Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | FILIPE CAROÇO | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL NEXO DE CAUSALIDADE INDEMNIZAÇÃO INTERNET UTILIZAÇÃO ABUSIVA PORNOGRAFIA INFANTIL CONSTITUIÇÃO COMO ARGUIDO | ||
| Nº do Documento: | RP202211102241/21.8T8AGD.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/10/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A falta de um pressuposto da responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos pode gerar a improcedência do pedido de ação cuja causa de pedir assente nessa fonte de responsabilidade, mas jamais constitui nulidade da sentença, designadamente por omissão de pronúncia. II - O nexo causal, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, tem sido definido pela maior parte da jurisprudência, na esfera do direito civil, em função da variante negativa da causalidade adequada, o que significa que qualquer condição que interfira no processo sequencial dos factos que conduzem à lesão, e que não seja de todo em todo indiferente à produção do dano segundo as regras normais da experiência comum, seja causa adequada do prejuízo verificado. III - A quantia indemnizatória de € 8.000,00 é adequada à compensação da vítima de utilização abusiva, por terceiro, da password do seu router da internet, para publicação eletrónica de conteúdos de pornografia infantil, em falsos perfis, sem que, no entanto, fosse acessível ao público em geral a identidade do lesado que, tendo sido investigado pela PJ, com busca domiciliária, constituição como arguido e sujeito a interrogatório, passou por significativos sentimentos de suspeição familiar e de vizinhos, enxovalhamento, humilhação, vergonha e ansiedade. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2241/21.8T8AGD.P1 (apelação) Comarca de Aveiro - Juízo Local Cível de Águeda Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. AA, casado, com o CC ... e o NIF ..., com residência na Rua ..., ..., ..., intentou ação declarativa, com forma de processo comum, contra o seu vizinho BB, casado, residente no mesmo Edifício ..., ..., no R/C Poente, na fração AI, alegando essencialmente que, tendo este obtido ilicitamente o código de acesso ao seu router da internet, passou a usá-lo para aceder a essa via de comunicação e publicar conteúdos de pornografia infantil através de uma conta de perfil falsa, por ele criada, com vista a encetar conversações de perfis aleatórios e de pessoas por si desconhecidas, sem conhecimento do A., e com o intuito de partilhar imagens e vídeos daquela natureza. Por causa disso, a residência do A. foi, surpreendentemente, alvo de busca domiciliária por inspetores da PJ e auxiliares do STI. O A. foi sujeito a interrogatório e a investigação, com conhecimento de terceiros, designadamente na sua comunidade de vizinhos, com prejuízo para a sua privacidade familiar, bom nome, imagem e reputação social. O A., pessoa honesta e honrada, sofreu de medo, desgosto e vergonha, o seu casamento esteve em risco e necessitou de apoio médico, pelo que invoca o direito a ser indemnizado pelo R. por violação de direitos de personalidade. Deduziu o seguinte pedido: «(…) deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência ser o Réu condenado a pagar ao Autor a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano contados a partir da citação do Réu até integral e efetivo pagamento.» Citado, o R. contestou a ação por impugnação parcial dos factos alegados pelo A., alegando que foram os técnicos da X... que lhe facultaram a password que utilizou, que não sabia a quem pertencia e que não teve qualquer intenção de prejudicar o A. que agora só pretende obter dinheiro à sua custa. Fixado o valor da ação em € 10.000,00, o tribunal pronunciou-se sobre os meios de prova e designou data para a realização da audiência final que teve lugar no dia 28 de abril de 2022, com produção de prova e alegações. O tribunal veio a proferir sentença com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção procedente, e em consequência, condena-se o réu BB a pagar ao autor AA a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 22/11/2021, até integral pagamento.» * Inconformado, recorreu o R. para a Relação, formulando as seguintes CONCLUSÕES:«A) O tribunal a quo julgou incorrectamente os seguintes factos: a) Erro na apreciação na apreciação do nexo de causalidade, pressuposto da responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito nos termos do artigo 483º do C. Civil; b) A não apreciação do nexo de causalidade conduz uma omissão de pronúncia a qual gera nulidade nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do C. Civil, c) Erro na apreciação dos critérios subjacentes á fixação do quantum indemnizatório; conduzindo a uma condenação exagerada e desproporcional aos danos causados pelo Recorrente; d) O tribunal a quo não averigou as condições económicas do Recorrente, para indagar a capacidade económica e a possibilidade de pagamento do mesmo, condenando sem mais, na totalidade do pedido peticionado pelo Recorrido.» (sic) Pretende a revogação parcial da sentença, com redução do valor da indemnização para o máximo de € 5.000,00.» (sic) * O A. não ofereceu contra-alegações.No despacho em que admitiu o recurso, a Ex.ma Juiz pronunciou-se sobre a nulidade invocada na apelação, defendendo a sua não verificação. * Foram colhidos os vistos legais* II. As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação do R. (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil). Somos chamados a decidir as seguintes questões, com a seguinte ordem de precedência lógica: 1. