Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | INCOMPETÊNCIA MATERIAL TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP2021102884272/20.2YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/28/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Os tribunais administrativos são competentes em razão da matéria para julgar os litígios que tenham por objeto a interpretação, validade e execução de contratos, mesmo que puramente privados, desde que estejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público e sejam celebrados por pessoas de direito público ou outras entidades adjudicantes (art. 4º/e) Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro com a redação do Decreto-Lei n.º 214-G/2015 de 2 de outubro). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | CompMaterial-84272/20.2YIPRT.P1 * SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):* ……………………………… ……………………………… ……………………………… --- Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)I. Relatório Na presente ação que segue a forma de processo comum, mas que se iniciou como procedimento de injunção, em que figuram como: - AUTOR: B…, SA, com sede na Av. …, .. e …, 4.º B – ...; e - RÉ: C…, EM, com sede na rua …, .. - Porto veio o autor pedir a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €55.646,14 a titulo de créditos que lhe foram cedidos, da cedente sobre a requerida, referentes a serviços prestados e não pagos. Para substanciar tal pretensão, alegou, em síntese, que por contrato de cessão de créditos ao sociedade “D…, SA” cedeu a sua carteira de créditos à sociedade “E…, Ldª” que por sua vez a cedeu à ora autora. Esta carteira de créditos incluía um crédito no valor de € 37.116,94 da cedente sobre a requerida, referente a serviços prestados e não pagos, cujo reembolso agora peticiona. - Citada a ré defendeu-se, para além do mais, por exceção dilatória, alegando ser este tribunal materialmente incompetente para a preparação e julgamento da presente ação. Sustenta para o efeito que as faturas descritas são o resultado de serviços praticados pela sociedade “D…, SA” a favor da ré, em cumprimento de contrato de empreitada subsequente a “Concurso Público para a contratação da empreitada de consolidação da … – secções .. e ..” previamente visado pelo Tribunal de Contas”.- Na resposta que apresentou, que admite ser extemporânea, alegou que não assiste razão à Ré, pois o art.º 19.º, da Lei 50/2012, de 31 de agosto, compara estas empresas locais a sociedades comerciais. Se esta obrigação de cumprimento da lei comercial, serve para a constituição da sociedade Ré, in casu, também servirá para o seu relacionamento comercial com fornecedores, portanto sujeita ao processo cível e não administrativo. O facto dos seus concursos de empreitadas obedecerem ao regime de contratação do Código de Contratos Públicos, para aqui nada releva, já que o controlo do Tribunal de Contas prende-se unicamente com a utilização de dinheiros públicos, para a realização das obras, pelo seu principal acionista ser a Câmara Municipal …. - Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:“Pelo exposto, julga-se verificada a exceção de incompetência material, e, em consequência, absolve-se a ré “C…, EM” da instância. Custas a cargo da autora (art.º 527º do CPC). Fixa-se o valor da causa em € 55.493,14 (art.º 306º do CPC)”. - A Autora B…, SA veio interpor recurso da sentença. - Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:A) Vem a recorrente recorrer da douta decisão do Juízo Central Cível do Porto – Juiz 4, ao considerar verificada a exceção de competência material, absolvendo a ré da instância, pois só considera competente a jurisdição administrativa para a resolução do presente litígio, com suporte nos art. 96º, alínea a), e art. 99º/1, art. 278º a) e art. 577º a) do CPC. B) Considera o Tribunal a quo, estarmos perante questões emergentes de um contrato administrativo, suportando doutamente a sua tese, desconsiderando tratar-se de um processo de injunção, resultante de transações comerciais celebradas entre uma sociedade comercial e uma entidade municipal, constituída com os requisitos das sociedades comerciais. C) Quando, na verdade, estamos perante um processo de injunção, para cobrança de faturas emitidas, aceites e não pagas, tendo a recorrente adquirido os respetivos créditos, estando subjacente uma relação comercial entre a cedente e a requerida. D) O procedimento de injunção é utilizável quer área administrativa quer na área civil, da forma que o respetivo operador económico o pretenda, e desde que se trate de um atraso de pagamento em “transações comerciais”, independentemente do valor da dívida, e que, para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de “oposição”, no procedimento de injunção, determina a remessa dos autos para o tribunal competente, “aplicando-se a forma de processo comum”. E) O art. 3º do DL 62/2013 de 10 de maio, define transação comercial, como uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração, o que é o presente caso, pois estamos perante uma prestação de serviços, com faturas