas a versão negativa dos factos provados, é dispensável o tratamento expresso destes factos negativos.» Importante é que o Tribunal elenque todos os factos, provados e não provados, revelantes para a apreciação das questões enunciadas nos arts. 368.º e 369.º do CPPenal, independentemente de terem proveniência da acusação/pronúncia, da defesa, do pedido de indemnização civil ou da discussão da causa, devendo o segmento seguinte da sentença, a motivação, com o exame crítico das provas, revelar que foram apreciadas todas as perspectivas apresentadas[6]. Apreciando a contestação apresentada pela arguida à luz destas regras percebemos que a mesma se limitou ou a infirmar a factualidade constante da acusação, descrevendo uma realidade alternativa sem relevância penal, ou a apresentar factos acessórios para a definição dos elementos constitutivos do crime ou determinação da sanção. Como tal, não se reconhece a necessidade do seu elenco entre os factos provados ou não provados, posto que se mostram prejudicados, por contrariados, pelo decidido quanto à factualidade da acusação ou são irrelevantes para a decisão da causa. Invoca a recorrente que alegou nos arts. 18.º e 19.º da contestação factos susceptíveis de situar a sua culpa muito abaixo do limiar do dolo directo. Porém, tal alegação não corresponde à verdade. A aflição que a arguida pode ter sentido, segundo alega, por estar a ser alvo de penhoras, em nada altera o dolo com que agiu, nem representa qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa. Relevante para a decisão é o contexto em que surgiram as ameaças, perfeitamente descrito no elenco dos factos provados, compreensivelmente gerador de algum excesso emocional, nesta e em situações semelhantes. A alegação que a recorrente afirma ter feito no art. 18.º da contestação respeitante à sua conduta serviu apenas para negar a prática dos factos descritos no ponto 9) da acusação, depois vertidos no ponto 9) da factualidade assente da sentença recorrida, posto que aí não reconhece o teor da conversa que consta da acusação e refere diferente teor de conversa telefónica com o ofendido, mas sem relevância penal, não integrando os elementos do crime imputado. Visto o elenco dos factos provados e não provados, a motivação e o exame crítico da prova, é perfeitamente claro que o Tribunal a quo ponderou as diversas posições apresentadas relativamente aos factos, tendo optado, fundamentadamente, por uma delas, estruturando a decisão com correcto cumprimento das regras a que alude o art. 374.º do CPPenal. Tanto é assim que o Tribunal a quo incluiu no elenco dos factos provados um ponto 25) onde consignou que os arguidos revelaram arrependimento pela prática de algum comportamento exagerado, facto que atribui, uma vez que foi reconhecida, relevância à alegada aflição e exaltação emocional da arguida aliada ao seu arrependimento posterior. Não se reconhece, pois, que a decisão recorrida sofra de nulidade por omissão de pronúncia sobre factos constantes da contestação da recorrente (que, a verificar-se, integraria a nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPPenal e não na al. c) do mesmo número e artigo), improcedendo, nesta parte, o recurso interposto. * No que concerne a esta questão cremos que houve precipitação por parte da recorrente.Da não transcrição da decisão sob escrutínio no registo criminal da arguida Com efeito, nos termos do art. 6.º, n.º 1, da Lei 37/2015, de 05-05 (Lei da Identificação Criminal), estão sujeitas a inscrição no registo criminal, entre outras, as decisões que apliquem penas, como é o caso dos autos. Esta regra pode, todavia, não ser aplicável a todos os casos, já que o art. 13.º, n.º 1, permite que os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.[7]. Na sentença, datada de 18-09-2019, o Tribunal a quo deu cumprimento à regra geral de comunicação da condenção, sem ponderar a não transcrição da decisão no registo criminal da arguida aqui recorrente. Cerca de uma semana depois, a 26-09-2019, a arguida apresentou no processo um requerimento onde, após expor a argumentação que entendeu por conveniente, terminou solicitando que fosse determinada a não transcrição da condenação dos autos no seu certificado de registo criminal. Tal requerimento nunca foi objecto de decisão pela 1.ª Instância. Posteriormente, a 18-10-2019 a recorrente deu entrada em juízo ao requerimento de interposição de recurso onde pôs em causa a bondade de sentença recorrida ao não determinar a não transcrição da decisão no registo criminal. Ora, resulta do mencionado art. 13.