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; 2. Nexo de causalidade enquanto pressuposto da responsabilidade civil; 3. Critério da fixação da indemnização. * III.Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:[1] 1. O autor e o seu agregado familiar, constituído pelo autor, pela esposa deste e pelos dois filhos, então menores, de ambos, residiam, à data dos factos descritos infra, e pelo menos desde o ano de 2000, na Rua ..., ..., bloco ..., 1º direito, fracção N, .... 2. O autor, a esposa e um dos filhos, que ainda é menor, continuam a residir na referida morada actualmente. 3. Era e é nessa residência que se encontrava sediado o centro da vida familiar do autor, onde este e o restante agregado familiar fazem as refeições juntos, brincam, conversam, descansam, recebem os seus familiares e amigos. 4. O réu reside, desde há cerca de 21 anos, na Rua ..., ..., bloco ..., r/c poente, fracção AI, .... 5. Autor e réu são vizinhos, inexistindo, porém, entre ambos qualquer convivência. 6. No dia 10 de Julho de 2018, pelas 7:00 horas, vários Inspectores da Polícia Judiciária, e especialistas auxiliares, dirigiram-se à casa do autor, informando que se encontravam ali para dar cumprimento aos mandados de busca e pesquisa informática emitidos para aquela residência por suspeita da prática de um crime de pornografia de menores. 7. Perante tal informação, o autor e a sua esposa pediram para que os mesmos confirmassem a morada, pois acreditavam que estariam equivocados. 8. Porém, os Srs. Inspectores da PJ voltaram a confirmar a situação, dizendo que inexistia qualquer engano e que os mandados de busca eram para aquela residência e, como tal, estavam autorizados a aceder a todos os compartimentos da casa e bem assim, aos aparelhos informáticos, com vista a verificar da existência de indícios da prática daquele crime. 9. Os factos supra descritos desenrolaram-se em frente aos filhos do autor, então menores, causando, pelo menos à filha mais velha, medo e receio. 10. O autor e a esposa, sem alternativa e porque nada tinham a esconder, colaboraram com os Srs. Inspectores, tendo estes verificado e inspecionado todos os compartimentos bem como todos os aparelhos informáticos ali existentes, a saber: · Um computador e dois telemóveis, um utilizado pelo autor e outro pela sua esposa, os quais se encontravam no quarto de ambos; · Um computador que se encontrava no quarto da filha menor do autor e um telemóvel utilizado por aquela. 11. Na sequência de tal mandado de busca domiciliária, e embora o autor negasse a autoria dos factos ali em causa, o mesmo foi interrogado durante uma hora, prestou Termo de Identidade e Residência e foi constituído arguido no âmbito do Inquérito nº 302/17.7JAFAR, o qual corria termos no DIAP de Loulé, Procuradoria da República da Comarca de Faro, por “ser suspeito de, em setembro de 2017, ter partilhado conteúdos de pornografia infantil, através de um perfil de facebook, de nome CC e/ou DD, associado ao endereço de correio eletrónico ...@outlook.com, a partir da ligação de internet instalada na casa onde reside”, o que ocorreu na presença da sua esposa e filhos. 12. Foi, ainda, o autor confrontado com um documento donde resultava que a criação do endereço de e-mail referido foi registado com o primeiro nome “EE” e último nome “FF”, coincidentes com os nomes do autor “AA” e “AA”. 13. Perante tal informação, o autor informou que o seu vizinho do andar abaixo do seu, ora réu, se chamava BB, mais referindo que esse seu vizinho era conhecido por ser “viciado” na internet. 14. Desde o dia 10 de Julho de 2018 até 27 de maio de 2020, o autor não mais teve acesso ou informação do dito processo. 15. Tendo, em 27 de Maio de 2020, o autor sido notificado do despacho de arquivamento do supra referido Inquérito, quanto a si. 16. Nesse mesmo despacho, foi deduzida acusação pública contra o aqui réu. 17. Tendo sido proferida sentença condenatória do aqui réu, em 28 de Setembro de 2020, já transitada em julgado, a qual condenou o aqui réu BB pela prática do crime de pornografia de menores, na forma agravada, p.i. pelos arts.º 176º, nº 1, c) e d) e art.