emitidas e não pagas. F) O tribunal recorrido, não deveria ter considerado o processo como resultante de questões de natureza administrativa, pois a recorrente assim não o configurou, já que o contrato de prestação de serviços entre a cedente e a requerida não foi colocado em causa. G) Ao socorrer-se do procedimento de injunção, a recorrente não cometeu erro na forma do processo, antes fez uma correta interpretação e aplicação das pertinentes normas legais. H) Deveria o tribunal recorrido, considerar-se competente para julgar o presente processo, pois estamos completamente no âmbito de relações e transações comerciais, não sendo relevante a natureza jurídica das partes e independentemente da natureza jurídica da relação contratual subjacente. I) Mesmo que assim não se entenda, o Tribunal a quo ao considerar-se incompetente, devido a erro de distribuição, deveria ter remetido os autos para o tribunal administrativo competente, aplicando o princípio de aproveitamento dos atos praticados, e nunca ter absolvido a ré da instância. Termina por pedir o provimento do recurso, com revogação da sentença, prosseguindo os autos no tribunal recorrido para ulteriores procedimentos até audiência final, ou a remessa para o tribunal administrativo competente. - Não foi apresentada resposta ao recurso.- O recurso foi admitido como recurso de apelação.- Dispensaram-se os vistos legais.- Cumpre apreciar e decidir.- II. Fundamentação1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC. As questões a decidir: - do critério para aferir da competência material do tribunal; - se o procedimento de injunção se mostra adequado para promover a apreciação de questões relacionadas com o incumprimento dos contratos de natureza administrativa, podendo tal procedimento ser usado de forma indiferenciada na jurisdição cível e administrativa; - se por efeito da declaração da incompetência material do tribunal devia ser ordenada a remessa oficiosa para o tribunal competente em razão da matéria. - 2. Os factosCom relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: - a autora veio pedir a condenação da ré – C…, EM - a pagar-lhe o valor de determinados serviços prestados, com fundamento num contrato celebrado em 2014 (contrato de empreitada subsequente a “Concurso Publico para a contratação da empreitada de consolidação da … – secções ... e ..” previamente visado pelo Tribunal de Contas junto pela Ré na contestação). - 3. O direitoA apelante insurge-se contra a decisão pretendendo a sua revogação ou a remessa dos autos ao tribunal administrativo competente. Antes de entrar na análise das questões colocadas cumpre atender aos fundamentos da decisão e que se passam a transcrever: “A competência de um tribunal – enquanto pressuposto processual -é a medida da sua jurisdição, a parte da jurisdição que a lei lhe assinala, tratando-se de determinar, quanto à competência em razão da matéria, em que tribunal é que a ação deve ser proposta, se num tribunal comum, se num tribunal de jurisdição especial. Ora, como tem sido enfatizado pela doutrina e jurisprudência pátrias1, a apreciação de tal pressuposto processual (tal como os demais) é feita tendo por base a forma como o autor configura a sua ação, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, tendo-se ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exata configuração da causa. Em suma, para decidir qual das diversas normas definidoras dos critérios que presidem à distribuição do poder de julgar entre os diferentes tribunais deve olhar-se aos termos em que a ação foi posta – seja quanto aos seus elementos objetivos seja quanto aos seus elementos subjetivos. A competência do tribunal – ensina REDENTI, citado por MANUEL DE ANDRADE – afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, como antítese com aquele que será mais tarde o quid decisum): é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor. E o que está certo para os elementos objetivos da ação está certo ainda para a pessoa dos litigantes. A competência do tribunal não depende, pois, de legitimidade das partes nem da procedência da ação. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não importando averiguar, tal como uniformemente vem sendo salientado pela doutrina e jurisprudência assinaladas, quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão. Portanto, será, pois, em função do modo como a causa é delineada na petição inicial e não pela controvérsia que venha a resultar da ação e da defesa que a competência do tribunal se averigua. Em matéria de tribunais – enquanto órgãos de soberania – e sua organização fundamental, a Constituição da República Portuguesa prevê, entre outras categorias, a dos tribunais judiciais e a dos tribunais administrativos e fiscais – art.º 209º, nº 1, als. a) e b-. estabelece o nº 3, do seu art.º 212º, que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. E, por sua vez, o nº 1, do art.º 211º, que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal que exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – princípio da competência jurisdicional residual. Tal como antes no art.