º, n.º 1, da Lei 37/2015, de 05-05, que a decisão de não transcrição no registo criminal de uma decisão que aplique uma pena pode ser realizada na sentença ou em despacho posterior, daqui decorrendo que o facto de uma decisão determinar esse registo, em cumprimento da regra geral, não impede que posteriormente, designadamente por ter sido apresentado requerimento nesse sentido, seja determinada a respectiva não transcrição. No caso em apreço, a sentença recorrida não se debruçou sobre o mérito da questão da não transcrição no registo criminal da condenação da arguida, limitando-se a proferir decisão tabelar de comunicação para registo. Por outro lado, o requerimento de 26-09-2019 com o sentido indicado ficou por apreciar. Caso este Tribunal da Relação fosse analisar e decidir a questão da não transcrição da decisão no registo criminal da arguida à luz dos argumentos apresentados no recurso, matéria que o Tribunal a quo nunca teve oportunidade de apreciar, ou melhor, nunca apreciou, pois não se pronunciou sobre o requerimento de 26-09-2019, no pressuposto de que os argumentos são os mesmos, estaria a decidir pela primeira vez uma exposição da arguida sobre esta matéria, funcionando como Tribunal de 1.ª Instância e não como Tribunal de recurso. E mesmo que a arguida não tivesse apresentado o requerimento de 26-09-2019 o recurso não poderia ser apreciado por falta de interesse em agir, já que a arguida tinha a possibilidade de solicitar ao Tribunal de 1.ª Instância que decidisse, em despacho posterior à sentença, pela não transcrição da decisão no registo criminal, e só depois, caso a decisão não fosse favorável, poderia interpôs recurso. Pelas razões indicadas, esta questão não será decidida neste Tribunal, devendo a 1.ª Instância, após baixa dos autos, apreciar o requerimento apresentado pela arguida a 26-09-2019. * Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em não tomar conhecimento do recurso quanto à questão da não transcrição da decisão no registo criminal da arguida, devendo a 1.ª Instância após baixa dos autos apreciar e decidir o requerimento de fls. 202, que foi apresentado em juízo em 26-09-2019 e versa sobre tal matéria, e no mais em negar provimento ao recurso interposto pela arguida B… e em confirmar a sentença recorrida.III. Decisão: Custas pela recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs. 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa). Porto, 27 de Maio de 2020 (Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página) Maria Joana Grácio Paulo Costa _____________ [1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção. [2] Proc. n.º 388/15.9GBABF.S1 – 3.ª Secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos). [3] Cf. nesse sentido, entre muitos outros, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-09-2010, Proc. n.º 20/09.0PEPDL.L1.S1, da Relação de Coimbra de 26-10-2011, Proc. n.º 586/07.9GBAND.C1 e da Relação de Évora de 18-01-2013, Proc. n.º 10/09.2GBODM.E1, acessíveis in www.dgsi.pt. [4] Proc. n.º 36/06.8GAPSR.S1, acessível in www.dgsi.pt. [5] Proc. n.º 495/11.7GBTBABF.E1, acessível in www.dgsi.pt [6] Assim se entendeu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18-01- 2013, Proc. n.º 10/09.2GBODM.E1, acessível in www.dgsi.pt, onde se defendeu que «I - A exigência legal da enumeração na sentença dos factos provados e não provados visa permitir que a decisão, em processo penal, demonstre que o tribunal considerou especificadamente toda a matéria de prova que foi trazida à apreciação e que tem relevo para a decisão, por ter sido incluída na acusação, ou na pronúncia, e na contestação ou resultante da discussão da causa e com relevância para a decisão. II - Não se configura, porém, como imposição de inclusão de factos sem relevância para a decisão da causa ou de factos que decorram implicitamente de outros mencionados e/ou os contrariem». Também no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-03-2014, Proc. n.º 811/12.4JACBR.C1, acessível in www.dgsi.pt, foi decidido que: «1.- A elencação dos factos provados e não provados refere-se apenas aos factos essenciais à caracterização do crime e circunstâncias relevantes para a determinação da pena e não aos factos inócuos, mesmo que descritos na contestação; 2.- O que importa é que da conjugação da matéria da acusação e da defesa, resulte claro que o tribunal apreciou os factos relevantes aduzidos por uma e por outra, relevantes para a decisão a proferir». [7] Sublinhado e negrito da relatora. |