º 177º, nº 6 do Código Penal, na pena de 3 anos e 1 mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova. 18. Na “Motivação da Decisão de Facto” daquela sentença, consta que “o arguido (aqui réu) também confirmou que durante o período em que partilhou os ficheiros apreendidos, fê-lo através de serviço de internet que não lhe pertencia, pois não contratara fornecimento. Conforme foi apurado, o arguido utilizava o sinal de WI-FI próximo, contratado pelo seu vizinho, com nome similar ao seu (o que originou uma primeira busca domiciliária na residência deste último). (…) A busca domiciliária à residência de BB, no dia 1.8.2018 – fls. 374 a 376 – não permitiu apreender material e/ou ficheiros relacionados com pornografia de menores, pois foi possível verificar que o arguido havia procedido à eliminação de todos os registos informáticos relativos a tal matéria e à reposição das definições de origem do seu telemóvel e do seu tablet, mas apurou-se que o mesmo foi titular de, pelo menos, catorze contas online distintas – fls. 377 e 378. Ora, este facto é indissociável de um outro dado apurado: o arguido utilizou o serviço de internet do seu vizinho para a partilha dos conteúdos apreendidos, demonstrando assim capacidades informáticas acima da média e acreditando estar protegido por essa barreira de identificação – o contrato de fornecimento de serviços de internet ao abrigo do qual se fizeram as transferências era titulado por um terceiro”. 19. O réu, sem conhecimento do autor ou da esposa deste, acedeu à internet através do router instalado na casa destes últimos, e com a senha de acesso que pesquisou na internet. 20. O que fez em data não concretamente apurada do ano de 2017, até 30 de Julho de 2018. 21. Durante esse período, o réu, através de um perfil falso, utilizou o serviço de internet da casa do autor, para partilha com terceiros de ficheiros informáticos contendo fotografias e gravações de menores do sexo feminino, total ou parcialmente desnudadas, exibindo os órgãos genitais, por vezes acompanhadas de outras crianças, jovens, adultos, em diversos actos de natureza sexual, designadamente actos de masturbação, cópula, coito anal ou de introdução vaginal ou anal de partes do corpo e objectos. 22. Como consequência de tal conduta, ocorreu a busca domiciliária, o interrogatório e a constituição do autor como arguido e a sujeição do mesmo a TIR. 23. O que criou medo, pelo menos na sua filha menor mais velha, e dúvidas na sua esposa acerca da veracidade ou não de tais factos. 24. O autor, durante o tempo que durou o processo, sentiu-se enxovalhado e humilhado, quer como marido, pai e cidadão. 25. O autor regista para sempre na memória a circunstância de ver o seu lar invadido, de ver a sua privacidade/intimidade e do restante agregado familiar exposta a terceiras pessoas, quando os Srs. Inspectores da PJ aí compareceram com mandados de busca. 26. Não mais esquecerá o autor o medo nos olhos da sua filha e a desilusão e vergonha no rosto da sua esposa. 27. Tal situação provocou-lhe um desgosto profundo. 28. Afectando de forma séria a sua vida conjugal e familiar. 29. O autor sentia que os vizinhos e demais pessoas que tiveram conhecimento dos factos o viam como uma pessoa asquerosa e sem escrúpulos. 30. Pelo menos até ao despacho de arquivamento, o autor sentia que as pessoas mantinham a suspeita sobre a veracidade dos factos. 31. O que levou a que o autor se refugiasse em casa com vergonha e ansiedade. 32. O réu foi condenado, em processo sumaríssimo, que correu termos sob o nº 477/18.8GBAGD no Juízo Local Criminal de Águeda, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo art.º 6º, nºs 1 e 3 da Lei nº 109/2009 de 15/12. 33. O réu sabia que a sua conduta era ilícita e apta a causar danos aos membros do agregado familiar do autor. 34. No dia em que a PJ se dirigiu à casa do réu, este, confrontado com os factos que lhe eram imputados, confirmou os mesmos. 35. No âmbito do processo referido em 32), o Ministério Público promoveu que o aqui réu fosse condenado a pagar a quantia de € 1.000,00 à esposa do autor, aí assistente, a título de reparação dos danos sofridos. * O tribunal deu como não provada a seguinte matéria:a) O réu fez-se passar pelo autor. b) Aquando da busca domiciliária, o filho mais novo do autor sentiu medo e receio. c) Em consequência dos factos descritos, o autor sofreu depressão enorme e necessitou de acompanhamento médico. d) A vida conjugal e familiar do autor só começou a reabilitar-se e a normalizar-se após a decisão de arquivamento do processo relativamente ao autor. e) Algumas pessoas com quem o autor se relacionava deixaram de o fazer. f) O autor foi apontado pelos seus vizinhos e demais pessoas que tiveram conhecimento dos factos, como uma pessoa asquerosa e sem escrúpulos, deixando de privar com aquele e seguindo uma via diferente na rua sempre que o viam. g) Os vizinhos e outras pessoas aperceberam-se da deslocação dos Inspectores da PJ à residência do autor. h) Contribuiu para a suspeita referida em f), o facto de o processo de investigação relativamente àquele ter durado cerca de 2 anos. i) A generalidade das pessoas continua a evitar os convívios com o autor, mantendo a suspeita sobre a veracidade daqueles factos. j) O autor vive em constante inquietude pelo receio de que o réu volte a ter actos ofensivos da honra e consideração do autor. k) O réu, ao aceder à internet através do router instalado na casa do autor, queria fazer-se passar por aquele, com intenção de fazer recair sobre aquele as consequências da prática dos ilícitos cometidos pelo próprio. l) Aquando da prática dos factos, o réu desconhecia a quem pertencia a internet que usava, porquanto foram os técnicos da X... que lhe facultaram a palavra-passe e lhe ensinaram a trabalhar com a internet. m) Só no dia em que a PJ se deslocou à residência do réu para o confrontar com os factos, é que o mesmo ficou a saber que a internet que utilizava era a do seu vizinho, ora autor. * IV.Apreciação das questões da apelação 1. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia Refere o recorrente nas conclusões das suas alegações: b) A não apreciação do nexo de causalidade conduz a uma omissão de pronúncia a qual gera nulidade nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615 do C. Civil. E, no corpo das alegações, expôs o seguinte quanto a esta matéria: «(…) 26º A sentença é omissa quanto ao nexo de causalidade, gerando uma omissão de pronúncia, o que acarreta nulidade nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, o que se invoca.27º Não basta a prática da conduta ilícita, é necessário que ela seja a causa do dano.(…).» O R. confunde o referido vício da nulidade da sentença com a insuficiência da fundamentação da sentença, seja em matéria de facto, seja em matéria de Direito. Aquela norma está em correlação com o art.º 608º, nº 2, do Código de Processo Civil. O juiz tem que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de omissão de pronúncia. Além dessas só aprecia e decide aquelas cujo conhecimento a lei lhe imponha ou permita. A nulidade invocada há de resultar da violação do referido dever. Não confundamos questões com factos, argumentos ou considerações jurídicas. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir[3], e também com os fundamentos da defesa empreendida pelo réu. Por isso, pelo lado ativo, relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.[4] O facto material é um elemento para a solução da questão; não é a própria questão. Já Alberto dos Reis ensina[5] que “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”. E a argumentação jurídica utilizada na sentença respeita à discussão das questões suscitadas, não é a própria questão. Os factos não constituem, pois, a questão cujo conhecimento fosse imposto ao tribunal e, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a sua procedência, o facto de não lhes fazer referência --- eventualmente porque não considerou tais factos relevantes no tratamento da questão --- não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Com ou sem os factos que o recorrente possa ter por relevantes ou mesmo indispensáveis para a decisão da causa, com melhor ou pior argumentação jurídica, o tribunal não omitiu o tratamento e a solução das questões suscitadas na ação, atenta a causa de pedir e o pedido: a responsabilidade civil do R., por violação de direitos de personalidade e a fixação da respetiva indemnização. Assim, não vislumbramos onde falta a pronúncia. O tribunal pronunciou-se, em matéria de facto e em matéria de Direito, sobre as questões suscitadas na ação, decidindo-a na sua totalidade. Não esqueçamos que a nulidade da sentença (ou de um despacho) constitui um vício intrínseco da decisão, de entre os que estão taxativamente previstos no art.º 615º, nº 1, do Código de Processo Civil, que, por serem considerados graves, comprometem a sentença ou o despacho qua tale, considerando-os peças imprestáveis, insuscetíveis de cumprirem minimamente o fim a que se destinam. A falta de um pressuposto da responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos pode gerar a improcedência do pedido de ação cuja causa de pedir assente nessa fonte de responsabilidade, mas jamais constitui nulidade da sentença, designadamente por omissão de pronúncia. Improcede a primeira questão da apelação. * 2. Nexo de causalidade enquanto pressuposto da responsabilidade civilAlega também o R. que a Ex.ma Juiz errou na apreciação do nexo de causalidade, enquanto pressuposto da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito. Na motivação das alegações, diz-nos o apelante que a “sentença é omissa quanto à analise de um dos pressupostos da responsabilidade Civil, previstos no artigo 483º e ss. do Código Civil --- o nexo de causalidade (…)” (artigo 7º) e que “não basta a prática da conduta ilícita, é necessário que ela seja a causa do dano” (artigo 27º). São dois problemas diferentes: a) O de saber se existem factos provados suficientes e adequados ao preenchimento do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano; e b) O de saber se o tribunal se pronunciou sobre a verificação daquele pressuposto de responsabilidade civil. Comecemos pela al. a). Sendo de responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos que tratamos, dispõe o art.