º 18º, nº 1, da Lei 3/99, de 13.01 – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais –, depois no art.º 26º, nº 1, da sucedânea Lei 52/2008, de 28.08, e, atualmente, no art.º 40º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26.08 – Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) –, este princípio encontra-se também vertido no art.º 64º, do CPC: “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, remetendo o artigo seguinte (65º) para as leis de organização judiciária a determinação das causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais. Sendo certo que, de acordo com o art.º 38º, nº 1, da actual LOSJ, e do art.º 5º, nº 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19.02 (várias vezes alterado, a última das quais pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 210, que apenas entrou em vigor, salvo exceções aqui irrelevantes, 60 dias após a sua publicação de acordo com o art.º 15º do diploma), a competência se fixa no momento em que a ação se propõe, importa, à luz do citado princípio, verificar se a lei atribui ao foro administrativo a competência para o julgamento do presente caso. Com efeito, a infração das regras de competência em razão da matéria (art.º 60º, nº 2, do NCPC), determina a incompetência absoluta do tribunal (art.º 96º, do mesmo diploma legal). Pode ser arguida pelas partes ou suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, constitui exceção dilatória e implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar (sem prejuízo, se tal for requerido, do aproveitamento dos articulados e remessa do processo ao tribunal em que devia ter sido proposta a acção) – art.ºs 97º, nº 1, 99º, 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. a), e 578º, todos do CPC. No caso em apreço, a autora veio pedir a condenação da ré – C…, EM - a pagar-lhe o valor de determinados serviços prestados, com fundamento num contrato celebrado em 2014 (contrato de empreitada subsequente a “Concurso Publico para a contratação da empreitada de consolidação da … – secções .. e ..” previamente visado pelo Tribunal de Contas junto pela Ré na contestação) matéria que não foi posta em crise pela autora. Encontramo-nos, claramente, perante um litígio emergente de relações contratuais – a autora pretende acionar a responsabilidade civil de uma entidade pública tendo por base o alegado incumprimento do contrato por parte da ré. Assim e ante o já acima exposto, importa referir que à formação do contrato em apreço se aplica o regime vigente à data da sua celebração Código da Contratação Pública (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29.01. E para a determinação do tribunal competente haverá que atender às alterações introduzidas no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) pelo DL nº214-D/2015, de 2.10, que entrou em vigor a 3.10.2015, competência que se fixa no momento em que a ação se propõe (art.º 38º, nº1 da Lei nº 62/2013, de 26.08). Sendo incontrovertido tratar-se de uma ação de responsabilidade civil contratual, vejamos se a mesma recai no âmbito do foro administrativo. Sendo residual a competência atribuída aos tribunais judiciais, averiguemos, pois, se existe alguma norma que atribua a competência para julgar a presente ação aos tribunais administrativos. O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19.02, na redação da Lei nº 4-A/2003, de 19.02, redefinindo os critérios de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, começava por definir a competência dos tribunais administrativos de um ponto de vista substancial, reportando-a aos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, aproximando-a, assim, da função jurídico-constitucional que lhe é atribuída pelo art.º 212º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa. A delimitação substantiva da justiça administrativa feita por recurso à utilização de uma cláusula geral (cfr., Jonatas E. M. Machado, “Breves considerações em torno do âmbito da justiça administrativa”, in “A Reforma da Justiça Administrativa”, Boletim da F.D.U.C., Coimbra Editora 2005, p. 86), foi, contudo, abandonada com a nova redação dada ao artigo 1º pelo DL nº214-D/2015, de 2.10, optando por remeter a matéria da delimitação do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal para o art.º 4º do ETAF. O nº1 do artigo 4º do ETAF, concretizando o âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos, procedia à enumeração exemplificativa (cfr. Jonatas E. M. Machado, artigo e local citados, p. 102) dos litígios abrangidos pela mesma, dispondo, na redação da Lei 107-D/2003, de 31.12, quanto às relações contratuais: “1. Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: (…) e) Questões relativas à validade de atos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público; f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos do respetivo regime substantivo, ou de contratos que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou uma concessionária que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público; (…)”. Na vigência de tal versão, entendia-se que na alínea e) se atribuíam à jurisdição administrativa os litígios que tivessem por objeto a interpretação validade e execução de contratos, mesmo que puramente privados, desde que estivessem submetidos a um procedimento précontratual por normas de direito público. As razões que levaram o ordenamento jurídico a submeter a celebração de certos tipos de contratos, celebrados por entidades que gerem recursos públicos para satisfação de necessidades coletivas, a um regime pré-contratual comum de direito público, justificam a atribuição à jurisdição administrativa da competência para dirimir os litígios que possam surgir no âmbito das respetivas relações contratuais. Vide, Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, As Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3ª ed., Almedina 2004, p. 42 e 43. A doutrina defendia, então, que para que tais litígios contratuais ficassem sujeitos à jurisdição administrativa nem sequer era necessário que o respetivo contrato tivesse sido celebrado na sequência de uma précontratação administrativa, desde que houvesse uma lei que admitisse que ele fosse submetido a um procedimento de tal natureza (cfr. Maria Helena Barbosa Canelas, “A competência dos Tribunais Administrativos”, Julgar, nº15, Coimbra Editora, p. 113 a 116). Já quanto à alínea f), considerava-se que tal norma atribuía à jurisdição administrativa competência para apreciar os seguintes litígios: a) relativos à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de acto administrativo; b) relativos a contratos especificamente a respeito dos quais existissem normas de direito público que regulem aspetos do respetivo regime substantivo; c) de contratos que pelo menos uma das partes fosse uma entidade pública ou uma concessionária que atuasse no âmbito da concessão e que as partes tivessem expressamente submetido a um regime substantivo de direito público. No que respeita à al. f), segundo José Carlos Vieira de Andrade (in “A Justiça Administrativa, Lições, 13ª, Almedina, 2014, p. 116, “o legislador terá querido, através da enumeração feita, delimitar a jurisdição administrativa pela natureza administrativa do contrato, em função do objeto (passível de ato administrativo), do conteúdo (submetido a normas específicas de direito público) ou do sujeito (uma das partes tem de ser entidade pública ou concessionária no âmbito da concessão). Já Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida ((in “As Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 3ª ed., Almedina 2004, p. 42 e 43), defendiam que, no que toca aos litígios emergentes de relações contratuais, o legislador lançou mão de um duplo critério delimitador da atribuição de competência aos tribunais administrativos: a) em primeiro lugar, o critério do procedimento pré-contratual (art. 4º, nº1, al. e)). b) em segundo lugar, o critério do regime substantivo, abrangendo, neste sentido, o art. 4º, nº1, al. f), os contratos de objeto passível de ato administrativo, as questões relativas a contratos administrativos típicos (cada um dos tipos de contratos administrativos que a lei especificamente preveja, consagrando normas de direito público destinadas a regular aspetos específicos do seu regime substantivo), estendendo ainda a jurisdição administrativa a litígios emergentes de contratos “que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”. E, na interpretação que de tal norma fazia Isabel Celeste M. Fonseca (in, “Direito da Contratação Pública”, Almedina 2009, p. 240) o art.º 4º, nº1, al. f), do ETAF, sujeitava à apreciação dos tribunais administrativos as questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos administrativos, rectius, contratos em que se verifica uma das características aí previstas tendencialmente indicadoras de se estar em presença de um contrato administrativo. Como se fez constar do respetivo preâmbulo, com as alterações introduzidas pelo DL nº 214-G/2015 ao ETAF, que entraram em vigor a 3.11.2015 (art.º 15º, nº 4), pretendeu-se prosseguir e aprofundar o que havia sido a orientação encetada na reforma de 2004 “de fazer corresponder o âmbito da jurisdição aos litígios de natureza administrativa e fiscal que por ela devem ser abrangidos”. Em matéria do contencioso dos contratos, a delimitação da competência dos tribunais administrativos passou a constar duma única alínea, a alínea e), suprimindo-se o que aí se desenvolvia ao longo das alíneas b), e) e f). Nos termos da referida alínea e), compete agora ao tribunal administrativo a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a “validade de atos pré-contratuais e interpretação validade e execução de contratos administrativos ou quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”. Para efeito da delimitação do âmbito da jurisdição administrativa em matéria de contratos faz-se apelo não apenas ao critério do contrato administrativo – nas cinco espécies em que, tal como se encontra delimitada pelos art.ºs 1º, nº 6, 3º e 8º, do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL nº 18/2008, de 29.01, mas ainda a um outro critério que é o da submissão do contrato às regras da contratação pública (cfr. Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, 2016, 2ª ed., Almedina, p. 161). Assim, como sustenta Carlos Carvalho (in “Alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”, in Comentários à revisão do ETAF e do CPTA, Coordenação de Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, AAFDL Editora, 2016, p. 59-60) “(…) este ao regular os procedimentos pré-contratuais abarca também os contratos de direito privado celebrados pela Administração e, bem assim, alguns dos contratos outorgados entre privados que sejam entidades adjudicantes. Daí que basta que o contrato esteja submetido a regras procedimentais de formação de direito administrativo para que os litígios passem a estar sob a alçada do tribunal administrativo e isso independentemente do facto do contrato à luz do CCP se qualificar ou não como contrato administrativo”. Quanto ao critério do “contrato submetido a regras de contratação pública”, afirma Mário Aroso de Almeida: “A previsão do preceito compreende claramente litígios respeitantes a quaisquer contratos, que não apenas contratos administrativos, e tanto contratos celebrados por pessoas coletivas de direito público, como contratos celebrados por entidades privadas, quando sujeitas a regras de direito público em matéria de procedimentos pré-contratuais (ou seja, quando legalmente qualificadas como entidades adjudicantes, segundo a terminologia do CCP, como agora é explicado no preceito)”. Segundo o referido autor, a previsão em referência abrange a espécie de contratos administrativos a que se refere o art.º 1º, nº 6, al. d), do CCP, dos «contratos que a lei submeta, ou admita que possam ser submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público»”: “desde que um contrato esteja submetido a regras procedimentais de formação de Direito Administrativo, todas as questões que dele possam vir a emergir devem ser objeto de ação a propor perante os tribunais administrativos, e não perante os tribunais judiciais – e isto, independentemente da sua qualificação ou não como contrato administrativo, nos termos do CCP” (cfr. “Manual de Processo Administrativo”, p. 165). No caso em apreço, a entidade adjudicante, é uma pessoa coletiva de direito público- é empresa municipal que integra a denominada administração autárquica indireta privada que faz parte da denominada administração pública autónoma, e a entidade adjudicante é um “contraente público”, por força das disposições conjugadas dos art.ºs 2º, nº 1, al. a), e 3º, nº 1, al. b), do CCP. E o contrato celebrado entre as partes foi submetido a um procedimento prévio regulado por normas de direito público – concurso público, previsto na al. b), do nº 1 do art.º 16º CCP. O contrato em questão encontrar-se-á, por esta via – por se encontrar submetido a regras de contratação pública – sujeito à jurisdição administrativa. Veja-se ainda que o nº 6 do art.º 1º, do CPP qualifica como contratos administrativos, não só os contratos administrativos por natureza [contratos a que se referem as alíneas b), c), e d), do citado normativo] e os contratos administrativos por determinação da lei [art.º nº 6, al. a)], como, ainda, os contratos administrativos por qualificação das partes e que abrange contratos atípicos que poderiam ser contratos de direito privado e que são contratos administrativos apenas porque as partes assim o querem e determinam: trata-se de contratos que, não sendo administrativos por natureza, nem a lei os qualificando como administrativos, só são administrativos na medida em que a lei aceita que as próprias partes, desde que uma delas seja um contraente público, os qualifiquem como administrativos ou os submetam a um regime substantivo de direito público [cfr., art.º 1º, nº 6, al. a) e art.ºs 3º, nº 1, al.b), e 8º do CCP]. Vide, neste sentido, Mário Aroso de Almeida, obra citada, p. 163. Ou seja, basta que o contrato, por vontade do contraente público, tenha sido submetido a um procedimento pré-contratual de direito público, como é o caso dos autos, para lhe atribuir a qualificação de contrato administrativo. A entidade contratante sujeitou a celebração do contrato a um concurso público, sendo que o empreiteiro fica subordinado ás exigências de interesse público de conclusão atempada das obras e fornecimentos, objecto do contrato (al f) do contrato de fls. 13, 14 e 15 dos autos). Aliás, até clausularam (9ª) que “ para resolução de todos os litígios decorrentes do contrato fica estipulada a competência do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. E, assim sendo, impõe-se assim concluir que as questões de interpretação, validade e execução do alegado contrato, aqui se incluindo a realização coativa da prestação imputada à ré e à “D…, SA”, se integram na al. e) do nº 1 do art.