º 483º, nº 1, do Código Civil que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Trata-se da regra geral de responsabilidade civil por atos ilícitos e culposos. Assim, a responsabilização de alguém depende da verificação dos seguintes pressupostos: a) A existência de um facto voluntário do agente; b) A ilicitude do facto, contrariedade à lei; c) A existência de um nexo de imputação relevante do facto ao lesante; d) A verificação de um dano; e, por último, e) Que exista um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do Direito, que o dano é resultante da violação. Só a verificação simultânea de todos estes elementos poderá constituir o lesante na obrigação de indemnizar o lesado, apenas desta forma surgindo o correspondente direito de crédito deste último, ou seja, o direito a ser reparado pelo dano sofrido. Compete ao lesado provar todos os pressupostos da responsabilidade, designadamente a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, e o referido nexo causal (art.ºs 342º, nº 1 e 487º, nº 1, do Código Civil). A violação do direito de outrem traduz-se na infração de um direito subjetivo de outra pessoa. Aqui se abrangem as ofensas aos direitos absolutos, nomeadamente os direitos reais (direitos sobre as coisas), os direitos de personalidade, a propriedade intelectual (direitos de autor e propriedade industrial) e os direitos familiares de eficácia absoluta. Tem-se entendido que “o facto é ilícito quando viola um direito subjectivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como acontece, nesta última situação, quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar”[6]. Do art.º 70º do Código Civil resulta que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”. Desde há longa data que a jurisprudência tem vindo a reconhecer, como conduta antijurídica, aquela que lese o crédito ou o bom-nome de outrem, quer os factos abrangidos sejam verdadeiros ou não verdadeiros, conquanto sejam dolosa ou culposamente apresentados e em condições suscetíveis de afetar esse crédito ou bom-nome, ou possuam virtualidade de atingir ou diminuir a confiança na capacidade da pessoa para cumprir as suas obrigações ou apresentando-a em condições desleais ou deformadoras, dessa forma afetando o crédito ou a imagem e reputação ou a integridade moral da pessoa visada.[7] Mas é sobre a (in)existência do nexo causalidade entre o facto ilícito e o dano que somos chamados a pronunciarmo-nos: um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do Direito, que o dano é resultante da violação, pois só quanto a esse a lei manda indemnizar o lesado (art.º 563º do Código Civil). O nexo causal tem sido definido pela maior parte da jurisprudência, na esfera do direito civil, em função da variante negativa da causalidade adequada, o que significa que qualquer condição que interfira no processo sequencial dos factos que conduzem à lesão, e que não seja de todo em todo indiferente à produção do dano segundo as regras normais da experiência comum, seja causa adequada do prejuízo verificado. Por isso mesmo, na variante negativa da causalidade adequada o facto é causa adequada do dano se for uma das condições do processo sequencial que vai desembocar na produção desse efeito; só assim não será se essa condição for totalmente irrelevante para a eclosão do dano segundo os dados da experiência comum.[8] No nosso ordenamento jurídico o nexo de causalidade apresenta-se com uma dupla função: como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar. Concretizando, o facto ilícito do R. resulta essencialmente dos pontos 19 a 21 dos factos provados[9]: 19. O réu, sem conhecimento do autor ou da esposa deste, acedeu à internet através do router instalado na casa destes últimos, e com a senha de acesso que pesquisou na internet. 20. O que fez em data não concretamente apurada do ano de 2017, até 30 de Julho de 2018. 21. Durante esse período, o réu, através de um perfil falso, utilizou o serviço de internet da casa do autor, para partilha com terceiros de ficheiros informáticos contendo fotografias e gravações de menores do sexo feminino, total ou parcialmente desnudadas, exibindo os órgãos genitais, por vezes acompanhadas de outras crianças, jovens, adultos, em diversos actos de natureza sexual, designadamente actos de masturbação, cópula, coito anal ou de introdução vaginal ou anal de partes do corpo e objectos. O nexo causal extrai-se direta e claramente dos pontos 22, 23, 27 e 31 intrinsecamente ligados a todos os danos verificados. Não fica dúvida alguma de que todos os danos comprovados tiveram origem, segundo as regras da experiência da vida, naquele comportamento ilícito e indevido do R. Atente-se[10]: «(…) 22. Como consequência de tal conduta, ocorreu a busca domiciliária, o interrogatório e a constituição do autor como arguido e a sujeição do mesmo a TIR. 23. O que criou medo, pelo menos na sua filha menor mais velha, e dúvidas na sua esposa acerca da veracidade ou não de tais factos. 24. O autor, durante o tempo que durou o processo, sentiu-se enxovalhado e humilhado, quer como marido, pai e cidadão. 25. O autor regista para sempre na memória a circunstância de ver o seu lar invadido, de ver a sua privacidade/intimidade e do restante agregado familiar exposta a terceiras pessoas, quando os Srs. Inspectores da PJ aí compareceram com mandados de busca. 26. Não mais esquecerá o autor o medo nos olhos da sua filha e a desilusão e vergonha no rosto da sua esposa. 27. Tal situação provocou-lhe um desgosto profundo. 28. Afectando de forma séria a sua vida conjugal e familiar. 29. O autor sentia que os vizinhos e demais pessoas que tiveram conhecimento dos factos o viam como uma pessoa asquerosa e sem escrúpulos. 30. Pelo menos até ao despacho de arquivamento, o autor sentia que as pessoas mantinham a suspeita sobre a veracidade dos factos. 31. O que levou a que o autor se refugiasse em casa com vergonha e ansiedade. (…)». Por conseguinte, o nexo causal, enquanto pressuposto de responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos, está adequadamente explícito na matéria de facto dada como provada. b) Pronunciou-se o tribunal sobre a existência daquele pressuposto na fundamentação jurídica da decisão? Depois de enunciar os pressupostos da responsabilidade civil, entre os quais o nexo de causalidade entre os factos ilícitos e o dano, a Ex.ma Juiz faz uma análise sobre todos eles, enquadrando os factos concretos do caso na norma do art.º 483º do Código Civil. Quanto ao nexo causal, refere, pelo menos, o seguinte: «(…) Da actuação ilícita e culposa do réu, resultaram danos para o autor, danos esses, sem dúvida, objectivamente imputáveis àquela actuação. (…).» Logo, a resposta à citada al. b) é positiva. Mas, ainda que nada constasse da subsunção jurídica relativamente à existência de nexo causal, nem por isso se poderia concluir pela sua inexistência, por resultar dos factos provados. A sentença poderia ficar um pouco mais pobre, menos bem fundamentada, mas sem vício que a invalidasse e sem consequências para a decisão. Improcede a segunda questão do recurso. * 3. Critério da fixação da indemnização O recorrente aduz que o tribunal errou na utilização dos critérios subjacentes à fixação do quantum indemnizatório, proferindo uma condenação exagerada e desproporcional; e não averiguou as suas condições económicas (a sua capacidade e as suas possibilidades de pagamento), condenando-o, sem mais, na totalidade do pedido. Vejamos então a indemnização, verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos e culposos consistentes na violação de direitos de personalidade do A.: O direito à intimidade da vida privada, o direito ao descanso, ao sossego e à paz individual, à dignidade da imagem, à honra e ao bom-nome e à justa reputação social, enquanto bens jurídicos protegidos pelos direitos de personalidade, com dignidade e proteção constitucional (art.ºs 25º e 26º da Constituição da República) e na lei ordinária, designadamente sob o art.º 70º do Código Civil. Refere-se com absoluta propriedade na sentença recorrida[11]: «(…) Da actuação ilícita e culposa do réu, resultaram danos para o autor, danos esses, sem dúvida, objectivamente imputáveis àquela actuação. Com efeito, tendo a busca domiciliária, o interrogatório e a constituição do autor como arguido, decorrido na presença da esposa e dos filhos menores do autor, que viu o medo no olhar da filha mais velha e as dúvidas, desilusão e vergonha no rosto da sua esposa, o autor sentiu-se, como é natural, humilhado e envergonhado, como marido e como pai, já para não falar como cidadão. Sentiu, por isso, desgosto profundo. Suportou a sensação de ver o seu lar “invadido”, às 7:00 horas da manhã, por vários elementos da PJ, acordando todos e obrigando-os a assistirem ao “vasculhar” dos aparelhos informáticos da casa. Logo aí, o autor sentiu-se ofendido na sua privacidade e na intimidade do seu agregado familiar, como é compreensível. A vida conjugal e familiar do autor sofreu abalo com os factos em questão, referindo a esposa que o marido nunca mais foi o mesmo, isolando-se com vergonha e ansiedade. E ainda que não se tivesse provado que a percepção da comunidade em geral, relativamente ao autor, tivesse mudado, o facto é que o autor sentia os olhares das pessoas sobre si, interpretando-os como olhares de reprovação, julgando-o uma pessoa asquerosa e sem escrúpulos. Ou seja, o autor sentia-se envergonhado pelo que pensava que os outros pensavam sobre si, temendo que julgassem as suspeitas que sobre si recaíam verdadeiras. O autor manteve o estatuto processual de arguido durante quase 2 anos, pelo que, naturalmente, sentia que se mantinha sobre si a suspeita da prática do crime de pornografia de menores. Compreende-se, em face do quadro factual acabado de descrever, que o desgosto do autor fosse enorme, que se sentisse diminuído aos olhares da família e de terceiros, que sofresse com as dúvidas que a própria mulher chegou a ter dele. Ser-se injustamente “acusado” de um facto criminoso ou torpe, em geral, já é mau, mas então, tratando-se de um crime de natureza sexual, ainda por cima envolvendo menores, é algo com verdadeira potencialidade destrutiva da dignidade pessoal, atenta a especial reprovação social que esse tipo de crimes merece à comunidade em geral. Não se compreende, pois, como é que o réu, em sede de contestação, ousa questionar que o bom nome do autor ficou manchado com os factos em questão (cfr. art.