º 4º do ETAF, sendo a jurisdição administrativa a competente para dirimir o litígio”. A interpretação desenvolvida na sentença sobre a aplicação do art. 4º/1/e) do ETAJ, na redação do DL 214-G/2015 de 02 de outubro, à qual se adere, tem sido acolhida na jurisprudência, entre outros, no Ac. Rel. Lisboa 06 de julho de 2021, Proc. 1297/20.5T8PDL-A.L1-7, Ac. STJ 13 de outubro de 2016, Proc. 30 249/14.2YIPRT.G1.S1, Ac. Rel. Porto 16 de novembro de 2015, Proc. 2195/14.7TBMTS.P1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt). Passando à apreciação das questões suscitadas na apelação. - - Do critério para aferir da competência material do tribunal -Nas conclusões de recurso sob a alínea F) considera a apelante que o tribunal recorrido, não deveria ter considerado o processo como resultante de questões de natureza administrativa, pois a recorrente assim não o configurou, já que o contrato de prestação de serviços entre a cedente e a requerida não foi colocado em causa. Questiona a apelante os critérios para aferir da competência em razão da matéria, sendo certo que na decisão recorrida se atendeu apenas ao pedido e causa de pedir tal como estruturados na ação. A competência do tribunal constitui um pressuposto processual que resulta do facto do poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos tribunais. A competência abstrata de um tribunal designa a fração do poder jurisdicional atribuída a esse tribunal. A competência concreta do tribunal, ou seja, o poder do tribunal julgar determinada ação, significa que a ação cabe dentro da esfera de jurisdição genérica ou abstrata do tribunal. A competência em razão da matéria distribui-se por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas. Neste domínio funciona o princípio da especialização, de acordo com o qual se reserva para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do direito[2]. A “insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação”, determina a incompetência do tribunal[3]. Nos termos do art. 211º da Constituição da República Portuguesa, os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Gozam de competência não discriminada. Daqui decorre que os restantes tribunais, constituindo exceção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas. A competência do tribunal em razão da matéria determina-se por referência à data da instauração da ação e afere-se em razão do pedido e da causa de pedir tal como se mostram estruturados na petição[4]. Foi este o critério seguido na decisão sob recurso, sendo certo que o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica que as partes dão aos factos, como se prevê no art. 5º CPC. Na decisão recorrida considerou-se o pedido formulado, bem como os termos em que foi estruturada a causa de pedir e a natureza do contrato tal como resulta da oposição e documento ali junto, aceite pelo autor na resposta. Considerou-se, ainda que o contrato, perante o critério da lei, reveste a natureza de um contrato administrativo, sendo competente o tribunal administrativo para dirimir os conflitos decorrentes da sua execução, nos termos do art. 4º/1 e) do ETAF. Decorre do art. 4º/1 e) que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto: “e) Validade de atos pré -contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”. Na previsão da alínea e) do art. 4º integram-se os litígios emergentes de todos os contratos que a lei submeta, ou ainda, que possam ser submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público (art.1º/6 d) Código dos Contratos Públicos). Em todo o contrato que esteja submetido a regras procedimentais de formação de Direito Administrativo, as questões que dele possam vir a emergir devem ser objeto de uma ação a propor perante os tribunais administrativos, independentemente da sua qualificação como contrato administrativo. Nesta alínea atribui-se à jurisdição administrativa os litígios que tenham por objeto a interpretação, validade e execução de contratos, mesmo que puramente privados, desde que estejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público e sejam celebrados por pessoas de direito público ou outras entidades adjudicantes[5]. O facto do nosso ordenamento jurídico fazer depender a celebração de certos tipos de contratos, por certas entidades (públicas ou equiparadas), da prévia realização de um procedimento especificamente regulado por normas de direito público, justifica a atribuição à jurisdição administrativa da competência para dirimir os litígios que possam surgir no âmbito das correspondentes relações contratuais, ainda que essas relações não revistam, em si mesmas, natureza administrativa. Nos termos do art. 1º/1/2 do Código dos Contratos Públicos – DL 18/2008 de 29/01[6] - consideram-se contratos públicos todos aqueles que, independentemente da sua designação ou natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes, a que se reporta o diploma. No caso presente a entidade adjudicante, é uma pessoa coletiva de direito público - é empresa municipal que integra a denominada administração autárquica indireta privada que faz parte da denominada administração pública autónoma, e a entidade adjudicante é um “contraente público”, por força das disposições conjugadas dos art.