º 34º da contestação[12]). Por mais secreto que fosse o inquérito, o autor sofreu o ignóbil enxovalho de se ver interrogado e constituído como arguido por um crime de pornografia de menores, em frente à mulher e aos filhos! Se só isso já não basta para se falar em ofensa ao bom nome…! Para além de que, como em qualquer comunidade, as notícias espalham-se e as pessoas falam. E ninguém tira ao autor aquela sensação de que o olhavam com suspeita na comunidade, pelo menos até ao despacho de arquivamento, que o ilibou. Cremos, pois, estarem profusamente provados os danos sofridos pelo autor, como consequência directa da actuação ilícita e culposa do réu. (…)». Vejamos. Estes danos são, por natureza, danos morais ou não patrimoniais, devendo ser reparados por indemnização cujo valor deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º (art.º 496º, nº 4, do Código Civil), ou seja, de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso. Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela[13] “o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida”, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta. Esta indemnização tem uma função compensadora (gravidade dos danos), e uma função sancionatória (grau de culpabilidade do agente), como se extrai do art.º 496º, nºs 1 e 3, do Código Civil). Não se confunde com os critérios de indemnização dos danos patrimoniais, que têm na sua base a teoria da diferença (art.ºs 562º e 566º, nºs 1, 2 e 3, do mesmo código). Trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. Como temos vindo a entender, o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico. Tem que constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem que ser significativa[14]; mas também tem que ser justificada e equilibrada, não pode constituir um enriquecimento ilegítimo e imoral. A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, também deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.[15] A única condição de ressarcimento do dano não patrimonial é a sua gravidade. Na impossibilidade de concretizar um critério geral, importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas.[16] A compensação deve abranger as consequências passadas e futuras resultantes das lesões emergentes do evento danoso --- art.º 496º, nº 1 e 564º, nº 2, do Código Civil. O apelante argumenta que o tribunal olvidou a sua situação económica. Não foi a Ex.ma Juiz que olvidou a condição económica do R., mas o próprio BB ao não a ter alegado na contestação, nem demonstrado subsequentemente, matéria daquela natureza, do seu interesse, sendo dele o respetivo ónus. Não tem o tribunal cível, em regra, nesta matéria de alegação e prova, poderes oficiosos de indagação, aqui o princípio do dispositivo (art.ºs 5º, nº 1 e nº 2, al. b), 552º, nº 1, al. d) e 573º do Código de Processo Civil). A apelante imputa ainda ao tribunal excesso na avaliação dos danos e na fixação do valor da indemnização. O art.º 8º, nº 3, do Código Civil, determina que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos quem mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”. Por maioria de razão, este critério deve ser aplicado nos casos, como o presente, em que o tribunal recorre à equidade na determinação do valor da indemnização. E o tribunal não o esqueceu quando citou a seguinte jurisprudência: · No Ac. STJ de 29/1/2015, proc. nº 24412/02.6TVLLSB.L1.A1, in www.dgsi.pt, foi atribuída ao lesado a indemnização de € 5.000,00, pelos danos causados pela publicação/divulgação de factos atentatórios do bom nome profissional de Magistrado Judicial; · No Ac. RP de 11/10/2018, proc. nº 10038/16.0T8VNG.P1, in www.dgsi.pt, foi atribuída ao lesado a indemnização de € 7.500,00 pela publicação de notícia falsa, que dizia ter sido o autor, figura pública do mundo do futebol, detido no âmbito de inquérito por crime de corrupção desportiva; · No Ac. RL de 28/9/2017, proc. nº 15249/15.3T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt, foi atribuída ao lesado a indemnização de € 5.000,00 pela inclusão daquele numa lista negra de risco de crédito, apesar dessa lista não ter sido objecto de divulgação pública; · No Ac. RL de 18/3/2010, proc. nº 606/05.1TCSNT.L1-8, in www.dgsi.pt, foi atribuída à lesada a indemnização de € 5.000,00 pela publicação, por engano, do número de telemóvel daquela num anúncio de cariz sexual; · No Ac. STJ de 3/5/2018, proc. nº 428/12.3TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, foi atribuído ao lesado a indemnização de € 15.000,00 por requerimentos apresentados por Advogado em processos judiciais, com injúrias ao lesado; · No Ac. STJ de 26/2/2004, proc. nº 03B3898, in www.jurisprudência.pt, foi atribuído ao lesado a indemnização de € 24.939,99 pela publicação em jornal nacional de insinuações sobre o adultério da mulher do lesado. O recurso não discute e não rebate esta jurisprudência. Os factos provados sob os pontos 22 a 31 refletem um elevado grau de culpa do R. na conduta ilícita de utilização de uma password alheia para a publicação de conteúdos de cariz sexual infantil, incluindo imagens. O R., ciente da ilicitude da sua conduta, sabia que, por via dela, a identidade, a imagem, o bom nome e a honra do terceiro titular da password abusivamente utilizada poderia ser afetado numa possível investigação criminal, como foi efetivamente. Sabia também necessariamente, que esse terceiro poderia ser o A., como qualquer outro vizinho próximo que dispusesse de serviço de internet. Porém, não foi sua intenção prejudicar diretamente o terceiro (ou A.) com as publicações na internet, sendo que, destas não resulta qualquer ofensa para o seu bom nome e para a sua imagem. Aquelas publicações não o identificam nem o associam a qualquer tipo de comportamento sexual ou de outra natureza. O R. não utilizava qualquer página do A. na internet, nem do endereço eletrónico que utilizada para fazer as suas publicações resultava, ao menos diretamente, a sua identificação. Da investigação criminal também não resultou uma afetação muito significativa da sua imagem perante a generalidade das pessoas, designadamente dos seus vizinhos. Provou-se nesta matéria, que o A., durante o tempo que durou o processo, se sentiu enxovalhado e humilhado, como marido, pai e cidadão. Sentia que os vizinhos e demais pessoas que tiveram conhecimento dos factos o viam como uma pessoa asquerosa e sem escrúpulos, sentindo também que as pessoas mantinham uma suspeita sobre a veracidade dos factos, o que o levou a refugiar-se em casa com vergonha e ansiedade. Estes factos traduzem mais um sentimento, uma perceção pessoal do A. quanto a uma suposta realidade do que propriamente essa realidade. Não ficou expressamente provado que os seus vizinhos mudaram a imagem que tinham do A., deixaram de o respeitar, de nele confiar ou de o considerar socialmente, mas apenas que o A. sentiu a sua imagem, honra e bom nome afetados na comunidade de vizinhos. Atente-se na matéria que foi dada como não provada. No entanto, o conjunto de circunstâncias faz admitir com segurança, face às regras da experiência da vida, que, ante a investigação policial, os agentes policiais, familiares e vizinhos do A., pelo menos durante algum tempo, suspeitaram do seu envolvimento voluntário nas publicações em causa, o que acarreta algum prejuízo de reputação, imagem e consideração do A. justificativo da sua perceção. Acrescem os efeitos da busca domiciliária, a constituição do A. como arguido e a sua sujeição a interrogatório, tudo em consequência da conduta do R. O A. sofreu com a situação de medo da filha e as dúvidas do cônjuge sobre a veracidade dos factos. E, enquanto o processo durou, sentiu-se enxovalhado e humilhado. Registará sempre na memória a circunstância de ver o seu lar invadido, a sua privacidade/intimidade e do restante agregado familiar exposta a pessoas, quando os Srs. inspetores da PJ aí compareceram com mandados de busca. A sua vida conjugal e familiar foi seriamente afetada. Refugiou-se em casa com vergonha e ansiedade. Tudo reponderado, atendendo também à jurisprudência citada pela 1ª instância, temos como adequado, face ao critério da equidade, reduzir o valor da indemnização para a quantia de € 8.000,00. Esgotadas que estão as questões da apelação, deve a mesma ser julgada parcialmente procedente. * SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):* ……………………………… ……………………………… ……………………………… * V. Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, reduzindo o valor da indemnização ali fixada para a quantia de € 8.000,00, mantendo-se o mais ali decidido. * Custas na 1ª instância e da apelação pelo A. e pelo R. na proporção do decaimento em cada uma das instâncias (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que o R. beneficia.* Porto, 10 de novembro de 2022Filipe Caroço Judite Pires Aristides Rodrigues de Almeida _______________ [1] Por transcrição e que o A. não impugnou. [2] Por transcrição. [3] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 58 [4] Acórdão da Relação de Coimbra de 21.3.2006, proc. 4294/05, in www.dgsi.pt. [5] Código de Processo Civil anotado, vol. V, pág. 145. [6] A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 1970, 362 a 369, citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.6.2010, e acórdão do mesmo Tribunal de 25.6.2009, ambos publicados na Colectânea de Jurisprudência do Supremo, o primeiro no T. II, pág. 116 e o segundo no T. II, pág. 131. [7] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16.4.1991, BMJ 406/623 e de 20.6.1996, Colectánea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, T. II, pág. 277. [8] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de maio de 2006, de 24 de maio de 2007 e de 20 de junho de 2016, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T.s II, pág. 95, II, pág. 82 e II, pág. 119, respetivamente. [9] Por transcrição. [10] O sublinhado é nosso. [11] Aliás, em reforço da verificação da existência de nexo causal que o recorrente questionou no recurso. [12] “O seu bom nome ficou manchado?!!! Como assim?!!!” [13] Código Civil anotado, volume 1º, 4ª edição, pág. 501. [14] Cf. acórdão do S.T.J. de 11.10.1994, BMJ 440/449 e, das Relações, acórdãos da Relação de Lisboa de 13.2.1997, Colectânea de Jurisprudência, Tomo I, pág. 123. [15] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2005, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. III, pág. 127. [16] Jorge Sinde Monteiro, Reparação dos Danos Pessoais em Portugal, CJ, 86, IV, pág. 11. |