ºs 2º, nº 1, al. a), e 3º, nº 1, al. b), do CCP. O regime da contratação pública estabelecido na parte II do Código dos Contratos Públicos é aplicável à formação dos contratos públicos – art. 1º/2 do Código dos Contratos Públicos. De acordo com o art. 16º/1 do Código dos Contratos Públicos apenas estão sujeitos aos procedimentos de formação dos contratos públicos, os contratos cujo objeto abranja prestações que estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado. Daqui decorre que mesmo os contratos celebrados pela Administração Pública no âmbito da gestão privada estão sujeitos ao procedimento de formação dos contratos públicos – ajuste direto, concurso público, concurso limitado por prévia qualificação, procedimento de negociação, diálogo concorrencial -, desde que o respetivo objeto esteja ou seja suscetível de estar submetido à concorrência[7]. Consideram-se submetidas à concorrência de mercado, nos termos do nº2 do art. 16º, independentemente da sua designação ou natureza, as prestações típicas abrangidas pelo contrato de empreitada de obras públicas. No caso concreto apurou-se que a autora veio pedir a condenação da ré – C…, EM - a pagar-lhe o valor de determinados serviços prestados, com fundamento num contrato celebrado em 2014, contrato que reveste a natureza de um contrato de empreitada subsequente a “Concurso Publico para a contratação da empreitada de consolidação da … – secções .. e ..” previamente visado pelo Tribunal de Contas. O contrato celebrado entre as partes tinha por objeto a realização de uma obra de interesse público e foi submetido a um procedimento prévio regulado por normas de direito público – concurso público, previsto na al. b), do nº 1 do art.º 16º CCP. O contrato em questão encontrar-se-á, por esta via – por se encontrar submetido a regras de contratação pública – sujeito à jurisdição administrativa. Basta que o contrato, por vontade do contraente público, tenha sido submetido a um procedimento pré-contratual de direito público, como é o caso dos autos, para lhe atribuir a qualificação de contrato administrativo. A entidade contratante sujeitou a celebração do contrato a um concurso público, sendo que o empreiteiro fica subordinado ás exigências de interesse público de conclusão atempada das obras e fornecimentos, objeto do contrato (al f) do contrato de fls. 13, 14 e 15 dos autos). Cumpre também salientar que apesar de na presente ação, não estar em causa a validade ou interpretação do contrato origem do crédito da autora, não deixa de estar em causa a execução do contrato, quando a Autora formula o pedido de pagamento do preço pelos serviços prestados. O pagamento é ainda execução do contrato, pelo cumprimento das obrigações dele emergentes para uma das partes[8]. Conclui-se, assim, que o litígio dos autos tem por objeto a execução de um contrato sujeito a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, pelo que é a jurisdição administrativa a competente para o dirimir, nos termos do art. 1º e 4º/1 e) ETAF. Não merece censura a decisão por assim ter concluído. Improcedem as conclusões de recurso sob a alínea F). - - Se o procedimento de injunção se mostra adequado para promover a apreciação de questões relacionadas com o incumprimento dos contratos de natureza administrativa, podendo tal procedimento ser usado de forma indiferenciada na jurisdição cível e administrativa -Nas conclusões de recurso, sob as alíneas A) a E) e G) e H), a apelante considera que o procedimento de injunção se mostra adequado para apreciar as questões relacionadas com cobrança de faturas emitidas, aceites e não pagas, tendo a recorrente adquirido os respetivos créditos, estando subjacente uma relação comercial entre a cedente e a requerida, o qual pode ser utilizado na jurisdição comum como na jurisdição administrativa. A apelante desloca o centro do litígio da exceção de competência material para o erro na forma de processo. Contudo, a nulidade não foi suscitada na oposição pela ré, nem foi objeto de conhecimento oficioso pelo tribunal, inexistindo decisão suscetível de impugnação com tal fundamento. Acresce que na ordem lógica de análise dos pressupostos processuais, a exceção da competência material precede o julgamento das nulidades processuais e por outro lado, a nulidade a existir considera-se sanada com a prolação da sentença, não sendo por isso, suscetível de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso (art. 608º/1 e art. 200º/2 CPC). Refira-se, ainda, que o apelante segue o entendimento que este procedimento pode ser utilizado tanto em sede de jurisdição administrativa, como na jurisdição comum, admitindo que não existe qualquer obstáculo de ordem formal que condicione o exercício do direito usando este procedimento processual. Com efeito, poderia colocar-se a questão da compatibilização do procedimento de injunção previsto e regulado no Diploma Anexo ao DL 269/98, de 01-09, na sua atual redação, com o contencioso dos tribunais administrativos. Esta problemática encontra-se abordada no Ac. do STA de 14 de abril de 2016, proferido no processo n.º 0849/15 (acessível em www.dgsi.pt) (citado pela própria apelante) e no Ac. STJ 13 de outubro de 2016, Proc. 30249/14.2YIPRT.G1.S1 (acessível em www.dgsi.pt). Resulta da posição defendida nos doutos arestos; “nada, em princípio, parece impedir que esse meio célere e desburocratizado de obter um documento com força executiva possa ser utilizado fora do âmbito da jurisdição comum”; e que tal procedimento será “utilizável na área administrativa sempre que o respetivo operador económico o pretenda, e desde que se trate de um atraso de pagamento em «transações comerciais». Ali se observa que “se dúvidas razoáveis houvesse (…), sempre as mesmas deveriam ser resolvidas em sentido positivo, pois não admitir o procedimento de injunção na jurisdição administrativa, e no universo litigioso em referência, corresponderia a uma discriminação negativa de credores de entidades públicas que contraria o princípio da interpretação conforme ao direito da União Europeia”. Nesta linha de entendimento, “afigura-se que, no caso de requerimento de injunção fundado em créditos relativas a transações comerciais emergentes de contratos administrativos, como o dos autos, os tribunais competentes para a subsequente fase jurisdicionalizada, em caso de oposição ou de frustração da notificação do requerido, serão os tribunais administrativos, assim se compatibilizando o procedimento de injunção com os meios processuais daquele contencioso”. Neste contexto, não existindo qualquer obstáculo à ulterior tramitação do processo de injunção em sede de jurisdição administrativa, mas não sendo o tribunal comum competente em razão da matéria para a tramitação e julgamento dos autos, não merece censura a decisão que julgou procedente a exceção. Perante o exposto improcedem as conclusões de recurso, sob as alíneas A) a E) e G) e H). - - Do efeito da declaração da incompetência material do tribunal - Na alínea I) das conclusões de recurso considera a apelante que a considerar-se incompetente em razão da matéria, como efeito de tal declaração devia o tribunal remeter o processo oficiosamente para o tribunal administrativo competente em vez de absolver a ré da instância. Determina o 99º CPC, sob a epígrafe, “Efeito da incompetência absoluta”: 1.[…] 2. Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada. 3.[…] No Código de Processo Civil de 1965 os efeitos da incompetência absoluta estavam previstos no art. 105º/2, no qual se previa que o aproveitamento dos articulados só se fazia mediante o acordo de autor e réu. Presentemente, decretada a incompetência absoluta depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se se o autor requerer a remessa do processo para o tribunal competente e o réu não se opuser de modo justificado. Este regime harmoniza o princípio da economia processual e do direito à defesa. A remessa do processo para o tribunal competente não é automática, nem depende do acordo das partes, sendo certo que o pedido só não será atendido se o réu apresentar “oposição justificada”. Como referem LEBRE DE FREITAS: “[…]será injustificada [a oposição] se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente; é discutível se continuará a sê-lo se o réu não utilizou todos esses meios, embora os pudesse utilizar[…]”[9]. A remessa dos autos para o tribunal materialmente competente passará sempre pela iniciativa do autor, não sendo de conhecimento oficioso. A exceção foi decidida no termo dos articulados e por isso, não merece censura a decisão que absolveu a ré da instância. Improcedem, também, as conclusões de recurso sob a alínea I). - Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.- III. Decisão:Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença. - Custas a cargo da apelante.* Porto, 28 de outubro de 2021(processei e revi – art. 131º/6 CPC) Assinado de forma digital por Ana Paula AmorimManuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais ______________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pag. 195. JOÃO DE CASTRO MENDES Direito Processual Civil, vol I, Lisboa, AAFDL, 1980, 646. [3] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, 128. [4] Cfr. MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 91. Na jurisprudência, entre outros, podem consultar-se: Ac. Rel. Porto 31.03.2011 – Proc. 147/09.8TBVPA.P1 endereço eletrónico: www.dgsi.pt; Ac. STJ, CJ/STJ, 1997, I, 125; Ac. Rel Porto 07/11/2000, CJ, Tomo V/2000, pág. 184. [5] Cfr. Ac. STJ 13 de outubro de 2016, Proc. 30249/14.2YIPRT.G1.S1 (acessível em www.dgsi.pt) [6] Diploma que procedeu à transposição das Diretivas nº 2004/17/CE e 2004/18/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, bem como da Diretiva nº 2005/51/CE, da Comissão, de 07 de Setembro e ainda da Diretiva nº 2005/75/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Novembro (art. 1º do DL 18/2008 de 29/01). [7] JORGE ANDRADE DA SILVA Código dos Contratos Públicos, 4ª edição, Revista e Atualizada, Coimbra, Almedina, 2013, pag. 38. [8] Neste sentido, entre outros, o Ac. Rel. Porto 02.05.2013, Proc. 38162/12.1YIPRT-A.P1– endereço eletrónico: www.dgsi.pt. [9] JOSÉ LEBRE DE FREITAS – ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, Setembro 2014, pag. 204 |